Durante anos temos ouvido de pregadores e lido de estudiosos, argumentos
baseados em uabbatismos — sabbatismós de
Heb. 4: 9 em defesa da continuidade da guarda do sábado no Novo Testamento.
Pesquisando este assunto com mais profundidade, concluiremos que este texto
não deve ser usado, como prova de que o repouso sabático permaneceu inalterável
após a morte de Cristo. Embora o tema ventilado nesta passagem não seja o dia
santificado, ele nos traz uma profunda mensagem referente ao sábado do sétimo
dia.
Para uma boa compreensão deste problema, é preciso estudar os capítulos 3
e 4 da carta aos Hebreus, ou o contexto deste verso.
Pela leitura se conclui que o autor da carta mostra como o povo judeu, do
tempo de Moisés e Josué, não conseguiu entrar no repouso de Deus por causa da
sua incredulidade.
Quando Deus tirou a Israel do Egito Ele disse a Moisés:
“A minha presença irá contigo, e eu te darei
descanso”. Êxo.33:14.
Para Moisés e Israel estas novas eram muito agradáveis após um período de
lutas e agitações no Egito.
As promessas de descanso eram condicionais:
“Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes a minha
aliança, ent5o sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos. . .“. Israel, muito interessado em entrar na
terra prometida, sempre se lembrava das promessas, mas se esquecia de cumprir
as condições. Sabemos que por sua incredulidade quase todos morreram no
deserto, sem desfrutarem da terra prometida.
Foi a este mesmo descanso que Jeremias se referiu quando disse: “Ponde-vos
à margem no caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom
caminho; andai por ele e achareis descanso para as vossas almas Jer. 6:16.
O livro de Hebreus tem como centro a obra de Cristo para salvar a
humanidade. Os capítulos 3 e 4 constituem um apelo para que o povo não falhasse
em entrar no repouso divino, como havia acontecido aos filhos de Israel durante
as vagueações pelo deserto.
O descanso aqui mencionado é a libertação das tribulações, tragédias,
angústias e dores após a segunda vinda de Cristo. Este descanso seria uma
maneira diferente de falar da salvação que Deus nos oferece.
Norman Russell Champlin em O Novo
Testamento Interpretado Versículo por Versículo, Vol. 59, pág. 513, assim
se expressou sobre o descanso de Hebreus 3 e 4:
“A fim de que se aplique bem a
passagem do A.T., em consideração, o termo chave descanso deve assumir um sentido
diferente daquele que foi obviamente empregado no caso da geração do deserto.
Ali a palavra indicava uma vida pacifica e estabelecida em Canaã, a Terra
prometida. Portanto, esse termo tinha um sentido essencialmente físico. Para os
judeus cristãos, porém, era necessário dar-lhe um significado espiritual,
equivalente ao entrar nas bênçãos do mundo espiritual. Todavia, essa
modificação não foi feita pelo próprio autor sagrado. Primeiramente, isso faz
parte inerente do próprio A.T., pois, apesar de que Israel buscava um descanso
terreno, por outro lado sempre houve o ensino de seu paralelo celeste, o
bem-estar espiritual, embora os pensamentos sobre o outro mundo não tenham sido
definidos do mesmo modo como o é no cristianismo, séculos mais tarde”.
Uma pergunta natural que vem a nossa mente é esta: Em que tempo o cristão
entra para este repouso? Quando aceita a Cristo ou apenas após a sua segunda
vinda?
O estudo do contexto, especialmente das palavras resta (katakeipo), hoje
(semeron) e entrar (eiserkomai) nos dão a idéia de que o repouso está à nossa
disposição no presente. Este descanso pode ser parcialmente desfrutado agora,
mediante a lealdade a Cristo, mas a apropriação plena deste descanso só será
possível no futuro, na nova terra.
O livro Consultoria Doutrinária da
Casa Publicadora, pág. 161, declara: “Quando o homem angustiado e perdido abandona
seus próprios esforços e lutas, suas próprias obras, sua justiça própria e seus
pecados, e se rende inteiramente a Deus através de Cristo e de sua justiça
imaculada, ele entra no princípio desse repouso, e esse repouso se completará,
quando o homem entrar na terra renovada por ocasião da segunda vinda de
Cristo”.
Uma outra pergunta que nos ajuda a reflexionar é a seguinte: Como se entra
para este repouso? A resposta se encontra no capítulo 4 verso 3. Este é o repouso no qual entrarão os crentes e do qual
fala Jesus em Mat. 11: 28 e 29. Vinde a mim. Porque nós, os que cremos,
entramos neste descanso. Crer é ter fé, é obedecer, é ter confiança em Deus.
Esta oportunidade não estará para sempre á nossa disposição, por isso Heb.
3: 13, 15, nos mostra que ela deve ser aproveitada hoje. Este privilégio está
à disposição de todo aquele que aceita a Cristo como seu Salvador pessoal.
Através de Hebreus 3 e 4 Paulo usa 9 vezes o termo repouso katapausis,
como o alvo a ser atingido, mas em Heb. 4: 9 surge uma palavra diferente para
repouso — sabbatismós,
que apropriadamente pode ser traduzida por “descanso sabático”.
“A palavra usada como ‘repouso’ aqui é diferente da que tem sido empregada
em toda a primeira parte do comentário (katapausis) . . . A palavra significa ‘o repouso de um
sábado’, e fornece um importante elo de ligação no argumento, indicando o fato
de que ‘o repouso’ que o autor tem em vista é o repouso de Deus, uma concepção
muito mais alta de repouso, do que qualquer espécie de descanso que Canaã
pudesse tipificar de modo adequado. O sábado, que em II Macabeus 15: 1 é
chamado o ‘dia de repouso’, é tipo mais aproximado do céu do que Canaã.” Farrar, Cambudge, Greek
Testament, Epistle to the Hebrews, pág. 68.
Os estudiosos são unânimes em declarar que o termo “sabbatismós” foi
criado pelo autor de hebreus, já que em nenhum documento ou inscrição esta
palavra foi encontrada.
Qual a razão do emprego desta nova palavra?
Tudo indica que o
apóstolo está unindo a mais profunda experiência de repouso, à qual Deus
convida seu povo, com o símbolo da fé que o próprio Deus instituiu, o sábado.
Em outras palavras: sendo katapausis o símbolo do repouso de Deus em Cristo,
ele nos relembra o repouso do sábado corno cessação das nossas obras, assim
como Deus cessou das suas no sétimo dia da criação.
Como bem asseverou Russel Norman Champlin em O Novo Testamento Interpretado, ao explicar Hebreus 4: 9: O autor
sagrado criou um vocábulo, que fala ao mesmo tempo, de “descanso” e de
“sábado”. E foi assim que ele obteve dois resultados:
1o.) Ele distinguiu esse descanso restante de qualquer outro
descanso.
2o.) Ele o identifica com o próprio descanso de Deus, o qual no
quarto versículo, é visto como algo que ocorreu no sétimo dia, quando toda a
obra da criação se completara”.
Após citar Heb. 4: 9, 11 Ellen White diz:
“O repouso aqui mencionado é o repouso da graça, que se obtém seguindo o
preceito: Trabalhai diligentemente. . . . Aqueles que não estão dispostos a
prestar ao Senhor um fiel, zeloso e amorável serviço não acharão repouso
espiritual nesta vida nem na vida porvir. Apenas de um diligente trabalho
provém a paz e o gozo no Espírito Santo —
felicidade sobre a terra e glória no além”. The SDA Bible Commentary, Comentários de Ellen G. White sobre Heb. 4:9, 11.
O pastor Jerry N. Page em artigo no Minístry,
junho 1978, pág. 13, com muita propriedade assim se expressou sobre o repouso
de Heb. 4:9:
“Embora o sábado seja
mencionado apenas incidentalmente em um contexto que enfatiza a
disponibilidade do repouso da salvação para o homem, o repouso de Deus, no
sétimo dia da semana da Criação, revela que o sábado é um símbolo, é uma
amostra do repouso da graça. Da mesma forma que o homem comunga com Deus pela
fé e desse modo obtém o repouso, assim aconteceu no domínio do tempo, de modo
que esta comunhão encontra sua suprema expressão na simbólica dádiva divina
do sábado. Quando nosso autor introduz o conceito do repouso divino, não é por
coincidência que ele faz um trocadilho pela introdução da palavra sabbatismós.
A relação entre o repouso divino como experiência e o sábado como seu símbolo
é de maneira conveniente explicada por E. J. Waggoner: ‘O repouso no Éden era
repouso sabático. O sábado é um pedaço do Éden que nos resta, até que o Éden
seja novamente restaurado; aquele que guarda o sábado como Deus o fez, como
Deus o concedeu para ser guardado, goza do repouso que o Senhor Jesus Cristo
tem no Céu. Mas como pode alguém guardá-lo? Pela fé!”1
O sábado como um símbolo da realidade do repouso espiritual tem
implicações com a futura, bem como com a passada e a presente salvação. O
sábado é um elo especial com a consumação do prometido repouso de Deus. - - O sábado, como símbolo daquele repouso
eterno é, num sentido especial, o sinal entre Deus e Seu verdadeiro povo do
concerto (Ezeq. 20: 12). Ele é o antegozo do eterno repouso e comunhão vindoura
com Aquele que ~ o fundamento de nossa confiança e nosso Criador, Jesus
Cristo. O sábado é um símbolo do profundo repouso de Deus no qual entramos
agora, enquanto aguardamos a experiência ainda mais completa da qual
partilharemos se conservarmos firmes nossa confiança e esperança até o fim.
Concluiremos com as palavras de Vincent em Word Studies in Um New Testament, Vol. IV, pág. 420:
“A salvação
cristã, após ter sido exposta como a autoridade (de Cristo) sobre o mundo
vindouro, como o livramento do temor da morte, agora é apresentada como a
participação no descanso de Deus. O propósito dos versículos primeiro a décimo
primeiro do quarto capitulo (de Hebreus) consiste em confirmar a esperança
desse descanso, advertindo contra a possibilidade de perdê-lo. O descanso de
Deus foi proclamado aos nossos antepassados; mas não entraram no mesmo devido à
sua incredulidade. Tal descanso também nos foi proclamado. E podemos falhar
como aqueles falharam, e devido à mesma razão”.
Do livro Reposo Divino para la
Inquietud Humana, de Samuel Bacchiocchi, no capítulo “O Sábado Mensagem de
Redenção”, págs. 127-132, retirei os seguintes pensamentos esparsos por serem
os mais expressivos:
Neste capítulo vamos ver de que maneira o sábado tem sido utilizado na Bíblia por Deus, para dar a
seu povo um vislumbre de sua salvação presente e futura.
“Anteriormente, vimos como a bênção e santificação do sábado são a
expressão do desejo divino de transmitir aos homens vida abundante por meio de
sua presença.
Quando o pecado arruinou as perspectivas de uma vida feliz na presença de
Deus, o sábado se converteu no símbolo do empenho divino para restabelecer
essas relações rompidas após a queda.
Havendo identificado em Heb. 4: 4 a promessa que Deus fez de um repouso
para seu povo com o descanso do sábado, o autor se sente livre para substituir
no versículo 9 a expressão comum para ‘descanso’ katapausis, pelo termo mais
expecifico de ‘repouso sabatico’ — sabbatismós.
Que este vocábulo se refere explicitamente a observância do sétimo dia, está
provado pelo significado que este termo tem nos escritos de Plutarco, Justino
Mártir e Epifânio, entre outros. Ademais, o verbo afim sabbatizo ‘repousar’ é
empregado várias vezes na Septuaginta referindo-se claramente à observância do sábado (conf. Êx. 16: 30; Lev. 23: 32; II Crôn. 36: 21). Estes fatores advogam
decisivamente em favor da interpretação de ‘sabbatismós — repouso
sabático’, como uma referencia ao descanso do povo
de Deus (4: 7) no sétimo dia. De outro lado, aquele ‘repouso de Deus’ que
os israelitas encontraram ao chegar à terra prometida atualiza-se no sábado,
‘de maneira que resta um repouso sagrado para o povo de Deus’ (4: 9). Porém, por outra parte esse descanso tem adquirido uma nova dimensão com a vinda de Cristo (4:3,7).
Para o autor de Hebreus, como disse Gerhard von Rad, ‘a finalidade última
da criação e a finalidade última da redenção se identificam’ na realização dos
objetivos, que Deus havia simbolizado no descanso do sábado.
O conceito de ‘repouso sabático — menuhah, como explica Abraham Joshua
Heschel, ‘significa na mentalidade bíblica felicidade e tranqüilidade, paz e
harmonia.’
A paz e o repouso do sábado, como aspirações políticas, permaneceram
geralmente sem ser cumpridas, e se converteram em símbolos da era messiânica,
chamada ‘o fim dos tempos’ ou ‘o mundo por vir.’ — Teodoro Fríedman observa que ‘duas das
três passagens nas quais Isaías menciona o sábado estão relacionadas com o
tempo do fim (Is. 56: 4, 6; 58>13, 14; 66: 22, 24) - . . Não é uma mera coincidência que Isaías
empregue as palavras ‘alegria’ (oneg) e ‘honra’ (havod) tanto em suas
descrições do sábado como nas do dia da restauração final (58: 13 ‘considera este dia como dia de
alegria... e digno de honra’ conf. 66: 10).
A razão é clara:
a alegria e o gozo que caracterizaram aquele dia estão
ao nosso alcance, aqui e agora, no sábado.’
A literatura rabínica e apocalíptica
tardia proporciona exemplos mais específicos do sábado concebido como uma antecipação
do mundo por vir.
O tema do sábado, como sinal de liberação, aparece em diferentes formas no
Antigo Testamento e na literatura judaica posterior. Sua condição de dia de
descanso, faz que o sábado seja a primeira vez um símbolo e um agente de
liberação física e espiritual particularmente eficaz. O fato de que o sábado
proporcione liberdade da opressão do trabalho o converte na mais afetiva
expressão da redenção divina. Daí a razão do sábado aparecer freqüentemente
associado com o tema da salvação.”
Referência
1. Studies
in the Book of Hebrews, de Ellet Joseph Waggoner, Boletim da Associação Geral, 1897, pág. 301.
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