“Senhor,
lembra-Te de mim”
Nossa identidade está gravada na
memória de Deus
Por Siegfried J. Schwantes
“E disse a Jesus: Senhor, lembra-Te
de mim quando entrares no teu reino” Luc. 23:42. A humilde petição do malfeitor crucificado ao lado
de Cristo nos comove por sua simplicidade. Numa intuição inspirada pelo
Espírito Santo, o suplicante pediu o essencial com um mínimo de palavras.
Percebeu que sua esperança de um futuro dependia de ser lembrado por Cristo.
Pensando bem, é o que todos nós no íntimo desejamos:
ser lembrados por Cristo já entronizado à destra do Pai. Se Cristo lembrar-Se
de nós, tudo estará bem. Não haverá perigo de sermos olvidados no pó da terra.
Quando a cortina desce irreversivelmente sobre nossa vida terrena, amigos e até
parentes esquecem. Para a maioria de nós a mera existência em nosso planeta é
tão tumultuada que não sobra tempo para recordações, especialmente recordações
dolorosas.
O natural é ser esquecido dentro de poucos anos.
Se a petição do malfeitor fosse feita a um amigo, a probabilidade é que ela
cairia no esquecimento. Foi o caso de José no Egito. Depois de interpretar o
sonho do copeiro-mor, José lhe fez um simples pedido: “Lembra-te de mim, quando
tudo te correr bem” (Gên. 40:14). José merecia um gesto de gratidão da parte de
quem tinha recebido de seus lábios as boas novas de um livramento próximo. Mas
o copeiro se conduziu como se conduzida a maioria dos mortais: esqueceu-se.
Duas vezes o relato bíblico expressa a simples
verdade: “O copeiro-chefe, todavia, não se lembrou de José, porém dele se
esqueceu” (Gên. 40:23).
Esquecer é humano, mas lembrar-se depois de
séculos e milênios, é divino. Deus não esquece Suas promessas. Ao malfeitor
arrependido Jesus prometeu: “Estarás comigo no paraíso” (Luc. 23:43). Esta
promessa é tão imutável como o próprio trono de Deus. “Porque quantas são as
promessas de Deus, tantas têm nEle o sim” (II Cor. 1:20). O ladrão penitente
podia exalar o último suspiro em paz, na certeza de que não seria esquecido por
seu Salvador.
Se de acordo com as Escrituras
não há alma que sobreviva à morte do corpo, onde estamos nós neste intervalo de
tempo que vai da morte à ressurreição? Corno será nossa identidade preservada?
Não corremos o risco de ver nossa personalidade evaporar-se como se evapora a
névoa numa manhã de sol?
É evidente que nossa identidade não reside no punhado de pó, que é tudo que
resta de um cadáver depois de alguns anos no jazigo. Ademais, houve santos que
foram queimados num auto-de-fé e suas cinzas atiradas ao vento. Foi o caso de
João Huss condenado à fogueira pelo Concílio de Constança, em 1414.
O mesmo concilio
decretou que as cinzas de João Wycliffe fossem desenterradas e jogadas num
riacho próximo como escarmento aos hereges, na Inglaterra.
Haverá ressurreição
para aqueles fiéis dos quais nem mesmo o pó foi conservado numa sepultura?
Adoniram Judson, missionário na Birmânia (hoje Mianmar) no começo do século
passado, pereceu num naufrágio ao regressar a sua terra natal. Outros
missionários foram devorados por antropófagos em algumas ilhas do sul do
Pacífico. Muita gente boa pereceu nos naufrágios que pontilham a história da
navegação marítima.
Identidade
preservada — Se a identidade do indivíduo não é assegurada pelas partículas de pó que
acaso ainda restem de seu corpo, como é esta identidade preservada? Que
garantia temos de que na manhã da ressurreição somos nós mesmos que voltaremos
à vida?
As Escrituras não nos
deixam na ignorância quanto a esta questão que nos toca tão de perto. O
apóstolo Paulo mesmo sugere a resposta quando declara: “Porque morrestes, e a vossa vida está
oculta juntamente com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, Se
manifestar, então, vós também sereis manifestados com Ele, em glória” (Col.
3:3 e 4). Em outras palavras, nossa identidade está preservada na memória de
Deus. Não poderia haver lugar mais seguro. Nenhum dos eleitos será esquecido
por nosso Pai celestial. Se mesmo “os cabelos todos da cabeça estão
contados”, no dizer de nosso Mestre (Mat. 10:30), não há razão para recear
que Deus Se esquecerá de nós no alvorecer da eternidade.
Seria algo fora do comum uma mulher esquecer-se do
filho ao qual deu parte do seu ser. Mas ainda que isto ocorresse, temos de Deus
mesmo a promessa: “Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, Eu,
todavia, não Me esquecerei de ti” (Isa. 49:15). Para remover o último
resquício de dúvida que pudesse pairar em nosso espírito, o Senhor
enfaticamente nos assegura: “Eis que
nas palmas das Minhas mãos te gravei” (49:16). As marcas dos cravos nas
mãos de Cristo constituem uma garantia perene de que nenhum crente que
depositou sua esperança em Deus será esquecido. Seus nomes estão, por assim
dizer, gravados indelevelmente nas palmas de Suas mãos. No livro Profetas e Reis, à página 571,
encontramos esta bela declaração: “O Senhor jamais trai a quem nEle confia.
Quando Seus filhos dEle se aproximam em busca de proteção contra o mal, em
piedade e amor Ele levanta para eles um estandarte contra o inimigo. Não lhes
toque, Ele diz; pois são Meus. Tenho-os gravados nas palmas das Minhas mãos.”
Conhecendo quão obtusos somos para compreender as
realidades espirituais, o Senhor condescendeu em usar uma linguagem que nos
fosse acessível ao inspirar ao profeta Malaquias a confortante afirmação: “Então,
os que temiam ao Senhor falavam uns aos outros; o Senhor atentava e ouvia;
havia um memorial escrito diante dEle para os que temem ao Senhor e para os que
se lembram do Seu nome” (3:16). Os que se lembram de Deus no seu viver
diário são assegurados de que há um memorial escrito, e que portanto seus nomes
não serão esquecidos, quando a lista dos temidos for lida no tribunal celeste.
Não há perigo de que o Senhor Se esquecerá de nós. O perigo jaz em nós nos
esquecermos de Deus. A promessa é limitada aos que “se lembram do Seu nome.”
Uma afirmação igualmente consoladora é feita pelo
autor da epístola aos Hebreus: “Porque Deus não é injusto para ficar
esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o Seu nome”
(Heb. 6:10). Todo ato de amor feito em nome de Cristo é anotado nos registros
do Céu. Aquele que der um copo de água fria a um dos pequeninos do Senhor, “de
modo algum perderá o seu galardão”, afirma nosso Mestre (Mat. 10:42). Esta
afirmação significa que o mais simples gesto de amor não será esquecido por
Aquele que nos outorgou a vida e o ser.
Se até mesmo os atos de bondade que julgamos
insignificantes são recordados por Deus, quanto mais nossa identidade? Podemos,
pois, repousar tranqüilos. Agora e sempre nossa vida está escondida com Cristo,
em Deus. De algum modo nosso Pai celestial guarda lembrança de cada traço de
nossa personalidade. E quando Cristo Se manifestar, nós também seremos “manifestados
com Ele, em glória”.
Nas vésperas de selar sua fé em Cristo com seu
sangue, o apóstolo Paulo redigiu este magnífico testemunho de uma convicção
inabalável: “Sei em quem tenho crido e estou certo de que Ele époderoso para
guardar o meu depósito até aquele dia” (II Tim. 1:12). Que seria este
depósito senão sua pessoa com toda sua individualidade inconfundível? Paulo não
alimentava a menor dúvida de que seu Redentor lhe devolveria não só a vida, mas
sua individualidade, no “dia da restauração de todas as coisas”(Atos 3:21). O
pedido de José ao copeiro-chefe caiu no esquecimento. Mas podemos ter certeza
de que nosso humilde pedido: “Senhor,
lembra-Te de mim”, não será esquecido. Nosso nome está gravado nas
palmas de Suas mãos.
Á Siegfried Schwantes, professor de Teologia, mora nos Estados Unidos.
Revista Adventista abril 2000
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