Mito abrasador
“A teoria de um tormento eterno
no inferno é antibíblica e conflitante com o caráter justo e misericordioso de
Deus”.
Como se
originou a crença no “inferno”? PH.H., São Paulo, SP
Alberto Ronald Timm, Ph.D., é diretor do Centro de Pesquisas Ellen G. White
e professor de teologia no Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia,
em Engenheiro Coelho, SP.
A noção de um
“inferno” de fogo eterno para castigar os maus está intimamente associada à
teoria da imortalidade natural da alma. Já no Jardim do Éden, Satanás, na forma
de uma serpente, disse a Eva que ela e Adão não morreriam (Gên. 3:4; Apoc.
12:9). Entre os antigos pagãos havia noções de um outro mundo no qual os
espíritos dos mortos viviam conscientes. Essa crença, somada à noção de que
entre os seres humanos existem pessoas boas e pessoas más que não podem
conviver para sempre juntas, levou antigos judeus e cristãos a crerem que, alem
do paraíso para os bons, existe também um inferno para os maus.
Muitos eruditos criam que a noção de um inferno de tormento para os ímpios
derivara do pensamento persa. Mas em meados do século 20 essa teoria já havia
perdido muito de sua força, diante das novas investigações que enfatizavam a
influência grega sobre os escritos apocalípticos judaicos do 2~ século a.C.
Tal ênfase parece correta, pois na literatura greco-clássica aparecem alusões a
um lugar de tormento para os maus. Por exemplo, a famosa Odisseia de Homero (rapsódia 11) descreve uma pretensa viagem de
Ulisses à região inferior do Hades, onde mantém diálogo com a alma de vários
mortos que sofriam pelos maus atos deles. Também PIarão, em sua obra A Republica, alega que “a nossa alma é
imortal e nunca perece”.
Por contraste,
o Antigo Testamento afirma que o ser humano é uma alma mortal (ver Gên. 2:7;
Ezeq. 18:20); que ele permanece em estado de completa inconsciência na morte
(ver Sal. 6:5; 115:17; Ecl. 319 e 20; 9:5 e 10); e que os impios serão aniquilados
no juízo linal (ver Mal. 4:1). Mas tais ensinamentos bíblicos não conseguiram
impedir que o judaísmo do 2~ século a.C. começasse a absorver gradativamente
as teorias gregas da imortalidade natural
da alma e de
um lugar de tormento onde já se encontram as almas dos ímpios mortos. Esse lugar
de tormento era normalmente denominado pelos termos Hades e Sheol.
Já nos apócrifos judaicos transparecem as noções de uma espécie de
purgatório (Sabedoria 3:1-9) e de orações pelos mortos (20 Macabeus 12:42-46).
Mas o pseudepigrafo judaico de 1~ Enoque (103:7) assevera explicitamente: “Vocês
mesmos sabem que eles [os pecadores] trarão as almas de vocês à região inferior
do Sheol; e eles experimentarão o mal e grande tribulação — em trevas, redes e chamas ardentes.”
Também o livro de 40 Enoque (4:41)
fala que “no Hades as câmaras das almas são como o útero”. A idéia básica
sugerida é a de uma alma imortal que sobrevive conscientemente à morte do corpo.
O Novo Testamento, por sua vez, fala acena da morte como um sono (ver João
11:11-14; 1a Cor. 15:6, 18, 20 e 51; 1a Tess. 4:13-15; 2a
Pedro 3:4) e da ressurreição como a única esperança de vida eterna (ver João
5:28 e 29; la. Cor. 15:1-58; 1a. Tess. 4:13-18). Mas o cristianismo
pós-apostólico também não conseguiu resistir por muito tempo à tentação
paganizadora da cultura greco-romana, e passou a incorporar as teorias da
imortalidade natural da alma e de um inferno de tormento já presente. Uma das
mais importantes exposições medievais do assunto aparece em A Divina Comedia, de Dante Alighieri, cujo conteúdo está dividido em
“Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”.
Além de conflitar com os ensinos do Antigo e do Novo Testamento, a teoria
de um inferno eterno também conspira contra a justiça e o poder de Deus. Por
que uma criança impenitente, que viveu apenas doze anos, deveria ser punida
nas chamas infernais por toda a eternidade? Não seria essa uma pena
desproporcional e injusta (ver Apoc. 20:11-13)? Se o mal teve um início, mas
não terá fim, não significa isso que Deus é incapaz de erradicá-lo, a fim de
conduzir o Universo à sua perfeição original?
Cremos, portanto, que a teoria de um tormento eterno no inferno é antibiblica
e conflitante com o caráter justo e misericordioso de Deus.
Sinais dos Tempos Maio - Junho /
2003
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