Charles Sandefur
Amor Compartilhado
Líder
comunitário conta como o ideal cristão tranforma-se em assistência e
desenvolvimento em 125 países
Crada em 1956, nos
Estados Unidos, a Adra (Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos
Assistenciais) é unia organização sem fins lucrativos que atualmente está
presente em 125 países, inclusive no Brasil. Realiza atividades múltiplas,
como a prestação de socorro emergencial em casos de desastres naturais, e a
implantação de projetos de desenvolvimento comunitário em regiões carentes. Em
2001, ela aplicou 74 milhões de dólares em programas de assistência e
desenvolvimento, beneficiando 30 milhões de pessoas. Durante uma recente passagem
pelo Brasil, Charles Sandefur, que assumiu a presidência mundial da entidade
em março, falou à revista Sinais sobre
os desafios e a filosofia que nor-teia o trabalho da agência.
Sinais: Cristo afirmou que o evangelho devena ser pregado a todo o mundo e então
viria o fim. Por que, alein de evangelizar, o
cristão precisa se preocupar com os problemas sociais?
Sandefur: Além de pregar o evangelho, Cristo nos pede para
demonstrar Seu amor e agir do modo como agiu. Isso significa servir aos pobres,
curar os doentes e atender às necessidades das pessoas. O cristão prega por meio
de palavras e ações. Essa é a razão por que a Adra procura mostrar esse amor ao
redor do mundo. Acreditamos que isso é parte da proclamação do caráter de Deus.
Mostrar como Deus é significa demonstrar o Seu amor na prática.
Sinais: Desde Platão, filósofos e
pensadores idealizam sociedades justas. Hoje mais de 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia. A pobreza tem solução?
Sandefur: A solução
está além da capacidade humana. Deus não espera que todo o pecado e o efeito
do pecado sejam eliminados antes da volta de Jesus. Não iremos solucionar
todos os problemas do mundo. Mas isso não nos impede de fazer tudo o que
pudermos para aliviar o sofrimento humano. Sempre haverá pessoas doentes, mas
isso não significa que não devamos manter hos1 pitais. Contudo, podemos também
olhar o cenário por um prisma positivo. Embora haja um bilhão de pessoas vivendo
com menos de um dólar por dia, há muito mais pessoas fora da pobreza agora do
que em qualquer outra época.
Sinais: Se a pobreza não tem solução humana definitiva, o que os cristãos podem fazer
hoje para cumprir a ordem de Cristo: “Vende os teus bens, dei aos pobres... e segue-me” (Mat. 19:21)?
Sandefur: Temos a tendência de ignorar
muitas coisas que Jesus ordenou Essa frase é uma das que os cristãos gostam de
ignorar. Mas ela se encontra na Bíblia e se aplica a nós. Devemos servir
nossos semelhantes de todo o coração. Não devemos nos enriquecer às custas dos
pobres. Devemos ser administradores generosos dos próprios bens, vivendo uma vida
modesta, em simplicidade, para que possamos compartilhar nossos talentos e
bens com os outros.
Sinais: Há crentes
que relacionam a pobreza à ausência
das bênçãos divinas. O que o senhor
pensa sobre isso?
Sandefur: Deus não
considera quanto dinheiro você tem. Ele olha para o coração. Temos a tendência
de avaliar as pessoas pelo que possuem, o seu emprego, o salário que recebem,
e às x’ezes a sua fé e o tanto de dinheiro que dão à igreja. Deus, porém, não
leva nada disso em consideração. Ele amou a viúva que tinha apenas duas moedas
tanto quanto amou a José de Arimatéia ou Nicodemos, que eram ricos.
Sinais: Jesus nos aconselha a fazer o bem com a maior discrição possível. Mas sem o marketing social, o
trabalho de entidades corno a Adra
fica bastante limitado. Como
conciliar essa questão?
Sandefur: Quando você menciona o que 1 unia entidade está fazendo
em favor dos pobres, você se refere ao que um grupo está fazendo. Creio que
Mateus 6:3 (“Não saiba a tua mão esquerda o que faz a
tua direita”) significa que não devemos nos gabar acerca de algo que fizemos
pessoalmente. Isso nos protege do orgulho. Mas quando deixamos o mundo, a igreja,
os vizinhos e os doadores saberem o que estamos fazendo, estamos lhes oferecendo
uma oportunidade de ajudar. Estamos mostrando o que as pessoas fazem em
resposta ao chamado de Deus e o que Deus faz por intermédio delas.
Sinais: Nos ultimos anos, enquanto a regulamentação dos Estados diminuiu na
sociedade, cresceu a atuação de entidades
filantrópicas. Como a Adra se situa nesse processo?
Sandefur : A realidade
comprova que as organizações sem fins lucrativos, principalmente as
organizações cristãs, oferecem elementos adicionais, corno amor e dedicação,
que tomam o trabalho mais eficiente. Em Papua-Nova Guiné, por exemplo, o
governo está reconhecendo cada vez mais a necessidade das igrejas se
envolverem no cuidado da sociedade. É o que a Adra sabe fazer muito bem. Existem outras organizações que talvez
tenham uma equipe mais sofisticada e prédios maiores. Mas ninguém faz um
trabalho mais impressionante e eficiente do que a Adra, em nível local. Os
adventistas do sétimo dia têm mais de 100 mil igrejas ao. redor do mundo, fato
que permite uma boa articulação local. E os governos não conseguem fazer isso.
Sinais: Grande parte dos
recursos da Adra Internacional, pelo relatório de 2001, vem do governo norte-amencano. As entidades filantrópicas religiosas precisam
ter critérios e cuidados especiais para se relacionar com os políticos?
Sandefur: Pelo menos 20
governos ao redor do mundo fazem doações para projetos da Adra. Acreditamos
que isso representa uma tremenda oportunidade, pois ajuda nosso ministério a
se expandir. É por isso isso que aceitamos de bom grado, quando adequado, recursos
governamentais para desenvolvermos algo mais do que simplesmente doação de
alimento ou de dinheiro. Somos dotados de talentos concedidos por Deus e
tornamos o dinheiro
do governo eficaz no auxílio á comunidade. Mas estamos conscientes de que
jamais podemos sacrificar ou comprometer nossos valores cristãos. Isso significa que nem sempre
aceitamos toda oportunidade que nos é apresentada. Elas devem se enquadrar em
nossa missão. A distinção entre Igreja e Estado deve ser mantida, mas isso
não impede a cooperação em áreas de interesse comum.
Sinais: Muitas entidades filantrópicas, como a Adra, seio ligadas a alguma denominação
religiosa. A seu ver; há algum problema em associar
assistência social com proselitismo? Qual é a postura da Adra?
Sandefur: Precisamos ter alguns cuidados. O
auxilio humanitário faz parte de um testemunho abrangente da igreja. Não
devemos prestar assistência simplesmente como um expediente de relações
públicas, para que as pessoas gostem de nós. E jamais devemos prestar auxílio
humanitário apenas como uma forma de atrair pessoas à igreja. Se Deus nos amou
incondicionalmente, devemos amar as pessoas de maneira incondicional também.
Não podemos exigir que ninguém se torne cristão a fim de podermos ajudá-lo.
Fornecemos alimento porque as pessoas precisam dele; fornecemos vacinas
porque elas precisam de vacinas. Porém, quando nos perguntam por que fazemos
isso, nossa primeira resposta é que o fazemos por causa do amor de Jesus.
Sinais: Entre os 125
países em que a Adra está presente, que regido representa o
maior desafio para a entidade?
Sandefur: Um dos maiores desafios atualmente está na África. Os índices de
alfabetização e a renda per capita são extremamente baixos. E agora há uma nova
situação que ultrapassa todas as outras: a Aids. Ela cresce assustadoramente.
Na maioria dos países, durante os últimos 10 anos, a longevidade foi reduzida
em 15 ou 20 anos. Existem vilarejos onde praticamente todos os adultos
morreram e só as crianças sobrevivem. Nesses lugares, a Adra procura renovar a
esperança e mostrar o amor de Deus. Além disso, trabalhamos na prevenção.
Esse se tornou nosso novo e grande desafio, em nível mundial.
Sinais: Como tem sido a relação com os
países de governo islâmico?
Sandefur: Tive a oportunidade de visitar dois países muçulmanos
nos últimos meses. No Azerbaijão, na Ásia Central, há bem pouca presença
cristã. Ali estamos realizando programas de saúde e de microempresas, e
dirigimos duas escolas vocacionais, com aproximadamente mil alunos. Dissemos
às autoridades governamentais que somos cristãos e não estamos ali para fazer
prosélitos. Pretendemos compartilhar nossa preocupação pelo bem-estar das
pessoas. O governo nos estendeu as
boas-vindas, embora cautelosamente.
Há
alguns países muçulmanos onde ainda não temos presença alguma, mas espero que
num futuro breve a Adra consiga se estabelecer neles, porque nossa missão não
exclui ninguém. Trabalhei em um pais muçulmano durante quatro anos e fiz
muitos amigos.
Sinais: Varias universidades no mundo, algumas em convênio com a Adra, oferecem
cursos de MBA em filantropia. Na atualidade, ter boa vontade não é mais
suficiente para fazer o bem?
Sandefur: O trabalho da Adra é muito especializado. E proporcionamos qualificação
porque cremos que a educação superior ajuda a pessoa a ter mais eficiência no
trabalho. Meu sonho é ver jovens ingressarem no serviço humanitário. Temos
ajudado a patrocinar o estudo de alguns jovens pois cremos que uma boa educação
faz grande diferença.
Sinais: As pessoas que vivem na pobreza têm necessidades urgentes, mas que
nascem de problemas estruturais complexos. É possível buscar soluções para
essa dupla exigência?
Sandefur: Essa
é a diferença clássica entre desenvolvimento e assistência. Assistência é um
trabalho imediato. Por exemplo, prestar assistência para amenizar os efeitos
de uma calamidade como um furacão, ou uma desastrosa queda na situação
econômica de um pais. A Adra executa serviços assistenciais no mundo inteiro.
E seria fácil fazer só esse tipo de trabalho. Mas nós também queremos fazer
programas e projetos a longo prazo, que realmente causarão impacto na vida de
alguém. Gastamos a maior parte de nossos recursos e tempo em desenvolvimento —
projetos
de longo prazo e de longo alcance. Visitei um deles no Brasil: um núcleo de
apoio à criança. Elas são acompanhadas por vários anos. Isso é desenvolvimento.
É o que causa verdadeira mudança na
vida das pessoas.
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