Vestígios de Deus
Pesquisas arqueológicas mostram que a Bíblia é historicamente confiável
Graças à arqueologia moderna, hoje conhecemos muito mais
sobre como era viver, adorar e comunicar-se nos tempos antigos do que
conhecíamos há alguns anos. Essa ciência ajuda, também, a confirmar informações
contidas na Bíblia, atestando sua veracidade histórica. Para falar sobre o
tema, Sinais entrevistou o Dr.
Rodrigo Pereira da Silva.
Rodrigo nasceu em Belo Horizonte,
MG, no ano de 1970. É bacharel em
Teologia, licenciado em Filosofia e mestre em Teologia, pelo Centro de Estudos
Superiores da Companhia de Jesus. Especializado em Arqueologia pela
Universidade Hebraica de Jerusalém, participou de escavações em Cesaréia
Marítima e Shar Há Golan. Em 2001 completou seu doutorado em Teologia do Novo
Testamento pela Pontifícia Faculdade Católica de Teologia N. S. Assunção, em
São Paulo.
Foi professor de História e Ensino
Religioso no Instituto Adventista de Ensino do Nordeste, na Bahia, e atualmente
leciona Ética, Filosofia e Antropologia no Centro Universitário Adventista, no
interior de São Paulo.
E autor dos livros Um Desconhecido
Galileu, Eles Criam em Deus, A Eternidade Começa Aqui e Abrindo o Jogo.
Sinais: Qual a
importância da arqueologia para o conhecimento da Bíblia?
Dr. Rodrigo: Evidentemente é impossível provar a existência de Deus através da pesquisa
arqueológica. O papel dela se limita à verificação da autenticidade de fatos
narrados na Bíblia. Isso contribui com a expectativa de que, se a história descrita
é real, a mensagem religiosa que a permeia também o será. Por outro lado, se a
arqueologia apresentasse elementos que desmentissem o relato escrito pelos
profetas, então automaticamente estaria posta em duvida a confiabilidade da
doutrina transmitida.
Wayne
Jackson, em seu livro Biblical Studies
in the Light oJ Archeology, sistematizou em cinco pontos as contribuições
da arqueologia para o entendimento e a confirmação da narrativa bíblica.
Segundo ele, a arqueologia tem (1) ajudado na identificação dos lugares e no
estabelecimento de datas; (2) contribuído para o melhor conhecimento de
costumes antigos e idiomas obscuros; (3) trazido luz sôbre o significado de
numerosas palavras bíblicas; (4) aumentado nosso entendimento sobre certos
pontos doutrinários do Novo Testamento; e (5)
silenciado progressivamente certos críticos que não aceitam a inspiração da
Palavra de Deus.
Sinais: Por que é tão importante confirmar a historicidade de Gênesis?
Dr. Rodrigo: O Génesis é a mola mestra de toda a cosmovisão do cristianismo, bem corno do judaísmo e
do islamismo, religiões que, juntas, perfazem quase a metade da população
mundial. Falando especificamente da teologia cristã, especialistas em Novo
Testamento dizem que a doutrina de
Cristo está edificada sobre a
revelação do Antigo Testamento, que, por sua vez, repousa inteiramente sobre o
relato de Génesis. Se a história do Eden não aconteceu de fato, então a humanidade
não cometeu o chamado “pecado original” e não havia do que ser salva. Ou seja,
a crença na morte expiatória de Cristo perde completamente seu significado.
A
pergunta, portanto, que a Teologia dirige ao arqueólogo é: podem as escavações
contribuir de alguma forma para a confirmação e a aceitação do relato bíblico?
A resposta é“sim”, embora seja reconhecido que ainda não foram descobertos nem
20% do grande tesouro arqueológico que permanece oculto sob o solo de cidades
como Cairo, Jerusalém, Teerã e Bagdá.
Sinais: É curioso perceber como a Bíblia é tão criticada, enquanto outros documentos antigos, talvez nem tão
confiaveis, são aceitos facilmente.
Dr. Rodrigo: Realmente. Desde o surgimento do método científico e a conseqüente
mudança nos modos de compreensão racional, muitos questionamentos têm sido
levantados quanto à validade histórica da narrativa bíblica. Especialmente
durante o Iluminismo alemão (século 18), a força maior do método crítico histórico
pesava sobre a falta de evidências fora da Bíblia que validassem a história
descrita por ela.
Uma
vez que a Bíblia é um
livro religioso, assim argumentavam muitos pensadores, não faz nenhum sentido
tomá-la ao pé da letra, reputando seu texto como genuína fonte de
acontecimentos reais. Mas esse princípio de avaliação crítica não foi empregado
com o mesmo rigor sobre outros tipos de documentos antigos, embora vários deles
também se pautassem por um background religioso.
Heinrich Schliemann não pôde provar que Heitor e Páris de fato estiveram na
cidade de Tróia, mas suas alegações não foram tão criticadas quanto a teoria
de Leonard Wooley, ao afirmar que o nome Abraão, encontrado nas ruínas de Ur,
pudesse ser uma referência ao patriarca bíblico. Embora não seja possível
confirmar cada incidente descrito na Bíblia, é possível afirmar que os achados arqueológicos têm, desde o século 18,
contribuído grandemente para a confirmação da história narrada pelos
escritores canônicos.
Sinais: Até 1893,
muitos eruditos não acreditavam que Moisés pudesse de fato ter escrito os livros do Pentateuco. Por quê?
Dr. Rodrigo:
A razão era muito simples.
Segundo o pensamento dos historiadores da época, não havia no tempo de Moisés
uma organização formal de escrita alfabética que o possibilitasse escrever
esses textos. A escrita alfabética e gramatical teria surgido por volta do século
8 a.C., o que impossibilitaria Moisés de ser o verdadeiro autor de Gênesis.
Mas a descoberta de vastas bibliotecas pré-abraãmicas em Ereque, Lagash, Ur,
Kish, Babilônia e outras cidades demonstra que já pelo terceiro milênio antes
de Cristo os sistemas gráficos (tanto pictogrâmicos quanto cuneiformes)
estavam em uso corrente, produzindo
Livros e anais
que ecoam muito mais de perto a história
bíblica do que os documentos tardios, datados de 600 a.C.
Sinais: E foi providencial o fato de Moisés ter escolhido
uma escrita alfabética para redigir o Pentateuco, ao invés dos
complicadíssimos hieróglifos egípcios, que só foram decifrados muitos séculos
depois.
Dr. Rodrigo: Exatamente. Se não fosse assim, talvez tivéssemos que
esperar ate o século 19 para ter a oportunidade de ler os livros que Moisés
escreveu. Afinal, foi apenas depois que Champollion conseguiu decifrar a
Pedra de Roseta que os especialistas se viram capacitados a ler inscrições
hieroglíficas. Além do mais, a escrita ideogrâmica, especialmente a
pictográfica, era bastante inspirada na mitologia pagã, que era recheada de
sabor idolátrico. Se Moisés usasse
aquela forma de escrever, incorreria no risco de que alguns se inclinassem a
adorar o texto, ao invés do Deus que ali Se revela.
Sinais: Além da Bíblia, existem outros documentos que mencionam o dilúvio?
Dr. Rodrigo:
Já foram encontradas e decifradas mais de 40 versões antigas sobre o
Dilúvio, que datam de até 2100 a.C. Gravadas em antigos códigos ainda
preservados, essas versões contêm extraordinárias semelhanças com o texto de
Gênesis. A mais famosa delas é o Épico de
Gilgamesh, encontrado na
biblioteca de Nínive e que hoje pertence ao acervo do
Museu Britânico de Londres. Segundo especialistas, se somarmos as tradições orais
e escritas que encontramos ao redor do mundo, fora as do Oriente Próximo, chega
a mais de 100 o número de versões e relatos a respeito de um dilúvio universal
que cobriu toda a Terra, Isso demonstra que Moisés não foi o criador da
história diluviana, mas apenas o transmissor de um antigo fato que antecedeu o
seu próprio tempo.
Sinais: E sobre o relato da criação?
Dr. Rodrigo: Importantes documentos como o Enuma Elish, o Épico de Atrahasis e o Épico
de Gilgamesh possuem fortes paralelos com a descrição bíblica da criação
do mundo, a queda do ser humano e a vinda de um dilúvio sobre a Terra. Por
causa dessas sjmilaridades, alguns historiadores têm sugerido que o relato
bíblico não passa de um plágio de documentos mais antigos. Entretanto, as diferenças
(que são muito mais significativas que as similaridades) fazem supor não uma
cópia de material, mas antes uma referência múltipla aos mesmos eventos. No
antigo Oriente Próximo, a regra é que relatos e tradições podem surgir (por acréscimo ou embelezamento) na
elaboração de lendas, mas não o contrário. No antigo Oriente, as lendas não
eram simplificadas para se tornar pseudo-história, como tem sido sugerido para
o Gênesis.
Ariel Roth analisou cerca de 300 mitos da criação
encontrados entre tribos indígenas norte-americanas e concluiu que, a
despeito de certa variação de costumes e outros fatores culturais, os mais
variados grupos se encontravam em alguns temas principais. Por que essas
similaridades de idéias míticas e imagens abundam em culturas tão distantes
umas das outras? A resposta, creio, não poderia ser outra senão a de que
todas as tradições se encontram num mesmo evento real que ocorreu em algum
ponto da história antiga. Esse evento tem que ver com uma criação divina do
planeta Terra e uma conseguinte queda moral da humanidade, que então se coloca
á espera da redenção prometida.
Sinais: Mas as
“coincidências” não se restringem ao Oriente Próximo e às tradições indígenas
norte-americanas...
Dr. Rodrigo: De fato. O estudioso Merryl Unger conclui
que essas não são tradições peculiares
aos povos
e religiões semitas que se desenvolveram a partir de
características comuns, mas sim tradições comuns a todas as nações civilizadas
da antiguidade. “Seus elementos coincidentes apontam o tempo em que a raça
humana ocupou o mesmo espaço e praticou a mesma fé”, diz ele. “Suas
semelhanças se devem a uma mesma herança, onde cada povo manteve, de geração em
geração, os históricos orais e escritos da história primeva da raça humana.” O
Gênesis, portanto, se torna o elemento de convergência literária dessas
semelhanças e esboça a forma original dessas tradições hoje espalhadas pelo
mundo.
Sinais: Alguns podem supor que o relato bíblico apenas ecoou uma coleção de
lendas primitivas.
Dr. Rodrigo: Isso é bastante improvável. Primeiro pela
própria universalidade que vemos em relação a esses relatos. O fato de se
acharem presentes em culturas tão diversas e distanciadas pelo tempo e pela
geografia aponta mais para a transmissão de um antigo acontecimento do que
para a interdependência de mitos. Em segundo lugar, seria bastante estranho
(do ponto de vista da interdependência histórica) se a Bíblia apenas ecoasse
outros mitos, quando a mola mestra de sua teologia é o monoteísmo, que se choca frontalmente com a linguagem e a
cosmovisão politeísta encontrada nos demais textos.
Sinais: Como suas
pesquisas têm influênciado sua fé no Deus Criador do Universo?
Dr. Rodrigo: Louvo a Deus pelo dom da fé que Ele
concede aos seres humanos. Estou também certo de que sem fé é impossível
agrada-Lo. Contudo, cada dia que passa, minhas pesquisas revelam que essa fé
não está solta num mundo virtual de imaginações religiosas, sem nenhum contato
com a realidade humana. Em outras palavras, há tantas evidências empíricas em
relação ao relato bíblico da criação, que acho pertinente o binômio “fé
racional”. Há bastante lógica na fé, e Deus é
uma hipótese muito mais do que “razoável”. Ele é real e, no momento em que
oro, quase dá para tocá-Lo.
Quando
participo de uma escavação arqueológica ou estudo documentos antigos deixados
pela humanidade, o que mais vejo são os rastros históricos de um Deus que
caminhou entre nós. É como se o passado me dissesse: “Deus passou por aqui!”
Descobertas Fantásticas
As últimas décadas de pesquisas arqueológicas
proporcionaram descobertas maravilhosas, especialmente no que se refere ao
período que antecedeu o tempo do rei Davi (por volta de 1000 a.C.).
As escavações do Projeto da
Planície de Madaba em TaIl a-’Umayri, na
região central da Jordânia (provavelmente Abel Queramim, mencionado em Juizes
11:33) revelaram uma casa surpreendentemente bem conservada do tempo dos
juizes, por volta de 1200 a.C., quando pessoas como Eúde, Débora, Gideão, Jefté
e Sansão peregrinaram pela Terra.
Os arqueólogos encontraram várias inscrições extraordinárias diretamente relacionadas com
personagens bíblicos. Há cerca de 35 a 40 personagens bíblicos representados
nessas inscrições datadas de 1200 a 300 a.C., entre eles, quatro mencionados
em um único capitulo da Bíblia - Jeremias 36. A maioria dos Israelitas cujos
nomes aparecem nas inscrições não constam ali porque fizeram algo extraordinário
ou por qualquer honra conquistada, mas porque perderam algo geralmente uma
guerra.
Durante dois
verões da década de 1900, foram encontrados pedaços da uma pedra com inscrições
em Tel Dã, na região norte de Israel, uma cidade mencionada inúmeras vezes na
Bíblia. Em uma das linhas, lê-se “o rei de Israel” (sem mencionar o nome), e
na linha seguinte “o rei da casa de Davi”. Embora a Inscrição não se refira ao
próprio Davi, pelo menos menciona um rei da sua linhagem. Essa é primeira
evidência verdadeira encontrada fora da Bíblia acerca da sua existência. Infelizmente,
os reis de Israel e da casa de Davi são mencionados simplesmente porque
perderam uma batalha contra o rei da Síria, o qual erigiu a pedra.
O nome de Davi aparece também na Pedra
Moabita, aproximadamente do mesmo período, mas novamente porque um de seus
descendentes perdeu uma batalha contra os moabltas. Acontece o mesmo no caso
da primeira menção de Israel, fora da Bíblia. A palavra Israel, referindo-se ao
povo, aparece na Pedra Merneptah, do Egito (de aproximadamente 1200 a.C.), mas
somente porque o faraó Merneptah reivindica ter destroçado Israel.
Fonte: Douglas R. Clark, “Digging
for
Answers”, Signs of the Times, março de 2002
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