A primeira vez que a atenção do público
se voltou para João Crisóstomo foi devido a uma rebelião em protesto pelos
novos impostos. Ele era pastor em Antioquia, em 387, quando o imperador
Teodósio impôs essa nova taxa. O povo de Antioquia ficou enraivecido. Em
protesto, se revoltaram, atacando oficiais do império e mutilando estátuas de
Teodósio e de sua família. A ordem foi logo restaurada e as pessoas esperavam
ser punidas.
Flaviano, bispo de Antioquia, correu
para Constantinopla, a capital do império, pedindo clemência ao imperador.
Teodósio era conhecido por enviar tropas para massacrar os cidadãos que lhe
causavam dificuldades. Enquanto o bispo e uma legião de monges pleiteavam junto
ao imperador, João tentava acalmar as multidões. Em uma série de vinte sermões (Homilías sobre os ícones), ele inspirou,
admoestou e desafiou as multidões. Essa foi uma série de sermões proféticos da
melhor espécie. O bispo retornou com notícias de anistia e João insistia com as
pessoas para que as atitudes delas mudassem para melhor.
Essa não seria a última vez que João
enfrentaria uma situação política séria. Ele fez aquilo com coragem, fidelidade
e, talvez, com certa dose de arrogância.
Ε possível que ele tivesse aprendido isso com sua mãe,
Antusa. Seu marido era oficial militar e morreu pouco depois do nascimento de
João. Ela estava com apenas vinte anos e era muito bonita, mas rejeitou seus
muitos pretendentes com o objetivo de dar a melhor educação possível a João e à
irmã dele. Antusa vinha de uma família abastada e foi capaz de dar a João
excelente educação, incluindo estudos de retórica com um famoso professor pagão
chamado Libânio. João também estudou
Direito, mas foi atraído cada vez mais pela ascese. João ingressou em um mosteiro pouco depois da morte de
sua mãe.
Em 381, retornou à sua cidade natal,
Antioquia, e foi ordenado diácono. O bispo percebeu suas habilidades na
comunicação e fez dele pastor e pregador principal de uma das assembléias de
Antioquia. Foi nessa função que ele
enfrentou a revolta dos impostos. Durante os anos que se seguiram, ele
continuou a ganhar respeito devido à sua habilidade na pregação. Por causa
disso, recebeu a alcunha de Crisóstomo, transliteração
de uma expressão grega cujo significado é "boca de ouro".
Seguindo a escola teológica de
Antioquia, João adotou a abordagem mais literal da Bíblia (em oposição à
interpretação mais alegórica da Escola Alexandrina). Ele também enfatizou a
plena humanidade de Jesus em uma época em que as pessoas ignoravam esse
aspecto. Crisóstomo pregou longas séries de mensagens sobre Gênesis, Mateus,
João e Romanos, a maioria das quais ainda possuímos. Ele também escreveu
comentários.
Em 397, o bispado de Constantinopla ficou vago. Era uma
posição de grande prestígio, na capital do império. O imperador Arcádio
escolheu João, o Boca de Ouro. Ε possível que, mais tarde, ele tenha se
arrependido de sua decisão.
João era tão popular em Antioquia que
teve de ser praticamente raptado para ser levado a Constantinopla. Acabou por
ser consagrado bispo na capital em 398. O oficiante da consagração foi o bispo
Teófilo de Alexandria.
Devido especialmente às questões
políticas, Teófilo causou grandes problemas a João. Ele queria que João lhe
fosse subserviente e, provavelmente, ficou enciumado pelo número de novos
bispos que passou a seguir Crisóstomo, em função de sua habilidade na pregação.
Teófilo também se opunha à teologia de Orígenes, na qual João se fundamentava.
Com seu modo audacioso, João provavelmente não despendeu muito esforço para
apaziguar o bispo Teófilo.
João tentou ministrar à grande comunidade dos góticos da
cidade, dando-lhes boas-vindas, mas não aprovando a heresia ariana que muitos
deles professavam. Pregava de maneira veemente contra o pecado, sempre que
deparava com ele, a começar pelo próprio clero. Sacerdotes flertavam com a
imoralidade, e João queria que isso acabasse. Ele também pregava contra as
roupas insinuantes das mulheres de Constantinopla. Embora não se saiba se João
tenha feito isso de propósito, o fato é que a imperatriz Eudóxia tomou as
palavras de João como afronta pessoal.
Quanto a Teófilo, a gota d'água foi o fato
de João ter aceitado quatro monges, defensores da teologia de Orígenes, que
haviam sido disciplinados em Alexandria. O bispo alexandrino viajou para
Constantinopla e se reuniu com os inimigos de João. Em uma propriedade
conhecida como "O Carvalho", em 403, foi promovido um sínodo que
condenou os ensinamentos de João e o baniu de sua igreja.
Eudóxia, no entanto, era
supersticiosa. Um acidente, talvez um terremoto, aconteceu no palácio logo
depois do sínodo e a imperatriz ficou assustada. Ela, imediatamente, pediu ao
imperador que revogasse as decisões do sínodo. João foi trazido de volta por um
período de cerca de um ano. Destemido como era, continuou a expressar de
maneira aberta que pensava, especialmente quando uma estátua de Eudóxia foi
levantada ao lado da catedral.
A imperatriz reagiu. Soldados imperiais interromperam um
culto de Páscoa e alguns dos seguidores de João foram massacrados. João foi
mandado para o exílio, em Cucusso, lugar lúgubre perto da Armênia. O papa
Inocencio e protestou contra esse tratamento, mas o protesto foi em vão. O imperador do Oriente já tomara suas
decisões. Mesmo no exílio, João continuou a se corresponder com seus
seguidores, orientando-os sobre as questões da igreja. Logo, o imperador
decidiu mandá-lo para mais longe ainda.
Foi assim que João morreu, viajando
para o local de exílio ainda mais distante, em 407. Nas décadas seguintes, o
papa Inocencio conseguiu limpar o nome de João, ao forçar o bispo Teófilo e
outros a incluir o nome de João na lista de nomes pelas quais a igreja deveria
orar.
João deixou o legado da boa pregação. Promoveu o estilo
de exposição literal da Bíblia conforme praticado em Antioquia e, com Ambrosio,
foi um dos primeiros líderes da igreja a se levantar corajosamente diante dos
governantes e dizer: "Assim diz o Senhor...". Alguns cristãos fariam
a mesma coisa em outros momentos críticos da história.
FONTE : OS 100 ACONTECIMENTOS MAIS IMPORTANTES DO CRISTIANISMO
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