Interpretação
profética é um
terreno fértil para a especulação
Em Apocalipse
17, o vidente de Patmos fala de uma besta escarlate de 10 chifres e 7
cabeças, montada por uma mulher “vestida de pórpura e de escarlata” por nome
“Babilônia”, e tida não somente como “grande meretriz”, mas também como “mãe
das meretrizes e abominações da Terra” (verses 1,3-5).
Na edição anterior analisamos uma teoria relativamente
recente quanto aos sete reis dos verses 9 e 10. A posição que, como Igreja,
tradicionalmente sustentamos quanto a este detalhe profético, é dada no final
do presente estudo. Veremos antes dois tópicos que julgamos importantes: o
tempo do cumprimento da visão, e a identificação da besta e da mulher
O tempo para o qual a visão se aplica Há
claros indícios de que a profecia de Apocalipse 17 se cumpre nos dias finais:
1. É um dos sete anjos
que portam as sete pragas que se comunica com João (verso 1).
2. A visão alude a
um evento escatológico, o “julgamento” da meretriz (verso 1). Devemos notar que
a palavra grega para julgamento aqui é kríma,
que significa “sentença, veredicto”, em contraste com krísis, “juízo”, em Apoc. 18:10, que se aplica mais à execução do
julgamento.
Naturalmente, a sentença vem antes da execução. A
primeira é dada algum tempo antes da volta de Jesus, através do juízo
investigativo iniciado em 1844. Entendemos que neste ano começou o julgamento
do povo de Deus e não dos poderes iníquos, mas não devemos esquecer que a
absolvição dos santos resulta em simultânea condenação de seus opressores.
Apocalipse 18:24 diz que em Babilônia “se achou sangue de profetas, de santos,
e de todos os que foram mortos sobre a terra”, A expressão “se achou” evoca-nos
a idéia de um juízo investigativo, a exemplo de Daniel 12:1 e Apocalipse 20:12
(ver O Grande Conflito, págs.
480-482).
A execução da sentença contra a mulher no contexto deste
capítulo, é dada imediatamente antes da volta de Jesus (verso 16). Talvez devêssemos
considerá-la uma execução preliminar, já que é no fim do milênio que o mundo
ímpio será definitivamente destruído (Apoc. 20:9).
3. O
pleno domínio das nações da Terra, por parte da besta, no capítulo 13 (o que
corresponde, no capítulo 17, à mulher assentada “sobre militas águas”, ou
cavalgando a besta escarlate, veja o tópico seguinte) ocorre com a cura da
ferida mortal (versos 3,7 e 8), tornada possível como auxilio da 2a.
besta (versos 12-17). Esta representa a maior nação protestante do mundo, os Estados
Unidos,
A ferida mortal foi aplicada no papado em 1798, ao
Bertier, sob Napoleão Bonaparte, aprisionar Pio VI, Considerando que o
romanismo ainda não tem o domínio total das nações, temos que convir que a cura
completa aguarda pelo futuro próximo. Apocalipse 17:8 afirma que a besta “era”
(indica o papado como elemento perseguidor antes de 1798), “não é” (indica o
papado impossibilitado de exercer um domínio opressor durante o tempo em que a
ferida mortal não está totalmente curada), “mas aparecerá” (indica o governo
papal plenamente restaurado, de posse agora do domínio mundial e exercendo
novamente o poder de perseguição).
4. É-nos
dito também que a besta “está para emergir do abismo” (verso 8), Há dois modos
de interpretarmos esta afirmação: o primeiro é considerá-la na perspectiva da
cura da ferida mortal, o que estabeleceria o ponto focal de tempo do
cumprimento profético corno aquele que antecede imediatamente a restauração
papal. O segundo será referido adiante.
5. A
mulher é identificada como “a mãe das meretrizes” (verso 5), Se a mulher
representa o poder religioso romano, suas “filhas”, também mulheres, devem
representar outros sistemas religiosos que, no contexto desta profecia, se lhe
submetem e a apóiam.
Na verdade, várias dessas “filhas” nem sempre foram
filhas, pois houve uma época em que o protestantismo era fiel ao seu legado. É
a partir do verão de 1844, quando a 2a.
mensagem angélica (“caiu, caiu Babilônia”) começou a ser pregada (ver O Grande Conflito, pág, 602), que as
igrejas evangélicas nominais passam a se desviar da verdade, apostatam, e
acabam finalmente se submetendo ao domínio maternal de Babilônia. Sabemos que
uma combinação de espiritismo, protestantismo apostatado e catolicismo (com a
provável adesão de outras forças religiosas da Terra, como o judaísmo, o islã e
religiões do extremo oriente) em apoio ao papado concorrerá para a culminação
da cura da ferida mortal. Isso resultará na supremacia romana com força total,
isto é, de forma muito mais ampla que aquela que ocorreu antes que a ferida
mortal fosse aplicada.
6. Finalmente, a besta de Apocalipse 17,
representando as nações da Terra sobre as quais o poder romano religioso
efetivará o seu poder político, não se assemelha apenas à primeira besta do
capítulo 13, mas também ao dragão do capítulo 12. Enquanto que a besta
semelhante ao cordeiro, a 2a. do capítulo 13, seduz o mundo todo a
que façam “uma imagem à [la] besta”
(verso 14), identificada como imagem da besta no verso 15 e em Apoc. 14:9;
15:2; 16:2: 19:20 e 20:4, é evidente que as nações do mundo só serão
semelhantes ao dragão quando a porta da graça se fechar, pois só aí a
humanidade estará dividida em dois grupos: os salvos, que refletirão plenamente
a imagem de Jesus, e os perdidos, que refletirão plenamente a imagem de
Satanás. Isto será assim, mesmo porque a imagem da besta é na realidade a
imagem do dragão. Formar a imagem de um é, na verdade, formar a imagem do
outro.
Portanto, a visão do capítulo 17 aponta especificamente
para o tempo do fim como ocasião do seu cumprimento, com ênfase no momento em
que o poder representado pela 1a. besta de Apocalipse 13, plenamente
restabelecido de sua ferida mortal, domina sobre os reinos da Terra, agora
desfigurados na imagem do dragão e comportando o seu caráter.
Não deveríamos, entretanto, radicalizar o aspecto de
tempo da profecia, julgando que nada do que é dito em Apocalipse 17 se aplique
à época do escritor. Talvez a melhor atitude seria considerar o tempo com duas
aplicações, uma ligada à transmissão da profecia, e outra ao seu cumprimento.
Parece impróprio, por exemplo, que a declaração do verso 18 não deva ser
entendida na perspectiva da época do profeta.
Identificação da besta e da mulher — A descrição desta besta é praticamente
idêntica à do dragão do capítulo 12 e da besta semelhante ao leopardo do
capítulo 13, com apenas uma aparente diferença: os chifres da besta do capítulo
13 estão ornados com coroas, o que não é dito da besta do capítulo 17. Todavia,
o anjo, neste capítulo, interpreta esses chifres como sendo “dez reis” que
exercerão autoridade com a besta por um tempo bastante curto (verso 12).
Embora a não-menção de coroas no capítulo 17 possa
comportar algum significado profético específico (alguns acham que isso seria
um indício de que o regime político que caracterizará o maior número de nações
no final da História será a democracia), seria normal considerar o detalhe das
“coroas”, no capítulo 13, como estando em paralelo com o detalhe dos “reis” no
capítulo 17. Quanto ao dragão do capítulo 12, as coroas aparecem sobre as
cabeças e não sobre os chifres como no capítulo 13. Mas devemos notar que o
anjo do capítulo 17 igualmente interpreta as cabeças como “reis” (verso 9), o
que estabeleceria o mesmo paralelo. Além do mais, “vermelho”, a cor do dragão
no capítulo 12:3, estaria em paralelo com “escarlate”, a cor da besta no
capitulo 17:4.
A identificação do dragão é dada pelo próprio Apocalipse.
Ele é “a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás” (12:9).
Tradicionalmente temos interpretado a 1a. besta do capítulo 13 como uma figuração
profética do sistema romano de governo eclesiástico especificamente o papado. A
besta do capítulo 17, a nosso ver aponta basicamente para o próprio Satanás em
distintas manifestações que vão desde a forma mais usual, através de
indivíduos, regimes religiosos e políticos, e nações, que se consagram ao seu
serviço, até o clímax da manifestação pessoal e direta. Na verdade, a
manifestação de Satanás quando velada em seu verdadeiro caráter aparece na
forma de bestas, e quando declaradamente demoníaca, na forma de dragão. Por
exemplo, no fim do milênio apenas o dragão estará de volta. Nenhuma besta
marcará presença porque a volta de Jesus, ocorrida mil anos antes, terá
desmascarado toda a pretensão e forma velada de engano utilizadas por Satanás
em seus 6 mil anos de domínio na Terra. É
por isto que é declarado que “a besta e o falso profeta” (o mesmo poder
representado pela 2a. besta do capítulo 13) são lançados no lago de
fogo por ocasião da 2a. vinda e não no fim do milênio (Apoc. 19:21).
Inicialmente, a besta do capítulo 17 representa as
diferentes nações que compõem o imenso mar da humanidade, e que, num futuro não
muito distante, estarão sendo conduzidas pelo poder religioso representado pela
mulher cavalgando a besta. Esta conclusão naturalmente emerge quando alguns
pontos deste capítulo são considerados:
1. É dito que a mulher se assenta “sobre muitas águas”
(verso 1).
2. Somos informados
que estas águas representam “povos, multidões, nações e línguas” (verso IS).
3. Ao João ser transportado em visão “a um deserto” para ver
o que o anjo disse que veria, isto é, uma mulher assentada ‘sobre muitas
águas”, ele vê, sim, uma mulher, mas assentada sobre uma “besta escarlate”
(verso 3). Logo, a besta deste verso está em paralelo com muitas águas”, dos
versos 1 e 15. Vista por esse ângulo, a besta significa o que águas significam,
a humanidade dividida em “povos, multidões, nações e línguas”, unidos sob um
poder maligno. E neste tempo, corno já vimos, as nações serão o reflexo de
Satanás.
4. Na visão, a mulher aparece conduzindo a besta, pois a
está cavalgando (o que corresponde à mulher assentada sobre muitas águas). Na
interpretação o anjo diz que a mulher é “a grande cidade que domina sobre os
reis [reinos] da Terra” (verso 18). Observe que o verbo dominar aparece no
presente do indicativo, “domina”. Se perguntamos qual era a cidade que reinava
sobre as nações da Terra quando o Apocalipse foi escrito, uma só resposta é
possível: Roma, E se Roma é representada pela 1’ besta do capítulo 13, temos
que convir que esta besta equivale, em sua dimensão religiosa, à mulher do
capitulo 17, e, em sua dimensão política, à besta deste capitulo. Em outras
palavras, interpretando a mulher, o Apocalipse nos sugere igualmente este
aspecto da identidade da besta, os reinos da Terra onde a mulher efetiva o seu
domínio.
Mas a
besta aponta, particularmente no que respeita às suas cabeças, também a poderes
na História que se colocaram nas mãos do diabo para o cumprimento de seus
propósitos. Ao falar que a besta é o 8’ rei, quando de fato a profecia menciona
7 reis e não 8, ficamos com a
impressão de que a besta é a própria corporificação deles, e que ao final o
maligno estará de volta para dominar com força total.
Assim, tanto a mulher como a besta representam a dominação romana,
correspondendo a primeira, como diz o Comentário Bíblico, ao poder religioso, e
a segunda, ao poder político ou civil (DABC, vol. 7, pág. 851), tornado
efetivo, naturalmente, em seu domínio das nações. A figura do 8o.
rei também é sugestiva da restauração deste domínio.
Finalmente, esta besta representa Satanás em sua
manifestação direta e pessoal no mundo, para executar sua derradeira obra de
engano. O anjo afirma que ela ernergirá do abismo e caminhará para a perdição
(verso 8). A segunda maneira de interpretarmos esta afirmação é considerar a
besta como o próprio dragão que, durante o milênio, estará retido no ‘abismo’ e
de lá será solto ao final para novamente exercer o domínio das nações.
enganá-las, e então caminhar com elas para a destruição (Apoc. 20:1-3; 7-10).
A Identidade dos sete
reis —Tradicionalmente
sustentamos duas maneiras de interpretar os 7 reis de Apocalipse 17:9 e 10. A
primeira considera esses reis corno representativos de 7 diferentes formas de
governo empregadas pelos romanos no transcurso de sua história: realeza, consulado, decenvirato, ditadura,
triunvirato, império e papado. A segunda considera as 7 cabeças como
representações de poderes terrestres que historicamente exerceram domínio no
mundo e oprimiram o povo de Deus: Egito, Assíria. Babilônia, Medo-Pérsia,
Grécia, Roma Imperial e Roma Papal.
As duas formas de interpretação coincidem no significado
do verso 10. O tempo aí referido deve ser considerado do ponto de vista da
comunicação profética e não do seu cumprimento. Seria, então, o tempo do
próprio profeta. quando cinco formas do governo romano ou cinco reinos que
oprimiram o povo de Deus eram coisa do passado, um existia, Roma Imperial, e a
seguinte. Roma Papal ainda viria. O oitavo rei seria o papado plenamente curado
de sua ferida mortal, o que conforma com a declaração de que ele “procede dos
sete” (verso 11).
A afirmação de que 7o. rei, “quando chegar,
tem de durar pouco” (verso 10) aparentemente contraria as duas formas de
interpretação acima, pois 1260 anos, o tempo da supremacia papal de 538 a
1798, seria considerado um tempo longo,
principalmente se comparado com a duração do domínio dos seis poderes
precedentes. Mas devemos lembrar que muitas das declarações do Apocalipse
transcendem a mera literalidade dos termos empregados e comportam um significado essencialmente
teológico ou espiritual.
Assim, o Apocalipse se harmoniza com o restante do Novo
Testamento ao afirmar que o tempo que transcorre entre a cruz e a volta de
Jesus, é, na realidade, pequeno, não importa a extensão dele, pois a salvação
agora já está consumada e a extinção do pecado inevitavelmente ocorrerá. O
escritor sagrado, por exemplo, registrou em Hebreus 10:37 que “ainda dentro de
pouco tempo aquele que vem virá e não tardará.” Esse “pouco tempo” entretanto,
já alcança quase 2 mil anos. Da mesma forma o Apocalipse fala das coisas “que em breve hão de acontecer” (algumas das quais não se cumpriram ainda),
“que o tempo está próximo”, e que, a partir da cruz, o dragão está irado, “sabendo
que pouco tempo lhe resta” (Apoc. 1:1; 22:10; 12:12).
Conclusão — Como
afirmado anteriormente, a teoria do sexto rei não é mais que isso: uma teoria.
Como tal, ela ainda será testada no laboratório da História. Nem devemos fechar
o coração a ela, nem aceitá-la como revelação de Deus.
É verdade que a
interpretação tradicional que sustentamos, a exemplo da teoria do sexto rei,
não conta com um claro “assim diz o Senhor” através do Espírito de Profecia
(pelo menos até agora, o presente escritor não conseguiu localizar qualqner
referência a respeito, nos escritos de Ellen White). Mas a grande diferença é
que o que oficialmente ensinamos está em consonância com o historicismo, como
linha de interpretação por nós adotada, o que significa que é uma verdade com
respeito ao passado e presente; e o ponto que toca o futuro, o 8o.
rei, respalda-se na afirmação do Espírito de Profecia de que o poder papal
será restaurado. Mas a teoria do 6o. rei cheira a futurismo, e
incorre nos riscos que ele representa.
Em matéria de interpretação profética não podemos
esquecer que o intérprete não é alguém que, no estrito senso, pré-vê o futuro, mas um aprendiz. A
compreensão e interpretação da profecia se desenvolvem e se aperfeiçoam com a
passagem do tempo. Talvez Lutero tivesse isso em mente quando declarou: “As
profecias só podem ser entendidas perfeitamente depois de se cumprirem.” Certamente o grande reformador não percebeu
que nestes termos ele acabou definindo uma das premissas básicas do
historicismo como recurso de interpretação: o conceito da verdade se amplia
conforme os séculos escoam e eventos, há muito profetizados, alcançam um
legítimo cumprimento. De fato, a prudência nos ordena respeitar os limites do
historicismo.
Cumpre-nos, então, atentar para dois pontos importantes:
(1) cuidado, muito cuidado em como interpretamos profecias ainda por se cumprir
Enquanto não contamos com um seguro “assim diz o Senhor” confirmando como
correta a interpretação, não podemos incondicionalmente aceitá-la como verdade,
e muito menos comunicá-la como tal a terceiros; interpretação profética é um
terreno muito fértil para a especulação; (2) a profecia não nos deixa em dúvida
sobre de onde viemos, quem somos, e para onde vamos como Igreja. O cumprimento
de Daniel 8:14 marca a nossa origem como o remanescente; a profecia de Mateus
24:14 e Apocalipse 14:6-12 configura nossa missão no mundo hoje; e nosso
destino se chama novos Céus e nova Terra nos quais habita a justiça (II Ped.
3:13). Somos, portanto. o povo da profecia.
Acordemos de nossa letargia. sacudamos o torpor que nos
envolve e disponhamo-nos para o que vem por ai. Em sua trajetória por este
mundo, a Igreja deparou momentos críticos. Mas ninguém se engane: o pior ainda
virá. Por outro lado, Deus já operou coisas grandiosas em favor de Seu povo,
mas o melhor e as coisas mais grandiosas igualmente ainda estão por
acontecer. Quanto mais negras as trevas,
mais fulgurante será a luz de Deus; quanto mais severa a prova, mais poderoso o
Seu braço para prover libertação: quanto mais ameaçador o inimigo mais
retumbante a nossa vitória. Pelo poder da graça.
Revista
Adventista
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