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domingo, 2 de março de 2014

A CURA DA FERIDA MORTAL

 




Interpretação profética é um
terreno fértil para a especulação


 Em  Apocalipse 17, o vidente de Patmos fala de uma besta escarlate de 10 chifres e 7 cabeças, montada por uma mulher “vestida de pórpura e de escarlata” por nome “Babilônia”, e tida não somente como “grande meretriz”, mas também como “mãe das meretrizes e abominações da Terra” (verses 1,3-5).
Na edição anterior analisamos uma teoria relativamente recente quanto aos sete reis dos verses 9 e 10. A posição que, como Igreja, tradicionalmente sustentamos quanto a este detalhe profético, é dada no final do presente estudo. Veremos antes dois tópicos que julgamos importantes: o tempo do cumprimento da visão, e a identificação da besta e da mulher

O tempo para o qual a visão se aplica  Há claros indícios de que a profecia de Apocalipse 17 se cumpre nos dias finais:
1. É um dos sete anjos que portam as sete pragas que se comunica com João (verso 1).
2. A visão alude a um evento escatológico, o “julgamento” da meretriz (verso 1). Devemos notar que a palavra grega para julgamento aqui é kríma, que significa “sentença, veredicto”, em contraste com krísis, “juízo”, em Apoc. 18:10, que se aplica mais à execução do julgamento.
Naturalmente, a sentença vem antes da execução. A primeira é dada algum tempo antes da volta de Jesus, através do juízo investigativo iniciado em 1844. Entendemos que neste ano começou o julgamento do povo de Deus e não dos poderes iníquos, mas não devemos esquecer que a absolvição dos santos resulta em simultânea condenação de seus opressores. Apocalipse 18:24 diz que em Babilônia “se achou sangue de profetas, de santos, e de todos os que foram mortos sobre a terra”, A expressão “se achou” evoca-nos a idéia de um juízo investigativo, a exemplo de Daniel 12:1 e Apocalipse 20:12 (ver O Grande Conflito, págs. 480-482).
A execução da sentença contra a mulher no contexto deste capítulo, é dada imediatamente antes da volta de Jesus (verso 16). Talvez devêssemos considerá-la uma execução preliminar, já que é no fim do milênio que o mundo ímpio será definitivamente destruído (Apoc. 20:9).
3. O pleno domínio das nações da Terra, por parte da besta, no capítulo 13 (o que corresponde, no capítulo 17, à mulher assentada “sobre militas águas”, ou cavalgando a besta escarlate, veja o tópico seguinte) ocorre com a cura da ferida mortal (versos 3,7 e 8), tornada possível como auxilio da 2a. besta (versos 12-17). Esta representa a maior nação protestante do mundo, os Estados Unidos,
A ferida mortal foi aplicada no papado em 1798, ao Bertier, sob Napoleão Bonaparte, aprisionar Pio VI, Considerando que o romanismo ainda não tem o domínio total das nações, temos que convir que a cura completa aguarda pelo futuro próximo. Apocalipse 17:8 afirma que a besta “era” (indica o papado como elemento perseguidor antes de 1798), “não é” (indica o papado impossibilitado de exercer um domínio opressor durante o tempo em que a ferida mortal não está totalmente curada), “mas aparecerá” (indica o governo papal plenamente restaurado, de posse agora do domínio mundial e exercendo novamente o poder de perseguição).
4. É-nos dito também que a besta “está para emergir do abismo” (verso 8), Há dois modos de interpretarmos esta afirmação: o primeiro é considerá-la na perspectiva da cura da ferida mortal, o que estabeleceria o ponto focal de tempo do cumprimento profético corno aquele que antecede imediatamente a restauração papal. O segundo será referido adiante.
5. A mulher é identificada como “a mãe das meretrizes” (verso 5), Se a mulher representa o poder religioso romano, suas “filhas”, também mulheres, devem representar outros sistemas religiosos que, no contexto desta profecia, se lhe submetem e a apóiam.
Na verdade, várias dessas “filhas” nem sempre foram filhas, pois houve uma época em que o protestantismo era fiel ao seu legado. É a partir do verão de 1844, quando a  2a. mensagem angélica (“caiu, caiu Babilônia”) começou a ser pregada (ver O Grande Conflito, pág, 602), que as igrejas evangélicas nominais passam a se desviar da verdade, apostatam, e acabam finalmente se submetendo ao domínio maternal de Babilônia. Sabemos que uma combinação de espiritismo, protestantismo apostatado e catolicismo (com a provável adesão de outras forças religiosas da Terra, como o judaísmo, o islã e religiões do extremo oriente) em apoio ao papado concorrerá para a culminação da cura da ferida mortal. Isso resultará na supremacia romana com força total, isto é, de forma muito mais ampla que aquela que ocorreu antes que a ferida mortal fosse aplicada.
6. Finalmente, a besta de Apocalipse 17, representando as nações da Terra sobre as quais o poder romano religioso efetivará o seu poder político, não se assemelha apenas à primeira besta do capítulo 13, mas também ao dragão do capítulo 12. Enquanto que a besta semelhante ao cordeiro, a 2a. do capítulo 13, seduz o mundo todo a que façam “uma imagem à [la]  besta” (verso 14), identificada como imagem da besta no verso 15 e em Apoc. 14:9; 15:2; 16:2: 19:20 e 20:4, é evidente que as nações do mundo só serão semelhantes ao dragão quando a porta da graça se fechar, pois só aí a humanidade estará dividida em dois grupos: os salvos, que refletirão plenamente a imagem de Jesus, e os perdidos, que refletirão plenamente a imagem de Satanás. Isto será assim, mesmo porque a imagem da besta é na realidade a imagem do dragão. Formar a imagem de um é, na verdade, formar a imagem do outro.
Portanto, a visão do capítulo 17 aponta especificamente para o tempo do fim como ocasião do seu cumprimento, com ênfase no momento em que o poder representado pela 1a. besta de Apocalipse 13, plenamente restabelecido de sua ferida mortal, domina sobre os reinos da Terra, agora desfigurados na imagem do dragão e comportando o seu caráter.
Não deveríamos, entretanto, radicalizar o aspecto de tempo da profecia, julgando que nada do que é dito em Apocalipse 17 se aplique à época do escritor. Talvez a melhor atitude seria considerar o tempo com duas aplicações, uma ligada à transmissão da profecia, e outra ao seu cumprimento. Parece impróprio, por exemplo, que a declaração do verso 18 não deva ser entendida na perspectiva da época do profeta.

Identificação da besta e da mulher     A descrição desta besta é praticamente idêntica à do dragão do capítulo 12 e da besta semelhante ao leopardo do capítulo 13, com apenas uma aparente diferença: os chifres da besta do capítulo 13 estão ornados com coroas, o que não é dito da besta do capítulo 17. Todavia, o anjo, neste capítulo, interpreta esses chifres como sendo “dez reis” que exercerão autoridade com a besta por um tempo bastante curto (verso 12).
Embora a não-menção de coroas no capítulo 17 possa comportar algum significado profético específico (alguns acham que isso seria um indício de que o regime político que caracterizará o maior número de nações no final da História será a democracia), seria normal considerar o detalhe das “coroas”, no capítulo 13, como estando em paralelo com o detalhe dos “reis” no capítulo 17. Quanto ao dragão do capítulo 12, as coroas aparecem sobre as cabeças e não sobre os chifres como no capítulo 13. Mas devemos notar que o anjo do capítulo 17 igualmente interpreta as cabeças como “reis” (verso 9), o que estabeleceria o mesmo paralelo. Além do mais, “vermelho”, a cor do dragão no capítulo 12:3, estaria em paralelo com “escarlate”, a cor da besta no capitulo 17:4.
A identificação do dragão é dada pelo próprio Apocalipse. Ele é “a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás” (12:9). Tradicionalmente temos interpretado a 1a.  besta do capítulo 13 como uma figuração profética do sistema romano de governo eclesiástico especificamente o papado. A besta do capítulo 17, a nosso ver aponta basicamente para o próprio Satanás em distintas manifestações que vão desde a forma mais usual, através de indivíduos, regimes religiosos e políticos, e nações, que se consagram ao seu serviço, até o clímax da manifestação pessoal e direta. Na verdade, a manifestação de Satanás quando velada em seu verdadeiro caráter aparece na forma de bestas, e quando declaradamente demoníaca, na forma de dragão. Por exemplo, no fim do milênio apenas o dragão estará de volta. Nenhuma besta marcará presença porque a volta de Jesus, ocorrida mil anos antes, terá desmascarado toda a pretensão e forma velada de engano utilizadas por Satanás em seus 6 mil anos de domínio na Terra. É por isto que é declarado que “a besta e o falso profeta” (o mesmo poder representado pela 2a. besta do capítulo 13) são lançados no lago de fogo por ocasião da 2a. vinda e não no fim do milênio (Apoc. 19:21).
Inicialmente, a besta do capítulo 17 representa as diferentes nações que compõem o imenso mar da humanidade, e que, num futuro não muito distante, estarão sendo conduzidas pelo poder religioso representado pela mulher cavalgando a besta. Esta conclusão naturalmente emerge quando alguns pontos deste capítulo são considerados:
1. É dito que a mulher se assenta “sobre muitas águas” (verso 1).
2. Somos informados que estas águas representam “povos, multidões, nações e línguas” (verso IS).
3. Ao João ser transportado em visão “a um deserto” para ver o que o anjo disse que veria, isto é, uma mulher assentada ‘sobre muitas águas”, ele vê, sim, uma mulher, mas assentada sobre uma “besta escarlate” (verso 3). Logo, a besta deste verso está em paralelo com muitas águas”, dos versos 1 e 15. Vista por esse ângulo, a besta significa o que águas significam, a humanidade dividida em “povos, multidões, nações e línguas”, unidos sob um poder maligno. E neste tempo, corno já vimos, as nações serão o reflexo de Satanás.
4. Na visão, a mulher aparece conduzindo a besta, pois a está cavalgando (o que corresponde à mulher assentada sobre muitas águas). Na interpretação o anjo diz que a mulher é “a grande cidade que domina sobre os reis [reinos] da Terra” (verso 18). Observe que o verbo dominar aparece no presente do indicativo, “domina”. Se perguntamos qual era a cidade que reinava sobre as nações da Terra quando o Apocalipse foi escrito, uma só resposta é possível: Roma, E se Roma é representada pela 1’ besta do capítulo 13, temos que convir que esta besta equivale, em sua dimensão religiosa, à mulher do capitulo 17, e, em sua dimensão política, à besta deste capitulo. Em outras palavras, interpretando a mulher, o Apocalipse nos sugere igualmente este aspecto da identidade da besta, os reinos da Terra onde a mulher efetiva o seu domínio.
    Mas a besta aponta, particularmente no que respeita às suas cabeças, também a poderes na História que se colocaram nas mãos do diabo para o cumprimento de seus propósitos. Ao falar que a besta é o 8’ rei, quando de fato a profecia menciona 7 reis e não 8, ficamos com a impressão de que a besta é a própria corporificação deles, e que ao final o maligno estará de volta para dominar com força total.
Assim, tanto a mulher como a besta  representam a dominação romana, correspondendo a primeira, como diz o Comentário Bíblico, ao poder religioso, e a segunda, ao poder político ou civil (DABC, vol. 7, pág. 851), tornado efetivo, naturalmente, em seu domínio das nações. A figura do 8o. rei também é sugestiva da restauração deste domínio.
Finalmente, esta besta representa Satanás em sua manifestação direta e pessoal no mundo, para executar sua derradeira obra de engano. O anjo afirma que ela ernergirá do abismo e caminhará para a perdição (verso 8). A segunda maneira de interpretarmos esta afirmação é considerar a besta como o próprio dragão que, durante o milênio, estará retido no ‘abismo’ e de lá será solto ao final para novamente exercer o domínio das nações. enganá-las, e então caminhar com elas para a destruição (Apoc. 20:1-3; 7-10).

A Identidade dos sete reis —Tradicionalmente sustentamos duas maneiras de interpretar os 7 reis de Apocalipse 17:9 e 10. A primeira considera esses reis corno representativos de 7 diferentes formas de governo empregadas pelos romanos no transcurso de sua história:  realeza, consulado, decenvirato, ditadura, triunvirato, império e papado. A segunda considera as 7 cabeças como representações de poderes terrestres que historicamente exerceram domínio no mundo e oprimiram o povo de Deus: Egito, Assíria. Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia, Roma Imperial e Roma Papal.
As duas formas de interpretação coincidem no significado do verso 10. O tempo aí referido deve ser considerado do ponto de vista da comunicação profética e não do seu cumprimento. Seria, então, o tempo do próprio profeta. quando cinco formas do governo romano ou cinco reinos que oprimiram o povo de Deus eram coisa do passado, um existia, Roma Imperial, e a seguinte. Roma Papal ainda viria. O oitavo rei seria o papado plenamente curado de sua ferida mortal, o que conforma com a declaração de que ele “procede dos sete” (verso 11).
A afirmação de que 7o. rei, “quando chegar, tem de durar pouco” (verso 10) aparentemente contraria as duas formas de interpretação acima, pois 1260 anos, o tempo da supremacia papal de 538 a 1798,  seria considerado um tempo longo, principalmente se comparado com a duração do domínio dos seis poderes precedentes. Mas devemos lembrar que muitas das declarações do Apocalipse transcendem a mera literalidade dos termos empregados e  comportam um significado essencialmente teológico ou espiritual.
Assim, o Apocalipse se harmoniza com o restante do Novo Testamento ao afirmar que o tempo que transcorre entre a cruz e a volta de Jesus, é, na realidade, pequeno, não importa a extensão dele, pois a salvação agora já está consumada e a extinção do pecado inevitavelmente ocorrerá. O escritor sagrado, por exemplo, registrou em Hebreus 10:37 que “ainda dentro de pouco tempo aquele que vem virá e não tardará.” Esse “pouco tempo” entretanto, já alcança quase 2 mil anos. Da mesma forma o Apocalipse fala das coisas  “que em breve hão de acontecer”  (algumas das quais não se cumpriram ainda), “que o tempo está próximo”, e que, a partir da cruz, o dragão está irado, “sabendo que pouco tempo lhe resta” (Apoc. 1:1; 22:10; 12:12).

Conclusão — Como afirmado anteriormente, a teoria do sexto rei não é mais que isso: uma teoria. Como tal, ela ainda será testada no laboratório da História. Nem devemos fechar o coração a ela, nem aceitá-la como revelação de Deus.
É verdade que a interpretação tradicional que sustentamos, a exemplo da teoria do sexto rei, não conta com um claro “assim diz o Senhor” através do Espírito de Profecia (pelo menos até agora, o presente escritor não conseguiu localizar qualqner referência a respeito, nos escritos de Ellen White). Mas a grande diferença é que o que oficialmente ensinamos está em consonância com o historicismo, como linha de interpretação por nós adotada, o que significa que é uma verdade com respeito ao passado e presente; e o ponto que toca o futuro, o 8o. rei, respalda­-se na afirmação do Espírito de Profecia de que o poder papal será restaurado. Mas a teoria do 6o. rei cheira a futurismo, e incorre nos riscos que ele representa.
Em matéria de interpretação profética não podemos esquecer que o intérprete não é alguém que, no estrito senso, pré-vê o futuro, mas um aprendiz. A compreensão e interpretação da profecia se desenvolvem e se aperfeiçoam com a passagem do tempo. Talvez Lutero tivesse isso em mente quando declarou: “As profecias só podem ser entendidas perfeitamente depois de se cumprirem.”  Certamente o grande reformador não percebeu que nestes termos ele acabou definindo uma das premissas básicas do historicismo como recurso de interpretação: o conceito da verdade se amplia conforme os séculos escoam e eventos, há muito profetizados, alcançam um legítimo cumprimento. De fato, a prudência nos ordena respeitar os limites do historicismo.
Cumpre-nos, então, atentar para dois pontos importantes: (1) cuidado, muito cuidado em como interpretamos profecias ainda por se cumprir Enquanto não contamos com um seguro “assim diz o Senhor” confirmando como correta a interpretação, não podemos incondicionalmente aceitá-la como verdade, e muito menos comunicá-la como tal a terceiros; interpretação profética é um terreno muito fértil para a especulação; (2) a profecia não nos deixa em dúvida sobre de onde viemos, quem somos, e para onde vamos como Igreja. O cumprimento de Daniel 8:14 marca a nossa origem como o remanescente; a profecia de Mateus 24:14 e Apocalipse 14:6-12 configura nossa missão no mundo hoje; e nosso destino se chama novos Céus e nova Terra nos quais habita a justiça (II Ped. 3:13). Somos, portanto. o povo da profecia.
Acordemos de nossa letargia. sacudamos o torpor que nos envolve e disponhamo-nos para o que vem por ai. Em sua trajetória por este mundo, a Igreja deparou momentos críticos. Mas ninguém se engane: o pior ainda virá. Por outro lado, Deus já operou coisas grandiosas em favor de Seu povo, mas o melhor e as coisas mais grandiosas igualmente ainda estão por acontecer.  Quanto mais negras as trevas, mais fulgurante será a luz de Deus; quanto mais severa a prova, mais poderoso o Seu braço para prover libertação: quanto mais ameaçador o inimigo mais retumbante a nossa vitória. Pelo poder da graça.


Revista Adventista

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