"Quando ela (a mulher)
escolhe fazer o bem,
fá-lo em muito
maior medida
que qualquer
homem. Mas
no momento em
que ela
se vende ao pecado, o seu ódio para com os homens de Deus
é muito mais
ardente, muito
mais feroz,
mesmo fatal."
Abraão Kuyper*
Marcos
6:17-28
"A cabeça de João Batista", sussurrou Herodias (Mar. 6:24). Não
havia qualquer hesitação
na sua voz,
nem qualquer
traço de dúvida.
À sua volta
muitas outras pessoas estavam a falar. Um grupo selecionado
de visitantes tinha-se reunido no palácio para a celebração do aniversário do rei
Herodes Antipas. Muitos príncipes eminentes,
oficiais militares
de alta patente
e importantes hóspedes
de Galiléia tinham vindo ao banquete,
atendendo ao convite do monarca
(v. 21).
Salomé, a filha de Herodias,
inclinou-se prudentemente para
a mãe e perguntou: "Que pedirei?" (v. 24)
Perante tal pergunta, Herodias mal pôde suprimir um sorriso de triunfo. A vingança
brilhava-lhe nos olhos.
Não teve dificuldade
em encontrar
uma resposta, nem
por um
momento. Exigiu a cabeça
do profeta, João Baptista.
O plano de Herodias tinha resultado.
Finalmente ia ver-se livre do homem que tanto
odiava. Onde as palavras
tinham falhado, vencia a astúcia.
Herodes, o marido, seria agora forçado a matar
João. Não tinha
ele acabado
de dizer a Salomé, na presença
de todos, "Pede-me o que quiseres e eu
to darei"? Tinha mesmo confirmado essas palavras
com outras: "Mesmo
que seja a metade
do meu reino,
eu ta darei" (v. 23).
Herodias conhecia a inclinação
do marido para
a crueldade. Ele
partilhava dessa característica da família como o pai, Herodes, o Grande
(Mat. 2:13). De fato, Herodes não era um homem de moral elevada. Afinal de contas,
não tinha
ele repudiado a esposa
legal – uma princesa árabe
– por ela,
Herodias, a mulher do seu irmão
Filipe? Não tinham ambos
abandonado os seus cônjuges
para viverem juntos?
Herodias estava plenamente consciente do orgulho
e sensualidade do marido.
Esses traços
serviram de base à sua
reflexão e constituíram a razão que a
levara a desafiar Salomé, pouco
antes, a dançar
perante os hóspedes.
Nessa época e região
tais danças
eram vulgares numa festa,
embora não
para judeus ortodoxos.
A dança sensual
da moça excitou os presentes.
Os seus movimentos
fascinaram as pessoas que tinham passado
a noite a comer
e a beber. Achando que
aquela atuação voluntária
– e aos seus olhos
fantástica – tinha
de ser altamente
recompensada, o rei fez uma declaração injustificável.
Herodias sabia também que Herodes não
era um
homem corajoso.
Ele não
ousaria reconhecer que
num impulso tinha
prometido algo que
de fato não
queria fazer. Não
iria admitir que
a vida de um
homem não
pertencia ao domínio de um monarca terreno. Embora
não tivesse o direito
a dispor de uma vida,
nesta situação ele
não consentiria que
o seu juramento
fosse considerado inválido e sem poder.
Orgulhoso e
egoísta, Herodes escolheria de acordo com os seus próprios interesses
e contra os do profeta.
Mas Herodias tinha
de o forçar a fazer essa decisão. O marido
hesitava ferir João de sua
livre vontade.
Não era esta a primeira
vez que
Herodias tentava matar João Batista.
Até então,
o marido tinha
sempre protegido o profeta
dos seus vis planos.
Todas as tentativas que
fizera para tirar a vida a João haviam falhado. Mas
agora, tinha
finalmente preparado
uma armadilha a Herodes. Fizera-o com tanta habilidade, que
o marido foi apanhado
desprevenido. A luta
pela cabeça
de João Batista tinha
terminado. Herodias triunfara.
O seu ato
hediondo não
tinha resultado
de um súbito impulso. Ela não tinha agido
num acesso de loucura.
Havia trabalhado arduamente naquele plano
diabólico durante
cerca de ano
e meio. Estes
fatos foram o pano
de fundo do drama
horrível que
estava prestes a desenrolar-se.
A maneira como Herodes e Herodias viviam escandalosamente
juntos era
um insulto
às leis do povo
entre o qual
viviam. As Leis de Deus
condenavam o que eles
estavam a fazer, com
palavras muito
claras. "E quando
um homem
tomar a mulher
de seu irmão,
imundície é; a nudez
de seu irmão
descobriu; sem filhos
ficarão" (Lev. 20:21).
Todavia,
tornava-se difícil para
os súditos de Herodes e Herodias
censurá-los. O monarca e a esposa eram pessoas
de grande autoridade.
Representavam o imperador romano cujas tropas
ocupavam o país judaico.
Foi então que surgiu um homem que não se deixou intimidar pela autoridade real que eles tinham. Falava em
nome de Deus.
Ele, João Batista,
transmitia as Suas ordens
sem medo das pessoas. A sua mensagem era incisiva e simples:
"Arrependei-vos, porque o Reino dos céus
está próximo" (Mat. 3:1-6).
A sua voz,
onde se podiam ainda
notar a rudeza e a
agressividade do deserto onde tinha vivido (Luc. 1:80) ressoava através
da Palestina.
A mensagem não era desconhecida. Profetas
anteriores, homens
como Moisés (Dt. 30:9-11) e Jeremias
(Jer. 18:11), tinham proclamado a mesma chamada à conversão.
Também eles
tinham exortado a nação a melhorar o seu tipo de vida. Se os israelitas
se tivessem arrependido, Deus teria
perdoado os seus pecados
e restaurado a sua terra
(2 Crôn. 7:14).
Todavia, a pregação de João era
extremamente urgente:
o Reino do Céu
estava próximo. "Preparai o caminho do Senhor",
clamava ele "endireitai as suas veredas"
(Mat. 3:3).
Muitas pessoas reconheceram a
voz de Deus.
Juntavam-se a João em grande número e
confessavam os seus pecados.
Como prova de
que os seus
corações haviam sido transformados, eram
batizados.
A voz de João não bateu só à porta dos seus concidadãos. Soou também
nos portões
do palácio do tetrarca, o título
correto de Herodes (Luc. 3:19). O título de "rei",
embora lisonjeiro,
era incorreto,
uma vez que
ele só
governava sobre as províncias
da Galiléia e Peréia, um quarto
do território judaico.
Herodes e Herodias não eram israelitas, mas
edomitas, descendentes de Esaú. Jacó, de
quem descendiam os judeus,
não se contava entre
os seus antepassados.
Contudo, eles
tinham em comum
com os israelitas
os patriarcas Abraão e Isaque. Eram portanto parentes
afastados dos judeus, no meio dos quais
viviam.
A mensagem do profeta não
visava apenas a nação
dos judeus. Visava também
Herodes e Herodias, pois eles
precisavam igualmente de se arrepender.
Necessitavam voltar-se da direção
errada em que
seguiam. Deus tinha
um recado
para eles. Após a sua conversão poderiam receber
o perdão e a restauração.
João não se contentou em deixá-los com
uma exortação genérica.
Não hesitou em
advertir o casal
pessoalmente. "Não
te é lícito
possuir a mulher
de teu irmão"
– dizia ele francamente
a Herodes. Salientou também outros crimes que o tetrarca estava praticando (Luc. 3:19-20).
Não se poderia conceber uma diferença maior
entre o justo
e resoluto profeta
e o imoral e indeciso
Herodes. Todavia, tinha-se desenvolvido entre
os dois homens
uma certa relação.
O rei sentia-se atraído para
o profeta, apesar
do fato de João sempre
lhe ter
declarado a verdade dura.
Reconhecia em João qualidades
que a ele
lhe faltavam: retidão
e uma vida santa.
Por isso,
Herodes tinha mandado
vir João muitas vezes
à sua presença
para o ouvir falar. Como resultado, o rei
ficou cada vez
mais confuso, mas
não se verificaram quaisquer mudanças espirituais na sua
vida.
Herodias via esta fraqueza
do marido perante
o profeta como
um perigo
adicional. A mulher
através de cuja
influência dois casamentos haviam sido desfeitos
queria estar certa
de que não
seria repudiada. Desde o momento em que João tinha exposto a sua ligação pecaminosa,
passara a odiá-lo – a ele, o perturbador
da sua paz.
Queria apanhá-lo de qualquer maneira!
Acima de tudo, Herodias queria evitar
que Herodes se deixasse influenciar
ainda mais
por João Batista.
Por isso,
pediu-lhe que prendesse João, e finalmente conseguiu-o. A possibilidade de o matar parecia estar agora ao seu alcance, pois a prisão
ficava dentro dos muros
da fortaleza onde
morava a família real.
Todavia, Herodes continuava vigilante, no seu próprio interesse e
no de João. Ele sabia que a morte de João podia resultar num tumulto,
pois as pessoas
consideravam-no sem dúvida
uma profeta (Mat. 14:5). E o seu «trono» tão inseguro poderia não
resistir a tal revolta.
Assim o profeta que começou
por trazer as
pessoas de volta
a Deus estava encerrado numa prisão. O homem de quem Jesus dissera, "Entre
os que de mulher
têm nascido, não apareceu alguém maior do
que João Batista"
(Mat. 11:11), estava cativo. Era presa de uma mulher mesquinha
e sedenta de sangue
e de um homem
cruel e indeciso.
Privado da sua
liberdade, jazeu acorrentado – dia após dia, semana após semana – até que, por fim, chegou
a duvidar da seu
próprio chamado" (Mat. 11:2-6).
Herodias provou o ódio que lhe tinha. Com uma precisão mortal,
armou as suas ciladas
em torno
de João. Apanhou também Herodes nessas armadilhas, minando a sua
vigilância.
Como acontece
com muitos
pais, Herodias tinha
a característica de usar
a sua filha
para seu próprio proveito. Mesmo essa filha
foi sacrificada ao seu plano diabólico,
cuja fase final estava agora
à vista.
Salomé, influenciada pela mãe, não perdeu
tempo a apresentar
o seu pedido
diante do rei.
As suas reações
foram ainda mais
cruéis que a da mãe.
Verificou que a sua
horrível missão
exigia rapidez. Tinha
de fazer depressa
o seu trabalho,
antes que
a disposição do rei
mudasse. De outro modo,
ele poderia
voltar atrás com a sua oferta estouvada.
"Quero que, sem demora, me dês num prato a cabeça
de João Batista" (Mar. 6:25).
Nem mesmo a mãe tinha ido tão longe. Mas o ódio da mãe tinha
envenenado os pensamentos da filha. Para Salomé não bastava que
João fosse assassinado sem um julgamento aberto, sem ser interrogado ou
sem qualquer
tipo de defesa.
Ela não
se contentava em que
ele tivesse de deixar
esta vida sem
dizer adeus
aos amigos. João continuaria a ser profundamente
humilhado até à morte;
o prato com
a sua cabeça
rígida constituiria um
suplemento à sobremesa
da festa de aniversário
de Herodes, na base do pedido explícito
de Herodias e Salomé.
Os grandes dias festivos
constituíam oportunidades durante as quais
os monarcas mostravam muitas vezes misericórdia,
mas Herodias degradou horrivelmente este dia de festa. Assassinou um
homem inocente
cujo único
"crime" tinha
sido o de falar corajosamente
as palavras de Deus,
e fez de dois dos seus
parentes cúmplices
do seu crime.
Embora os nomes de Herodes e Herodias significassem "heróico", raras vezes
os significados dos nomes
estiveram em tão
flagrante contradição
com as vidas
dos que os usavam. Os seus atos não brotavam de heroísmo. Pelo contrário, foram
ditados pelo inferno.
A galeria de retratos que a Bíblia apresenta mostra
muitas mulheres pecadoras, mas poucas delas foram tão
perversas como Herodias. Poucas tiveram
as mãos tão
manchadas de sangue como
ela. A possibilidade de se arrepender
foi-lhe claramente oferecida, mas rejeitou, cometendo assim
o maior dos seus
pecados.
Antes de João
ter sido encarcerado, tinha
apontado para um
homem que
percorria a terra da Palestina,
pregando e fazendo muitos milagres – Jesus de Nazaré. "Vede! Ali está o Cordeiro de Deus que tira o pecado
do mundo", dissera João Batista (João 1:29). E acrescentou: Eu não sou importante, mas
Ele é (Mar.
1:7). Eu sou apenas
o Seu arauto,
a voz que
O anuncia, o dedo que
aponta para Ele.
Os judeus entendiam este simbolismo.
Aquelas palavras prediziam que Jesus – como
um Cordeiro inocente de acordo
com o seu
pacto com Deus (Êxo. 12:1-6) – daria a Sua
vida para os redimir. Dali em diante não
seriam necessários mais
sacrifícios de animais
para substituir o homem pecador.
Jesus era o Messias
anunciado – o Salvador do homem,
do Seu povo,
do mundo inteiro
(João 3:16).
Jesus, o Filho de Deus,
identificou-se de tal modo com os pecadores, que
tomou sobre Si
próprio a sentença
de morte que
pesava sobre eles.
Desse modo, a exigência
de Deu de que o pecador
tinha que
morrer, foi satisfeita;
az sua condenação
caiu sobre Cristo,
em vez
de sobre a humanidade.
O culpado fica livre, porque o Inocente
suportou a pena (Isa. 53:5-12). Sempre que uma pessoa admite e confessa o seu
pecado e recebe Cristo
como Salvador,
recebe o perdão de Deus.
A salvação é agora acessível
a todos.
João exortou Herodes e Herodias de modo
que eles
pudessem ter também
uma parte nesta nova
relação com
Deus. Mas
para isso,
tinham de confessar os seus
pecados, de renovar
as suas vidas.
João queria que eles
se encontrassem com o Messias
que já
vivia entre eles.
Mas o casal
recusou atender ao apelo
de Deus.
Quão diferente foi a resposta
da mulher samaritana
numa situação idêntica.
Como Herodias, ela
era conhecida
publicamente pela sua
imoralidade (João 4:18). Também ela foi
visitada pessoalmente, embora pelo próprio
Jesus (vv. 7-26), e não por João.
Essa mulher, reconhecendo que o pecado a tinha conduzido a um
beco sem
saída, chegou a uma fé
salvadora. A sua vida
modificou-se radicalmente e tornou-se
uma bênção para outros. Diversas pessoas
da sua aldeia
vieram a crer em
Jesus Cristo por
meio do seu
testemunho (vv. 28-29).
Todavia, com Herodias aconteceu o contrário.
A vida dela degenerou. Tornou-se uma maldição para o ambiente em que vivia. Teve a crueldade
de carregar a consciência
da sua própria
filha com
o sangue de um
dos servos escolhidos de Deus. A sua filha Salomé nunca
revelou sinais de arrependimento.
A consciência dela, como
a da mãe, estava demasiado
cauterizada.
Herodias teve também uma influência destrutiva
sobre o marido.
Ao princípio, Deus
tinha visto
uma possibilidade para a conversão
de Herodes. A porta do seu coração tinha permanecido entreaberta
à fé até
que, pela
influência de Herodias, se fechou redondamente.
Quando, algum tempo mais tarde,
Jesus foi sentenciado à morte, deu atenção a Pilatos. Na cruz,
Cristo abriu mesmo
o céu a um
assassino (Luc. 23:39-46). Mas nada teve a
dizer a Herodes (v. 9), que
havia perdido a sua oportunidade.
Como Herodias, ele
não tinha
escutado quando Deus
lhe falou através
de João. Ambos experimentaram o fato de que Deus freqüentemente
fala mais
que uma vez
à mesma pessoa
(Jó 33:14). Mas quando
esta não atende a Seu
chamado pode perder a sua
oportunidade para
sempre.
Herodes, que em tempos tinha tentado evitar a morte de João Batista,
teve parte na morte
de Jesus (Luc. 23:8-12). Ele continuou a
tradição sanguinária
da família. O seu
coração estava endurecido.
A vida de Herodias teria sido
diferente se ela
se tivesse corrigido a tempo e ouvido a advertência de Deus. Infelizmente,
preferiu o pecado; ignorou o amor de Deus que a tinha avisado a tempo.
Recusando aceitar a solução
para o seu problema, trouxe a desgraça
sobre si
própria. Endureceu o coração (Prov. 28:14) contra
os ensinos do Senhor.
O maior pecado
de Herodias não foi o adultério ou o assassínio; foi a incredulidade.
"Quem ama a disciplina
ama o conhecimento,
mas o que
aborrece a repreensão é estúpido"
(Prov. 12:1). Estas são palavras de Salomão, o homem
mais sábio
de todos os tempos.
"Retém a instrução e não a largues", avisou ele
também, "guarda-a, porque ela é a
tua vida" Prov. 4:13). " o que
abandona a repreensão
anda errado " (Prov. 10:17).
Herodias rejeitou a repreensão que visava o seu
bem, e as conseqüências
foram desastrosas, tanto sob o ponto de vista material como espiritual.
Flávio Josefo escreveu que a ambição de Herodias acabou por
ser a sua
ruína. Ela
abusou da sua influência
sobre Herodes e incitou-o a pedir ao imperador
Calígula o título de rei. O pedido
foi recusado, Herodes foi exilado e desprezado para
o resto da vida
(Flávio Josefo, Antiquities of the
Jews, Livro
18, cap. 7). Herodias partilhou da humilhação
do marido. Tal
foi a recompensa de uma mulher
que, por
causa da vingança, se
degradou a ponto de cometer
um homicídio.
Herodias, uma mulher que se
degradou pela vingança
e homicídio
(Marcos 6:17-28)
Perguntas:
1. Por que
é que Herodias estava interessada na morte de João Batista?
De que meios
se serviu para atingir o seu alvo?
2. Em que
sentido é que
a influência de Herodias afetou o marido e a filha?
3. De que modo é que a advertência de João Batista
podia ter influenciado a vida
de Herodias ?
4. Que pecados
cometeu Herodias? Qual lhe parece ter sido o pior? Por quê?
5. Estude Deuteronômio 30:9-10 e II Crônicas
7:14. Quais são
as condições para
se poder experimentar a
bênção de Deus?
6. Haverá ocasiões na sua vida em que também deixa de
ouvir a orientação
de Deus e perde assim
parte das Suas
bênçãos?
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