O
SIGNIFICADO DAS PALAVRAS “SECULAR”, “SECULARIZAÇÃO” E “SECULARISMO”.
A
palavra secular provém do termo latino, saeculum, que quer dizer um
período de tempo, idade. Na Vulgata, a versão da Bíblia traduzida para o
latim por São Jerónimo, o termo saeculum traduz duas palavras em grego:
αιων, século, tempo e κοσμοs, mundo. A palavra saeculum com o pronome
demonstrativo, este, [1]
significa este século/tempo, este mundo, o nosso tempo presente.
O
termo saeculum em latim tem um significado neutro, nem é negativo, nem é
positivo; na Vulgata, também assume um sentido neutro (ver I Timóteo 1:17).
Contudo, quando aparece com o pronome este (lat. hic), é usado com um
sentido religioso negativo, porque se refere ao nosso tempo/século presente que
é dominado pelo mal. (Ver II Coríntios 4:4: deus huius saeculi, o
deus deste século; Romanos 12:2, et nolite conformari huic saeculo,
e não vos conformeis com este mundo, [este século]).
Os
gregos compreendiam a existência como espaço; os hebreus compreendiam-na como
tempo. Na Idade Média, a concepção da realidade espacial grega ultrapassou a
concepção temporal hebraica e a palavra saeculum significava o mundo
profano, em oposição ao mundo dos monges, das freiras e dos clérigos. Hoje
em dia, o termo secular quer dizer profano, mundano, irreligioso,
o contrário de sagrado/sacro, celeste, religioso.
Criou-se
a distinção entre os domínios religioso/espiritual e secular/material
quando a separação entre o Papa e o Imperador se tornou uma realidade. Secularização
designava a acção de transferir certas responsabilidades das autoridades
eclesiásticas para as autoridades civis. Pelo processo de secularização política,
a religião tornou-se privatizada, excluída das instituições estatais.
Pelo processo de secularização intelectual dos filósofos, cientistas e
de outros pensadores, a religião foi relegada para uma “esfera privada”. Geralmente,
hoje em dia, o termo secularização descreve o movimento histórico da privatização
da religião, na qual a esfera privada da vida, a esfera dos valores
e, consequentemente, da religião, é compartimentada e separada da esfera
pública, da esfera dos factos e, por conseguinte, da ciência.
É
de se reconhecer que o processo de secularização tem auxiliado a eliminar
algumas formas inapropriadas nas quais Deus e a religião têm sido idealizados e
tem criado condições favoráveis à liberdade religiosa. No entanto, o processo de
secularização também criou as condições para o secularismo, que é uma atitude filosófica,
a qual é orientada para o profano em vez do sacro e a qual leva à
rejeição do sobrenatural e à exclusão dos valores religiosos da
vida humana. Resumindo, o termo secularização é usado para descrever
os processos nos quais muitos sectores da cultura e da sociedade passaram do
controlo religioso para o não religioso ou civil, enquanto o secularismo é uma
“forma de vida e pensamento que é seguida sem qualquer referência a Deus ou à
religião.”
AS TEORIAS FILOSÓFICAS QUE CONTRIBUIRAM
PARA A FORMAÇÃO DA MENTE SECULARIZADA
A Origem da Filosofia Ocidental
Muitos
conceitos fundamentais da cultura ocidental têm a sua origem na filosofia
grega. A filosofia greco-romana desenvolveu, durante um milénio, aquilo que
hoje constitui os fundamentos culturais do pensamento ocidental.
Os
pensadores ocidentais receberam da filosofia greco-romana uma série de
conceitos, tais como o princípio, elemento, tempo, a eternidade, lei,
natureza, etc., e uma série de dicotomias, tais como matéria/espírito,
corpo/alma, etc. O dualismo ontológico e antropológico, a visão panteísta da
realidade, o racionalismo, o materialismo e o cepticismo já estavam presentes
na filosofia grega, pelo menos na sua forma embrionária.
A Filosofia Pré-Socrática
A
filosofia pré-socrática tinha três tendências: a tendência dualísta de
Pitágoras, a tendência materialista dos atomistas, e o relativismo dos
sofistas. (1) A visão matemática que Pitágoras tinha do mundo físico com as
suas dicotomias (corpo/alma, matéria/espírito, com limite/sem limite,
um/muitos, etc.) influenciou o pensamento de Platão e continuou a orientar o
pensamento ocidental. (2) Os atomistas desenvolveram a primeira forma de
materialismo. Os atomistas descobriram a cosmogonia onde não houve a intervenção
de qualquer deidade. Os átomos foram mecanicamente movidos pela mudança
cega da necessidade natural e não por uma inteligência cósmica qualquer como o Logos
ou o Nous. (3) Os sofistas criam que a verdade é relativa ao sujeito que
a observa, por isso completamente
subjectiva. Mas os seres humanos mudam; então o que parece ser verdadeiro hoje
pode parecer ser falso amanhã. Segundo os sofistas, a existência de deuses não
pode ser demonstrada. As crenças religiosas, as estruturas políticas, e as
regras morais eram todas convenções, criadas pelos seres humanos.
O Dualismo de Platão e a Lógica de Aristóteles
Platão
(428-354 a.C.), com a sua visão dualista da realidade
(matéria/espírito, corpo/alma, etc.), influenciou claramente a filosofia
ocidental através de toda a sua história e guiou-a a uma distinção muito
acentuada entre a ciência e a religião. Muitos ocidentais usam, hoje em dia, a
ciência para explicar o mundo natural e limitam a religião ao mundo
sobrenatural. Esta visão dualista da realidade levou o homem ocidental a fazer
uma distinção entre os problemas materiais e espirituais, os domínios naturais
e sobrenaturais, os negócios profanos e religiosos, as esferas públicas e
privadas, etc. As pessoas aceitam a ciência que, segundo a opinião deles, se
baseia na realidade, mas rejeitam a religião, que é considerada mera poesia e
está baseada na emoção e não no pensamento lógico, racional e analítico. O
resultado é “a propagação do secularismo”.
Aristóteles
(384-322 a.C.) influenciou fortemente muitos pensadores da Idade Média, e a sua
influência ainda permanece hoje. Ele providenciou uma linguagem e uma lógica,
que permitiram o desenvolvimento da filosofia, teologia e ciência ocidentais.
Com Platão e Aristóteles, a filosofia grega criou um novo tipo de ser humano:
as pessoas intelectuais secularizadas.
O Renascimento e o Iluminismo: a centralidade do ser
humano
Durante
a Idade Média, os indivíduos eram orientados para o sobrenatural e subordinados
à autoridade da Igreja. O Renascimento separou a verdade de todos os princípios
autoritários e alargou mais a lacuna entre o mundo sobrenatural e o mundo
natural. O Renascimento filosófico marca o princípio da filosofia moderna.
Tinha duas tendências básicas: (1) o Humanismo: os estudantes começaram
a estudar, com um novo espírito, as obras dos escritores antigos; (2) o Naturalismo:
a natureza era directamente observada e estudada pela razão humana. O ser humano
procurava a origem das coisas na Natureza em vez de a procurar na ordem
sobrenatural. Durante este período, os homens quiseram voltar à posição de
supremacia que haviam tido no período do Classicismo, quando eles ocupavam o
centro do universo e eram os protagonistas da história da humanidade.
Um
espírito de secularismo, individualismo e de multiplicidade de interesses
culturais espalhou-se rapidamente da Itália para toda a Europa, formando assim
uma nova mentalidade nas pessoas ocidentais. Os Estados tornaram-se unidades
autónomas, a nível cultural e político. Muitas instituições religiosas, tais
como o casamento, tornaram-se seculares. O novo sentido da capacidade
intelectual e do poder espiritual atingiram o ponto onde a natureza passou a
ocupar o lugar da deidade.
O
período conhecido como o Iluminismo colocou grande ênfase na
capacidade/razão humana, considerando-a capaz de discernir e conhecer a
estrutura do mundo exterior. Os filósofos deste período acreditavam que a Natureza
e a razão transformavam o homem num ser perfeito.
Deísmo
No
século XVIII, sob a influência do Iluminismo, surgiu entre os intelectuais
Ingleses uma religião natural chamada deísmo.O progresso científico,
alcançado na física e na astronomia, deram à humanidade uma nova imagem do
universo. O universo era concebido como uma máquina cósmica perfeita, que
continuava com regularidade absoluta e sem qualquer interrupção possível.
Os
deístas tentaram oferecer uma imagem diferente de Deus. Segundo eles, Deus
criou um mundo autónomo, regido pelas suas leis próprias; o mundo funciona por
si só, sem qualquer intervenção divina. O deísmo aceitou Deus, mas negou que é
Ele que guia providencialmente o mundo e intervém de várias formas na história
da humanidade. Os acontecimentos humanos desenvolvem-se de acordo com leis
precisas e são determinadas por causas e efeitos.
“Deus está morto”
Nietzsche
(1844-1900) descreveu a vida humana como algo terrível e trágico; ele morreu em
1900, mas a sua influência só foi verdadeiramente sentida a partir do Século XX.
Segundo Nietzsche, é necessário eliminar todas os ideais impostos pela
sociedade que atrofiam o crescimento do ser humano: todas as filosofias, éticas
e teologias têm que cair. Deus também deve ser eliminado, porque Ele atrofia o
desenvolvimento da humanidade. A ideia de ‘Deus’ é contrária à ideia da vida,
porque Deus é um obstáculo para o crescimento da humanidade. É necessário
eliminar Deus para que o “super-homem” viva. Nietzsche disse: “Deus morreu,...
a fim de que o super-homem possa viver.”
O
pensamento de Nietzsche influenciou o povo ocidental. Hoje em dia, muitas
pessoas secularizadas pensam que a religião é um obstáculo para o seu
desenvolvimento. Elas querem ser “livres”. Elas desejam assumir a responsabilidade
pelas decisões que tomam. De acordo com algumas pessoas, Deus atrofia-as impedindo-as
de melhorar a sua situação na sociedade e de alcançar um bom nível económico.
Um Existencialista Ateísta
J.P.Sartre
(1905-1980) foi um expoente ateísta do existencialismo. Para Sartre, os seres
humanos não têm nada fixo: não há nem verdades, nem valores, nem Deus. Deus
é uma hipótese inútil. Os seres humanos, rodeados pelo nada, sentem-se sós,
e esta condição leva-os à ansiedade e converte as suas vidas em tragédia.
A Mente Pós-Moderna
A
situação intelectual pós-moderna é profundamente complexa e ambígua. J. F.
Lyotard em The Postmodern Condition1
(A Condição Pós-Moderna) procura esclarecer o significado e a extensão
desta condição. Segundo Lyotard, nas últimas décadas, a nova tecnologia dos
computadores transformou a forma como se adquire, classifica e se torna
acessível a aprendizagem. As empresas multinacionais constituem um novo poder
económico, pois tomam decisões para além do controlo dos Estados nacionais.
Isto cria um problema de legitimação, isto é, descobrir o critério pelo qual se
estabelece o tipo de conhecimento que deve ser produzido.
De
acordo com Lyotard, o conhecimento científico não representa a
totalidade do conhecimento. Sempre existiu junto de outro tipo de conhecimento,
nomeadamente o narrativo. Tanto o conhecimento científico como o
narrativo, são igualmente necessários; o conhecimento científico tem de
recorrer ao narrativo para a sua legitimação. Não é possível separar o
conhecimento científico do narrativo, porque o primeiro necessita do segundo
a fim de provar a sua legitimação. Os resultados de tudo isto são fragmentação
e pluralismo. Também outros pós-modernistas salientam a fragmentação e o
pluralismo do conhecimento. Eles repudiam as narrativas-meta de Hegel e Marx.
Eles adoptam o ponto de vista pluralístico onde cada litigante respeita a
diferença do ponto de vista de outrem e a diversidade dos jogos de linguagem.
A mente pós-moderna
pode ser vista como um conjunto indeterminado de atitudes que foram moldadas
por uma grande diversidade de correntes intelectuais e culturais; estas variam
desde: o pragmatismo, existencialismo, Marxismo, e a psicanálise, até ao
feminismo, hermenêutica e a «desconstrução»,
passando pela filosofia da ciência pós-empirista, isto só para mencionar apenas
alguns dos mais representativos.1
O
Pós-Modernismo reconhece que o conhecimento é subjectivamente determinado por
muitos factores e o valor de todas as suposições deve ser constantemente
sujeito a testes. Os intelectuais pós-modernos normalmente pensam que todo o
pensamento humano é, em última análise, um produto cultural.
Algumas Considerações Finais
A
centralidade do ser humano no Renascimento, a ênfase na razão humana durante o
Iluminismo, o deísmo que separou Deus dos negócios humanos, o existencialismo
ateísta, o super-homem de Nietzsche, que tem de eliminar Deus para melhorar a
sua vida, e o pós-modernismo com a fragmentação e o pluralismo, contribuíram
para a formação da mente secularizada ocidental.
A
filosofia grega exaltava a razão humana e contribuiu para a formação da mente
ocidental. O nominalismo medieval transformou os universais em nomes particulares.
O empirismo britânico limitou o conhecimento humano à experiência dos sentidos.
Os seres humanos perguntavam, e com razão: quem ou o quê podia assegurar que,
para além dessas impressões qualquer outra coisa realmente existia? Seria Deus?
Porém, “a esquerda hegeliana” (Feuerbach, Marx, Freud), como veremos depois,
negou a existência de Deus. Eles reivindicavam que o ser humano não mais
necessitava de Deus. A tendência ateísta ou agnóstica tornou-se sempre muito
mais forte. Com o pós-modernismo, a ideia de Deus caiu por terra; as certezas
humanas colapsaram, e o homem contemporâneo encontra-se desorientado e confuso.
Muitos pensam que todo o conhecimento humano está reduzido a jogos de
linguagem, que se alteram com as mudanças dos seres humanos, no tempo e no
espaço.
Um
rápido vislumbre das filosofias que contribuíram para a formação do processo de
secularização permitiu-nos verificar que, com a eliminação de Deus da cultura
humana, também as outras certezas humanas ruíram.
AS CORRENTES TEOLÓGICAS QUE CONTRIBUIRAM
PARA A FORMAÇÃO DA MENTE SECULARIZADA
O Sincretismo do Cristianismo Medieval
O paganismo
contaminou o Cristianismo muito cedo na sua história. A fim de pregar o
evangelho ao mundo greco-romano, os cristãos adaptaram-no às várias formas do
pensamento grego que tem a ver com a “pré-existência”. Os cristãos também
absorveram formas culturais, artísticas, políticas, jurídicas, económicas e
sociais do pensamento greco-romano e usaram as categorias da filosofia grega
para interpretar e exprimir o pensamento bíblico.
O dualismo
platónico entre a matéria e o espírito desenvolveu-se na Idade Média numa série
de dicotomias dentro do Cristianismo: Deus, espírito puro, estava em oposição
ao mundo material; a alma espiritual ao corpo material; o trabalho espiritual
ao material; a laicidade ao clero, etc. O mundo medieval era ordenado conforme
a visão cosmológica da Igreja. Esta, uma instituição espiritual, era considerada
superior ao Estado. A filosofia tornou-se a ancilla da teologia;
a laicidade, um estado inferior ao clero. A Igreja tornou-se a infalível
depositária da Verdade e estabeleceu aquilo em que o povo devia acreditar, não
só em assuntos de religião, mas também em assuntos políticos, económicos,
éticos e científicos. A nossa cultura ocidental herdou da Idade Média este
dualismo platónico, o qual separava o corpo do espírito e o natural do
sobrenatural. Na nossa sociedade ocidental, Deus e a religião foram relegados
para um mundo sobrenatural. No pensamento contemporâneo, eles muito pouco têm a
ver com o nosso mundo natural. É importante lembrar que as pessoas
secularizadas compreendem e julgam a mensagem bíblica através de umas lentes
distorcidas da cultura ocidental.
A Teologia Protestante Liberal e a “Demitologização”.
Uma
das “correntes teológicas” que mais contribuiu para formar uma mentalidade
secularizada foi o Liberalismo teológico. Esta corrente constituiu um
esforço para criar uma teologia cristã que fosse aceite pela nova mentalidade
daqueles tempos. O pioneiro deste movimento teológico foi F.
Schleiermacher (1768-1834), um teólogo que
definiu a religião como um sentimento de dependência absoluta de Deus.
Para ele, a teologia cristã não era uma descrição da verdade objectiva, mas
antes uma experiência religiosa subjectiva expressa por símbolos figurativos.
Mais
tarde, Strauss (1898-1874) publicou a sua famosa Vida de Jesus, na qual procurou
demonstrar que os Evangelhos não são história factual, mas interpretação da
própria história. Seguidamente Bultmann (1884-1976), sugeriu que, para se poder
comunicar a mensagem cristã às pessoas do século XX, era necessário ‘demitologizar’
todas as narrativas biblicas. Os Evangelhos têm de ser demitologizados,
desguarnecidos da casca mitológica, mas devem reter o cerne puro da verdade que
contêm. No entanto, alguns teólogos indagam: como é possível crer que Deus
salvou a humanidade por meio de um Homem cuja historicidade é muito duvidosa e
cuja vida nos é narrada através de um nevoeiro mitológico que só pode ser
penetrado pelos teólogos especializados?
Os Argumentos contra a Existência de Deus
Os argumentos contra a existência de Deus,
criados por intelectuais como Feuerbach, Marx e Freud, certamente contribuíram
para a indiferença existencial e queda dos valores religiosos no mundo
secularizado ocidental.
De
acordo com Feuerbach (1804-1872), no princípio os seres humanos veneravam as
poderosas forças destrutivas da natureza como divindades. Mais tarde, o
conceito de um Deus pessoal surgiu como projecção da razão humana. Deus é a
projecção do homem. Não foi Deus quem criou o homem, mas o homem é quem
criou Deus.
Segundo
Karl Marx (1818-1883), a religião é o produto de uma sociedade alienada e
decadente. A religião é uma forma de alienação produzida por uma sociedade
capitalista, e ao mesmo tempo uma droga, que afasta os oprimidos e os
trabalhadores explorados da sua situação real, impedindo-os de tomarem
conhecimento da sua injusta e desumana situação sócio-económica. Marx
acreditava que, em cada época, o sistema económico reinante determinava a forma
política, religiosa, ética, intelectual e artística da organização social. Marx
acreditava que o proletariado formaria uma sociedade ideal sem classes.
O ser humano deve confiar na sua própria força e não na religião, que o afasta
da sua condição real e das suas responsabilidades. Marx contribuiu para a
criação de uma atitude secularizada de indiferença para com a religião.
De
acordo com Sigmund Freud (1856-1939), a religião é fruto de uma neurose de tipo
obsessivo, uma ilusão infantil criada pela fantasia neurótica do ser humano. O
homem sente a necessidade de protecção, então cria deuses, dá-lhes feições
paternas, e suplica-lhes que os proteja. Quando chegam à idade adulta, eles
aprendem a dominar esta neurose, e a ilusão desaparece. Muitos intelectuais
acreditam, tal como Freud, que a religião é uma ilusão, manifestação dessa
neurose, quase incontrolável. Para muitas pessoas secularizadas, só os ignorantes
é que podem acreditar na religião, construída sobre medos, ansiedades e
esperanças, sem qualquer fundamento racional.
Perante Deus, mas sem Deus
Nos
anos de 1960, os escritos da prisão de Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), um
jovem teólogo Luterano alemão, influenciaram muitos cristãos. Bonhoeffer
acreditava que os seres humanos têm de viver na presença de Deus, mas sem
Deus. Como “adultos”, devemos viver etsi Deus non daretur (mesmo que
Deus não seja dado). Jesus clamou na cruz: “Meu Deus, Meu Deus, por que Me
desamparaste?” (Mateus 27:46). Cristo não nos ajuda com a Sua omnipotência, mas
sim com a Sua fraqueza e o Seu sofrimento.
Bonhoeffer
rejeitou o conceito da religião que interpreta Deus metafisicamente. Cristo
viveu, sofreu e morreu pelos outros. Ele ressuscitou e, desde então,
identifica-Se com a comunidade de crentes, chamados e formados pelo Espírito
Santo. De acordo com Bonhoeffer, ser cristão significa servir Deus, participar
nos Seus sofrimentos no mundo. A igreja existe “para os outros.” Um Cristão é
“um homem para os outros.”
A Teologia da Secularização.
Após
a Segunda Guerra Mundial, um grupo de teólogos, claramente influenciados por
figuras como Bultmann e Bonhoeffer, procuravam uma nova apresentação do
Cristianismo para a mente secularizada. Assim surgiu um movimento radical que
tomou a expressão que o filósofo Nietsche usou, “Deus está morto” e chamaram à
sua teologia a “teologia da Morte de Deus.” Estes teólogos acreditavam que era
necessário pregar uma teologia secularizada para uma sociedade
secularizada. Três dos mais notáveis teólogos da teologia secularizada foram
nomeadamente T.J.J. Altizer, J.A.T. Robinson e William Hamilton. T.J.J. Altizer
aceitou o elemento do “eterno retorno” do pensamento de Nietzsche. Ele
acreditava que toda a realidade experimenta uma destruição e uma recriação
contínuas através de uma dialéctica irresistível e eterna. Altizer aplicou esta
dialéctica a Deus. Ele reivindicava a doutrina da Incarnação, como Paulo ensinou
em Filipenses 2:7-8, inserindo-a num processo de esvaziamento do ego da parte
de Deus. Segundo Altizer, a incarnação implicava uma metamorfose de Deus, na
qual Ele permanentemente Se despia de todos os Seus atributos como a transcendência,
o poder, a autoridade, etc. O conceito oriental da Nirvana foi-lhe muito
útil. Num mundo sem Deus, segundo Altizer, é necessário rejeitar os conceitos
religiosos tradicionais ocidentais bem como os conceitos tradicionais
referentes a Deus e aos Seus atributos, e libertar o homem ocidental das
reivindicações do Cristo histórico.
De
acordo com J.A.T. Robinson (1919-1983), a imagem de Deus que nos foi
transmitida pela ortodoxia cristã tradicional deixou de ser credível, e está
culturalmente envelhecida e ultrapassada. Não sendo válida, deve eliminar-se
esta imagem e substitui-la por outra. O ser humano não deve utilizar mais a
terminologia espacial acerca de Deus. A mentalidade da sociedade ocidental,
influenciada pela ciência, tem dificuldade em conceber um Deus colocado num
espaço limitado. Não é mais possível falar de Deus como uma pessoa
sobrenatural. Esta linguagem abstracta e metafísica não diz nada à sociedade
moderna.
Segundo
Hamilton, Deus morreu gradualmente. A morte de Deus ocorreu no Calvário na
morte do Deus Incarnado; novamente no século XIX quando deixou de haver fé e em
nossos dias quando a humanidade perdeu o sentido da realidade de Deus. Deus já
não é mais necessário para a solução dos problemas humanos. Na nossa sociedade
secularizada, já não podemos falar de Deus em termos do medo, do mistério, do
sobrenatural, nem crer num Deus transcendente. O homem moderno deve aprender a
viver sem Deus num mundo onde somente o amor dá sentido à existência humana. O
amor cristão é o único valor disponível neste momento presente.
Algumas considerações finais
O
dualismo ontológico e antropológico da teologia cristã com as suas dicotomias,
tais como corpo/mente, clero/laicidade, sagrado/profano, religioso/secular,
etc., e a consequente remoção do reino espiritual para uma esfera distante da
vida humana quotidiana, contribuiu para a secularização da cultura do Ocidente
e criou muitos problemas à missão da Igreja.
Muitas
vezes, as pessoas secularizadas não compreendem a mensagem da Bíblia até que a
verdadeira mensagem bíblica é distintamente separada dos conceitos que a mente
ocidental recebeu da filosofia grega. A teologia protestante liberal, a
teologia da morte de Deus, e a teologia da secularização, contribuíram
indubitavelmente para o desenvolvimento do processo de secularização e para a
formação da mente secularizada.
AS TEORIAS CIENTÍFICAS QUE CONTRIBUIRAM
PARA A FORMAÇÃO DA MENTE SECULARIZADA
Um Modelo Mecânico do Universo
Nicolau Copérnico
(1473-1543) formulou uma nova teoria, afirmando que a terra anualmente gira à
volta do sol. De acordo com esta teoria, nem a terra nem os seres humanos
estavam no centro do universo.
Isaac
Newton (1642-1727) completou a revolução copérnicana formulando a lei da
gravitação universal. Propôs um modelo mecânico do universo, matematicamente
ordenado. A visão mecânicista de Newton levou os cientistas a conceberem o
universo como uma enorme máquina auto-suficiente que não necessitava da
intervenção de Deus.
As Novas Teorias Científicas das Ciências Naturais
Segundo Charles Darwin (1809-1882), todas as
espécies, incluindo os seres humanos, tinham evoluído a partir de uma célula
primitiva. Há dois factores que interagem no processo da evolução: a
sobrevivência do mais forte e do mais qualificado na luta da vida, e uma
selecção natural, pela qual os elementos mais fortes levam ao estabelecimento
de uma nova espécie. Qualquer “status espiritual especial” do ser humano que
poderia restar foi completamente eliminado por Darwin. O homem deixou de ser
criatura de Deus e passou a ser apenas um resultado fortuito de uma selecção
natural, um “animal”, cuja consciência psicológica surgiu acidentalmente durante
o processo evolutivo. Segundo esta nova visão, a terra e o ser humano
constituem uma parte insignificante de um universo imenso e a sua existência
temporária deixou de ter qualquer significado.
O Neo-Positivismo
De
acordo com os neo-positivistas, a única possibilidade que temos de estabelecer
a verdade de uma declaração é “verificá-la” experimentalmente. Todas as propostas
devem ser verificáveis. Apenas as proposições científicas podem ser garantidas
pela experiência. As declarações metafísicas não têm significado, porque não
podem ser experimentalmente verificadas; por conseguinte, a declaração “Deus
existe” nem é verdadeira nem é falsa; não tem simplesmente qualquer
significado.
Algumas Considerações Finais
Para os Antigos, a natureza era um organismo
divino que consistia de corpos celestes. Com Galileu e Newton, os matemáticos
surgiram com uma linguagem própria, e a Natureza e o Universo tornaram-se numa
grande máquina, regida por leis físicas precisas. Hoje em dia, com a mecânica quantica,
a teoria da relatividade, e o princípio da incerteza, a realidade empírica,
concreta e física foi transformada num espaço vazio habitado por “partículas
espectros”. A Nova Ciência apresentou uma visão mecânicista de um Universo
material.
As
reacções excessivas da Igreja contra a ciência e a antinomia falsa da
ciência-religião contribuíram para transformar a secularização em secularismo
ateísta. A ideia de Deus desapareceu gradualmente. Primeiro, Deus era identificado
com a Natureza (uma forma de panteísmo). Mais tarde, Ele foi separado do mundo
e afastado para bem longe do mundo (de acordo com o deísmo). Finalmente, Ele
desapareceu. O desenvolvimento das leis científicas quantitativas e a evolução
macro biológica produziram uma visão secularizada e materialista da natureza.
Com a ciência moderna, as considerações baseadas nos princípios metafísicos,
estéticos e éticos foram restringidas à esfera privada de valores. A ciência
substituiu a religião como autoridade intelectual incontestável. A razão humana
e a observação empírica passaram a ser o meio principal para a compreensão do
universo. A religião era progressivamente considerada uma superstição emocional
necessária para a moralidade, mas irrelevante para a compreensão da realidade.
[1] Por vezes as palavras e os versículos bíblicos
são escritos em três ou duas línguas obedecendo a ordem seguinte: hebraico,
grego e latim. Por exemplo, a palavra aliança
está escrita em hebraico, grego e latim: Berith =, διαθηκη, testamentum. A palavra em latim encontra-se
sublinhada.
1 Jean-François
Lyotard, The Postmodern Condition: A Report on Knowledge (A Condição
Pós-Moderna: Um Relatório sobre Conhecimento) (Minneapolis: University of
Minnesota Press, 1993).
1 Richard Tarnas, The Passion of the Western Mind (A Paixão
da Mente Ocidental) (New York: Ballantine Books, 1993), 395.
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