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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

ALCANÇANDO AS PESSOAS SECULARIZADAS - 2ª PARTE - O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO



O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS “SECULAR”, “SECULARIZAÇÃO” E “SECULARISMO”.
        A palavra secular provém do termo latino, saeculum, que quer dizer um período de tempo, idade. Na Vulgata, a versão da Bíblia traduzida para o latim por São Jerónimo, o termo saeculum traduz duas palavras em grego: αιων, século, tempo e κοσμοs, mundo. A palavra saeculum com o pronome demonstrativo, este, [1] significa este século/tempo, este mundo, o nosso tempo presente.
        O termo saeculum em latim tem um significado neutro, nem é negativo, nem é positivo; na Vulgata, também assume um sentido neutro (ver I Timóteo 1:17). Contudo, quando aparece com o pronome este (lat. hic), é usado com um sentido religioso negativo, porque se refere ao nosso tempo/século presente que é dominado pelo mal. (Ver II Coríntios 4:4: deus huius saeculi, o deus deste século; Romanos 12:2, et nolite conformari huic saeculo, e não vos conformeis com este mundo, [este século]).
        Os gregos compreendiam a existência como espaço; os hebreus compreendiam-na como tempo. Na Idade Média, a concepção da realidade espacial grega ultrapassou a concepção temporal hebraica e a palavra saeculum significava o mundo profano, em oposição ao mundo dos monges, das freiras e dos clérigos. Hoje em dia, o termo secular quer dizer profano, mundano, irreligioso, o contrário de sagrado/sacro, celeste, religioso.
        Criou-se a distinção entre os domínios religioso/espiritual e secular/material quando a separação entre o Papa e o Imperador se tornou uma realidade. Secularização designava a acção de transferir certas responsabilidades das autoridades eclesiásticas para as autoridades civis. Pelo processo de secularização política, a religião tornou-se privatizada, excluída das instituições estatais. Pelo processo de secularização intelectual dos filósofos, cientistas e de outros pensadores, a religião foi relegada para uma “esfera privada”. Geralmente, hoje em dia, o termo secularização descreve o movimento histórico da privatização da religião, na qual a esfera privada da vida, a esfera dos valores e, consequentemente, da religião, é compartimentada e separada da esfera pública, da esfera dos factos e, por conseguinte, da ciência.
        É de se reconhecer que o processo de secularização tem auxiliado a eliminar algumas formas inapropriadas nas quais Deus e a religião têm sido idealizados e tem criado condições favoráveis à liberdade religiosa. No entanto, o processo de secularização também criou as condições para o secularismo, que é uma atitude filosófica, a qual é orientada para o profano em vez do sacro e a qual leva à rejeição do sobrenatural e à exclusão dos valores religiosos da vida humana. Resumindo, o termo secularização é usado para descrever os processos nos quais muitos sectores da cultura e da sociedade passaram do controlo religioso para o não religioso ou civil, enquanto o secularismo é uma “forma de vida e pensamento que é seguida sem qualquer referência a Deus ou à religião.”

AS TEORIAS FILOSÓFICAS QUE CONTRIBUIRAM
PARA A FORMAÇÃO DA MENTE SECULARIZADA

A Origem da Filosofia Ocidental
        Muitos conceitos fundamentais da cultura ocidental têm a sua origem na filosofia grega. A filosofia greco-romana desenvolveu, durante um milénio, aquilo que hoje constitui os fundamentos culturais do pensamento ocidental.
        Os pensadores ocidentais receberam da filosofia greco-romana uma série de conceitos, tais como o princípio, elemento, tempo, a eternidade, lei, natureza, etc., e uma série de dicotomias, tais como matéria/espírito, corpo/alma, etc. O dualismo ontológico e antropológico, a visão panteísta da realidade, o racionalismo, o materialismo e o cepticismo já estavam presentes na filosofia grega, pelo menos na sua forma embrionária.
A Filosofia Pré-Socrática
        A filosofia pré-socrática tinha três tendências: a tendência dualísta de Pitágoras, a tendência materialista dos atomistas, e o relativismo dos sofistas. (1) A visão matemática que Pitágoras tinha do mundo físico com as suas dicotomias (corpo/alma, matéria/espírito, com limite/sem limite, um/muitos, etc.) influenciou o pensamento de Platão e continuou a orientar o pensamento ocidental. (2) Os atomistas desenvolveram a primeira forma de materialismo. Os atomistas descobriram a cosmogonia onde não houve a intervenção de qualquer deidade. Os átomos foram mecanicamente movidos pela mudança cega da necessidade natural e não por uma inteligência cósmica qualquer como o Logos ou o Nous. (3) Os sofistas criam que a verdade é relativa ao sujeito que a observa,  por isso completamente subjectiva. Mas os seres humanos mudam; então o que parece ser verdadeiro hoje pode parecer ser falso amanhã. Segundo os sofistas, a existência de deuses não pode ser demonstrada. As crenças religiosas, as estruturas políticas, e as regras morais eram todas convenções, criadas pelos seres humanos.

O Dualismo de Platão e a Lógica de Aristóteles
        Platão (428-354 a.C.), com a sua visão dualista da realidade (matéria/espírito, corpo/alma, etc.), influenciou claramente a filosofia ocidental através de toda a sua história e guiou-a a uma distinção muito acentuada entre a ciência e a religião. Muitos ocidentais usam, hoje em dia, a ciência para explicar o mundo natural e limitam a religião ao mundo sobrenatural. Esta visão dualista da realidade levou o homem ocidental a fazer uma distinção entre os problemas materiais e espirituais, os domínios naturais e sobrenaturais, os negócios profanos e religiosos, as esferas públicas e privadas, etc. As pessoas aceitam a ciência que, segundo a opinião deles, se baseia na realidade, mas rejeitam a religião, que é considerada mera poesia e está baseada na emoção e não no pensamento lógico, racional e analítico. O resultado é “a propagação do secularismo”.
        Aristóteles (384-322 a.C.) influenciou fortemente muitos pensadores da Idade Média, e a sua influência ainda permanece hoje. Ele providenciou uma linguagem e uma lógica, que permitiram o desenvolvimento da filosofia, teologia e ciência ocidentais. Com Platão e Aristóteles, a filosofia grega criou um novo tipo de ser humano: as pessoas intelectuais secularizadas.

O Renascimento e o Iluminismo: a centralidade do ser humano
        Durante a Idade Média, os indivíduos eram orientados para o sobrenatural e subordinados à autoridade da Igreja. O Renascimento separou a verdade de todos os princípios autoritários e alargou mais a lacuna entre o mundo sobrenatural e o mundo natural. O Renascimento filosófico marca o princípio da filosofia moderna. Tinha duas tendências básicas: (1) o Humanismo: os estudantes começaram a estudar, com um novo espírito, as obras dos escritores antigos; (2) o Naturalismo: a natureza era directamente observada e estudada pela razão humana. O ser humano procurava a origem das coisas na Natureza em vez de a procurar na ordem sobrenatural. Durante este período, os homens quiseram voltar à posição de supremacia que haviam tido no período do Classicismo, quando eles ocupavam o centro do universo e eram os protagonistas da história da humanidade.
        Um espírito de secularismo, individualismo e de multiplicidade de interesses culturais espalhou-se rapidamente da Itália para toda a Europa, formando assim uma nova mentalidade nas pessoas ocidentais. Os Estados tornaram-se unidades autónomas, a nível cultural e político. Muitas instituições religiosas, tais como o casamento, tornaram-se seculares. O novo sentido da capacidade intelectual e do poder espiritual atingiram o ponto onde a natureza passou a ocupar o lugar da deidade.
        O período conhecido como o Iluminismo colocou grande ênfase na capacidade/razão humana, considerando-a capaz de discernir e conhecer a estrutura do mundo exterior. Os filósofos deste período acreditavam que a Natureza e a razão transformavam o homem num ser perfeito.

Deísmo
        No século XVIII, sob a influência do Iluminismo, surgiu entre os intelectuais Ingleses uma religião natural chamada deísmo.O progresso científico, alcançado na física e na astronomia, deram à humanidade uma nova imagem do universo. O universo era concebido como uma máquina cósmica perfeita, que continuava com regularidade absoluta e sem qualquer interrupção possível.
        Os deístas tentaram oferecer uma imagem diferente de Deus. Segundo eles, Deus criou um mundo autónomo, regido pelas suas leis próprias; o mundo funciona por si só, sem qualquer intervenção divina. O deísmo aceitou Deus, mas negou que é Ele que guia providencialmente o mundo e intervém de várias formas na história da humanidade. Os acontecimentos humanos desenvolvem-se de acordo com leis precisas e são determinadas por causas e efeitos.

“Deus está morto”
        Nietzsche (1844-1900) descreveu a vida humana como algo terrível e trágico; ele morreu em 1900, mas a sua influência só foi verdadeiramente sentida a partir do Século XX. Segundo Nietzsche, é necessário eliminar todas os ideais impostos pela sociedade que atrofiam o crescimento do ser humano: todas as filosofias, éticas e teologias têm que cair. Deus também deve ser eliminado, porque Ele atrofia o desenvolvimento da humanidade. A ideia de ‘Deus’ é contrária à ideia da vida, porque Deus é um obstáculo para o crescimento da humanidade. É necessário eliminar Deus para que o “super-homem” viva. Nietzsche disse: “Deus morreu,... a fim de que o super-homem possa viver.”
        O pensamento de Nietzsche influenciou o povo ocidental. Hoje em dia, muitas pessoas secularizadas pensam que a religião é um obstáculo para o seu desenvolvimento. Elas querem ser “livres”. Elas desejam assumir a responsabilidade pelas decisões que tomam. De acordo com algumas pessoas, Deus atrofia-as impedindo-as de melhorar a sua situação na sociedade e de alcançar um bom nível económico.

Um Existencialista Ateísta
        J.P.Sartre (1905-1980) foi um expoente ateísta do existencialismo. Para Sartre, os seres humanos não têm nada fixo: não há nem verdades, nem valores, nem Deus. Deus é uma hipótese inútil. Os seres humanos, rodeados pelo nada, sentem-se sós, e esta condição leva-os à ansiedade e converte as suas vidas em tragédia.

A Mente Pós-Moderna
        A situação intelectual pós-moderna é profundamente complexa e ambígua. J. F. Lyotard em The Postmodern Condition1 (A Condição Pós-Moderna) procura esclarecer o significado e a extensão desta condição. Segundo Lyotard, nas últimas décadas, a nova tecnologia dos computadores transformou a forma como se adquire, classifica e se torna acessível a aprendizagem. As empresas multinacionais constituem um novo poder económico, pois tomam decisões para além do controlo dos Estados nacionais. Isto cria um problema de legitimação, isto é, descobrir o critério pelo qual se estabelece o tipo de conhecimento que deve ser produzido.
        De acordo com Lyotard, o conhecimento científico não representa a totalidade do conhecimento. Sempre existiu junto de outro tipo de conhecimento, nomeadamente o narrativo. Tanto o conhecimento científico como o narrativo, são igualmente necessários; o conhecimento científico tem de recorrer ao narrativo para a sua legitimação. Não é possível separar o conhecimento científico do narrativo, porque o primeiro necessita do segundo a fim de provar a sua legitimação. Os resultados de tudo isto são fragmentação e pluralismo. Também outros pós-modernistas salientam a fragmentação e o pluralismo do conhecimento. Eles repudiam as narrativas-meta de Hegel e Marx. Eles adoptam o ponto de vista pluralístico onde cada litigante respeita a diferença do ponto de vista de outrem e a diversidade dos jogos de linguagem.

A mente pós-moderna pode ser vista como um conjunto indeterminado de atitudes que foram moldadas por uma grande diversidade de correntes intelectuais e culturais; estas variam desde: o pragmatismo, existencialismo, Marxismo, e a psicanálise, até ao feminismo, hermenêutica e a «desconstrução», passando pela filosofia da ciência pós-empirista, isto só para mencionar apenas alguns dos mais representativos.1

        O Pós-Modernismo reconhece que o conhecimento é subjectivamente determinado por muitos factores e o valor de todas as suposições deve ser constantemente sujeito a testes. Os intelectuais pós-modernos normalmente pensam que todo o pensamento humano é, em última análise, um produto cultural.

Algumas Considerações Finais
        A centralidade do ser humano no Renascimento, a ênfase na razão humana durante o Iluminismo, o deísmo que separou Deus dos negócios humanos, o existencialismo ateísta, o super-homem de Nietzsche, que tem de eliminar Deus para melhorar a sua vida, e o pós-modernismo com a fragmentação e o pluralismo, contribuíram para a formação da mente secularizada ocidental.
        A filosofia grega exaltava a razão humana e contribuiu para a formação da mente ocidental. O nominalismo medieval transformou os universais em nomes particulares. O empirismo britânico limitou o conhecimento humano à experiência dos sentidos. Os seres humanos perguntavam, e com razão: quem ou o quê podia assegurar que, para além dessas impressões qualquer outra coisa realmente existia? Seria Deus? Porém, “a esquerda hegeliana” (Feuerbach, Marx, Freud), como veremos depois, negou a existência de Deus. Eles reivindicavam que o ser humano não mais necessitava de Deus. A tendência ateísta ou agnóstica tornou-se sempre muito mais forte. Com o pós-modernismo, a ideia de Deus caiu por terra; as certezas humanas colapsaram, e o homem contemporâneo encontra-se desorientado e confuso. Muitos pensam que todo o conhecimento humano está reduzido a jogos de linguagem, que se alteram com as mudanças dos seres humanos, no tempo e no espaço.
        Um rápido vislumbre das filosofias que contribuíram para a formação do processo de secularização permitiu-nos verificar que, com a eliminação de Deus da cultura humana, também as outras certezas humanas ruíram.

AS CORRENTES TEOLÓGICAS QUE CONTRIBUIRAM
PARA A FORMAÇÃO DA MENTE SECULARIZADA

O Sincretismo do Cristianismo Medieval
O paganismo contaminou o Cristianismo muito cedo na sua história. A fim de pregar o evangelho ao mundo greco-romano, os cristãos adaptaram-no às várias formas do pensamento grego que tem a ver com a “pré-existência”. Os cristãos também absorveram formas culturais, artísticas, políticas, jurídicas, económicas e sociais do pensamento greco-romano e usaram as categorias da filosofia grega para interpretar e exprimir o pensamento bíblico.
O dualismo platónico entre a matéria e o espírito desenvolveu-se na Idade Média numa série de dicotomias dentro do Cristianismo: Deus, espírito puro, estava em oposição ao mundo material; a alma espiritual ao corpo material; o trabalho espiritual ao material; a laicidade ao clero, etc. O mundo medieval era ordenado conforme a visão cosmológica da Igreja. Esta, uma instituição espiritual, era considerada superior ao Estado. A filosofia tornou-se a ancilla da teologia; a laicidade, um estado inferior ao clero. A Igreja tornou-se a infalível depositária da Verdade e estabeleceu aquilo em que o povo devia acreditar, não só em assuntos de religião, mas também em assuntos políticos, económicos, éticos e científicos. A nossa cultura ocidental herdou da Idade Média este dualismo platónico, o qual separava o corpo do espírito e o natural do sobrenatural. Na nossa sociedade ocidental, Deus e a religião foram relegados para um mundo sobrenatural. No pensamento contemporâneo, eles muito pouco têm a ver com o nosso mundo natural. É importante lembrar que as pessoas secularizadas compreendem e julgam a mensagem bíblica através de umas lentes distorcidas da cultura ocidental.

A Teologia Protestante Liberal e a “Demitologização”.
        Uma das “correntes teológicas” que mais contribuiu para formar uma mentalidade secularizada foi o Liberalismo teológico. Esta corrente constituiu um esforço para criar uma teologia cristã que fosse aceite pela nova mentalidade daqueles tempos. O pioneiro deste movimento teológico foi F.
 Schleiermacher (1768-1834), um teólogo que definiu a religião como um sentimento de dependência absoluta de Deus. Para ele, a teologia cristã não era uma descrição da verdade objectiva, mas antes uma experiência religiosa subjectiva expressa por símbolos figurativos.
        Mais tarde, Strauss (1898-1874) publicou a sua famosa Vida de Jesus, na qual procurou demonstrar que os Evangelhos não são história factual, mas interpretação da própria história. Seguidamente Bultmann (1884-1976), sugeriu que, para se poder comunicar a mensagem cristã às pessoas do século XX, era necessário ‘demitologizar’ todas as narrativas biblicas. Os Evangelhos têm de ser demitologizados, desguarnecidos da casca mitológica, mas devem reter o cerne puro da verdade que contêm. No entanto, alguns teólogos indagam: como é possível crer que Deus salvou a humanidade por meio de um Homem cuja historicidade é muito duvidosa e cuja vida nos é narrada através de um nevoeiro mitológico que só pode ser penetrado pelos teólogos especializados?

Os Argumentos contra a Existência de Deus
         Os argumentos contra a existência de Deus, criados por intelectuais como Feuerbach, Marx e Freud, certamente contribuíram para a indiferença existencial e queda dos valores religiosos no mundo secularizado ocidental.
        De acordo com Feuerbach (1804-1872), no princípio os seres humanos veneravam as poderosas forças destrutivas da natureza como divindades. Mais tarde, o conceito de um Deus pessoal surgiu como projecção da razão humana. Deus é a projecção do homem. Não foi Deus quem criou o homem, mas o homem é quem criou Deus. 
        Segundo Karl Marx (1818-1883), a religião é o produto de uma sociedade alienada e decadente. A religião é uma forma de alienação produzida por uma sociedade capitalista, e ao mesmo tempo uma droga, que afasta os oprimidos e os trabalhadores explorados da sua situação real, impedindo-os de tomarem conhecimento da sua injusta e desumana situação sócio-económica. Marx acreditava que, em cada época, o sistema económico reinante determinava a forma política, religiosa, ética, intelectual e artística da organização social. Marx acreditava que o proletariado formaria uma sociedade ideal sem classes. O ser humano deve confiar na sua própria força e não na religião, que o afasta da sua condição real e das suas responsabilidades. Marx contribuiu para a criação de uma atitude secularizada de indiferença para com a religião.
        De acordo com Sigmund Freud (1856-1939), a religião é fruto de uma neurose de tipo obsessivo, uma ilusão infantil criada pela fantasia neurótica do ser humano. O homem sente a necessidade de protecção, então cria deuses, dá-lhes feições paternas, e suplica-lhes que os proteja. Quando chegam à idade adulta, eles aprendem a dominar esta neurose, e a ilusão desaparece. Muitos intelectuais acreditam, tal como Freud, que a religião é uma ilusão, manifestação dessa neurose, quase incontrolável. Para muitas pessoas secularizadas, só os ignorantes é que podem acreditar na religião, construída sobre medos, ansiedades e esperanças, sem qualquer fundamento racional.

Perante Deus, mas sem Deus
        Nos anos de 1960, os escritos da prisão de Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), um jovem teólogo Luterano alemão, influenciaram muitos cristãos. Bonhoeffer acreditava que os seres humanos têm de viver na presença de Deus, mas sem Deus. Como “adultos”, devemos viver etsi Deus non daretur (mesmo que Deus não seja dado). Jesus clamou na cruz: “Meu Deus, Meu Deus, por que Me desamparaste?” (Mateus 27:46). Cristo não nos ajuda com a Sua omnipotência, mas sim com a Sua fraqueza e o Seu sofrimento.
        Bonhoeffer rejeitou o conceito da religião que interpreta Deus metafisicamente. Cristo viveu, sofreu e morreu pelos outros. Ele ressuscitou e, desde então, identifica-Se com a comunidade de crentes, chamados e formados pelo Espírito Santo. De acordo com Bonhoeffer, ser cristão significa servir Deus, participar nos Seus sofrimentos no mundo. A igreja existe “para os outros.” Um Cristão é “um homem para os outros.”
A Teologia da Secularização.
        Após a Segunda Guerra Mundial, um grupo de teólogos, claramente influenciados por figuras como Bultmann e Bonhoeffer, procuravam uma nova apresentação do Cristianismo para a mente secularizada. Assim surgiu um movimento radical que tomou a expressão que o filósofo Nietsche usou, “Deus está morto” e chamaram à sua teologia a “teologia da Morte de Deus.” Estes teólogos acreditavam que era necessário pregar uma teologia secularizada para uma sociedade secularizada. Três dos mais notáveis teólogos da teologia secularizada foram nomeadamente T.J.J. Altizer, J.A.T. Robinson e William Hamilton. T.J.J. Altizer aceitou o elemento do “eterno retorno” do pensamento de Nietzsche. Ele acreditava que toda a realidade experimenta uma destruição e uma recriação contínuas através de uma dialéctica irresistível e eterna. Altizer aplicou esta dialéctica a Deus. Ele reivindicava a doutrina da Incarnação, como Paulo ensinou em Filipenses 2:7-8, inserindo-a num processo de esvaziamento do ego da parte de Deus. Segundo Altizer, a incarnação implicava uma metamorfose de Deus, na qual Ele permanentemente Se despia de todos os Seus atributos como a transcendência, o poder, a autoridade, etc. O conceito oriental da Nirvana foi-lhe muito útil. Num mundo sem Deus, segundo Altizer, é necessário rejeitar os conceitos religiosos tradicionais ocidentais bem como os conceitos tradicionais referentes a Deus e aos Seus atributos, e libertar o homem ocidental das reivindicações do Cristo histórico.
        De acordo com J.A.T. Robinson (1919-1983), a imagem de Deus que nos foi transmitida pela ortodoxia cristã tradicional deixou de ser credível, e está culturalmente envelhecida e ultrapassada. Não sendo válida, deve eliminar-se esta imagem e substitui-la por outra. O ser humano não deve utilizar mais a terminologia espacial acerca de Deus. A mentalidade da sociedade ocidental, influenciada pela ciência, tem dificuldade em conceber um Deus colocado num espaço limitado. Não é mais possível falar de Deus como uma pessoa sobrenatural. Esta linguagem abstracta e metafísica não diz nada à sociedade moderna.
        Segundo Hamilton, Deus morreu gradualmente. A morte de Deus ocorreu no Calvário na morte do Deus Incarnado; novamente no século XIX quando deixou de haver fé e em nossos dias quando a humanidade perdeu o sentido da realidade de Deus. Deus já não é mais necessário para a solução dos problemas humanos. Na nossa sociedade secularizada, já não podemos falar de Deus em termos do medo, do mistério, do sobrenatural, nem crer num Deus transcendente. O homem moderno deve aprender a viver sem Deus num mundo onde somente o amor dá sentido à existência humana. O amor cristão é o único valor disponível neste momento presente.

Algumas considerações finais
        O dualismo ontológico e antropológico da teologia cristã com as suas dicotomias, tais como corpo/mente, clero/laicidade, sagrado/profano, religioso/secular, etc., e a consequente remoção do reino espiritual para uma esfera distante da vida humana quotidiana, contribuiu para a secularização da cultura do Ocidente e criou muitos problemas à missão da Igreja.
        Muitas vezes, as pessoas secularizadas não compreendem a mensagem da Bíblia até que a verdadeira mensagem bíblica é distintamente separada dos conceitos que a mente ocidental recebeu da filosofia grega. A teologia protestante liberal, a teologia da morte de Deus, e a teologia da secularização, contribuíram indubitavelmente para o desenvolvimento do processo de secularização e para a formação da mente secularizada.

AS TEORIAS CIENTÍFICAS QUE CONTRIBUIRAM
PARA A FORMAÇÃO DA MENTE SECULARIZADA

Um Modelo Mecânico do Universo
Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou uma nova teoria, afirmando que a terra anualmente gira à volta do sol. De acordo com esta teoria, nem a terra nem os seres humanos estavam no centro do universo.
        Isaac Newton (1642-1727) completou a revolução copérnicana formulando a lei da gravitação universal. Propôs um modelo mecânico do universo, matematicamente ordenado. A visão mecânicista de Newton levou os cientistas a conceberem o universo como uma enorme máquina auto-suficiente que não necessitava da intervenção de Deus.

As Novas Teorias Científicas das Ciências Naturais
         Segundo Charles Darwin (1809-1882), todas as espécies, incluindo os seres humanos, tinham evoluído a partir de uma célula primitiva. Há dois factores que interagem no processo da evolução: a sobrevivência do mais forte e do mais qualificado na luta da vida, e uma selecção natural, pela qual os elementos mais fortes levam ao estabelecimento de uma nova espécie. Qualquer “status espiritual especial” do ser humano que poderia restar foi completamente eliminado por Darwin. O homem deixou de ser criatura de Deus e passou a ser apenas um resultado fortuito de uma selecção natural, um “animal”, cuja consciência psicológica surgiu acidentalmente durante o processo evolutivo. Segundo esta nova visão, a terra e o ser humano constituem uma parte insignificante de um universo imenso e a sua existência temporária deixou de ter qualquer significado.

O Neo-Positivismo
        De acordo com os neo-positivistas, a única possibilidade que temos de estabelecer a verdade de uma declaração é “verificá-la” experimentalmente. Todas as propostas devem ser verificáveis. Apenas as proposições científicas podem ser garantidas pela experiência. As declarações metafísicas não têm significado, porque não podem ser experimentalmente verificadas; por conseguinte, a declaração “Deus existe” nem é verdadeira nem é falsa; não tem simplesmente qualquer significado.

Algumas Considerações Finais
        Para os Antigos, a natureza era um organismo divino que consistia de corpos celestes. Com Galileu e Newton, os matemáticos surgiram com uma linguagem própria, e a Natureza e o Universo tornaram-se numa grande máquina, regida por leis físicas precisas. Hoje em dia, com a mecânica quantica, a teoria da relatividade, e o princípio da incerteza, a realidade empírica, concreta e física foi transformada num espaço vazio habitado por “partículas espectros”. A Nova Ciência apresentou uma visão mecânicista de um Universo material.
        As reacções excessivas da Igreja contra a ciência e a antinomia falsa da ciência-religião contribuíram para transformar a secularização em secularismo ateísta. A ideia de Deus desapareceu gradualmente. Primeiro, Deus era identificado com a Natureza (uma forma de panteísmo). Mais tarde, Ele foi separado do mundo e afastado para bem longe do mundo (de acordo com o deísmo). Finalmente, Ele desapareceu. O desenvolvimento das leis científicas quantitativas e a evolução macro biológica produziram uma visão secularizada e materialista da natureza. Com a ciência moderna, as considerações baseadas nos princípios metafísicos, estéticos e éticos foram restringidas à esfera privada de valores. A ciência substituiu a religião como autoridade intelectual incontestável. A razão humana e a observação empírica passaram a ser o meio principal para a compreensão do universo. A religião era progressivamente considerada uma superstição emocional necessária para a moralidade, mas irrelevante para a compreensão da realidade.




[1] Por vezes as palavras e os versículos bíblicos são escritos em três ou duas línguas obedecendo a ordem seguinte: hebraico, grego e latim.  Por exemplo, a palavra aliança está escrita em hebraico, grego e latim: Berith =, διαθηκη, testamentum.  A palavra em latim encontra-se sublinhada. 
1 Jean-François Lyotard, The Postmodern Condition: A Report on Knowledge (A Condição Pós-Moderna: Um Relatório sobre Conhecimento) (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1993).
1 Richard Tarnas, The Passion of the Western Mind (A Paixão da Mente Ocidental) (New York: Ballantine Books, 1993), 395.

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