DANÇA NA BÍBLIA
Samuele
Bacchiocchi
Existem opiniões conflitantes com respeito à dança se seu uso no culto de
adoração do antigo Israel. Historicamente a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem
mantido que a Bíblia não sanciona a dança, especialmente no contexto do culto
de adoração. Nos anos recentes, contudo, a questão tem sido reexaminada,
especialmente pelos líderes de jovens Adventistas que afirmam terem encontrado
apoio bíblico para a dança.
Dançaremos?
Um bom exemplo desta nova tendência é o debate Shall We
Dance? Rediscovering
Christ-Centered Standards. Esta pesquisa foi realizada por vinte
contribuintes e está baseado nos resultados do “Estudo Valuegenesis”. Este
estudo é o mais ambicioso projeto jamais empreendido pela Igreja Adventista
para determinar com que eficácia a igreja está transmitindo seus valores à nova
geração.
A contracapa de Shall We Dance? indica que o livro é
“patrocinado, de forma conjunta, pelo Departamento de Educação da Divisão Norte
Americana dos Adventistas do Sétimo Dia, o Centro John Hancock para o
Ministério Jovem, a Universidade La Sierra, e a Imprensa da Universidade La
Sierra”. O patrocínio em conjunto por quatro grandes instituições da IASD,
sugere que o conteúdo do livro reflete o pensamento das principais instituições
adventistas.
Para sermos mais precisos, deve-se mencionar o que diz a
declaração inicial na parte introdutória: “O livro não é uma declaração
oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia com respeito a padrões e valores. Ao
contrário, é um convite para se iniciar uma discussão de assuntos relativos ao
estilo de vida. Esperamos que princípios bíblicos melhores tornar-se-ão a base
para nosso estilo de vida diferenciado, enquanto evoluímos dos assuntos
periféricos, mas sempre presentes, para assuntos de maior peso no vivermos a
vida Cristã”.
A explanação de que o “livro não é uma declaração
oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia” nos conforta, porque, em minha
visão, algumas das conclusões dificilmente encorajam o desenvolvimento de
“princípios bíblicos melhores”. Um caso em questão são os quatro capítulos
dedicados a dança e escritos por quatro diferentes autores. Estes capítulos
apresentam uma análise muito superficial das referências Bíblicas sobre dança.
Por exemplo, o capítulo intitulado Dancing with a User-Friendly Concordance,
constitui-se, principalmente, de uma lista de vinte e sete referências bíblicas
sobre dança, sem qualquer discussão. O autor assume que os textos são
auto-explicativos e que apóiam a dança religiosa. Isto é indicado pelo fato de
que ele encerra o capítulo, perguntando: “Como poderíamos dançar diante do
Senhor hoje? Que tipo de dança seria? Por que as pessoas dançam em nossos
dias?”1
Surpreendentemente, o autor ignora que nenhuma dança teve lugar nos serviços
religiosos no templo, na sinagoga, ou na igreja primitiva.
As conclusões provenientes do exame da visão bíblica da
dança são declaradas, concisamente, em cinco princípios, o primeiro dos quais
diz: “Princípio 1: Dança é um componente da adoração divina. Quando estudamos
as Escrituras descobrimos que o que ela diz sobre dança e dançar não apenas não
é condenatório, mas em alguns casos positivamente recomendado: ‘Louvai-o ao som
da trombeta; louvai-o com saltério e com harpa. Louvai-o com adufes e danças;
louvai-o com instrumentos de cordas e com flautas.’” (Sal. 150:3-4).2
O autor continua: “Uma meia hora de estudo com uma boa
concordância bíblica, deixa-nos a impressão duradoura de que existem mais
coisas em uma perspectiva verdadeiramente Bíblica sobre a dança do que
anteriormente foi visto pelos nossos olhos Adventistas. De cerca de 27
referências sobre dançar (dança, dançou, danças, dançando) nas Escrituras,
somente quatro ocorrem num contexto claramente negativo, e até mesmo estas
referências não descrevem em parte alguma a dança como o objeto de desaprovação
de Deus”.3
Este capítulo apresenta este desafio surpreendente à Igreja
Adventista: “Tão desafiador quanto isto possa ser à nossa noção de
respeitabilidade e decoro, parece ser evidente que os Adventistas deveriam
repensar e re-estudar a inclusão da dança como parte da adoração a Deus, pelo
menos em comunidades selecionadas e em ocasiões especiais”.4
Três Falhas Principais.
Depois de gastar, não “uma meia hora”, mas sim vários dias,
examinando os dados bíblicos relativos à dança, achei esta conclusão
inconsistente e seu desafio desnecessário. Para maior clareza, desejo responder
à posição de que “a dança é um componente da adoração divina” na Bíblia,
apresentando o que, na minha visão, são três as principais falhas em sua
metodologia.
(1) O fracasso em provar que a dança realmente era um
componente da adoração divina no Templo, na sinagoga, e na igreja primitiva.
(2) O fracasso em reconhecer que das vinte e oito
referências a dançar ou danças no Velho Testamento, apenas quatro se referem
sem contestação à dança religiosa, e nenhuma destas está relacionada à adoração
na Casa de Deus.
(3) O fracasso em examinar por que as mulheres, que
executavam a maior parte das danças, foram excluídas do ministério da música no
Templo, na sinagoga, e na igreja primitiva.
Nenhuma Dança no Serviço de Adoração.
Se fosse verdade que na Bíblia “a dança é um componente da
adoração divina”, então por que não há nenhum indício de dança realizada por
homens ou mulheres nos serviços de adoração no Templo, na sinagoga, ou na
igreja primitiva? Será que o povo de Deus, em tempos bíblicos, negligenciou um
importante “componente da adoração divina?”
Negligência não parece ser a razão para a exclusão da dança
do culto divino, porque observamos que foram dadas instruções claras com
respeito ao ministério da música no templo. O coro levítico só era acompanhado
por instrumentos de corda (a harpa e o alaúde). Instrumentos de percussão como
tambores e adufes, geralmente usados para executar música dançante, foram
claramente proibidos. O que foi verdade no Templo também foi verdade para a
sinagoga e mais tarde para a igreja primitiva. Nenhuma dança ou entretenimento
musical jamais foi permitido na Casa de Deus.
Garen Wolf chega a essa conclusão depois de sua extensa
análise em Dance in the Bible: “Primeiro, referências à dança, como
parte da adoração no Templo, não podem ser encontradas em lugar algum, tanto no
primeiro quanto no segundo Templo. Segundo, das 107 vezes que estas palavras
são usadas na Bíblia [palavras hebraicas traduzidas como “dança”], em apenas
quatro vezes elas podem ser consideradas como se referindo a dança religiosa.
Terceiro, nenhuma destas referências a dança religiosa foi em conjunção com a
adoração pública regular e tradicional dos hebreus”. 5
É importante notar que Davi, que é considerado por muitos
como o exemplo principal para a dança religiosa na Bíblia, nunca deu instruções
aos levitas com respeito a quando e como dançariam no Templo. Se Davi cresse
que a dança deveria ser um componente na adoração divina, sem dúvida teria dado
instruções relativas a ela aos músicos levitas que designou para se
apresentarem no templo.
Acima de tudo, Davi foi o fundador do ministério de música
no Templo. Vimos que ele deu claras instruções aos 4.000 músicos levitas
pertinentes a quando cantarem e que instrumentos usarem para acompanharem seu
coral. Sua omissão da dança na adoração divina dificilmente pode ser
considerada como um lapso. Ao contrário, ela nos fala da distinção que Davi fez
entre a música sacra, executada na Casa de Deus e a música secular tocada fora
do Templo para o entretenimento.
Uma importante distinção deve ser feita entre música
religiosa tocada para o entretenimento social e a música sacra executada para
adoração no Templo. Não devemos nos esquecer que toda vida dos Israelitas era
orientada pela religião. O entretenimento era provido, não por concertos ou
apresentações em um teatro ou num circo, mas pela celebração de eventos
religiosos ou festivais, freqüentemente através de danças folclóricas, com
homens ou mulheres em grupos separados.
Nenhuma dança de orientação romântica ou sensual, realizada
por casais, jamais ocorreu no antigo Israel. A maior dança anual acontecia,
como veremos, juntamente com a Festa dos Tabernáculos, quando os sacerdotes
entretinham o povo realizando incríveis danças acrobáticas a noite inteira.
Isto significa que aqueles que apelam às referências bíblicas para justificar a
dança romântica moderna dentro ou fora da igreja ignoram a vasta diferença
entre as duas.
A maioria das pessoas que recorrem à Bíblia para justificar
a dança romântica moderna não está nem um pouco interessada na dança dos povos
mencionados na Bíblia, onde não havia nenhum contato físico entre os homens e
as mulheres. Cada grupo de homens, mulheres, e crianças realizavam seu próprio
“espetáculo”, que na maioria das vezes era um tipo de marcha com cadência
rítmica. Eu vi a “Dança ao Redor da Arca” pelos sacerdotes Cópticos na Etiópia,
onde várias tradições judaicas permaneceram, inclusive a observância do Sábado.
Não pude entender por que eles chamavam aquilo de “dança”, já que era somente uma
procissão dos sacerdotes, que marchavam com uma certa cadência rítmica. Aplicar
a noção bíblica de dança à dança moderna, é enganoso, para se dizer o mínimo,
porque há uma enorme diferença entre as duas. Este ponto ficará mais claro
quando examinarmos as referências à dança.
As Referências à Dança.
Contrariamente às suposições anteriores, apenas quatro das
vinte e oito referencias a dança se referem sem discussão à dança religiosa,
mas nenhuma destas tem a ver com a adoração pública realizada na Casa de Deus.
Para evitar sobrecarregar o leitor com a análise técnica do uso extenso de seis
palavras hebraicas traduzidas como “dança”, apresentarei apenas uma breve
alusão a cada uma delas.
A palavra hebraica “chagag” é traduzida uma vez como
“dança” em I Samuel 30:16 no contexto de “comendo, bebendo e dançando”, pelos
Amalequitas. É evidente que isto não é dança religiosa.
A palavra hebraica “chuwl” é traduzida duas vezes
como “dança” em Juízes 21:21,23, com referencia às filhas de Siló, que saíram a
dançar nas vinhas e foram tomadas de surpresa como esposas pelos homens de
Benjamim. Novamente, não há dúvida que neste contexto esta palavra se refere à
dança secular, executada por mulheres acima de qualquer suspeita.
A palavra hebraica “karar” é traduzida duas vezes
como “dança” em II Samuel 6:14 e 16 onde está declarado “E Davi dançava com
todas as suas forças diante do Senhor;... Mical, filha de Saul, estava olhando
pela janela; e, vendo ao rei Davi saltando e dançando diante do Senhor....”
Abaixo é dito mais acerca do significado da dança de Davi. Neste contexto é
suficiente notar que “estes versos se referem a um tipo de dança religiosa fora
do contexto da adoração no Templo. A palavra “karar” é usada nas
escrituras apenas nestes dois versos, e nunca é usada em conjunção com a
adoração no Templo”.6
A palavra hebraica “machowal” é traduzida seis vezes
como “dança”. Salmos 30:11 usa o termo poeticamente: “Tornaste o meu pranto em
regozijo (danças)”. Jeremias 31:4 fala das “virgens de Israel” as quais “sairão
nas danças dos que se alegram”. O mesmo pensamento é expresso no verso 13. Em
ambas as ocasiões as referências são a danças folclóricas sociais, executadas
pelas mulheres.
“Louvai-O com Danças”.
Em dois exemplos importantes, machowal é traduzido
como “dança” (Salmos 149:3 e 150:4). Eles são os mais importantes porque na
visão de muitas pessoas eles provêem o apoio bíblico necessário para se dançar
como parte na adoração da igreja. Uma olhada de perto nestes textos demonstra
que esta suposição popular está baseada em uma leitura superficial e numa
interpretação incorreta dos textos.
Lingüisticamente, o termo “dança” nestes dois versos é
contestado. Alguns estudiosos acreditam que machowl deriva de chuwl
que significa “fazer uma abertura”. 7–uma
possível alusão a um instrumento de “tubo”, como um órgão. Na realidade esta é
a versão de rodapé dada pela KJV. O Salmo 149:3 declara: “Louvem-lhe o nome com
danças” [ou “com órgão”, no rodapé da KJV]. Em Salmos 150:4 lemos: “Louvai-O
com adufes e com danças” [ou “órgão”, rodapé da KJV].
Pelo contexto, machowl parece ser uma referência a
um instrumento musical; em ambos os textos, Salmos 149:3 e 150:4, o termo
ocorre no contexto de uma lista de instrumentos a serem usados no louvor ao
Senhor. No Salmo 150 a lista possui oito instrumentos: trompete, saltério,
harpa, adufes, instrumentos de corda, órgãos, címbalos sonoros, címbalos
retumbantes (KJV). Como o salmista está listando todos os instrumentos a serem
usados no louvor do Senhor, é plausível assumir que machowal é também um
instrumento musical, seja qual for a sua natureza.
Outra consideração importante é a linguagem figurativa
desses dois salmos, a qual, dificilmente dá margem a uma interpretação literal
de dança na Casa de Deus. O Salmo 149:5 encoraja o povo a louvarem o Senhor nos
“leitos”. No verso 6, o louvor é feito com “espadas de dois gumes” nas mãos.
Nos versos 7 e 8, o Senhor é louvado por castigar os povos, pôr os reis em
cadeias, e os seus nobres em grilhões de ferro. É evidente que a linguagem é
figurativa porque é difícil acreditar que Deus esperaria que as pessoas O
louvassem estando em pé ou saltando sobre as camas ou enquanto brandem uma
espada de dois gumes.
O mesmo se aplica ao Salmo 150, que fala em louvar a Deus,
de modo altamente figurativo. O salmista chama o povo de Deus para louvar o
Senhor “pelos seus poderosos feitos” (verso 2) em todo lugar possível e com
todo instrumento musical disponível. Noutras palavras, o salmo menciona o lugar
onde louvar o Senhor, particularmente, “no Seu santuário” e “no firmamento do
Seu poder”; a razão citada para louvar o Senhor, é por “Seus atos poderosos. .
. conforme a excelência da sua grandeza”. (verso 2); e os instrumentos a
serem usados citados para louvar ao Senhor são os oito listados acima.
Este salmo só faz sentido se considerarmos a linguagem como
sendo altamente figurativa. Por exemplo, não há nenhuma possibilidade do povo
de Deus poder louvar o Senhor “no firmamento do Seu poder”, porque eles vivem
na terra e não no céu. O propósito do salmo não é especificar o local e
os instrumentos a serem usados na música de louvor na igreja. Nem se
pretende dar permissão para dançar para o Senhor na igreja. Antes, seu
propósito é convidar todo aquele que respira ou emite sons para louvar
ao Senhor em todos os lugares. Interpretar o salmo como sendo uma
permissão para dançar, ou tocar tambores na igreja, é interpretar de forma
incorreta a intenção do Salmo e contradizer as regras que o próprio Davi deu
com respeito ao uso de instrumentos na Casa de Deus.
Dança de Celebração.
A palavra hebraica mechowlah é traduzida como
“dança” sete vezes. Em cinco das sete ocorrências a dança é feita por mulheres
na celebração de uma vitória militar (I Samuel 18:6; 21:11; 29:5; Juízes 11:34;
Êxodo 15:20). Miriam e as mulheres dançaram para celebrar a vitória sobre o
exército egípcio (Êxodo 15:20). A filha de Jefté dançou para celebrar a vitória
de seu pai sobre os amonitas (Juízes 11:34). Mulheres dançaram para celebrar a
matança dos Filisteus por Davi (I Samuel 18:6; 21:11; 29:5).
Nas duas ocorrências restantes, mechowlah é usada
para descrever a dança dos Israelitas, nus, ao redor do bezerro de ouro (Êxodo
32:19) e a dança das filhas de Siló nas vinhas (Juízes 21:21). Em nenhum destes
exemplos a dança é parte de um serviço de adoração. A dança de Miriam pode ser
vista como religiosa, mas da mesma forma que as danças executadas em relação às
festividades anuais. Porém, estas danças não eram vistas como um componente de
um serviço divino. Elas eram celebrações sociais de eventos religiosos. A mesma
coisa acontece hoje em países católicos onde as pessoas celebram anualmente dias
santos organizando carnavais.
A palavra hebraica raquad é traduzida quatro vezes
como “dança” (I Crônicas 15:29; Jó 21:11; Isaías 13:21; Eclesiastes 3:4 [NVI]).
Uma vez se refere a “seus filhos põe-se a dançar” (Jó 21:11). Outro é o “sátiro
que dança” (Isaías 13:21) que pode ser uma cabra ou uma figura de linguagem. Um
terceiro exemplo é uma referência poética ao “tempo de dançar” (Eclesiastes
3:4), mencionada como contraste ao “tempo para chorar”. Uma quarta referência é
o exemplo clássico do “rei Davi dançando e folgando” (I Crônicas 15:29). Em
vista do significado religioso relacionado à dança de Davi, uma consideração
especial será feita em breve.
Dança no Novo Testamento.
Duas palavras gregas são traduzidas como “dança” no Novo
Testamento. A primeira é orcheomai, traduzida quatro vezes como
“dançar”, referindo-se a dança da filha de Herodias (Mateus 14:6; Marcos 6:22)
e a dança dos meninos (Mateus 11:17; Lucas 7:32). A palavra orcheomai
significa dançar em movimentos graduais ou regulares e nunca é usada para se
referir à dança religiosa na Bíblia.
A segunda palavra grega traduzida como “dança” é choros.
Ela é usada apenas uma vez em Lucas 15:25, referindo-se ao retorno do filho
pródigo. Nos é dito que quando o filho mais velho chegou perto da casa “ouviu a
música e as danças”. A tradução “danças” é contestada porque a palavra grega choros
ocorre apenas uma vez nesta passagem e é usada na literatura extra-bíblica
significando “coral” ou “grupo de cantores”.8
De qualquer forma, esta era uma reunião familiar de natureza secular e não se
referia à dança religiosa.
A conclusão a que chegamos pela pesquisa anterior das vinte
e oito referências à dança é que a dança na Bíblia era essencialmente uma
celebração social de eventos especiais, como uma vitória militar, um festival
religioso, ou uma reunião familiar. Dança era realizada principalmente por
mulheres e crianças. As danças mencionadas na Bíblia eram ou processionais, em
circulo, ou que levavam ao êxtase.
Nenhuma referência bíblica indica que os homens e as
mulheres dançavam juntos de modo romântico e em pares. Como observa H. Wolf,
“Embora o modo de dançar não seja conhecido em detalhes, está claro que os
homens e mulheres geralmente não dançavam juntos, e não existe nenhuma real
evidência de que eles alguma vez o tivessem feito”. 9
Além disso, ao contrário de suposições populares, a dança na Bíblia nunca foi
executada como parte da adoração divina no Templo, na sinagoga, ou na igreja
primitiva.
A Dança na Adoração Pagã.
A maioria das indicações de dança religiosa na Bíblia tem a
ver com a apostasia do povo de Deus. Há a dança dos Israelitas no pé do Monte
Sinai ao redor do bezerro de ouro (Êxodo 32:19). Existe uma alusão à dança dos
israelitas em Sitim quando “começou o povo a prostituir-se com as filhas dos
moabitas”. (Números 25:1). A estratégia usada pelas mulheres moabitas foi
convidar os homens israelitas “para o os sacrifícios dos seus deuses” (Números
25:2), o qual, normalmente, requeria dança.
Aparentemente a estratégia foi sugerida pelo profeta
apóstata, Balaão, para Balaque, rei de Moabe. Ellen White nos oferece este
comentário: “Por sugestão de Balaão, foi pelo rei de Moabe designada uma grande
festa em honra a seus deuses, e arranjou-se secretamente que Balaão induzisse
os israelitas a assistirem à mesma.... Iludidos pela música e dança, e
seduzidos pela beleza das vestais gentílicas, romperam sua fidelidade para com
Jeová. Unindo-se-lhes nos folguedos e festins, a condescendência com o vinho
enuviou-lhes os sentidos e derribou as barreiras do domínio próprio”. 10
Houve os gritos e danças dos profetas de Baal no Monte
Carmelo (I Reis 18:26). A adoração a Baal e outros ídolos acontecia geralmente
nos montes, com danças. Assim, o Senhor apela a Israel através do profeta
Jeremias: “Voltai, ó filhos infiéis, eu curarei a vossa infidelidade . . .
Certamente em vão se confia nos outeiros e nas orgias nas montanhas” (Jeremias
3:22-23).
Davi Dançou Diante do Senhor.
A história de Davi dançando “com todas as suas forças
diante do Senhor” (II Samuel 6:14), enquanto conduzia o séqüito que trazia a
arca de volta para Jerusalém, é vista por muitos como a sanção bíblica mais
convincente para a dança religiosa no contexto do culto divino. No capítulo
“Dançando ao Senhor”, do livro Shall We Dance?, Timothy Gillespie, líder
de jovens adventistas do sétimo dia, escreve: “Podemos dançar perante o Senhor
como Davi, refletindo uma erupção de excitamento para a glória de Deus; ou
podemos voltar esse excitamento ao nosso interior, refletindo sobre nós e
nossos desejos egoístas”.11
A implicação desta declaração parece ser que se nós não dançarmos ao Senhor
como Davi, reprimiremos nossa excitação e revelaremos nosso egocentrismo. Isto
é o que a história da dança de Davi nos ensina? Olhemos este assunto mais de
perto.
A dança de Davi diante da arca possui sérios problemas,
para se dizer o mínimo. Em primeiro lugar, Davi estava “cingido dum éfode de
linho” (II Samuel 6:14) como um sacerdote e “trouxe holocaustos e ofertas
pacíficas perante o Senhor”. (II Samuel 6:17). Note que o éfode era uma estola
de linho, sem mangas, para ser usado exclusivamente pelos sacerdotes como um
símbolo do seu ofício sagrado (I Samuel 2:28). Por que Davi escolheu trocar seu
manto real pelos trajes de um sacerdote?
Ellen White sugere que Davi mostrou um espírito de
humildade por colocar seu manto real de lado e “se vestindo com um éfode de
linho”.12
Esta é uma explicação plausível. O problema é que em lugar algum a Bíblia
sugere que o éfode pudesse ser usado, legitimamente, por alguém que não fosse
sacerdote. O mesmo é verdade quanto aos sacrifícios. Só os sacerdotes levitas
tinham sido consagrados para oferecerem sacrifícios (Números 1:50). O rei Saul
foi reprovado severamente por Samuel por oferecer sacrifícios: “Procedeste
nesciamente em não guardar o mandamento que o Senhor, teu Deus, te ordenou” (I
Samuel 13:13). Oferecendo sacrifícios vestido como um sacerdote, Davi estava
assumindo um papel sacerdotal além do seu status real. Tal atitude não pode ser
defendida facilmente na Bíblia.
O Comportamento de Davi.
Mais problemática foi a maneira como Davi dançou. Ellen
White diz que Davi dançou “com júbilo perante Deus”.13
Sem dúvida isto deve ter sido verdade durante parte do tempo. Mas parece que
durante a dança, Davi deve ter se exaltado tanto que perdeu o manto que o
encobria, pois Mical, sua esposa, reprovou-o, dizendo: “Que bela figura fez o
rei de Israel, descobrindo-se, hoje, aos olhos das servas de seus servos, como,
sem pejo, se descobre um vadio qualquer!” (II Samuel 6:20). Davi não contestou
tal acusação nem se desculpou pelo que fez. Ao invés disso, argumentou dizendo
que fez isso “perante o Senhor” (II Samuel 6:21), e que ele estava preparado
para agir de forma “ainda mais desprezível” (II Samuel 6:22). Tal resposta
dificilmente revela um aspecto positivo do caráter de Davi.
Talvez a razão dele não estar preocupado por ter se despido
durante a dança, é que este tipo de exibicionismo não era incomum. Nos é dito
que Saul também atuou em uma dança extática: “E, despindo as suas vestes, ele
também profetizou diante de Samuel; e esteve nu por terra todo aquele dia e
toda aquela noite”. (I Samuel 19:24; cf. 10:5-7, 10-11).
É fato conhecido que no período das festas anuais, danças
especiais eram organizadas por sacerdotes e nobres que executavam acrobacias
para divertirem ao povo. Porém, não há nenhuma menção de que os sacerdotes se
despissem. A dança mais famosa era executada no último dia da Festa dos
Tabernáculos, e era conhecida como a “Dança das Águas”.
No Talmude há uma descrição colorida desta Dança das Águas
que era apresentada no ambiente do Templo conhecido como átrio das mulheres:
“Homens piedosos e homens de negócios dançavam com tochas em suas mãos,
enquanto cantavam canções de alegria e de louvor, e os levitas tocavam música
com lira, harpa, címbalos, trompetes e outros incontáveis instrumentos. Durante
esta celebração, diz-se que o rabino Simeão ben Gamaliel fazia malabarismos com
oito tochas, e depois dava uma cambalhota”. 14
Danças feitas por homens ou por mulheres nos tempos
bíblicos, dentro do contexto de um evento religioso, era uma forma de
entretenimento social, em vez de ser parte do serviço de adoração. Elas
poderiam ser comparadas às celebrações anuais de carnavais que acontecem hoje
em muitos países católicos. Por exemplo, nos três dias que antecedem a
Quaresma, em países como o Brasil, o povo organiza festas carnavalescas
extravagantes, com inúmeros tipos de danças coloridas e, às vezes selvagem, semelhante
ao Mardi Gras em Nova Orleans. Nenhum católico consideraria tal dança como
parte dos cultos de adoração.
O mesmo é verdade para os vários tipos de danças
mencionados na Bíblia. Elas eram eventos sociais com conotações religiosas.
Homens e mulheres dançavam, não de modo romântico, em pares, mas danças
processionais ou em círculos. Por causa da orientação religiosa da sociedade
judaica tais danças folclóricas eram, freqüentemente, caracterizadas como
danças religiosas. Mas não há indicação na Bíblia de que qualquer forma de
dança jamais estivesse associada ao serviço de adoração na Casa de Deus. Na
realidade, como notado a seguir, as mulheres foram excluídas do ministério da
música no templo, aparentemente porque suas músicas eram associadas à dança e
ao entretenimento.
As Mulheres e a Música na Bíblia.
Por que as mulheres foram excluídas do ministério da
música, primeiramente no Templo, e depois na sinagoga e na igreja primitiva?
Numerosas passagens bíblicas se referem a mulheres cantando e tocando instrumentos
na vida social do antigo Israel (Êxodo 15:20-21; I Samuel 18:6-7; Juizes 11:34;
Esdras 2:64-65; Neemias 7:66-67), mas nenhuma referência na Bíblia menciona
mulheres participando na música de adoração da Casa de Deus.
Curt Sachs observa que “Quase todos os eventos musicais até
a época do Templo descrevem canto coral cantando com dança em grupo e batida de
tambores... Este tipo de canto era em grande parte a música das mulheres”. 15
Por que então as mulheres foram excluídas do ministério de música do Templo,
quando elas eram as principais musicistas na sociedade judaica?
Estudiosos que analisaram esta questão sugerem duas razões
principais. Uma razão é de natureza musical e a outra sociológica. De uma
perspectiva musical, o estilo de música produzido pelas mulheres tinha uma
batida rítmica que era mais apropriada para o entretenimento do que para
adoração na Casa de Deus.
Robert Lachmann, uma autoridade em cantilena judaica, é
citado dizendo: “A produção das canções das mulheres era dependente de um
conjunto pequeno de melodias típicas; as várias canções reproduziam estas
melodias – ou algumas delas – repetidamente, vez após vez... As canções das
mulheres pertenciam a um tipo particular, cuja forma não é essencialmente
dependente da conexão com o texto, mas sim de processos de movimentos. Assim
encontramos aqui, no lugar do ritmo da cantilena e de sua linha melódica muito
intrincada, um movimento periódico para cima e para baixo”.16
A música das mulheres era em grande parte baseada numa
batida rítmica, batendo-se com a mão o adufe (toph), ou tamboril. Estes
são os únicos instrumentos musicais mencionados na Bíblia como sendo tocados
por mulheres e se acredita que eles sejam os mesmos ou bem parecidos. O adufe
ou tamboril parece que era um tambor de mão composto por uma armação de
madeira, em volta da qual uma única pele era esticada. Eles eram um pouco
parecidos ao pandeiro moderno.
“É interessante a notar”, escreve Garen Wolf, “que eu não
pude achar uma única referência direta às mulheres tocando o nebel [a
harpa] ou o kinnor [a lira] - esses instrumentos eram tocados por homens
na música de adoração do templo. Pode haver pouca duvida de que a música delas
fosse, na sua maior parte, diferente em espécie daquela dos músicos levitas
homens, que se apresentavam no templo”.17
O adufe ou tamboril eram tocados em grande parte por
mulheres, conjuntamente com suas danças. (Êxodo 15:20; Juízes 11:34; I Samuel
18:6; II Samuel 6:5, 14,; I Crônicas 13:8; Salmos 68:25; Jeremias 31:4). O
tamboril também é mencionado com relação à bebida forte (Isaías 5:11-12;
24:8-9).
Natureza Secular da Música das Mulheres.
De uma perspectiva sociológica, as mulheres não foram
usadas no ministério de música no templo, por causa do estigma social ligado ao
seu uso dos tamboris e da música orientada ao entretenimento. “Mulheres na
Bíblia freqüentemente eram relatadas cantando um tipo de música sem
sofisticação. Normalmente o seu melhor era para a dança ou o lamento funerário,
e o seu pior era para ajudar no apelo sensual das meretrizes na rua. Em sua
sátira sobre Tiro, Isaías pergunta: ‘Cantará Tiro como uma meretriz?’ (Isaías
23:15; ou como diz a KJV, ‘sucederá a Tiro como se diz na canção da
prostituta.’)”.18
É digno de nota que musicistas femininas foram usadas,
extensivamente, em serviços religiosos pagãos. 19
Assim, o motivo para sua exclusão do ministério de música no Templo, na
sinagoga, e na igreja cristã primitiva não foi cultural, mas sim teológico. A
convicção teológica era que a música produzida comumente pelas mulheres não era
apropriada para o serviço de adoração, por causa de sua associação com o com o
entretenimento secular e, às vezes, sensual.
Esta razão teológica é reconhecida por numerosos
estudiosos. Em sua dissertação Musical Aspects of the New Testament,
William Smith escreveu: “Uma reação ao emprego extensivo de musicistas
femininas na vida religiosa e secular das nações pagãs, foi indubitavelmente um
fator muito importante em determinar a oposição judaica [e cristã primitiva] ao
uso das mulheres no serviço musical do santuário”. 20
A lição da Bíblia e da história não é que as
mulheres devam ser excluídas do serviço de música da igreja de hoje. Louvar o
Senhor com música não é uma prerrogativa masculina, mas um privilégio de cada
filho de Deus. É uma infelicidade que a música produzida pelas mulheres em
tempos bíblicos tenha sido principalmente para o entretenimento e, por
conseguinte, inadequada para a adoração divina.
A lição que a igreja precisa aprender da Bíblia e da
história é que a música secular associada ao entretenimento está fora de lugar
na Casa de Deus. Aqueles que estão ativamente envolvidos em estimular a adoção
da música popular na igreja precisam compreender a distinção bíblica entre
música secular usada para o entretenimento e a música sacra apropriada para a
adoração a Deus. Esta distinção era compreendida e respeitada em tempos
bíblicos, e deve ser respeitada hoje, se quisermos que a igreja continue sendo
um local sagrado para a adoração a Deus, em vez de se tornar num local secular
para o entretenimento social.
NOTAS1. Steve Case, “Dancing with a User-Friendly Concordance,” em Shall We Dance? Rediscovering Christ-Centered Standards, ed. Steve Case (Riverside, Ca, 1992), p. 101.
2. Bill Knott, “Shall We Dance?” in Shall We Dance? Rediscovering Christ-Centered Standards, ed. Steve Case (Riverside, Ca, 1992), p. 69.
3. Ibid.
4. Ibid., p. 75.
5. Garen L. Wolf, Music of the Bible in Christian Perspective (Salem, Oh, 1996), p. 153.
6. Ibid., p. 148.
7. Veja, por exemplo, Adam Clarke, Clarke’s Commentary (Nashville, n. d.). vol.3, p. 688.
8. “Choros,” A Greek-English Lexicon of the New Testament, ed. William F. Arndt and Wilbur Gingrich (Chicago,IL, 1979), p. 883.
9. H. M. Wolf, “Dancing,” The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible, ed. Merrill C. Tenney (Grand Rapids, 1976), vol. 2, p. 12.
10. Ellen G. White, The Story of Patriarchs and Prophets (Mountain View, Ca, 1958). p. 454. Itálicos adicionados.
11. Timothy Gillespie, “Dancing to the Lord,” em Shall We Dance? Rediscovering Christ-Centered Standards, Ed. Steve Case (Riverside, Ca, 1992), p. 94.
12. Ellen G. White (nota 10), p. 707.
13. Ibid.
14. Citado in “Dance,” The Universal Jewish Encyclopedia (Nova York, 1942), vol. 3., p. 456.
15. Curt Sachs, The Rise of Music in the Ancient World (Nova York, 1943), p. 90.
16. Citado por Curt Sachs (nota 15), p. 91.
17. Garen L. Wolf, Music of the Bible in Christian Perspective (Salem, Oh, 1996), p. 144.
18. Ibid.
19. Para discussão e ilustrações de antigüidade pagã relativas ao emprego de músicos femininos na vida social e religiosa, ver Johannes Quasten, “The Liturgical Singing of Women in Christian Antiquity,” Catholic Historical Review (1941), pp. 149-151.
20. William Sheppard Smith, Musical Aspects of the New Testament (Amsterdam, 1962), p. 17. Ver também Eric Werner, The Sacred Bridge (Hoboken, Nj, 1984), pp. 323-324; A. Z. Idelsohn, Jewish Music in Its Historical Development (Nova York, 1967), p. 18; Philo, De Vita Contemplativa 7; Babylonian Talmud
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