Matrix e o conflito cósmico
Sucesso do cinema parodia guerra
entre o bem e o mal
Midielson Borges
Editor associado
Se a realidade
que o cerca — seu quarto, a
cadeira em que você se senta, o carro que você dirige, tudo — não passasse de um sonho ou uma simulação
da realidade, como você saberia disso? E se soubesse, como se libertar e
ingressar no mundo real? Esse é mais ou menos o pano de fundo de uma trilogia
que envolve futurismo, teologia, inteligência artificial, filosofia e efeitos
especiais inéditos, e que tem arrebanhado legiões de fãs em todo o mundo.
O primeiro filme da seqüência Matri.x ganhou quatro Oscars, arrecadou
460 milhões de dólares e foi o primeiro DVD a vender mais de 1 milhão de
cópias. As cenas de ação em câmera lenta, as lutas coreografadas, as roupas e
os temas cyberpunk serviram de
inspiração para dezenas de filmes, videogames e propagandas que surgiram
depois. Mais do que isso, Matrix está revolucionando a forma de fazer
cinema e tem sido considerado um filme de valor histórico, cuja importância
pode ser comparada a obras como 2001 — Uma Odisséia
no Espaço e Blade Runner — O Caçador de
Andróides.
Matríx conta a história do hacker Thomas,
também chamado Neo (Keanu Reeves), que encontra um homem cheio de truques
chamado Morpheus (Laurence Fishbume). Ele torna uma pílula vermelha e descobre
que toda a “realidade” é simulada por computadores, um enorme mundo virtual
chamado Matnx. A “verdadeira realidade” é um futuro em que as máquinas tomaram conta de tudo e mantêm os humanos em
cápsulas, onde sua energia é usada para abastecer um gigantesco sistema de
inteligência artificial, enquanto a mente deles é mantida em uma espécie de sonho, urna realidade virtual Morpheus é o
líder de um grupo de rebeldes que quer libertar os
humanos das máquinas e acredita
que Neo é o salvador
esperado, algo como um “messias” Depois de muito treinamento Neo consegue
transcender a realidade de Matrix, desafiar as leis da física e ganhar poderes
sobre-humanos.
Saindo da caverna - Deixando a ficção de lado, o que chama a atenção, também, no filme são as
várias referências ao cristianismo. Neo é tido como o libertador e ressuscita
no final da história. Ele é amigo de Apoc (Apocalipse) e Trinity (“trindade”,
em inglês). A última cidade humana, Zion, é uma referência á bíblica Sião, e a nave de Morpheus foi batizada com o
nome de Nabucodonosor.
Além do apelo religioso, há também um pano de fundo filosófico na própria
base do enredo. Chega a quase parecer um plágio do famoso mito da caverna, de Platão,
escrito há quase 2.400 anos, e que descreve pessoas presas em uma caverna sem
sequer se darem conta de que existe ‘outro mundo” lá fora.
Pode-se perceber, também, uma pitadinha das idéias do pensador francês do
século 18 René Descartes. Basta ler estas palavras dele para perceber a
semelhança com Matrix: “Quando penso sobre os meus sonhos claramente, vejo que
nunca existem sinais certos pelos quais estar acordado pode se distinguir de
estar dormindo. O resultado é que
fico tonto e esse sentimento só reforça a idéia de que eu posso estar
sonhando.” Descartes imaginou a possibilidade de um terrível demônio estar
constantemente dando a ilusão de que todas as certezas humanas são corretas,
quando na realidade elas não fariam qualquer sentido, O filósofo conclui que,
como não se pode provar se esse demônio existe ou não, nenhuma de suas opiniões
era segura.
Realidade — Fazendo uma busca através das
paginas da Bíblia, pode-se perceber que Descartes chegou bem perto da verdade.
De fato, há um demônio profundamente interessado em transmitir a idéia de que
esta é a única realidade ao
nosso alcance. Lúcifer, o anjo rebelde, depois de dar inicio ao que ficou
conhecido como o grande conflito cósmico, introduziu o vírus da maldade neste
mundo e procura de todas as maneiras concebíveis manter as pessoas nesta
imensa “matrix” de pecado, sem perspectivas de futuro além da sepultura e
alheias ao que ocorre por detrás dos bastidores do grande drama espiritual. Com
suas artimanhas ele consegue fazer mais ou menos o que os três filmes Matrix fazem com seus espectadores: paralisaos, anestesia-os para a realidade
verdadeira. Como escreveu Arnaldo Jabor, no jornal O Estado de 5. Paulo, do dia 17 de junho, comentando o segundo
filme da trilogia (Matrix Reloaded), “a açao na tela e incessante, de
modo a nos paralisar na vida; o conflito é permanente, de modo a privar o espectador de ver seus conflitos reais”
O conflito real da humanidade é
contra o pecado em suas diversas formas. Mas, no contexto bíblico, a grande diferença
em relação à história apresentada em Matríx é que os que
vencerem o mal habitarão novos céus e nova Terra; um lugar onde não haverá
mais dor, tristeza ou morte. No filme, é compreensível que alguns humanos não
queiram deixar seu mundo virtual, quando descobrem que o mundo real esta
arrasado. Mas, no que diz respeito à “matrix do pecado”, sair dela é indiscutivelmente
um bom negócio.
Sinais dos Tempos Setembro – Outubro/2003
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