Busca de Deus
A espiritualidade cristã no mundo pós moderno
deve incluir os aspectos da vida
Jonh B. Wong
Professor na Universidade de Loma Linda
A
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palavra “espiritualidade” tem estado em voga nos últimos anos, tornando-se
popular na mídia, na Cultura secular e nos círculos religiosos. Muitas pessoas estão fascinadas
por anjos, experiências de quase-morte e a filosofia da Nova Era. Adeptos da
Nova Era proclamam que todos nós somos deuses. Outros sugerem que podemos
reivindicar as prerrogativas da divindade através de experiências como
meditação transcendental, artes marciais, ioga, drogas, hipnose, comunicação
com os mortos e percepção superior. Recentemente, as religiões orientais e as
nativas norte-americanas têm cativado muitos com suas nuances panteistas.
Assim, como pode a espiritualidade cristã se enquadrar no mundo
pós-moderno, que enfatiza franqueza, re-lativjsmo e ceticismo acerca de verdades, normas, significados, conhecimento
e razão? Qual é o lugar da espiritualidade
em nossa vila global cada vez menor, onde são levados em conta os
relacionamentos e o senso de pertencer?
Qual é seu papel na pós-modernidade, onde há a preocupação com os
“marginalizados” e também com o capitalismo consumista?
Significado — No mundo “pós-cristão”, existe uma tendência de utilizar termos sem pensar
muito a respeito de seu significado. Mas precisamos saber do que estamos
falando.
Definir espiritualidade pode ser fácil e ao mesmo tempo difícil. A definição
fácil diz que espiritualidade se relaciona com qualquer coisa que derive do
espírito, sugerindo na maioria dos casos um relacionamento íntimo com uma
divindade espiritual.
A dificuldade surge quando
se compreende que há tantos tipos de espiritualidade quanto de religiões e
conceitos da divindade. Alguém pode se empenhar na busca da espiritualidade
ou possuíla sem mesmo acreditar
em uni Deus pessoal. Dentro da
cristandade existem diferentes conceitos acerca da natureza de Deus. Contudo,
a maneira como nos relacionamos com Deus determina em grande parte o tipo e a
expressão de nossa espiritualidade.
Diferenças são também
evidentes em outras religiões importantes do mundo. As nobres verdades no budismo
por exemplo, declaram que toda a vida é sofrimento, e esse sofrimento se
origina em nossos desejos e aspirações. Liberdade do sofrimento é possível
pela extinção dessas aspirações e através da Nobre Trajetória de Oito Passos
para o nirvana (um estado de eterna felicidade, Livre do ciclo das
reencarnações). A Nobre Trajetória expressa a “espiritualidade” budista por
meio da correção no falar, agir, viver, na diligência, visão, pensamento,
empenho e concentração.
Os confucionistas manifestam espiritualidade no cultivo pessoal de ren (compaixão, beneficência, humansmo), yi (retidão, justiça), li (decoro, discrição), xin (fé, confiança), zhi (sabedoria, percepção), zhong (fidelidade,
lealdade), shu (perdão, brandura), wen (cultura, conquista artística) e hsiao (devoção filial, dedicação).
Os muçulmanos
seguem os Cinco Pilares do islamismo: repetição do credo, oração,
esmolas para os pobres, jejum e peregninação a Meca.
A espiritualidade
cristã, sob meu ponto de vista, consiste no seguinte:
• Experimentar um relacionamento
íntimo e genuíno com Deus no nível do coração.
• Ser acessível a uma profunda
compreensão de Deus e daquilo que Ele criou.
• Buscar realização por meio de uma
vida transformada segundo o padrão de Cristo.
• Estar envolvido em todos os aspectos
da fé cristã expressos na vida diária, adoração pública e devoção particular;
no estudo, trabalho, lazer, vida social, relacionamento familiar e serviço a
outros.
A espiritualidade é uma
expressão de todo o nosso ser. Deus nos criou como pessoas completas com
corpo, mente e espírito (ou alma). Assim, qualquer coisa que afete nosso ser,
seja de ordem espiritual, mental, emocional, física ou social, também afeta
nossa espiritualidade. Isso inclui genealogia, ambiente, criação, e fatores
como gênero, cultura, educação, experiência, história, geografia, arte,
música, preferências arquitetônicas, fome, sede, temperatura ambiente, dor,
estado de saúde, e assim por diante.
Sendo que cada ser humano é singular, alguém pode argumentar que lia tantas formas de espiritualidade
quanto de pessoas. Aquilo que a pessoa crê (doutrinas, credos, declarações de
fé, tradições da igreja) influencia o modo em que ela expressa sua
espiritualidade.
Espiritualidade Cristã — A palavra traduzida por “espiritual” em nossa Bíblia origina-se da raiz
hebraica ruah, que significa fôlego, sopro, espírito,
e está vinculada ao que podemos chamar de força da vida. O equivalente grego é pneuma.
Às vezes se confunde espiritualidade com misticismo (no sentido do ensinamento
esotérico, conhecimento secreto, experiências exóticas e conscientização
parapsicológica). Outras vezes ela é confundida com monasticismo (o movimento
cristão que requer de seus seguidores uma vida de solidão, renúncia do mundo,
e purificação por meio de jejum, vigílias, pobreza, castidade e obediência).
Mas essas expressões particulares de espiritualidade não abrangem todo o
significado do termo.
Espiritualidade é geralmente diferente de teologia. Dependendo da
definição, a teologia (para a mente) pode incorporar espiritualidade (para o
coração). Outras expressões relacionadas são: piedade, religiosidade,
santidade, discipulado, caminhada com Deus, imitação de Cristo, presença de
Deus e vida santificada. Academicamente falando, a teologia cristã é um estudo
objetivo, sistemático das crenças cristãs, da natureza de Deus e de Seu
relacionamento com as coisas criadas. Concentra-se em teorias, conceitos e
argumentos, desafiando as dimensões intelectuais da pessoa. Antes do
Iluminismo no século 18, teologia e espiritualidade estavam intimamente ligadas.
Depois disso, os eruditos do Iluminismo fizeram da teologia uma disciplina
acadêmica, independente do compromisso religioso e da vida cristã.
O mundo secular de hoje se concentra na neutralidade religiosa, enfatizando
a não-interferência com crenças pessoais. Há, no entanto, uma tendência recente
de novamente relacionar teologia com espiritualidade. Alguns teólogos
liberais, porém, ainda consideram espiritualidade como vizinha do fanatismo e
do emocionalismo, influenciando aqueles que estão psicologicamente instáveis.
Espiritualidade protestante — Existe uma longa lista de personagens e
escritos importantes na história da espiritualidade cristã. A variedade
protestante começou com a Reforma. Martinho Lutero (1483-1546) evitava o
misticismo cristão e acreditava que a vida espiritual podia ser mantida e
intensificada vivendo de acordo com os Dez Mandamentos, a Oração do Senhor
e o Credo dos Apóstolos. João
Calvino (1509-1564) escreveu sobre os temas bíblicos — justificação, santificação e
glorificação — como sendo o modelo para a religiosidade pessoal. Calvino ensinou acerca da
autoridade e centralidade da Bíblia como a Palavra de Deus, da proclamação da
Palavra e do preparo do coração humano para recebê-la. Mais tarde, seu
destaque foi incorporado na espiritualidade puritana.
Para a Igreja Anglicana (da Inglaterra), o Livro de Oração
Comum, a liturgia pública e a piedade formavam o sólido fundamento da vida
espiritual. Os puritanos da Nova Inglaterra (nos Estados Unidos)
pregavam sobre a necessidade que o pecador tem de Deus e sua responsabilidade
para com o Criador. Para eles, espiritualidade significava o conflito
encontrado na Terra e a bendita esperança do alem.
DICAS DA BÍBLIA
Veja alguns textos bíblicos que podem orientar você na busca da
espiritualidade pessoal:
Mateus 4:1 e2: “Então, foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para
ser tentado... tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites.”
Mateus 19:21: Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o
dinheiro aos pobres.”
Lucas 9:23: Se alguém quiser acompanhar-Me, negue-se a si mesmo.”
João 15:5: “Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em Mim, e Eu,
nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer.”
Ver também Marcos 9:29 (jejum); Mateus 7:13-27 e 1a. Coríntios
9:24-27 (porta estreita, autodisciplina e sacrifício); Mateus 24:42
(vigilância); Efésios 4:22, Colossenses 3:5 e Galatas 5 (crucificar o eu carnal
e a natureza pecaminosa e viver pelo Espírito).
Quatro fortes convicções deram colorido á espiritualidade puritana: salvação
pessoal vem unicamente de Deus; a Bíblia é o indispensável guia para a vida
(com ênfase no sábado, no culto familiar e nos atos de misericórdia); a
igreja deve refletir o ensinamento expresso nas Escrituras (e os cristãos
fazem unicamente o que a Bíblia ordena); a sociedade é um todo unido — idéia que levou a intolerância de outros grupos cristãos.
John Wesley (1703-1791) e seu irmão Charles
lideraram a espiritualidade metodista e o movimento de santidade e promulgaram
a música como um instrumento de espiritualidade. Em suas pregações,
John Wesley incluía a perfeição cristã e um método prescrito para o estudo
da Bíblia. Os metodistas consideravam as Escrituras, a tradição,
a razão e a experiência como base de crescimento cristão.
Jonathan Edwards e George Whitefield exemplificaram no primeiro Grande
Despertamento (1735-1743) uma espiritualidade baseada no calvinismo. Mais
tarde, a maioria dos pastores e leigos metodistas, batistas e congregacionalistas,
bem como líderes como Timothy Dwight (diretor da Universidade Yale),
Nathaniel Taylor, Lyman Beecher e Charles Finney, adotaram uma abordagem mais
arminiana no Segundo Despertamento de 1795-1830.
A Convenção de Keswick chamou a atenção para o vitorioso viver cristão.
Watchman Nee destacou a vida cristã normal sob o impacto do Espírito Santo. O
pietismo alemão praticado por Philip Spencer (1635-] 705) e Johann Arndt
vinculou a espiritualidade à fé como um ato tanto do pensamento como do sentimento, ao passo que a
espiritualidade de August Francke, Nikolaus Zinzendorf e dos irmãos morãvios
estava munida e determinada pelos conceitos da função da humanidade na Terra.
A espiritualidade pentecostal e carismática salienta a iluminação e o
impacto direto através do Espírito Santo. Sua expressão é mais visual, vocal,
dramática, extraordinária, desinibida, espontânea e, de modo geral,
imprevisível. Recentemente, temos ouvido do riso santo de Toronto, da seita
chinesa da lamentação e da comunidade espiritual da Internet.
Espiritualidade adventista — Sendo que os adventistas já não são um grupo monolítico,
sua espiritualidade também é afetada pelos fatores mencionados. Uma coesiva
força central na expressão da espiritualidade dos cristãos adventistas,
contudo, é o sábado com todas as suas ramificações. Os adventistas
expressam firmemente sua espiritualidade por meio de sua compreensão da
teologia, da observância da lei, com recente destaque para assuntos como
graça, saúde, integridade e Missão Global.
A meu ver, a espiritualidade cristã ideal inclui, entre outros, os seguintes
aspectos:
1. É teocêntrica
e cristocêntrica —
não egocêntrica.
2. Envolve o ser
completo — espiritual,
mental, emocional, físico e social.
3. E uma experiência
autêntica no nível do coração — uma efusão
natural de nosso sincero desejo de buscar a Deus. Com humildade, reconhecemos
nossa gratidão porque Deus nos busca e porque nossos esforços para buscá-Lo não
serão em vão.
4. Liga-nos a
Deus o Pai, através de Seu Filho, por meio do Espírito Santo. Este processo
começa agora com alegria e amor, e pela fé e esperança se estende até a
eternidade.
5. Implica em diversidade e espontaneidade
de expressão, além das disciplinas básicas de oração, leitura e estudo da
Bíblia, freqüência à igreja, comunhão e introspeção. Poucas tentativas são
perfeitas nesta vida; fracasso e desapontamento também espreitam os sinceros de
coração em sua busca espiritual.
6. Torna-se
justiça pelas obras se não estiver fundamentada em nossa aceitação da graça de
Deus e a consciência de nossa incapacidade de fazer qualquer coisa
espiritualmente significativa sem Sua ajuda.
7. É um processo de ser refeito à
imagem de Deus aqui na Terra que requer fé e ação, confiança e esforço.
8. Ela se
altera à medida que nosso conceito sobre Deus, nós mesmos e o mundo se
aprofunda e expande, e a medida que a ciência e a Bíblia (ambas instrumentos
divinos) abrem em nosso entendimento novas perspectivas acerca do Universo e
do que Deus tem em reserva para nós.
9. Torna legítimo
nosso desejo e definida a ação para servir a outros. Qualquer coisa a
menos é meramente ensaio egocêntrico de nossa tentativa de sermos aceitos por
Deus.
10. Finalmente, é uma
experiência que tem um propósito: glorificar a Deus ao ser aquilo que Ele
intenta que sejamos, e fazer o que Ele espera que façamos, a saber, estar
envolvidos com aquilo que Ele criou Seu povo, a salvação dele, seu serviço e
suas necessidades.
Sinais dos Tempos
novembro-dezembro/2002
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