O DEBATE SOBRE A MORALIDADE DE CLONAR SERES HUMANOS
James Walters
Professor de religião e ética na
Universidade de Loma Linda, Califórnia
Em março de
2001, três médicos— Severino Antinori, ginecologista radicado em Roma, Panayiotis
Zavos, pesquisador de fertilidade no Kentucky (EUA), e o médico israelita Avi
Ben-Abraham —
anunciaram sua intenção de experimentar
a clonagem humana antes do fim do ano passado. Mas, em 25 de novembro, a
companhia norte-americana ACT (Advanced Cell Technology) surpreendeu o mundo ao
anunciar ter feito a primeira clonagem de um embrião humano da história. Esses
fatos suscitaram importantes perguntas de natureza ética.
Atualmente, todas as implicações éticas da clonagem estão sendo rigorosamente
discutidas. A sociedade tem três opções:
(1)
continuar a atual proibição da
clonagem humana,
(2)
autorizar a clonagem unicamente
para solucionar problemas de esterilidade, ou
(3)
autorizar seu uso para
aperfeiçoamento genético também.
Os especialistas em ética estão considerando várias opções.
Pesquisa — A pesquisa atual sobre o desenvolvimento
da clonagem sugere três trajetórias: clonagem do embrião, das células-tronco
e da célula adulta.
• Clonagem
do embrião. A maioria das pessoas não
compreende que a clonagem é na realidade muito antiga. A natureza tem se
encarregado de fazê-la por milhares de anos; nós chamamos o resultado de
“gêmeos”. Por razões que ainda não foram plenamente compreendidas, uma em cada
15 concepções humanas resulta na divisão do óvulo fecundado, produzindo
gêmeos idênticos.
O que a natureza tem feito espontaneamente
por milhares de anos, a ciência médica está começando a fazer no laboratório.
A clonagem artificial do embrião humano se inicia como qualquer fecundação
padrão em proveta: com a junção do espermatozóide e do óvulo em uma proveta.
Depois da união, a divisão natural das células começa — duas,
quatro, oito células, etc. A certa altura, a massa celular é manualmente
dividida em várias partes menores em provetas separadas, e elas continuam a se
subdividir como organismos separados.
Essa subdivisão artificial é uma réplica da natureza. Tem sido usada na
reprodução animal por mais de uma década. Em 1994, cientistas da Universidade
George Washington clonaram embriões humanos defeituosos que de qualquer forma
teriam morrido. Vários deles se subdividiram até o estágio de 32 células.
• Clonagem
de células-tronco. Outro desenvolvimento muito
diferente é o uso de certas células embrionárias para criar tecidos
transplantáveis. Desde sua descoberta em 1998, as células-tronco embrionárias
têm se tomado um tópico científico controvertido, e com boa razão. Essas
células são versáteis células mestras que na teoria podem ser levadas a imitar
qualquer tecido ou órgão do corpo. As células-tronco poderiam tratar milhões
de vitimas de diabetes, câncer, problemas do coração e outras doenças.
O tratamento de doenças do sistema nervoso, tais como o mal de Alzheimer
e de Parkinson, é especialmente promissor. A clonagem de células-tronco poderia
ser um desenvolvimento essencial porque as células nervosas no cérebro e na
espinha dorsal — ao contrário
de outras células do corpo — têm uma
capacidade reprodutora muito limitada, e as células-tronco poderiam
transformar-se em neurônios substitutos. Entretanto, devido ao grande número
de células embrionárias exigido para transplante, seria necessária a clonagem
de tecidos embrionários.
Há uma importante questão ética na produção de células-tronco a partir de
fetos abortados. Felizmente, os cientistas estão descobrindo outras fontes
dessas células.
• Clonagem
da célula adulta. Uma forma de clonagem que é
também muito diferente da clonagem do embrião é a clonagem da célula adulta: o
desenvolvimento de um animal a partir de uma única célula do corpo que não um
espermatozóide ou óvulo de outro animal adulto. A clonagem da célula adulta é
um desenvolvimento muito recente. Dolly a ovelha clonada, tem apenas quatro
anos de idade ( isto no ano em que foi escrito este artigo). Antes de Dolly,
nenhum animal foi jamais reproduzido sem a união de um espermatozóide e um
óvulo.
Outros animais têm sido
clonados utilizando-se a mesma técnica usada na produção de Dolly. Mas o
processo mal pode ser qualificado como seguro e confiável. Dolly foi resultado
de 277 tentativas do que os cientistas chamam de “transferência
nuclear de célula somática”, das quais apenas 29 resultaram em divisão de
células. Essas massas celulares subdivididas foram implantadas em ovelhas.
Treze delas ficaram prenhes, mas só uma ovelhinha nasceu: Dolly.
Tem havido melhoras no processo, mas o nascimento de um filhote vivo ainda requer
a produção de dezenas de outros que não sobrevivem, ou que podem sobreviver
com vários defeitos.
Aplicações — Quais são as implicações morais da clonagem de seres humanos? Duas
utilidades básicas da clonagem têm sido propostas. Cada unia delas tem suas
próprias implicações éticas.
Embora toda clonagem suscite controvérsia, sua
utilidade mais defendida moralmente é ajudar os casais com problemas de
esterilidade. O marido doa uma célula do corpo e a
esposa doa um óvulo. O núcleo da célula do óvulo, incluindo seu material genético,
é então removido, e a célula do marido com seu material genético é implantada.
Assim, quase todo material genético vem do marido. E, naturalmente, a esposa
seria a mãe que o traz ao mundo.
Outra aplicação seria no aperfeiçoamento genético. Que dizer do
casal em que tanto o marido como a esposa são férteis mas querem que seu filho
tenha genes melhores do que eles podem suprir? Digamos que os pais da esposa
morreram vítimas do mal de Alzheimer. Temendo trazer ao mundo um bebê
geneticamente pobre, o casal deseja que um clone geneticamente superior seja
implantado. Novamente, um ou talvez ambos os contribuintes do embrião teriam
de ser doadores.
E que dizer do casal que deseja “projetar” seu filho com características
que considera geneticamente superiores? A revolução genética poderia
possibilitar que os casais “produzam” filhos, como diz certo erudito, pelo
método de “recortar e colar” (usando uma analogia de computadores).
A clonagem para aperfeiçoamento genético de um embrião, no entanto, é um
problema ético muito maior do que a ajuda a um casal estéril. Ela atravessa a linha divisória entre a correção de um defeito natural em
um dos pais para supostamente aperfeiçoar a própria natureza. Infelizmente,
não existe uma linha definida entre o que é uma simples “correção” e o que é
“aperfeiçoamento” da natureza.
Natureza humana — A biotecnologia promete possibilidades espetaculares para o futuro, mas
é o ponto de vista adotado sobre a natureza humana que vai dizer se
determinado tipo de clonagem é moralmente aceito ou não.
As religiões
que defendem um ponto de vista mais tradicional e sagrado sobre a natureza
humana desenvolvem fortes argumentos contra a clonagem. A Igreja Católica
considera os órgãos e processos reprodutores do ser humano uma dádiva de Deus
em seu estado natural e sagrado, sendo pecado contrariar esse processo
reprodutivo natural. Assim, o documento intitulado “Instruções Sobre o
Respeito Pela Vida Humana (1987) proíbe a fecundação em proveta
utilizando o esperma do marido, por ser um método artificial. A clonagem é
citada como “contrária à lei moral” porque esta “em oposição à dignidade tanto da
procriação humana como da união conjugal”.
Possíveis
benefícios:
• Solução para problemas de
esterilidade.
• Doação de tecidos.
• Aperfeiçoamento genético.
• Combate a doenças (como o mal de Alzheimer).
• Tratamento estético.
Riscos em potencial
• Nascimento de bebês deformados.
• Comprometimento da Individualidade.
• Perda de variação
genética.
• Mercado clandestino de fetos.
• Desrespeito ao clone como cidadão
de segunda classe.
• Envelhecimento
precoce do dono.
• Impacto psicossocial negativo na sociedade.
A segunda doutrina católica relevante é a crença de que, na concepção,
Deus dá a cada ser humano uma alma imortal. Por isso, o documento fala do
embrião humano como “a criança por nascer” que “precisa ser cuidada ao máximo
possível, da mesma forma que qualquer outro ser humano”. (Naturalmente, há
diferentes opiniões a respeito da “alma”, mas a vida embrionária do ser humano
é original e a santidade da vida fetal deve ser respeitada.)
Por outro lado, um bom número de pensadores judeus — certamente não todos — crê que a
clonagem humana, sendo limitada, pode ser uma importante vantagem. O rabino R.
M. Tendler, por exemplo, diz que a tradição judaica salienta que Deus deu ao
ser humano uma “ordem positiva” para “dominar o mundo”.
O pensador judeu Jonathan Cohen
afirma que, se a criação for considerada um ato acabado, a clonagem seria uma
transgressão, porque estaria violando a obra completa de Deus. Entretanto,
Cohen acredita numa criação ilimitada, na qual “a clonagem humana pode ser
integrada em muitas de nossas crenças básicas e encorajar-nos a considerar o
ato criador de Deus como um processo transformador”. Ele menciona Gênesis
1:28, onde aparece uma dupla ordem de Deus a Adão e Eva: (1) popular a Terra
e (2) desenvolvê-la. Em suma, Deus convidou os seres humanos a se tomarem Seus
“co-criadores”. Dada essa ordem, e em vista das doenças tão difundidas, não
seria moralmente errado ignorar as promessas da biotecnologia?
A novidade da tecnologia suscita várias outras considerações. Uma delas é
o respeito pela criação. No principio, Deus disse: “Façamos o homem à nossa
imagem” (Gên. 1:26). O ideal divino era que todos possuíssem ótima saúde.
Quando
adequadamente usadas, a clonagem e a biotecnologia a ela associada podem
ajudar a conseguir essa saúde.
USO ADQUADO — Uso adequado é a expressão chave. Em nossa sociedade, o impulso
tecnológico estimulado pelo lucro costuma projetar o futuro sem uma completa
avaliação dos riscos. Naturalmente, o notório mau uso da clonagem (por exemplo,
sacrificar uma pessoa clonada para transplante de órgãos) já é ilegal; isso é
homicídio. Mas o que dizer do casal yuppíe que deseja ter um filho grandalhão, de
olhos azuis e inteligente? Tal clone seria provavelmente visto como um produto
humano em vez de uma dádiva divina. Ele poderia ser aceito por causa de traços
corporais e mentais superficiais impostos pela cultura, e não pelo amor
paternal. O uso do método “recortar e colar” na escolha de um clone ampliaria
os atuais limites da criatividade humana e não deve ser permitido.
Há também o aspecto da segurança. Uma pedra
angular sagrada da tradição de Hipócrates (o “pai da medicina”) é que primeiro
os médicos não devem causar dano”. A Comissão Consultiva Nacional de
Bioética, dos Estado Unidos, expressa suas “sérias preocupações quanto à
segurança da atual tecnologia de clonagem. O motivo é claro e correto: a menos
que um bebê possa nascer com segurança através dessa nova tecnologia, seu uso
seria imoral.
Mesmo que
a tecnologia finalmente tome a clonagem segura, existem outras implicações.
Por exemplo, quem sabe que problemas psicológicos podem surgir? A questão da
individualidade será um problema real, embora isso já ocorra na criação de
gêmeos. De qualquer forma, as limitações e o custo provavelmente farão da donagem
uma tecnologia de último apelo. E a maioria dos casais achará o modo natural de
trazer um bebê ao mundo muito mais satisfatório.
Há ainda o aspecto da
sensatez humana. Devemos confiar a nós mesmos a capacidade de nos clonarmos
pessoalmente? Pode ser possível separar embriões com o gene da “depressão”,
por exemplo. Mas realmente valeria a pena uma sociedade livre de depressão,
considerando que a grandeza está freqüentemente associada a essa doença?
(Abraão Lincoln sofria de depressão crônica.)
Para evitar dano, a sociedade precisa caminhar com muito cuidado nesse
campo sagrado. Temos de considerar a liberdade e a responsabilidade que Deus
nos deu. No início, Adão e Eva abusaram da sua liberdade, e toda a humanidade
sofre. Permitir a clonagem para procriação, quando outros métodos falham,
parece coerente com a liberdade de procriação que os casais legalmente casados
possuem, Mas o casal só deveria ser livre para reproduzir um filho se isso não
envolvesse uma terceira pessoa.
Devemos unir nossa
avançada biotecnologia à humildade. A tecnologia da clonagem não representa um
mero passo quantitativo, mas um salto qualitativo. Sabemos relativamente pouco,
e reconhecer isso ajudará a garantir o uso adequado.
Vários séculos atrás, quando a ciência médica começou a fazer operações
cirúrgicas no ser humano, alguns cristãos objetaram alegando ser errado
interferir na criação de Deus. Atualmente,
poucas pessoas pensam duas vezes para fazer uma cirurgia. Será que os cristãos
algum dia aceitarão a clonagem do ser humano tão facilmente como aceitamos
atualmente a cirurgia? Os cristãos, principalmente,
têm a
sagrada responsabilidade de examinar suas convicções acerca da natureza humana e unir-se á mais importante
discussão biológico-social de nossa época.
RESOLUÇÃO
Em 1996, o governo brasileiro decidiu que qualquer pesquisa
envolvendo seres humanos no país deve ter o acompanhamento de comitês de
ética. Os comitês devem estar ligados à instituição onde a pesquisa é feita e
a Comissão Nacional de Ética na
Pesquisa.
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