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quinta-feira, 11 de outubro de 2018

CLONAR OU NÃO CLONAR ?




O DEBATE SOBRE A MORALIDADE DE CLONAR SERES HUMANOS

James Walters
Professor de religião e ética na Universidade de Loma Linda, Califórnia


Em março de 2001, três médicos— Severino Antinori, ginecologista radicado em Roma, Panayiotis Zavos, pesquisador de fertilidade no Kentucky (EUA), e o médico israe­lita Avi Ben-Abraham —  anunciaram sua intenção de experimentar a clonagem humana antes do fim do ano passado. Mas, em 25 de novembro, a companhia norte-americana ACT (Advanced Cell Technology) surpreendeu o mundo ao anunciar ter feito a primeira clonagem de um embrião humano da história. Esses fatos suscitaram importantes per­guntas de natureza ética.
Atualmente, todas as implicações éticas da clonagem estão sendo rigo­rosamente discutidas. A sociedade tem três opções:
(1)    continuar a atual proibição da clonagem humana,
(2)    autorizar a clonagem unicamente para solucionar problemas de esterili­dade, ou
(3)    autorizar seu uso para aperfeiçoamento genético também.

Os especialistas em ética estão consi­derando várias opções.

Pesquisa A pesquisa atual  sobre o de­senvolvimento da clonagem sugere três trajetórias: clonagem do embrião, das células-tronco e da célula adulta.

•  Clonagem do embrião. A maioria das pessoas não compreende que a clonagem é na realidade muito anti­ga. A natureza tem se encarregado de fazê-la por milhares de anos; nós cha­mamos o resultado de “gêmeos”. Por razões que ainda não foram plena­mente compreendidas, uma em cada 15 concepções humanas resulta na divisão do óvulo fecundado, produ­zindo gêmeos idênticos.
O que a natureza tem feito espon­taneamente por milhares de anos, a ciência médica está começando a fa­zer no laboratório. A clonagem artifi­cial do embrião humano se inicia como qualquer fecundação padrão em proveta: com a junção do esper­matozóide e do óvulo em uma prove­ta. Depois da união, a divisão natural das células começa —   duas, quatro, oito células, etc. A certa altura, a mas­sa celular é manualmente dividida em várias partes menores em provetas se­paradas, e elas continuam a se subdi­vidir como organismos separados.
Essa subdivisão artificial é uma ré­plica da natureza. Tem sido usada na reprodução animal por mais de uma década. Em 1994, cientistas da Uni­versidade George Washington clona­ram embriões humanos defeituosos que de qualquer forma teriam morri­do. Vários deles se subdividiram até o estágio de 32 células.

•  Clonagem de células-tronco. Outro desenvolvimento muito diferente é o uso de certas células embrionárias para criar tecidos transplantáveis. Des­de sua descoberta em 1998, as células-tronco embrionárias têm se tomado um tópico científico controvertido, e com boa razão. Essas células são versáteis células mestras que na teoria po­dem ser levadas a imitar qualquer teci­do ou órgão do corpo. As células-tron­co poderiam tratar milhões de vitimas de diabetes, câncer, problemas do co­ração e outras doenças.
O tratamento de doenças do siste­ma nervoso, tais como o mal de Alz­heimer e de Parkinson, é especial­mente promissor. A clonagem de cé­lulas-tronco poderia ser um desen­volvimento essencial porque as célu­las nervosas no cérebro e na espinha dorsal ao contrário de outras célu­las do corpo têm uma capacidade reprodutora muito limitada, e as cé­lulas-tronco poderiam transformar-se em neurônios substitutos. Entretan­to, devido ao grande número de célu­las embrionárias exigido para trans­plante, seria necessária a clonagem de tecidos embrionários.
Há uma importante questão ética na produção de células-tronco a par­tir de fetos abortados. Felizmente, os cientistas estão descobrindo outras fontes dessas células.

•  Clonagem da célula adulta. Uma forma de clonagem que é também muito diferente da clonagem do em­brião é a clonagem da célula adulta: o desenvolvimento de um animal a par­tir de uma única célula do corpo que não um espermatozóide ou óvulo de outro animal adulto. A clonagem da célula adulta é um desenvolvimento muito recente. Dolly a ovelha clona­da, tem apenas quatro anos de idade ( isto no ano em que foi escrito este artigo). Antes de Dolly, nenhum animal foi ja­mais reproduzido sem a união de um espermatozóide e um óvulo.
Outros animais têm sido clonados utilizando-se a mesma téc­nica usada na produção de Dolly. Mas o processo mal pode ser qualificado como seguro e con­fiável. Dolly foi resultado de 277 tentativas do que os cientistas chamam de “transferência nu­clear de célula somática”, das quais apenas 29 resultaram em divisão de células. Essas massas celulares subdivididas foram im­plantadas em ovelhas. Treze de­las ficaram prenhes, mas só uma ovelhinha nasceu: Dolly. Tem havido melhoras no processo, mas o nasci­mento de um filhote vivo ainda re­quer a produção de dezenas de ou­tros que não sobrevivem, ou que po­dem sobreviver com vários defeitos.

Aplicações — Quais são as implicações mo­rais da clonagem de seres humanos? Duas utilidades básicas da clonagem têm sido propostas. Cada unia delas tem suas próprias implicações éticas.
Embora toda clonagem suscite controvérsia, sua utilidade mais de­fendida moralmente é ajudar os casais com problemas de esterilidade. O mari­do doa uma célula do corpo e a espo­sa doa um óvulo. O núcleo da célula do óvulo, incluindo seu material ge­nético, é então removido, e a célula do marido com seu material genético é implantada. Assim, quase todo mate­rial genético vem do marido. E, natu­ralmente, a esposa seria a mãe que o traz ao mundo.
Outra aplicação seria no aperfeiçoamento genético. Que dizer do casal em que tanto o marido como a esposa são fér­teis mas querem que seu filho tenha genes melhores do que eles podem suprir? Digamos que os pais da esposa morreram vítimas do mal de Alzheimer. Temendo trazer ao mundo um bebê geneticamente pobre, o casal deseja que um clone gene­ticamente superior seja implan­tado. Novamente, um ou talvez ambos os contribuintes do em­brião teriam de ser doadores.
E que dizer do casal que deseja “projetar” seu filho com característi­cas que considera geneticamente su­periores? A revolução genética poderia possibilitar que os casais “produzam” filhos, como diz certo erudito, pelo método de “recortar e colar” (usando uma analogia de computadores).
A clonagem para aperfeiçoamento genético de um embrião, no entanto, é um problema ético muito maior do que a ajuda a um casal estéril. Ela atravessa a linha divisória entre a cor­reção de um defeito natural em um dos pais para supostamente aperfei­çoar a própria natureza. Infelizmente, não existe uma linha definida entre o que é uma simples “correção” e o que é “aperfeiçoamento” da natureza.

Natureza humana — A biotecnologia pro­mete possibilidades espetaculares para o futuro, mas é o ponto de vista adotado sobre a natureza humana que vai dizer se determinado tipo de clonagem é moralmente aceito ou não.
As religiões que defendem um pon­to de vista mais tradicional e sagrado sobre a natureza humana desenvolvem fortes argumentos contra a clonagem. A Igreja Católica considera os órgãos e processos reprodutores do ser humano uma dádiva de Deus em seu estado na­tural e sagrado, sendo pecado contra­riar esse processo reprodutivo natural. Assim, o documento intitulado “Ins­truções Sobre o Respeito Pela Vida Hu­mana (1987) proíbe a fecundação em proveta utilizando o esperma do mari­do, por ser um método artificial. A clo­nagem é citada como “contrária à lei moral” porque esta “em oposição à dignidade tanto da procriação humana como da união conjugal”.



Possíveis benefícios:

•   Solução para problemas de esterilidade.
•   Doação de tecidos.
•   Aperfeiçoamento genético.
•   Combate a doenças (como o mal de Alzheimer).
•   Tratamento estético.

Riscos em potencial
•    Nascimento de bebês deformados.
•   Comprometimento da Individualidade.
•   Perda de variação genética.
•   Mercado clandestino de fetos.
•   Desrespeito ao clone como cidadão de segunda classe.
•    Envelhecimento precoce do dono.
•   Impacto psicossocial negativo na sociedade.

A segunda doutrina católica rele­vante é a crença de que, na concep­ção, Deus dá a cada ser humano uma alma imortal. Por isso, o documento fala do embrião humano como “a criança por nascer” que “precisa ser cuidada ao máximo possível, da mes­ma forma que qualquer outro ser hu­mano”. (Naturalmente, há diferentes opiniões a respeito da “alma”, mas a vida embrionária do ser humano é original e a santidade da vida fetal deve ser respeitada.)
Por outro lado, um bom número de pensadores judeus certamente não todos —  crê que a clonagem hu­mana, sendo limitada, pode ser uma importante vantagem. O rabino R. M. Tendler, por exemplo, diz que a tradi­ção judaica salienta que Deus deu ao ser humano uma “ordem positiva” para “dominar o mundo”.
O   pensador judeu Jonathan Co­hen afirma que, se a criação for con­siderada um ato acabado, a clonagem seria uma transgressão, porque esta­ria violando a obra completa de Deus. Entretanto, Cohen acredita numa criação ilimitada, na qual “a clonagem humana pode ser integra­da em muitas de nossas crenças bási­cas e encorajar-nos a considerar o ato criador de Deus como um processo transformador”. Ele menciona Gêne­sis 1:28, onde aparece uma dupla or­dem de Deus a Adão e Eva: (1) popu­lar a Terra e (2) desenvolvê-la. Em suma, Deus convidou os seres huma­nos a se tomarem Seus “co-criado­res”. Dada essa ordem, e em vista das doenças tão difundidas, não seria moralmente errado ignorar as pro­messas da biotecnologia?
A novidade da tecnologia suscita vá­rias outras considerações. Uma delas é o respeito pela criação. No principio, Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem” (Gên. 1:26). O ideal divino era que todos possuíssem ótima saúde.
Quando adequadamente usadas, a clo­nagem e a biotecnologia a ela associada podem ajudar a conseguir essa saúde.

USO ADQUADO — Uso adequado é a ex­pressão chave. Em nossa sociedade, o impulso tecnológico estimulado pelo lucro costuma projetar o futuro sem uma completa avaliação dos riscos. Naturalmente, o notório mau uso da clonagem (por exemplo, sacrificar uma pessoa clonada para transplante de órgãos) já é ilegal; isso é homicí­dio. Mas o que dizer do casal yuppíe que deseja ter um filho grandalhão, de olhos azuis e inteligente? Tal clo­ne seria provavelmente visto como um produto humano em vez de uma dádiva divina. Ele poderia ser aceito por causa de traços corporais e men­tais superficiais impostos pela cultu­ra, e não pelo amor paternal. O uso do método “recortar e colar” na esco­lha de um clone ampliaria os atuais limites da criatividade humana e não deve ser permitido.
Há também o aspecto da segurança. Uma pedra angular sagrada da tradição de Hipócrates (o “pai da medicina”) é que primeiro os médicos não devem causar dano”. A Comissão Consultiva Nacional de Bioética, dos Estado Uni­dos, expressa suas “sérias preocupa­ções quanto à segurança da atual tec­nologia de clonagem. O motivo é claro e correto: a menos que um bebê possa nascer com segurança através dessa nova tecnologia, seu uso seria imoral.
Mesmo que a tecnologia finalmente tome a clonagem segura, existem ou­tras implicações. Por exemplo, quem sabe que problemas psicológicos po­dem surgir? A questão da individuali­dade será um problema real, embora isso já ocorra na criação de gêmeos. De qualquer forma, as limitações e o custo provavelmente farão da dona­gem uma tecnologia de último apelo. E a maioria dos casais achará o modo natural de trazer um bebê ao mundo muito mais satisfatório.
Há ainda o aspecto da sensatez humana. Devemos confiar a nós mesmos a capa­cidade de nos clonarmos pessoalmen­te? Pode ser possível separar embriões com o gene da “depressão”, por exem­plo. Mas realmente valeria a pena uma sociedade livre de depressão, conside­rando que a grandeza está freqüente­mente associada a essa doença? (Abraão Lincoln sofria de depressão crônica.)
Para evitar dano, a sociedade pre­cisa caminhar com muito cuidado nesse campo sagrado. Temos de con­siderar a liberdade e a responsabilida­de que Deus nos deu. No início, Adão e Eva abusaram da sua liberdade, e toda a humanidade sofre. Permitir a clonagem para procriação, quando outros métodos falham, parece coe­rente com a liberdade de procriação que os casais legalmente casados pos­suem, Mas o casal só deveria ser livre para reproduzir um filho se isso não envolvesse uma terceira pessoa.
Devemos unir nossa avançada bio­tecnologia à humildade. A tecnologia da clonagem não representa um mero passo quantitativo, mas um salto qua­litativo. Sabemos relativamente pou­co, e reconhecer isso ajudará a garan­tir o uso adequado.
Vários séculos atrás, quando a ciência médica começou a fazer ope­rações cirúrgicas no ser humano, al­guns cristãos objetaram alegando ser errado interferir na criação de Deus. Atualmente, poucas pessoas pensam duas vezes para fazer uma cirurgia. Será que os cristãos algum dia aceita­rão a clonagem do ser humano tão fa­cilmente como aceitamos atualmente a cirurgia? Os cristãos, principalmen­te, têm a sagrada responsabilidade de examinar suas convicções acerca da natureza humana e unir-se á mais im­portante discussão biológico-social de nossa época.

                                                                RESOLUÇÃO


Em 1996, o governo brasileiro decidiu que qualquer pes­quisa envolvendo seres humanos no país deve ter o acompa­nhamento de comitês de ética. Os comitês devem estar ligados à instituição onde a pesquisa é feita e a  Comissão Nacional de Ética na Pesquisa.

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