As duas maiores culturas
religiosas podem conviver em paz
Jerald
Whitehouse Diretor
do Global Center for Adventist-Muslim Relations, em Loma Linda, Califórnia.
Os últimos cinqüenta anos testemunharam um crescente
conflito entre nações e pessoas muçulmanas e o ocidente, sulminando com os ataques terroristas de 11 de setembro de
2001. O que está por trás do conflito e o que pode ser feito para pôr-lhe um
fim?
Pessoas sob ataque naturalmente se unem contra o inimigo
comum. Esse comportamento é um fenômeno humano. Durante décadas ou mesmo
séculos, o Islã (em especial o mundo árabe) tem se considerado sob ataque. E,
do mesmo modo como nossa política às vezes cria aliados estranhos, a reação
defensiva dos muçulmanos também tende a juntar liberais e moderados com
radicais e fundamentalistas.
Memória - O que tem gerado a reação defensiva dos muçulmanos? Para responder essa pergunta, temos de rever
alguns fatos históricos da perspectiva
muçulmana. Primeiro, porém, um
lembrete: devemos entender a diferença
entre o sistema religioso em si e os
seguidores que o distorcem e o usam para atender seus próprios interesses.
Quase todas as religiões defendem a paz, a tolerância e
o respeito. Contudo, é um fato histórico que mais sangue tem sido derramado nas
chamadas guerras religiosas, incluindo as guerras “cristãs”, do que sob
qualquer outra bandeira. A religião deveria aumentar a paz e a segurança.
Porém, é freqüentemente usada para fins políticos, tornando-se uma força para o
ódio, a intolerância e o derramamento de sangue.
Ninguém é inocente nesse aspecto. Cerca de quatrocentos
anos após o inicio do cristianismo, a eliminação dos hereges tornou-se um
esporte. A “ortodoxia”alvejava judeus e cristãos dissidentes. A igreja cristã
ocidental (romana) excomungou e perseguiu durante a igreja cristã oriental (nestoriana). E apesar do tratamento
relativamente generoso que o Islã dispensava aos cristãos orientais, ele logo
foi incluído na lista dos hereges e infiéis. Mais tarde, o cristianismo chegou
a seu nível mais baixo. Ondas de cruzados invadiram o Oriente Médio para
libertar a Terra Santa dos “infiéis” judeus e muçulmanos.
No livro Christian and Jews Under Islam (Cristãos e
Judeus Sob o Islã), Youssef Courbage e Philippe Fargues afirmam
que o quadro pintado pelos cruzados de uma população cristã perseguida
na Palestina, unida na adversidade e esperando libertação de Roma, era falso. “
Embora na época os muçulmanos formassem uma pequena maioria na Síria e na Palestina, eles viviam em clima de
coexistência com os cristãos; havia muito menos tensão do que os europeus
queriam crer”
Quando a primeira cruzada conseguiu
o controle de Jerusalém em 1909, nenhum muçulmano ou judeu foi deixado
vivo na cidade. Em contraste, quando o muçulmano Saladino (Salah ed Din)
reconquistou Jerusalém, em 1187, ele ordenou que a matança cessasse.
Nenhum judeu ou cristão civil foi
agredido, e nenhuma propriedade foi danificada.
“A memória das Cruzadas continua no Oriente Médio e
colore as percepções que os muçulmanos têm da Europa”, diz A.S. Ahmed. “É a memória de uma Europa agressiva, em
decadência e religiosamente fanática. Essa memória histórica seria
reforçada nos
séculos 19 e 20, á medida que os
europeus imperiais novamente chegaram para subjugar e colonizar os
territórios no Oriente Médio.”
Atualmente, as políticas externas do Ocidente em relação ao Oriente Médio
são vistas como uma continuação das Cruzadas. Os dois aspectos mais
incendiários são:
1)
o fracasso do Ocidente em assegurar
que os palestinos tenham o seu próprio estado, enquanto garante esse direito a
Israel e
2)
a presença, desde a Operação
Tempestade no Deserto, de tropas estrangeiras no solo árabe, que os muçulmanos
consideram sagrado.
O lugar mais sagrado do Islã é a área ao redor de Meca e especificamente a
Ka’aba na grande mesquita em Meca. Os muçulmanos consideram a presença de
tropas americanas na Arábia uma profanação desse lugar sagrado. Na seqüência,
os outros lugares sagrados mais importantes são o Domo da Rocha e a mesquita
Al Aqsa em Jerusalém. Os cristãos profanaram ambos os lugares, que ainda
permanecem sob a soberania não-islâmica.
Da perspectiva ocidental, essas são apenas questões políticas. Porém, o
muçulmano médio as vê como questões religiosas, e o muçulmano militante
acredita que elas confirmam que o cristianismo fanático está buscando dominar e
destruir a fé islâmica. Por isso, a resposta aos neocruzados deve ser a jihad: os muçulmanos devem lutar até
expulsar o último invasor, não importa quantos mártires caiam ou quanto tempo
demore.
Há outro elemento nessa mistura volátil. Os muçulmanos sentem que a moralidade
ensinada pelo Islã está sendo ameaçada pelo hedonismo e o materialismo que o
Ocidente tem exportado para dentro de seus próprios lares através da mídia e
do domínio econômico.
Este sumário não tem, é claro, o objetivo de justificar as atitudes e
atividades militantes atuais. Não há justificativa para atos terroristas e
abusos dos direitos humanos que sacrificam vidas inocentes. O mal não conhece
fronteiras de credo ou religião; ele continua sendo mal em qualquer lugar.
Contudo, entender esses aspectos é importante para perceber o contexto da
reação islâmica.
Embora a maioria dos muçulmanos possa discordar do terrorismo, sua motivação
acha ressonância entre eles. A percepção de estar sob ataque e precisando se
unir contra a ameaça comum torna dificil falar contra as iniciativas intolerantes.
Mesmo assim, alguns muçulmanos estão condenando a violência. Depois de 11 de
setembro, houve encontros inter-religiosos em mesquitas por iniciativa de
lideres muçulmanos. Eles criaram uma organização (Muçulmanos Contra o
Terrorismo) com o expresso objetivo de resgatar a verdadeira identidade
islâmica da ideologia dos extremistas.
Ações - Assim, com base na Bíblia e nos fatos,
como devemos responder? Primeiro, devemos reconhecer que a retórica preconceituosa
que pinta qualquer dos lados como enraizado na violência contraria os fatos
históricos e torna as coisas ainda piores. Além disso, alguns têm dito que
mostrar compaixão em certas circunstâncias é covardia. Mas isso é uma séria
distorção da mensagem bíblica. A tentativa de justificar a violência como um
legitimo meio de restaurar a justiça cai na mesma armadilha que motivou os atos
violentos originais. Aqueles que apóiam uma resposta violenta se aproximam
perigosamente do uso da religião para fins políticos. Esse não é o método de
Deus lidar com a rebelião.
Então, o que deveríamos fazer? Aqui estão algumas sugestões práticas:
• Devemos apoiar o esforço
dos muçulmanos para dialogar com outras religiões e promover a compreensão e o
respeito mútuo. Onde possível, deveríamos ser parceiros de mesquitas locais em
iniciativas que busquem restaurar e preservar os valores comuns e a qualidade
de vida.
• Devemos incentivar os muçulmanos a
falar contra o terrorismo através de organizações como os Muçulmanos Contra o
Terrorismo (wwwmatusa.org).
• Devemos eliminar de nosso vocabulário
palavras ofensivas quando usadas em relação aos muçulmanos, como “infiel” e
“pagão”. Para um muçulmano, o uso da
palavra “cruzada” em conexão com a pregação das crenças cristãs é tão ofensivo
como falar do “evangelho da limpeza étnica”.
• Devemos perceber que a linguagem que retrata o reino de Deus como sendo
o domínio das nações cristãs sobre outras nações é triunfalista e
não-bíblica. Nossa batalha não é contra o Islã, mas contra o mal. Além disso,
Cristo disse que o Seu reino não é deste mundo (João 8:36).
• Devemos ser uma força curadora no meio do caos — uma força de reconciliação entre os povos e
entre as pessoas e Deus. Somos
embaixadores da reconciliação, mediando o amor de Deus, curando e perdoando em
um mundo fragmentado pelo egoísmo, a vingança, o ódio e a desconfiança.
A situação atual é caracterizada por vingança e mais vingança. Essa é a resposta
“certa” numa sociedade caracterizada pelo esquema vergonha/honra. Mas esse
tipo de resposta produz apenas uma escalada de trágicos eventos. Embora o
pecado e a rebelião tenham envergonhado o universo de Deus, Deus não depende do
método humano da vingança para restaurar a honra.
A parábola do Filho Pródigo mostra a maneira de Deus lidar com a rebelião.
Ela conta a história de um filho que envergonha seu pai. A sociedade do Oriente
Médio espera que e pai deserte o filho. Mas, em vez disso, o pai chora e ora
por ele. Quando vê o filho vindo á distância, ele não se importa de correr para
abraçar o filho maltrapilho, mesmo sabendo que isso será motivo de vergonha. O
pai cobre o filho com o símbolo de sua bondade, restaura a sua honra e programa
uma celebração.
Para quebrar o atual ciclo de vingança, os cristãos precisam primeiro
entender como Deus restaura a honra e então comunicar esse quadro de Deus ao
mundo. Claro, é preciso diminuir a possibilidade de mais terrorismo e proteger
a vida de pessoas inocentes. Mas o papel básico dos cristãos é proclamar o
método divino de restaurar a honra, O povo da Bíblia deveria estar na vanguarda
do alívio ao sofrimento, mediando o conflito e promovendo a reconciliação.
Cristãos e muçulmanos podem viver em paz, se ambos seguirem o melhor de
sua religião.
Sinais dos Tempos
Julho-Agosto/2002
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