o Código Da Vinci e a nova onda dos apócrifos
Constantino inventou a
divindade de Cristo no Concílio de Nicéia. Foi esse concílio que determinou
que livros deviam ser incluídos no Novo Testamento. Jesus casou com Maria
Madalena e teve uma filha. Uma organização secreta foi encarregada de preservar
esse "segredo do Jesus verdadeiro". Calma, calma! Antes de achar que
estou defendendo heresias, deixe-me dizer que esses absurdos são o pano de
fundo de um romance policial que tem conquistado legiões de leitores em todo
mundo. E não é todo dia que um livro alcança a cifra de 15 milhões de exemplares
vendidos. Trata-se de O Código Da Vinci, de Dan Brown.
A história,
que logo deve chegar ao cinema, tendo Tom Hanks como protagonista, é a
seguinte: tudo começa com a morte misteriosa do curador do Museu do Louvre.
Robert Langdon, professor em Harvard e especialista em símbolos esotéricos,
está em Paris a negócios e a polícia lhe pede para decifrar um código deixado
próximo ao cadáver. E é esse código que guia toda a trama e leva Langdon e a
criptóloga Sophie Neveu em busca do Santo Graal. Os personagens penetram em um
mundo secreto de mistério e conspiração, com o objetivo de desmascarar
"séculos de engano", valendo-se de códigos secretos e manuscritos
que a igreja supostamente tem tentado esconder do público, mas que o
historiador Leigh Teabing quer divulgar a todo custo. (É bom que se saiba que
a trama central desse livro já existe há séculos e pode ser encontrada na literatura
esotérica e da Nova Era, como em O Santo Graal e a Li
nhagem Sagrada, de Michael Baigent, que
serviu de referência para o romance de Brown.)
Seria
apenas mais um livro de ficção, como tantos outros, não fosse a alegação de
que se fundamenta em fatos. Brown, baseado em livros apócrifos gnósticos,
sustenta que, após a crucifixão de Jesus, Maria e a filha deles, Sara,
partiram para a Gália (França), onde teriam fundado a linhagem dos reis
merovíngios. O autor diz ainda que essa dinastia perdura até hoje na
misteriosa organização conhecida como Priorado de Sião, entidade secreta que
tinha os Templários como braço militar. Há até a suposição de que Leonardo da
Vinci, Isaac Newton e Victor Hugo tenham figurado entre os membros dessa
organização.
Segundo
Erwin Lutzer, autor do livro A Fraude do Código Da Vinci (Vida), "esse livro
[de Brown] é um ataque direto contra Jesus Cristo, a igreja e aqueles de nós
que O seguem e O chamam Salvador e Senhor. De acordo com o romance de Dan
Brown, o cristianismo foi inventado para reprimir as mulheres e afastar
as pessoas do 'sagrado
feminino"'. Brown chega a afirmar que os judeus, no Antigo Testamento,
adoravam tanto o Deus masculino, Jeová, como Sua "correspondente
feminina", Shekinah. Séculos depois, afirma o autor, a igreja, "que
odeia o sexo e a mulher", teria reprimido essa adoração à deusa.
Carlos
Alberto di Franco lembrou, em julho de 2004, no jornal O Estado de
S. Paulo, algumas críticas de respeitáveis
jornais estrangeiros a respeito do livro de Brown: El
Mundo chama-o
de "um livro oportunista e pueril"; The New
York Times, de "um insulto à inteligência"; Weekly
Standard, de uma "mixórdia de narrativas inimagináveis"; The New York Daily
News declara
que o livro contém "erros crassos, que só não chocam um leitor muito ingênuo".
O problema é que há muitos leitores ingênuos. Milhões deles.
O
Jornal do Brasil, do dia 16 de dezembro de 2004, publicou um artigo de Ives Gandra Martins.
A certa altura, ele declara: "No mundo da informação comprovada e dos acessos
às fontes, como admitir que se consiga desvendar um segredo não revelado - de 2
mil anos! - de que Cristo teve uma filha? Ou que nas vidas altamente
investigadas de Boticelli, Leonardo da Vinci, Boyle, Newton, Victor Hugo,
Debussy e Cocteau seus investigadores não descobriram que eles eram grandes
mestres de uma fantástica sociedade secreta denominada Priorado de Sião, cuja
função era guardar o segredo da filha de Jesus? Todos os historiadores do mundo
não descobriram o que o oportunista Dan Brown descobriu em investigações
cujas fontes é incapaz de citar. A história é pisoteada por alguém que, sem
escrúpulos, mente deslavadamente, sobre tudo."
Os Uevangelhos" gnósticos - Um dos trechos mais polêmicos de O Código
da Vinci é este: "E a companheira do Salvador é Maria Madalena. Cristo
amava-a mais do que a todos os discípulos e costumava beijá-Ia com freqüência
na boca." Essa citação provavelmente tenha se originado no Evangelho de
Filipe, um dos livros apócrifos gnósticos encontrados em Nag Hammadi, no
Egito, em 1945, e escondidos ali no século IV, por um egípcio anônimo. De
acordo com Darrell L. Bock, autor de Quebrando o Código da Vinci, o
original tem lacunas e só traz a inicial (no alfabeto copta) da palavra
"boca". "O texto estáfragmentado e diz: 'E a companheira de (.u)
Maria Madalena, (.u) a ela mais do que a (u.) os discípulos e (u.) beijá-Ia
(u.) na b(u.):" Portanto, o que Brown faz é um tremendo exercício de
imaginação.
Embora
Brown sustente que seria estranho e até desonroso um judeu na época de Jesus
ser solteiro, Amy WeIbom, autora de Decodificando Da Vinci e mestre em
História da Igreja pela Universidade Vanderbilt, escreve que no século I muitos
homens devotados a Deus eram solteiros. Os exemplos, do profeta Jeremias ao
apóstolo Paulo, são muitos. Em uma de suas cartas aos coríntios, Paulo se
refere às mulheres de outros apóstolos, mas não de Jesus.
Todo
o problema vem dos chamados "evangelhos" gnósticos. Eles retratam
Jesus como um espírito superior, mas afirmam que Ele era um homem
como qualquer outro. E se
Jesus foi um homem qualquer, qual o problema de ter-Se casado e ter tido
filhos?
Uma
rápida comparação ent,re os quatro evangelhos bíblicos e os apócrifos
gnósticos mostra que entre eles há um abismo intransponível. O Evangelho de
Tomé - outro dos livros gnósticos - afirma, por exemplo, que "quem não conheceu a si mesmo
não conhece nada, mas quem se conheceu veio a conhecer simultaneamente a
profundidade de todas as coisas': E assegura que a salvação vem por meio do
autoconhecimento, ou pela sabedoria, não pela fé. Confundindo a importância do
autoconhecimento num contexto freudiano - com salvação, mais e mais pessoas
têm adotado esses livros não canônicos como sua Bíblia. Mas o conhecimento
salvífico do qual fala a verdadeira Palavra de Deus consiste em conhecer a Deus
e a Jesus Cristo (ver João 17:3).
Há
outro aspecto dos apócrifos gnósticos que salta à vista dos que conhecem a
Bíblia e sua mensagem. Os "evangelhos" de Tomé, Filipe e Maria
Madalena não contêm uma linha sequer sobre o significado do julgamento e da
morte de Jesus na cruz. Ou seja, o evento central, no que diz respeito à
história da redenção, é totalmente ausente nesses livros que reivindicam a
posição de evangelhos. Eles trazem apenas charadas que convidam seus leitores
a reflexões espirituais, não ao arrependimento - uma vez que, neles, o pecado
não existe.
Pretender
que os chamados "evangelhos" apócrifos tenham o mesmo peso e
confiabilidade dos Evangelhos canônicos é desconhecer a história bíblica. Além
de os apócrifos gnósticos terem sido escritos depois dos quatro evangelhos,
Mateus, Marcos, Lucas e João são os únicos relatos que foram, ou escritos por
testemunhas oculares da vida de Jesus, ou corroborados por elas. Lucas não
conviveu com Jesus, mas fez seu relato sob a supervisão do apóstolo Paulo e
contou com a aprovação de Pedro. "O Espírito Santo primeiro guiou Mateus,
depois Paulo e seu companheiro Lucas, a seguir Pedro e seu companheiro Marcos
e, por último, João, o apóstolo, para entregar à igre
ja, durante sua vida, o
Evangelho que Ihes foi entregue por Jesus': escreve David Alan Black, no
instrutivo Por Que 4 Evangelhos (Vida), na página 10. Além disso,
"as fontes mais aceitas sobre a trajetória de Jesus - os evangelhos
sinópticos, de Mateus, Lucas* e Marcos - são consistentes com o que se sabe
sobre a Palestina do século I, de forma que a chance de serem fruto da
imaginação de seus autores é desprezível", escreveu Isabela Boscov, na
revista Veja do dia 15 de dezembro de 2004. E é bom deixar claro que a
igreja primitiva já aceitava a inspiração divina dos quatro evangelhos muito
tempo antes de Constantino convocar o Concílio de Nicéia. Graças ao historiador
Eusébio, sabe-se que 20 decretos foram promulgados em Nicéia. Nem um único diz
respeito ao cânon.
"Os
evangelhos apócrifos, assim como os canônicos, foram, escritos por pessoas
inquietas, numa época conturbada e difícil, em que as antiga~ respostas já não
davam conta de acalmar os espíritos", sustenta Érica Montenegro, no
artigo "Um outro Jesus", publicado na revista Superinteressante de
dezembro de 2004. "É claro que os tempos, hoje, são muito diferentes. Mas,
de novo, boa parte da humanidade está inquieta e insatisfeita com as respostas
que existem. Tem muita gente em busca de alguma coisa que torne nossa
existência mais transcendente, mais valiosa. E esses textos escritos por
outros homens, numa busca parecida, podem nos dar uma dica de onde começar a
procurar."
Sem
o saber, Érica chegou perto da descrição que o apóstolo Paulo faz de nossos
dias: "Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo
contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que
sentindo coceira nos ollvidos; e se recusarão a dar ouvidos àverdade,
entregando-se às fábulas." II
Tim. 4:3 e 4.
Revista Adventista. junho 2005
Miche1sol1
Borges é editor de notícias da Revista Adventista e da Lição dos Jovens.
(') Sir William Ramsey, célebre
historiador e arqueólogo do século 19, esforçou-se por demonstrar que a
história de Lucas estava cheia de er. ros. Após toda urna vida de trabalho e
estudos. porém. ele esaeveu: "A história de Locas é insuperável quanto a
sua fidedignidade." - lhe 8eQ. ring of Rocen! Discovenes on lhe
Trostworthiness of lhe New Testamen! (Grand Rapids: Baker).
pág. 81.
Revista
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