APOLOGÉTICA
Adventistas e evangélicos
Resposta à reportagem “Como água
e óleo”, publicada pela revista Eclésia,
edição de janeiro de 2001
por Moisés Mattos
A edição da revista evangélica Eclésia de fevereiro de 2001 publicou a
matéria de capa “Como água e óleo”, do jornalista Carlos Fernandes,
apresentando a Igreja Adventista como uma seita. Essa classificação foi
atribuída ao fato de os adventistas manterem algumas diferenças doutrinárias
em relação aos demais cristãos.
Que diferenças são essas e como entendê-las à luz
da Bíblia? Como os adventistas podem afirmar sua legítima identidade cristã?
Respondendo a estas perguntas, este texto provê também uma réplica à referida
matéria.
Em linhas gerais Fernandes pretende mostrar-se
isento, como manda sua profissão, limitando-se a citar a posição adventista de
um lado e a dos demais evangélicos do outro. Mas não se comporta assim em todo
o texto.
Os pontos mais relevantes da matéria:
Imprecisões historicas É pena
que os críticos que discutem o adventismo não bebam em fontes primárias e
seguras. Por fontes primárias e seguras, entendem-se livros e artigos escritos
por pessoas isentas de preconceito ou produzidos pelos próprios adventistas.
Muitas publicações sobre os adventistas são cópias
de cópias e não refletem a verdade dos fatos. Um escreveu e os outros se
limitaram a copiar sem investigação acurada. Infelizmente, Fernandes caiu
nesse “canto da sereia”, que é pesquisar pouco com medo de perder-se nos
argumentos.
Observe: Ele diz que Guilherme Miller “criou o
Movimento do Advento” em meados do século 19. Á primeira vista, parece certo,
mas não é bem assim. O Movimento do Advento teve fundadores em vários lugares
com a participação de várias denominações. Por exemplo, na América do Sul, um
sacerdote católico escreveu um livro sobre o segundo advento de Cristo (La Venida dei Messias). Seu nome é
Manuel Lacunza, um jesuíta. José Wolf, um judeu cristão, também pregou a
segunda vinda de Cristo, na Europa e no Oriente Médio, e foi até perseguido por
isso. É interessante que os críticos
do adventismo ignorem esses personagens. Voltam-se apenas para Miller,
conceituando-o como inconseqüente marcador de datas para a volta de Jesus.
Miller era um pesquisador sincero das Escrituras. Teve avanços significativos e
redescobriu pontos da Bíblia esquecidos pelos cristãos de sua época.
Lendo em fontes não-confiáveis, Fernandes afirma
que, uma vez que Jesus não voltou em março de 1843, Miller teria “refeito os
cálculos” e chegado à conclusão de que a data seria 22 de outubro de 1844. Na
verdade quem refez o cálculo” não foi Miller, mas seus colaboradores, entre
eles Samuel Snow. Para Miller o mais importante não era a data, mas a mensagem
da volta do Senhor.
Fernandes também vacila quando cita os
desdobramentos de 1844. Com o desapontamento, o movimento adventista
fragmentou-se em vários grupos. O grupo dos que desanimaram e abandonaram a fé
era grande. O segundo foi o grupo do status
quo que continuou a marcar datas para a vinda de Cristo. E o terceiro
grupo era formado por estudiosos da Bíblia que, com oração e lágrimas,
descobriram as verdades bíblicas então ignoradas. Foi esse grupo que, em maio
de 1863, tornou-se a Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Os três grupos não se “uniram para formar a
Associação Geral das Igrejas Adventistas do Sétimo Dia”, como dito na
reportagem. A Igreja Adventista não surge de alguma briga de líderes por causa
do poder eclesiástico, mas de um grupo que entendeu que Deus o chamou para
pregar a mensagem bíblica, cristocêntrica e completa.
Ellen White teve participação no desenvolvimento
da doutrina, mas não foi ela quem “lançou as bases da fé adventista”, como diz
a revista Eclésia. Pessoas piedosas
estudaram profundamente as Escrituras e chegaram a conclusões importantes
sobre pontos doutrinários. Com suas visões, Ellen apenas confirmou o que já
se havia estudado.
Distorções doutrinárias — Nem sempre uma heresia é exatamente
uma doutrina errada, mas pode ser uma ênfase errada numa doutrina certa. É o
que o acontece quando alguns “especialistas em apologética” falam ou escrevem
sobre o adventismo.
Por exemplo, Roque Carvalho, um dos entrevistados
de Eclésia, falando da maneira como
os adventistas vêem a salvação, afirma: “Se a salvação, para eles, depende da
obediência à lei do Antigo Testamento, então a graça de Deus não faz sentido”.
Em seguida, desafia: “É possível ser
meio cristão?” Essa é uma argumentação imprópria.
Os adventistas não crêem na salvação pelas obras da
lei. A Igreja Adventista crê na salvação pela graça por meio da fé em Cristo
(Efés. 2:8). Entende também que, sendo perdoada e justificada por Cristo (Rom.
5:1), a
pessoa passa a guardar pela fé os mandamentos de Deus. Pois a fé sem as obras é morta (Tia. 2:17).
A grande dificuldade de alguns é entender a verdadeira função da lei
moral (os Dez Mandamentos) na vida do cristão salvo pela graça. Essas pessoas
ficam confusas quando Paulo diz que ninguém será justificado diante dEle por
obras da lei” (Rom. 3:20); e em seguida que “a lei é santa; e o mandamento
santo, justo e bom” (Rom. 7:12). “Afinal, Paulo era contra ou a favor da lei?”,
perguntam elas.
Os que guardam a Lei o fazem
depois de terem uma experiência de salvação com Jesus Crísto e Sua graça.
Um estudo isento de preconceitos e dentro de
princípios hermenêuticos básicos mostra que Paulo era contra o mau uso da lei
de Deus. Na sua época pessoas achavam que, cumprindo os preceitos, seriam
salvas. Assim, deixavam Jesus de lado. Segundo o apóstolo Paulo, a lei mostra
o pecado (Rom. 3:20), e como um aio (um ajudador), ela conduz o pecador a
Cristo (Gál. 3:24) a fim de que seja justificado pela fé. Desta forma o
apóstolo não descartou a lei, mas colocou-a no seu devido lugar: mostrar o
pecado.
O problema, porém, está
com os que param aí, e dizem: “Paulo nos livra da obediência à lei.” Ledo
engano! O mesmo Paulo adverte que os “simples ouvidores da lei não são justos
diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados” (Rom. 2:13).
Estaria Paulo pregando salvação pela lei? De forma
alguma. Ele está dizendo que os que guardam a lei o fazem depois de terem uma
experiência de salvação com Jesus Cristo e Sua graça.
Portanto, para os
adventistas, guardar a lei não é um meio para a salvação, mas uma conseqüência da salvação.
Alguns intérpretes desavisados acabam sugerindo
que “estar salvo em Cristo” é o mesmo que desobedecer à lei. Isso é um
equívoco, diante do evangelho. Nem os críticos sérios do adventismo concordam
com essa idéia.
Os intérpretes desavisados usam do Antigo Testamento
só o que lhes interessa. Quando o assunto é dízimo, logo correm para Levítico,
Deuteronômio e Malaquias. Mas quando se fala em sábado, dizem que ele foi
abolido.
Miguel — Outro exemplo de distorção ficou por conta de Natanael Rinaldi.
Primeiro, ele diz que os adventistas fazem Miguel ser igual a Cristo. Na
verdade Miguel é um dos nomes de Cristo na Bíblia. Com um razoável
conhecimento de hebraico, conclui-se que o nome “Miguel” quer dizer “quem é
igual a Deus?” A resposta natural é: só Jesus Cristo. Portanto, diferente do
que afirma Rinaldi, dizer que Miguel é um nome de Cristo na Bíblia não
relativiza a deidade de Cristo, mas a confirma. Para o adventismo, Jesus
Cristo é Deus pleno (Col. 2:9).
É provável que alguma autoridade do Instituto
Cristão de Pesquisas ainda fique com dúvidas e argumente dizendo que a Bíblia
fala de Miguel como um arcanjo e não como Cristo. Pois bem, é preciso lembrar
que a palavra bíblica para “anjo” também quer dizer “mensageiro”. Jesus Cristo
foi o mensageiro de Deus para a humanidade. Em Cristo está a maior revelação
de Deus Pai (Heb. 1:1 e 2). E ainda mais, devemos recordar que ao identificar
Jesus como o “arcanjo Miguel”, a Bíblia não O torna um mero anjo, como também
não O transforma em animal ao identificá-Lo como um “cordeiro” (João 1:29), ou
como um “leão” (Apoc. 5:5). Além disso, “Miguel”, em Daniel 12:1 e 2, aparece
para defender o povo de Deus. De acordo com o profeta. ocorre a ressurreição
dos justos como conseqüência disso. Será que um anjo pode ressuscitar mortos?
Esse Miguel deve ser mais do que um anjo!
A matéria em questão diz ainda
que “os adventistas consideram que Cristo adentrou no santuário celeste em
1844”. Quem disse isso? De onde Rinaldi tirou essa afirmação?
A literatura adventista deixa claro que Cristo foi
ao lugar santíssimo do santuárío celeste por ocasião de sua ascensão ao Céu. O
que se destaca é que em 1844 (segundo a
profecia de Dan. 8:14), Jesus iniciou um ministério de juízo no
santíssimo no santuário celestial. Porém, Ele sempre trabalhou em nosso
favor, como intercessor, e ainda trabalha.
Sobre o ministério de Cristo no Céu, é preciso
lembrar que, embora a obra de salvação tenha sido completa na cruz, seus
efeitos serão sentidos por toda a eternidade. Alguns críticos do adventismo não
entendem por que Jesus hoje está ministrando no santuário celestial (Heb. 8:1
e 2) como sumo-sacerdote, se Ele já fez tudo na cruz. O motivo é que eles não
entendem que a salvação é um plano amplo. Não sabem que ela envolve o nascimento,
a vida impecável de Cristo, Sua morte, ressurreição, intercessão, o juízo no
santuário celestial e ainda a segunda vinda para fazer o juízo final. Ora, a
mesma Bíblia que diz que quem não crê em Cristo “já está julgado (João 3:18),
também diz que Deus “estabeleceu um dia
em que há de julgar o mundo com justiça” (Atos 17:31).
Portanto, ao falar sobre a obra de Cristo na cruz,
temos de enfatizar os atos do Senhor antes e
depois dela. A cruz é o centro, e o centro deve ser um ponto de atração de
todos os demais atos do plano de salvação, sem anula-los.
O Sr. Rinaldi faz ainda outra
afirmação imprópria: “Os ensinos de Ellen White deixam claro que o salvador
não é Cristo, e sim, Satanás, já que sobre ele seriam lançados os pecados, à
semelhança do bode emissário descrito no livro de Levítico”. O dito
pesquisador escurece a interpretação adventista sobre o “bode por Azazel”
(Lev.16:8). Azazel e o bode emissário representam a mesma coisa. No original
hebraico, está exatamente assim: “E lançará Arão sorte sobre os dois bodes. Uma
sorte para Javé e outra sorte para Azazel.”
O obra evangélica (não-adventista) The New Schaff-Herzog Encyclopedia of
Relígious Knowledge comenta assim esse texto de Levítico: “Partindo do
fato de que há um contraste entre as expressões ‘para Jeová’ e ‘para Azazel’,
muitos supõem que Azazel seja um nome oposto
a Jeová, monstro do deserto, um demônio, ou diretamente Satanás... O contraste
entre para Jeová’ e ‘para Azazel’ favorece a interpretação de Azazel como substantivo
próprio, sugerindo em si mesmo, uma referência a Satanás.” Assim, o bode
emissário (Azazel) é visto como o próprio Satanás. Porém, a acusaçao é de que
os adventistas, por interpretarem Levítico 16 desta forma, estão dizendo que
o diabo é o salvador, e não Cristo. Esse é um erro inteiramente ausente na
mensagem adventista.
Para os adventistas, Azazel (Satanás) não
participa da expiação. Ele não é o salvador; ele nem derrama seu sangue. Isso é
concluído a partir de uma leitura bem feita de Levítico 16:9 e 10. O verso 9
fala do bode “para o Senhor” (que simbolizava Cristo). Este era sacrificado e
derramava seu sangue. Sem derramamento de sangue, não há remissão”
(Heb. 9:22).
Levítico 16:10 fala do bode emissário (Azazel) e
fica claro que seu sangue não era derramado, e ele não era oferecido em
sacrificio pelo pecado. Ele simbolicamente carregava os pecados do povo e
morria no deserto sem derramar sangue. O bode emissário prefigura Satanás
que vai morrer, após o milênio, não para perdoar pecados, pois quando ele
morrer os pecadores arrependidos já estão salvos. Mas por causa dos pecados que cometeu e
induziu pessoas a cometer (Apoc. 20:7 e 10).
Só a morte de um justo pode salvar os pecadores.
Jesus Cristo é o Justo que morre.
Portanto, dizer que, por esta interpretação de
Levítico 16, os adventistas crêem em Satanás como salvador, é totalmente
equivocado.
Bem compreendidas essas questões doutrinárias e
teológicas, fica bastante enfraquecida a classificação do adventismo como uma
seita. Mesmo assim, é bom lembrar que a palavra “seita” já foi usada em
referência a muitos outros movimentos cristãos, também legítimos. Quem usa a
palavra de forma indiscriminada, parece ter pouca memória acerca da história
cristã.
Nos primórdios, a igreja cristã foi considerada
uma seita judaica. Nem por isso o cristianismo deixa de ser a fé verdadeira. No
início da Reforma, no século 16, o movimento de Lutero e Calvino foi
considerado uma “seita do diabo”, por
quem detinha as “chaves do céu e do inferno”, a igreja oficial.
Os adventistas se consideram cristãos e defendem
as doutrinas essenciais do cristianismo. Mas, diferentes da maioria, eles
levantam a bandeira de doutrinas que têm sido esquecidas pelos demais cristãos.
Por lembrarem as verdades esquecidas aos seus irmãos, os adventistas são acusados
de ser uma “seita”.
O batista Walter Martin, autor do livro The Kingdon o fthe Cults, depois de uma exaustiva pesquisa sobre
o adventismo, concluiu que, embora a igreja adventista tenha doutrinas distintivas,
ela pode ser considerada cristã por proclamar verdades básicas do
cristianismo.
A despeito disso, ser chamado de “seita”, por
causa do testemunho da verdade, não é o fim.
Moisés Mattos é diretor de Ministério Pessoal da União Sul-Brasileira.
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