Televisão e
violência: Uma resposta cristã ao debate sobre seus efeitos
No
rastro do aumento da criminalidade, inclusive com tiroteios em escolas e locais
de trabalho, levanta-se freqüentemente a pergunta: A violência nos programas de
televisão promove ou motiva a violência na vida real?
A
crença popular por vezes apresenta a televisão como uma das principais causas
da violência, e certas pesquisas parecem comprová-lo. Embora ainda haja muita
confusão entre os estudiosos sobre os efeitos da mídia, pouco tem acontecido
para mudar a opinião pública sobre o assunto. A crítica popular da televisão
pinta um quadro de vício, que anestesia os espectadores, transformando-os em
autômatos passivos. A televisão é freqüentemente culpada do mau aproveitamento
das crianças nas escolas, apesar do fato de que os índices de alfabetização
nunca foram mais altos. A crítica popular sobre o analfabetismo da geração
atual de alunos é um hábito que data do último século, muito antes da época da
televisão. A pesquisa também desfez o medo de que a televisão neutraliza a
criatividade: as crianças brincam tão criativamente com histórias da televisão
quanto com as histórias que lêem nos livros.
Ironicamente,
os críticos freqüentemente alegam que a televisão não só transforma as crianças
em apáticos passivos, mas as torna hiperativas, com períodos curtos de atenção
e poderoso pendor para a violência. Mas nunca ficou explicado como a televisão
pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Como seria exatamente, na prática, um
apático hiperativo? Na base desta crença popular, jaz a suposição de que as
pessoas imitam atos específicos de violência na televisão. Daí os freqüentes
apelos por um controle mais estrito do conteúdo da programação, particularmente
em relação ao tempo que as crianças gastam diante da TV. Naturalmente, muitos
que pedem a censura da televisão não o fazem em seu interesse, mas a favor
daqueles que eles sentem ser mais suscetíveis à sua influência. Tipicamente
sentimos que são sempre os outros que são afetados negativamente pela
televisão, nunca nós mesmos.1 É interessante
notar que as crianças muitas vezes apresentam o mesmo pensamento paternalista,
achando que os programas não as prejudicam, mas são maus para outras crianças.
Pesquisa do comportamento
É
necessário haver uma pesquisa confiável para esclarecer essas opiniões
contraditórias. Mas a qualidade da pesquisa sobre a televisão tem variado, e os
resultados têm muitas vezes concordado com as conclusões de pesquisadores
anteriores. A maioria dos 10.000 estudos feitos sobre violência na televisão
foram feitos dentro da perspectiva da teoria behaviorista. Talvez os
experimentos mais conhecidos tenham sido os de Bandura e seus associados, os
quais demonstraram que o ato de as crianças verem televisão tem um efeito
direto e mensurável sobre seu comportamento para com bonecos grandes. Crianças
que tinham visto um filme violento sobre os bonecos comportavam-se com muito
mais agressividade para com eles do que aquelas que tinham recebido bonecos,
mas sem ver o filme.2
Todavia,
enquanto muitos experimentos behavioristas mostraram uma conexão aparente entre
visão e comportamento, há muita dúvida quanto à validade das conclusões, quando
generalizadas. A pesquisa behaviorista tendia a ignorar o modo como as
condições de ver artificialmente controladas afetam as percepções dos
espectadores, tanto do ato de ver como daquilo que se esperava seriam suas
reações. No experimento de Bandura, ouviu-se uma criança dizer: «Veja, mamãe,
aí está a boneca na qual devemos bater».3
Essa
reação não é surpreendente. Uma criança num ambiente estranho chegou à
conclusão natural de que o filme ensinava o comportamento desejado para com as
bonecas que lhe foram mostradas. A opinião corrente é que a violência mostrada
para com os bonecos era pelo menos tanto o produto das expectativas dos
pesquisadores como do resultado de as crianças terem visto cenas violentas.
Além disso, supor que uma criança nesta situação transferiria o comportamento
para com pessoas é uma falácia. Exigiria que a criança deixasse de reconhecer a
diferença entre comportamento aceitável para com um boneco e para com seres
humanos. Na realidade, as crianças compreendem a linguagem da televisão desde
cedo, distinguindo de modo bem sofisticado entre o que é real e o que não é.
Estudos entre telespectadores mostram que eles não adotam automaticamente os
valores do programa. Ao contrário, geralmente resistem aos valores da televisão
que abertamente contradizem seus valores.4 A
análise de outros experimentos behavioristas mostrou que condições artificiais
levam a resultados artificiais.5 Em suma, a
pesquisa behaviorista muitas vezes deixou de levar em conta as diferentes
formas em que os espectadores interpretam a televisão.
O
problema para os pesquisadores e para o público é que mais provavelmente vamos
chegar a uma conclusão sobre a violência na televisão que apóie nossas idéias
preconcebidas. A fim de chegar a conclusões inteligentes sobre os efeitos do
ato de ver televisão, precisamos primeiro reconhecer nossos preconceitos e
esperar que sejam modificados, sacudidos ou contraditos.
Pesquisa multidisciplinar
A
pesquisa que combina as metodologias de várias disciplinas está apresentando
conclusões mais úteis sobre os efeitos da violência na televisão. O que está
sendo descoberto é complexo, porém mais de acordo com o bom senso do que
conclusões anteriores. A lógica argumentaria que, se fossem corretas as
conclusões behavioristas sobre os efeitos imediatos e mensuráveis de ver
programas violentos de TV, então a maior parte da sociedade ocidental estaria
cheia de gente violenta. Embora a violência seja um problema nas sociedades
ocidentais, não aumenta depois de programas violentos, nem é a maioria dos
telespectadores geralmente considerada violenta.
Em
todo caso, as representações de violência na televisão não seguem o esquema da
violência na vida real. Por exemplo: programas sobre a atuação da polícia
freqüentemente mostram policiais com armas na mão, ao passo que um estudo entre
policiais norte-americanos revelou que, no cumprimento do dever, em média
disparam seu revólver uma vez a cada 27 anos.6 A
maior parte da violência real é menos espetacular e usualmente mais pessoal do
que a que se vê na televisão. É prudente abandonar a idéia da correlação
um-a-um entre violência na televisão e na vida real.
Outra
complexidade é o problema de lidar com a natureza e o grau da violência.
Enquanto todos concordam que homicídio a sangue frio com uma barra de ferro é
violência, as mulheres mais provavelmente considerariam a confrontação verbal
como violenta, enquanto os homens são mais inclinados a restringir sua
definição à força física. Essencialmente, violência é um ato definido
socialmente, não só do ponto de vista behaviorista7.
Por exemplo, ferir um estranho com uma faca afiada pode ser classificado como
violência, a menos que a «vítima» seja um paciente e o «agressor» um cirurgião com
o bisturi. Mas se o cirurgião fosse um nazista num campo de concentração, nossa
opinião poderia mudar de novo. Num caso e noutro, o comportamento seria o
mesmo. Somente o contexto social causou uma diferença de interpretação.
Esportes como futebol americano e boxe rotineiramente valorizam um
comportamento violento que seria inaceitável na rua. Mesmo a violência da
polícia contra criminosos é usualmente interpretada como menos violenta do que
exatamente os mesmos atos praticados por criminosos contra a polícia.
A natureza complexa da violência
A
natureza complexa da definição de violência reflete-se na maneira como o
público interpreta a violência. As crianças interpretam a televisão de acordo
com seu senso de justiça e ordem social. São capazes de ler a televisão como
uma série de códigos, em vez de representação literal da realidade. Estudos
mostram que as crianças são freqüentemente conscientes da natureza artificial
dos programas de televisão. Podem resistir e mesmo opor-se à mensagem da
televisão, porque reconhecem a diferença entre representações e realidade. Por
exemplo: crianças aborígenes na Austrália têm-se alinhado com os «maus» índios
contra os heróis dos filmes, porque sentem sua opressão social8.
O
modo como a violência é retratada afeta de modo significativo o grau desse
impacto. As crianças interpretam certos códigos da televisão como pura
fantasia. Isso é particularmente verdade em desenhos animados, que contêm mais
atos de violência por minuto que qualquer outra forma de televisão, mas também
se aplica a programas tais como luta-livre, em que causa e efeito são
obviamente exagerados. As crianças sabem que a violência é uma representação
exagerada de conflito. Outros códigos são lidos mais literalmente. O drama
realista pode ter um impacto forte sobre os espectadores, especialmente os mais
jovens, porque os códigos se conformam de perto com suas percepções da
realidade. Mesmo então, quando as crianças crescem, elas são capazes de
distinguir entre atores desempenhando papéis e os acontecimentos que retratam.
Talvez o conteúdo de maior impacto seja a violência documentada, como nos
noticiários, documentários, e shows ao vivo, porque as crianças sabem
que aquilo é real.9
A
ideologia social também afeta a interpretação de violência. Embora cenas violentas
sejam comuns na televisão, a violência não é geralmente tolerada na sociedade,
ou pelo menos é canalizada em formas estritamente regulamentadas, como certos
esportes. Essa estrutura ideológica influencia o modo como as crianças entendem
a violência que vêem na televisão, e as torna muito menos suscetíveis a ela do
que, digamos, a estereótipos racistas ou sexistas, que freqüentemente são
apoiados pela estrutura social e ideológica de onde as crianças vivem. A
família, escola, igreja e circunstâncias sociais da criança terão um papel
importante em determinar os efeitos da televisão sobre ela.10
Precisamos
reconhecer que a televisão não é a causa da violência social em crianças ou
outra pessoa qualquer. Sociedades violentas existiram antes da televisão,
muitas delas mais violentas do que a sociedade ocidental moderna. O
comportamento violento é o produto de condições pessoais, sociais e econômicas,
e não será eliminado simplesmente banindo a televisão. É fácil culpar um bode
expiatório por todos os males da sociedade, mas a violência social não aumenta
necessariamente com a chegada da televisão. Por muitos anos, o Japão teve
níveis mais baixos de violência do que os Estados Unidos. Mas a televisão
japonesa é geralmente classificada como mais violenta. A diferença deve ser
procurada nas culturas de cada nação e não numa análise da mídia violenta.
Precisamos
também perguntar a que ponto as sociedades urbanas modernas despersonalizam os
indivíduos. O estilo de vida citadino tende a forçar as pessoas a ignorar os
outros ao seu redor, no ônibus, trem, elevador, na rua, mesmo quando estão se
tocando. Qual é a influência maior: os códigos das novelas de televisão ou o
impacto diário da vida real, de não dar atenção aos outros?
Isso
não quer dizer que a violência não exerce efeito, ou que não importa o que se
mostra na televisão, ou que as crianças podem ver tudo. A exposição prolongada
a outras formas de violência na mídia, incluindo filmes e videogames,
pode também ter um impacto nocivo. O bom senso nos diz que não podemos ver
tanta televisão sem que ela produza algum efeito, pois, como II Coríntios 3:18
nos lembra, é pela contemplação que somos transformados.
Televisão: uma força aculturadora
A
televisão atua como uma força aculturadora por conta própria e afeta as
crianças. Em particular, a televisão pode ter efeitos poderosos sobre crianças
com menos de sete anos. Nos primeiros anos, as crianças respondem às imagens da
televisão precisamente como respondem às pessoas na vida real, sem compreender
que uma é a imagem e a outra a realidade. As criancinhas precisam ser
protegidas de representações de violência. Crianças pequenas acham difícil
compreender como os pais podem torcer num jogo de futebol americano e puni-las
por brigarem com seus irmãos. Infelizmente, muitos programas infantis de
televisão têm um nível de conflito alto demais para menores, que podem ser
afetados por uma violência tão branda quanto uma discussão. Para crianças em
idade pré-escolar, recomenda-se uma programação mais benigna.
As
crianças desenvolvem discernimento em ritmos diferentes, e os pais precisam
vigiar seus filhos individualmente, calculando seu grau de desenvolvimento. Os
pais, na sua maioria, são otimistas demais sobre a capacidade de seus filhos
tolerarem a violência, freqüentemente por razões egoístas ocultas. Impedir a
criança de ver alguma violência poderia forçar os adultos a se privarem do
programa.
Pode
ser difícil aceitar que talvez a violência na televisão não seja tão
devastadora como a crença popular imagina. Surge a pergunta: Se a televião não
é tão influente, como é que os anunciantes gastam bilhões de dólares por ano
usando sua força de persuasão? A televisão é mais eficiente quando diz ao povo
aquilo em que já crêem, e os anúncios reforçam um comportamento aceitável. Contudo,
a violência na televisão tem um impacto reduzido no comportamento das pessoas.
Porque vivemos em sociedades que em geral não condenam a violência, aprendemos
que a violência na tela é um código pelo qual são contadas histórias, mas não
aquele pelo qual a vida é vivida. A exceção seria, naturalmente, crianças que
crescem em lares violentos. Elas aprendem que a violência é um modo eficaz de
os fortes obterem o que querem. Em tais casos, a televisão confirma suas
crenças. Mas precisamos reconhecer que seu comportamento violento foi aprendido
no lar e no seu ambiente social, e apenas reforçado pela tela. São
freqüentemente essas pessoas que proporcionam a evidência popularizada na mídia
de que a televisão causa violência. Alguns até declaram que certos filmes ou
programas levaram a crimes específicos. Precisamos examinar tais opiniões
cuidadosamente, à procura de outros fatores que possam ter produzido violência.
Porque, enquanto a televisão pode ter contribuído para o comportamento de
pessoas violentas, argumentar que ela é a causa, é deixar de compreender a
influência da experiência da vida real em moldar atitudes para com a violência.
Precisamos também recordar o conceito cristão de escolha: mesmo Adão e Eva, num
ambiente perfeito, tomaram a decisão errada. É muito fácil culpar a televisão
por escolhas que, afinal, são de nossa responsabilidade.
O
fato de que a própria mídia promove a idéia de que ela provoca crimes parece
ser um argumento poderoso em favor do impacto da violência na TV, mas na
verdade é interesse da mídia promover tal opinião. Ironicamente, culpando-se a
si mesma, a mídia protege seu lucro. Ela nunca chegou a parte alguma
contradizendo a crença popular. Ademais, se a mídia indicasse as causas reais
da violência, as pessoas seriam distraídas dos anúncios que incentivam o
consumismo. O meio mais eficaz de reduzir o crime não é aplicando penalidades
mais severas, pondo mais policiais na rua e banindo programas violentos, mas
promovendo relações amistosas entre as pessoas. Se mais pessoas se dedicassem à
ação social cristã, ajudando os desempregados a achar trabalho, criando
atividades proveitosas para grupos menos privilegiados, usando o superávit de
sua renda em favor dos menos favorecidos que elas, tudo no contexto de
partilhar o amor de Cristo, o crime diminuiria de modo significativo. Mas esse
comportamento interferiria no alvo da televisão, que é promover o consumismo em
nosso próprio benefício.
Solução para a violência
Os
cristãos particularmente reconhecem que a violência é um produto de nossa
natureza pecaminosa, e não pode ser curada simplesmente banindo influências
externas, como filmes. Até mesmo a ação social somente reduziria o crime, sem
extirpá-lo. Mas a verdadeira solução para o crime — a mudança de coração que o
evangelho de Cristo traz — não é popular. É mais fácil culpar a mídia do que
assumir responsabilidade pessoal. Além disso, não há lucro para a mídia em
fazer as pessoas se sentirem culpadas. Sua prosperidade consiste em dizer às
pessoas que são boas, especialmente se compram mais produtos.
Sob
uma perspectiva cristã, a violência na televisão é o menor de seus males, pela
simples razão de que a maioria compreende que ela é um comportamento
socialmente inaceitável. Corremos mais risco quando concordamos com a mídia,
pois a televisão é mais poderosa quando coincide com nossos valores, porque
então não lhe percebemos a influência. A relativa falta de protesto por parte
dos cristãos sobre o materialismo, o culto à beleza, o racismo e o sexismo do
meio ambiente sugerem que talvez esses valores formem parte de nossas atitudes
e estão sendo reforçados pela televisão. A religião de Jesus foi, e devia
permanecer, radicalmente oposta à discriminação com base em sexo, raça, idade,
aparência ou riqueza. De certo modo, o debate sobre a violência é uma cortina
de fumaça que esconde o dano real que a televisão causa, confirmando nossos
preconceitos, enquanto nos permite congratular-nos porque condenamos um mal
menor.
FONTE: Daniel Reynaud (Ph.D.,
University of Newcastle), leciona Comunicação e Inglês no Avondale College, e
tem escrito sobre vários meios de comunicação. É também o autor de Reading With New Eyes: Exploring
Scripture Through Literary Genre. Este artigo é adaptado de
seu recente livro, Media Values. Seu endereço: P.O. Box 19, Cooranbong
2265, N.S.W., Austrália. E-mail: daniel.reynaud@avondale.edu.au
Notas e referências
1. Jane Root, Open the Box (London:
Comedia, 1986), pág. 12; Mike Clarke, Teaching Popular Television
(London: Heinemann, 1987), pág. 175.
2. Bob Hodge e David Tripp, Children
and Television (Cambridge, England: Polity Press, 1986), págs. 193, 204,
205.
3. Ibid., pág. 207.
4. John Fiske, Television
Culture (London: Methuen, 1987), pág. 71; Hodge e Tripp, pág. 140. Ver
também o capítulo «Audiences Studies», em meu Media Values
(Cooranbong, NSW, Australia: Avondale Academic Press), págs. 75 ss.
5. John Tulloch e Graeme Turner
(eds.), Australian Television (Sydney, Australia: Allen & Unwin,
1989), pág. 169.
6. Colin Stewart, The Media:
Ways and Meaning (Milton, QLD: Jacaranda, 1990), pág. 132.
7. Hodge e
Tripp, pág. 20.
8. Tulloch e
Turner, pág. 170; Hodge e Tripp, págs. 213-218.
9. Fiske, pág.
288.
10. Tulloch e Turner, pág.
169.
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