A Lua e os bebês
Fernando Lang da Silveira
Instituto de Física da UFRGS
São muitas as crenças
populares que relacionam as fases da Lua com acontecimentos terrenos. Não
poderiam faltar aquelas que se referem ao nascimento de bebês. É comum ouvir-se
afirmações tais como: "Nascem mais bebês nos dias de mudança de fase da
Lua!" ou "Nascem mais bebês na Lua Cheia!". Recentemente escutei um
programa radiofônico no qual uma astróloga usou o seguinte argumento: "Se a
Lua é capaz de agir nas enormes massas de água dos oceanos, como ela não teria
efeito sobre os líquidos no útero da mãe ou sobre o outros fluídos corporais,
influenciando no crescimento dos nossos cabelos?". Sem dúvida, um persuasivo
argumento, especialmente para quem desconhece como as marés ocorrem. As pessoas
sabem que as marés existem; muitas já as observaram no mar, nunca, porém, em uma
bacia ou em um açude.
Desde Isaac Newton (1643 - 1727) sabe-se que as marés são devidas às forças de atração
gravitacional da Lua e do Sol sobre a Terra; os efeitos de maré causados pela
Lua são um pouco mais do dobro daqueles causados pelo Sol. As marés ocorrem
porque o campo gravitacional, que tanto a Lua quanto o Sol exercem sobre pontos
diferentes da Terra, é variável em intensidade e orientação. Essa variação se
deve ao fato de que o raio da Terra não é desprezível frente às distâncias ao
centro de qualquer um dos dois astros.
As águas oceânicas, que se estendem por amplas regiões da
Terra, acabam sofrendo diferentes atrações gravitacionais pela Lua ou pelo Sol,
o que vem a ocasionar as marés. Mas não há efeito de maré em uma região com
volume tão pequeno quanto o de uma bacia (ou até mesmo o de um açude), pois
distintos pontos dessa região estão eqüidistantes do astro atrator. Da mesma
forma, os líquidos no útero da mãe (ou no bulbo capilar) não sofrem efeitos de
maré. Adicionalmente, cabe notar que as maiores marés ocorrem em Lua Cheia e em
Lua Nova, quando a Lua e o Sol estão quase alinhados com a Terra e a composição
das duas forças de maré resulta ser máxima; na Lua Minguante ou Crescente as
marés são menores. Entretanto, as marés acontecem em qualquer dia e não apenas
em mudanças de fase da Lua. Conclui-se então que, se realmente nascessem mais
bebês em mudanças de fase da Lua, tal fato não poderia ser atribuído aos efeitos
de maré.
A fim de encontrar indícios a favor ou contra a tão difundida crença
popular de relação entre nascimentos de crianças e as fases da Lua, utilizei
dados dos arquivos sobre candidatos a concursos vestibulares da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. A partir as datas de nascimento dos candidatos, e
com auxílio de tabelas de lunação fornecidas pelo Observatório Nacional,
determinei em que dia do mês lunar cada candidato havia nascido. Um total de
93124 datas de nascimento constituem este estudo; 90% desses candidatos nasceram
entre 1967 e 1983. Os restantes 10% nasceram entre 1930 e 1967.
O gráfico de barras representa o número de nascimentos em dias de mudança
de fase da Lua (Nova, Crescente, Cheia e Minguante), bem como nos três dias
anteriores (-3, -2 e -1) e nos três dias posteriores (+1, +2 e +3) a cada
mudança.
Gráfico do número de
nascimentos em função do dia do mês lunar.
Observa-se no gráfico que o
número de nascimentos oscila em torno de 3300 por dia. O extremo superior no
número de nascimentos ocorre no dia posterior à Lua Nova (3425 nascimentos); o
inferior acontece três dias antes da Lua Cheia (3210 nascimentos). Um teste de
significância estatística permite concluir que as diferenças no número de
nascimentos ao longo do mês lunar estão dentro dos limites atribuíveis ao acaso
(c 2 = 24,93; p =
0,579). Ou seja, não há nenhuma evidência nesses dados de que em algum dia do
mês lunar nasçam mais ou menos bebês do que em outro, além das flutuações que
podem ocorrer por mero acaso.
Dessa forma, o resultado do estudo contradiz a alegação que em mudanças
de fase da Lua aumenta o número de nascimentos.
Serão verdadeiras as outras
tantas influências atribuídas à Lua pela sabedoria popular?
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