A procura da
arca de Noé
A
arca de Noé tem fascinado a todos — desde o tempo de Noé
até ao nosso. A arca atrai a atenção de todos.
Mas onde está a arca? Alguns em tempos recentes têm
declarado ousadamente que ela foi achada, e se perguntam por que os eruditos
não publicaram as boas novas. Como arqueólogo, eu ignorei a questão durante
anos por certo número de razões. Primeiro, o bom senso sugere que uma estrutura
de madeira como a arca, exposta por milhares de anos à chuva, neve e gelo, e
experimentando o processo anual de congelamento e degelo, teria se decomposto
há muito tempo.
Alguns
têm sugerido que a madeira “gopher” de antes do Dilúvio tinha uma resistência
excepcional. Mas a verdade é que nada sabemos da madeira “gopher”. Supomos que
fosse um tipo de cipreste. Mas é tão indestrutível como alguns sugerem? Talvez
sim, talvez não. Se fosse, por que é que paleo-botânicos não acham amostras
desta madeira “gopher” de antes do Dilúvio? Certamente, nem toda madeira
“gopher” ter-se-ia petrificado; parte dela devia ter flutuado e repousado na
superfície da Terra depois do Dilúvio, do mesmo modo que a arca. Que aconteceu
com toda aquela madeira? Minha suposição é que, como a madeira da arca de Noé,
decompôs-se há muito.
Segundo,
nem a Bíblia nem os escritos de Ellen G. White — uma autora respeitada para os
adventistas do sétimo dia — apóiam a idéia que Deus preservou a arca de Noé
como um testemunho para os que vivessem nos últimos dias. Se a arca de Noé
fosse tão importante para Deus e os acontecimentos finais, Ele teria revelado
esta mensagem a Seus profetas (Amós 3:7). Depois de Gênesis 8 a Bíblia
permanece silenciosa sobre a existência da arca de Noé. Além disso, o argumento
de que a arca de Noé tem um lugar especial nos desígnios divinos para o fim do
mundo solapa o uso bíblico do arco-iris como o concerto pós-Dilúvio, visível
entre Deus e a humanidade (Genêsis 9:11-17). Com efeito, o arco-iris, como
sinal da confiabilidade de Deus, se prolonga até ao Livro do Apocalipse (4:3;
10:1).
A
partir do relato bíblico, é claro que Noé e sua família deixaram a arca para
trás e olharam para o arco-iris como o sinal de que podiam confiar em Deus. A
arca era algo do passado. O arco-iris era o sinal do futuro.
Por
estas e outras razões, eu cria que a procura da arca de Noé fosse um desperdício
de tempo - até 1992. Naquele ano, concordei em escrever dois artigos sobre a
pretensa descoberta da arca de Noé.1 Aqueles
artigos foram em resposta à pretensão de um adventista do sétimo dia de que
Deus o tinha guiado na descoberta da arca de Noé e de muitos artefatos antigos.
Desde então, o assunto da arca de Noé tem absorvido muito mais de meu tempo do
que eu esperava.
A procura da arca
O
que descobri é que há alguns cristãos sinceros que estão à procura da arca de
Noé cientificamente e com entusiasmo. Há também alguns cujo trabalho é difícil
classificar. A maioria do primeiro grupo se chama “pesquisadores” e levam em
consideração toda evidência: aquilo que apóia suas crenças, e aquilo que não
apóia. Em outras palavras, eles falam tanto das evidências positivas como das
negativas.2 Reconhecem que ela não foi achada,
embora creiam que ela ainda exista, e estão envolvidos ativamente em
procurá-la.
Há
um outro grupo que pretende ter achado a arca de Noé. Muitos deles adotam
títulos sonoros e tentam confundir os mal-informados com pretensões falsas.
Ignoram evidência negativa e usam artefatos falsos para apoiar suas conclusões.
Às vezes este último grupo é representado por jornalistas que por falta de
notícias escrevem sobre a descoberta da arca de Noé, sem apresentar evidência
concreta.3 Este artigo vai ignorar este segundo
grupo e enfocar os pesquisadores sérios.
A
procura da arca de Noé tem-se limitado em grande parte a uma região na Turquia
oriental por causa da afirmação bíblica de que a arca repousou sobre o
“Ararate” (Gênesis 84). Freqüentemente omitido na leitura deste verso é que ele
diz que a arca repousou sobre as “montanhas de Ararate”. Nenhuma montanha
específica é mencionada na Bíblia como o lugar de pouso da arca.
O
nome Ararate é o equivalente de “Urartu”, um povo e lugar dos tempos do Velho
Testamento, localizado no que hoje é a Turquia oriental. Os habitantes de
Urartu eram fortes adversários dos assírios.
Quando
Gênesis 8:4 fala das “montanhas de Urartu” significa que a arca poderia estar em
qualquer parte do país de Urartu, pois toda aquela região era montanhosa. O
tamanho desta área, que mais tarde tornou-se a Armênia e é agora a região
ocupada pelos curdos, é bastante grande (ver o mapa).
A montanha mais alta na região é a Büyükagšri Dagši,
de 5.138 metros de altura, comumente chamada Monte Ararate. Esta montanha está
localizada ao norte do Lago Van, exatamente ao norte da cidade de Dogšübayazit.
Com efeito há dois Montes Ararate, um “maior” e um “menor”. Ambos são os restos
de vulcões, e ambos se destacam da região circundante. Este massiço montanhoso
é coberto de neve o ano todo com geleiras permanentes. Obviamente,
pesquisadores à procura da arca de Noé têm sido atraídos às montanhas mais
altas.
Especificamente,
pessoas têm pretendido ou de ter achado madeira trabalhada nas escarpas da
montanha4 ou de ter visto a própria arca. Os
testemunhos quanto à sua existência são tão numerosos que este artigo não
dispõe de espaço para avaliá-los todos.5 Escolhi
três pretensões recentes para análisá-las.
Os
relatos de Navarra
Em
seu livro Noah’s Ark: I Touched It,6
Fernand Navarra, o industrial francês, relata suas quatro expedições (1952,
1953, 1955 e 1969) ao Monte Ararate. Sua subida de 1952 levou-o ao que ele
suspeitou ser a arca de Noé. Em 1955, acompanhado por seu filho de onze anos,
Navarra descobriu numa fissura profunda pedaços de madeira “trabalhada à mão”.
Ele cortou um pedaço de metro e meio da madeira e mais tarde reduziu-o a
pedaços menores para transportá-los mais facilmente. Quando publicado na
Europa, seu achado foi visto por muitos como evidência de que a arca de Noé, ou
restos dela, ainda existiam.
Depois
de muita negociação e demora, Navarra voltou para a Turquia oriental em 1969
numa expedição patrocinada pela Search Foundation. De novo, com muito esforço,
perto do lugar de sua descoberta de 1955, o grupo descobriu alguns pedaços
pequenos de madeira. Muitos creram, entre eles os participantes da expedição,
que restos da arca de Noé tinham sido encontrados. Infelizmente, a madeira
testificou ao contrário. Quando a madeira foi examinada pelo método do Carbono
14 (C14), a madeira provou-se ter apenas algumas centenas de anos. Previamente,
quando Navarra fez sua madeira ser examinada por vários institutos, todos eles
tinham atribuido datas antigas, mas tinham usado métodos subjetivos visuais
como base de suas conclusões.7 Quando a Search
Foundation voltou com o material encontrado, ela enviou amostras de sua madeira
a várias organizações para uma análise de C14. Segundo os relatos, todos os
pedaços de madeira, inclusive o pedaço original de Navarra, datavam da era
cristã8 — não do tempo de Noé. Outros alpinistas
do Monte Ararate têm também descoberto pedaços de madeira, mas somente o achado
original de Navarra foi datado cientificamente. Pode-se concluir que o achar
madeira na montanha não é por si mesmo prova da descoberta da arca de Noé.
As fotografias de Greene
Alguns
pretendem ter fotografado a arca. Infelizmente, tais fotografias são sempre
tiradas de muito longe e estão sujeitas a uma variedade de interpretações. Ou
as fotografias se perderam, ou foram roubadas. Uma dessas histórias mais
interessantes é a de George J. Greene. Em 1952 ele estava trabalhando como
engenheiro de minas na Turquia oriental. Um dia, quando voava perto do Monte
Ararate, ele espreitou o que lhe parecia como um grande navio perto do topo da
montanha.
Voando com um helicóptero, ele gastou vários minutos fotografando o
objeto à distância até de 30 metros. Depois de voltar aos Estados Unidos, com
as fotografias em mão, ele tentou, sem sucesso, organizar uma equipe e voltar
ao Monte Ararate. Nenhum de seus amigos parecia interessado.
Surpreendentemente, nenhum jornal publicou sua história. Depois de alguns anos,
Greene deixou os Estados Unidos em busca de outras aventuras. Acabou sendo
morto por bandidos na Guiana Britânica e as fotografias da arca foram perdidas,
embora umas 30 pessoas pretendem ter visto as fotografias.9 Embora o relato pareça impressionante, alguns que
pretendem as terem visto não têm certeza de que o que viram era um barco.10
A
pretensão de Davis
Outro
relato fantástico é o de Ed Davis que pretende ter visto a arca de menos de
kilômetro e meio de distância.11 Davis era
sargento no exército dos Estados Unidos, estacionado em Hamadan, Irã, durante a
Segunda Guerra Mundial. Aí fez amizade com um jovem de nome Badi, ligado ao
exército como motorista civil. De Hamadan é possível ver o Monte Ararate em
dias claros. Badi contou a Davis que sua família vivia ao sopé do Monte Ararate
e tinha visitado a arca de Noé muitas vezes. De fato, a família de Badi se
considerava protetora da santa relíquia. Finalmente, Davis foi com a família de
Badi para ver a arca.12 O pai de Badi,
Abas-Abas, dirigiu a expedição, mas, antes de deixar a vila, Davis pôde ver
gaiolas e outros artefatos que a família dizia ter trazido da arca.
Abas-Abas
dirigiu o grupo numa caminhada de três dias. Pernoitaram em cavernas. Depois de
três noites, estavam a menos de kilômetro e meio da arca. Davis podia vê-la
daquele ponto. Infelizmente, seus três dias de caminhada foram gastos na
neblina, com chuva caindo dia e noite. Por causa das condições desfavoráveis do
tempo, não puderam descer da lage onde estavam até a arca ou de vê-la por
dentro. Segundo Davis, a arca estava partida em duas metades, mas ambas metades
estavam (em 1943) bem preservadas. Durante esta caminhada, nenhuma fotografia
foi tomada, mas subseqüentemente, Davis recebeu uma fotografia da vila de
Abas-Abas. Depois de voltar à sua base militar Davis escreveu estas palavras em
sua Bíblia:
“Fui
ao Ararate com Abas. Vimos um grande barco sobre uma encosta em dois pedaços.
Fiquei com ele na casa grande. Choveu e nevou durante dez dias. Parei em
Tarharan e obtive provisões e me aqueci e descansei. Também alguma roupa nova. O
tenente Bert regozijou-se por eu estar de volta. Esteve ansioso por mim.
Receava que eu teria sido morto, imagino. Estou contente de ter ido. Penso que
seja a arca. Abas tem muitas coisas de lá. Minhas pernas quase sararam da
corrida a cavalo”.
Muitos
sérios pesquisadores da arca consideram a história de Ed Davis como evidência
de primeira mão, não só da existência da arca, mas também de sua localização.
Se tão somente o governo lhes permitisse livre acesso à montanha, eles pensam
que poderiam achar a arca, baseando-se na informação que Davis tinha provido.13 Davis até passou um teste de polígrafo para
confirmar suas declarações.
Conclusão
Ainda
permaneço cauteloso. Não há evidência segura que se veja ou toque. A evidência
precisa ser ponderada para adquirir credibilidade. Evidência baseada em contos,
como regra, não merece confiança. Não temos visto como num tribunal as
testemunhas muitas vezes discordam? Davis pode ter visto algo, mas o quê? Com
efeito, os muitos vôos e fotografias do astronauta Jim Irwin na região do
Ararate, e mesmo vôos pelas áreas sugeridas pelo relato de Davis, não
produziram nenhuma fotografia da arca de Noé.
A
inclinação natural de pessoas do Oriente é de agradar seus hóspedes. Esta
bondade natural pode ser uma razão por que alguns pensam ter visto a arca de
Noé. Uma caminhada de três dias com chuva e neblina dia e noite, e um apanhado
à distância de kilômetro e meio não é evidência conclusiva. Mostrar a um
estrangeiro dois afloramentos naturais à uma distância de uma milha e de ser
informado que se trata das duas metades da arca de Noé, não seria fora do
comum, especialmente se uma família procurasse agradar um amigo. Isso não é
para sugerir que tal foi o caso da história de Ed Davis. O que quero dizer é
que sem evidência objetiva não é possível saber o que alguém realmente viu,
tocou ou experimentou.
Quanto
aos outros relatos, minha própria sugestão é que alguns dos antigos que
pretendem ter visto a arca de Noé quando eram crianças, estavam realmente vendo
alguma configuração geológica na forma de um barco 25 kilômetros ao sudeste do
Monte Ararate.
Não
temos evidência de que a arca de Noé exista hoje. Existiu ela jamais? Para isso
temos a garantia da Palavra de Deus e a presença do arco-iris.
David
Merling (Ph.D., Andrews University) é professor associado de arqueologia e
história da antiguidade na Andrews University e diretor do Museu Arqueológico
Horn. Seu endereço: Institute of Archaeology; Andrews University; Berrien
Springs, Michigan 49104; E.U.A. E-mail: merling@andrews.edu
Notas
e referências
1. Foram publicadas na Adventist Review, 20 e 27
de maio de 1993.
2. Ver Don
Shockey, Agri-Dagh (Mount Ararat); The Painful Mountain; Artifacts From
Noah’s Ark Found on Mount Ararat (Fresno, Calif.; Pioneer Publishing
Company, 1986), pág. 38.
3. Por exemplo, a história do sitiante curdo Resit,
relatado nos jornais em 1948. Supostamente, toda uma aldeia curda viu a arca.
Um grupo liderado pelo presidente de um colégio americano partiu para achar
Resit e ver a arca por si mesmos. Infelizmente, depois de fazer a longa viagem,
não puderam achar ninguém chamado Resit nem sua aldeia nem pessoa alguma dentro
de 100 milhas do Monte Ararate que tivesse ouvido da história. Ver Lloyd R.
Bailey, Noah: The Person and the Story in History and Tradition
(Columbia, SC: University of South Carolina Press, 1989), pág. 88.
4. Por não haver árvores na montanha ou na proximidade, a
pergunta natural é: “Como poderia madeira ser achada alto na montanha, a menos
que tivesse sido originalmente parte da arca de Noé?”
5. Shockey sugere 200 observações. Ver seu livro, Agri-Dagh,
pág. 41.
6. Editado por Dave Balsiger (Plainfield, New Jersey: Logos
International, 1974).
7. Rene
Noorbergen, The Ark File (Mountain View, Calif.: Pacific Press Publ.
Assn., 1971), pág. 134.
8. Ibid., págs.
142-144.
9. Ver Violet
Cummings, Noah’s Ark: Fact or Fable? (San Diego, Calif.:
Creation-Science Research Center, 1972), págs. 213-223.
10. Ver Bailey, pág. 89.
11. Ver Shockey, pág. 7.
12. Ibid, pág. 37.
13. Shockey, pág. 42.
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