A
MUDANÇA DO SÁBADO PARA O DOMINGO
Pastor Humberto Carletti Banhara
Compilado da Apostila – O Sábado –
Curso Estudos em Religião
A quase universal aceitação do
Domingo como dia de repouso cristão nos leva a indagar também a respeito da sua
origem e absorção por parte do cristianismo. E evidente, à luz das
considerações anteriores, que a Bíblia não fornece maiores esclarecimentos
sobre essa instituição que permeia o cristianismo contemporâneo.
Diante disso, somos levados a
recorrer à história para encontrar a resposta para as nossas indagações sobre
este tema que não pode ser solvido por uma mera analise superficial.
Para tanto, consideraremos
inicialmente as raízes mais antigas relacionadas com a celebração do Domingo no
paganismo primitivo, para então analisarmos as evidências históricas de sua
gradual infiltração no seio do cristianismo dos primeiros séculos.
O Culto ao Paganismo Primitivo
Ao analisar as evidências
existentes, percebemos que de acordo com George L. Butler:
A celebração
do Domingo é muito antiga, estendendo-se à encanecida antigüidade.
Ninguém é capaz de
dizer onde ou quando ela se originou. Ela é de origem idolátrica, e era
consagrada à adoração do sol.
Entre os deuses das antigas
nações pagãs figuravam divindades representativas do culto ao sol. Na qualidade
de devotos adoradores do sol, os egípcios possuíam em seu panteão várias
divindades
relacionadas
com o culto ao sol, dentre as quais se destacava o deus sol Ra (ou Re), que era
urna concepção do sol em forma humana, sendo adorado em Om na proximidades de
Mêmphis. Também grande número de templos egípcios eram voltados na direção do
nascer do sol. Por outro lado, o conhecido historiador H. G. Wells. afirma que
os persas mantinham “um culto monoteísta ao sol”.
O. L.
Butler esclarece que:
As declarações
de respeitáveis autores colocam o Domingo na mais remota antigüidade, como um
“memorial” da primitiva forma de idolatria entre os egípcios, dos quais os
romanos e os gregos em grande parte assimilaram as suas forma do culto pagão. E
bem conhecido o fato de que os seus mais célebres filósofos foram ao Egito para
se familiarizar com os mistérios sagrados.
Deve-se notar
que segundo H. O. Wells, “se Alexandria foi tardia em desenvolver urna
filosofia própria, desde cedo se tomou proeminente como uma grande fábrica e
centro de intercâmbio de idéias religiosas”.
Por outro
lado, entre os assírios e os persas, duas outras nações bem antigas, é bem
conhecido que o Sabianismo — a adoração ao sol, a lua e as estrelas —
era a mais antiga forma de religião. Dessa maneira a adoração ao sol,
acompanhada de “memorial”, esforçava-se por conseguir reconhecimento já na
antiguidade, e por isso, em direto antagonismo com o “memorial” do descanso de
Jeová, o Sábado do Senhor
No tempo do
Patriarca Jó, bem como de Moisés, encontramos referências bíblicas a povos
pagãos que adoravam o sol (Jó 31:26. Deut. 4:19, 17: 2-5). Já no tempo do
rei Josias e do profeta Ezequiel existiam infiltrações desse culto pagão entre
os judeus (II Reis 23:5 e 11, Ezeq. 8:14 -17). Porém a
reprovação divina a essa forma de culto é severa, como pode ser visto em
Jeremias 8: 1 e 2. A própria etimologia das palavras Sunday, (em inglês) e
Sootag (em alemão), que significam literalmente “Dia do sol”, comprova a
relação existente entre o culto ao Sol e a celebração do Domingo como o “Dia do
Sol”.
O Culto ao Sol no Império Romano
Com relação à
introdução do culto ao sol no Império Romano, os soldados romanos desempenharam
um papel preponderante. Diz o célebre inglês Arnold Toynbee:
Os romanos, quando decidiam levar
a todos os extremos a guerra a uma comunidade inimiga, costumavam,
preliminarmente, tomar a precaução de convidar os deuses inimigos a se retirar
da cidade condenada ou tentar mudá-lo de partido. oferecendo-lhes em troca lugares
honoríficos no Panteão de Roma
Assim sendo,
tomam-se sumamente elucidativas as palavras de Frunk H. Yost ao asseverar que:
Uma forma
peculiar ao culto ao Sol foi introduzida a partir da Pérsia pela soldadesca
romana que haviam empreendido, século antes de Cristo, campanha militar no
oriente. Esta forma de culto é denominada Mitraísmo e sua divindade era
o Sol Invictus, ou Sol Invencível.
E o
historiador Césare Cantu acrescenta:
O principal templo de Mitra ficava
nos subúrbios do Capitólio e o arquigalo habitava no Vaticano, onde dava
oráculos. Os mistérios de Mitra celebravam-se na cidade, no equinócio da
primavera; porém o nascimento do sol
invencível dava ocasião a maior solenidade ainda no dia 25 de Dezembro. É
por isso que os padres da igreja do Ocidente escolheram este dia para festejar o nascimento de
Cristo, o verdadeiro Sol...
Havendo ingressado no
império Romano através (1) dos filósofos romanos que estiveram na Alexandria e (2) dos soldados romanos que pelejaram na Pérsia, a adoração do Sol
assumiu um grau cada vez maior de importância Por sua vez, o famoso historiador Edward Gibbon afirma que o próprio imperador
Constantino, que foi “o primeiro dos imperadores
cristãos”, era indigno de tal nome até o momento de sua morte. “A mente de Constantino podia flutuar entre as religiões pagã e cristã, porém a sua devoção era dirigida mais peculiarmente para o gênio do Sol. E mais que isto, o
sol era universalmente celebrado como o seu invencível guia e protetor”.
O Cristianismo Sob a Influência do Império Romano.
Foi sob a influência do contexto que acabamos de mencionar que ocorreu no seio do cristianismo o histórico abandono gradual do Sábado bíblico, paralelo à gradativa aceitação da observância do
Domingo em seu lugar.
Grandemente
elucidativa a esse respeito é a tese do Dr. Samuele Bacchiocchi, intitulada
From Sabbath to Sunday (Do Sábado para o Domingo), defendida na Pontifícia Universidade
Gregoriana de Roma, que recebeu tanto o imprimatur do
reitor da referida universidade, como também
a aprovação do Vigário de Roma. A tese prova
claramente que a adoração do Domingo em lugar do Sábado não ocorreu na igreja
primitiva de Jerusalém, por virtude de autoridade apostólica, porém
aproximadamente um século depois na igreja de Roma. Uma interação de fatores
judáicos pagãos e cristãos, contribuíram para o abandono do Sábado e a adoção da observância do Domingo em seu lugar. O fato de que o Domingo tornou-se um
dia de descanso e adoração não por autoridade bíblico-apostólica, porém como
resultado de fatores políticos, sociais, pagãos e cristãos toma virtualmente
impossível achar-se um argumento válido para a observância do Domingo.
Em realidade,
de acordo Dom W. E. Straw:
Antes do ano de 130 AD não encontramos qualquer declaração para a observância
do Domingo em qualquer parte fora do paganismo. Mas logo depois, provavelmente entre os anos 140 e 150 AD, temos a
primeira referência ao Domingo como dia de culto na igreja, e isto de
homens contaminados como as noções gnósticas da Alexandria. ... É de
Barnabé e Justino, o Mártir que temos a primeira referência segura ao Domingo
como um dia de culto, cerca de 140 ou 150 AD ... Que significa tudo isso? - Significa que a observância do
Domingo entrou na igreja, vinda do paganismo através do gnosticismo.
A Instituição da Observância do Domingo.
Vários fatores
contribuíram para a aceitação da observância do Domingo em lugar do Sábado, dentre os
quais podemos destacar os seguinte:
(1) A predominância de conversos gentios na igreja
de Roma
Evidências
internas encontradas na epístola de Paulo aos Romanos atestam a existência de
discussões entre os cristãos vindos do judaísmo e os cristãos vindos do
paganismo, a respeito de diferentes assuntos (Rom. 14:1; cf Rom. 2:17, 25, 27; caps 3, 4,
5, 14-15. A predominância de cristãos vindos do paganismo, pode ter
contribuído decisivamente para um distanciamento da igreja de
Roma das práticas compartilhadas pelo judaísmo.
Além disso, é possível que entre
os conversos gentios da igreja de Roma existissem pessoas provenientes do
paganismo que haviam sido mitraístas e que, provavelmente, não tenham se
desvencilhado completamente de seus costumes e hábitos anteriores, entre os
quais estava a veneração ao Sol no primeiro dia da semana.
(2) Um espírito Anti-Judaico na Igreja
Nos seus
primórdios, o cristianismo era considerado pelos romanos como sendo uma seita
do judaísmo. Isso favorecia o cristianismo, uma vez que o judaísmo era uma
religião lícita no império Romano. Mas as coisas não continuaram por
muito tempo assim.
De acordo com
W. E. Straw:
Enquanto
Jerusalém permaneceu e era o centro de influência na igreja, era praticamente
impossível afastar-se das práticas judaicas. Com a queda de Jerusalém, contudo,
os cristãos foram dispersos e começaram a afastar-se dessas tradições. Após a
guerra judaica de 69 e 70 AD, os judeus regressaram e restabeleceram
parcialmente o serviço de adoração. Embora houvesse paz nominal, massacres e
revoltas ocorriam ocasionalmente. Finalmente durante os últimos anos do reinado
de Trajano, provavelmente em tomo de 117 AD, uma revolta dos judeus irrompeu no
Egito, que foi logo sufocada com grande massacre de judeus. Esta revolta
estendeu-se até Cirene e Chipre, onde foi tratada de maneira semelhante. Com a
morte de Trajano, em 117 AD, Adriano, que era encarregado da milícia em Chipre,
sucedeu-o como imperador. Inicialmente ele procurou tratar os judeus com
brandura num esforço de conseguir a paz. Mas seus esforços pareciam
inapreciados, inúteis, e logo mudou as suas táticas e proibiu seriamente a liberdade
judaica, tornando ilegal para eles continuar seus serviços religiosos,
circuncidar seus descendentes, ou guardar o Sábado. Por algum tempo os judeus
suportaram resolutamente essas restrições: mas finalmente apareceu Bar Cocheba,
alegando ser estrela da promessa, o Messias, e afirmou que havia vindo para
libertá-los da opressão e do domínio romano. Como resultado, a guerra irrompeu
outra vez e assolou violentamente por cerca de três anos. Finalmente esta
revolta falhou e foi sufocada com grande austeridade, e os judeus foram
expulsos de sua pátria e proibidos a ela retomar.
A Palestina
foi devastada; Jerusalém sob o nome de Aélia
Capitolina, uma cidade
gentílica, equipada com toda pompa do culto pagão. A circuncisão, a guarda do Sábado e a instrução da lei foram proibidos em toda parte; e nenhum judeu podia entrar em Jerusalém.
Isso levou os
cristãos a fazerem o possível para não se identificar com as instituições
comuns ao judaísmo. A data da Páscoa foi alterada do dia 14 de Nisã para o
“primeiro Domingo depois da primeira lua cheia que sucede o equinócio vernal
(da primavera do hemisfério norte) e sempre depois do dia l4 de Nisã..”
Outro passo
significativo foi instituição da prática do Jejum no Sábado. Aos judeus era proibido jejuar no Sábado, por ser um dia de jejum (Judite 8:6 Jubileu 50:12 e 13). Os cristãos primitivos jejuavam nas quartas e
Sextas-feiras (Didaquê 8:1).
A transformação do Sábado de um dia de alegria
e regozijo em dia de jejum e lamentação,
...representa uma medida tomada pela igreja de Roma para desagradar o Sábado de
modo a engrandecer a observância do Domingo, esta forma, portanto, esse
sentimento Anti-judaico intensificou-se, com o passar do tempo, a tal ponto que
finalmente ouvimos Constantino dizer:
“Nada tenhamos em comum com a detestável turba judaica.”
(3) A Apostasia da Igreja
O apóstolo
Paulo havia profetizado que uma grande apostasia ocorreria na igreja (ver Atos
20:29 e 30;
II Tess. 2:3; II Tim 4:24). Que foi
confirmada pelo apóstolo João (ver I João 2:18).
A mudança do
Sábado para o Domingo cumpriu não apenas as predições anteriores, mas também a
profecia de
Daniel 7:25, que diz: “Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos
do
Altíssimo, e
cuidará de mudar os tempos e a lei...”.
(4) A Interpretação
Simbólica do Sábado
A influência
do Gnosticismo foi decisiva para diluir o caráter normativo do mandamento do Sábado atribuindo-lhe uma natureza simbólica.
Alguns passos significativos nesse sentido
foram dados já a partir do
século ILAXX
- Barnabé
(130 AD) cria que a semana da criação era um símbolo da história deste mundo e por isso uma profecia
do oitavo dia.
- Justino
Mártir escreveu que a “nova lei requer de nós a guarda perpétua
do Sábado”.
- Irineu
(170 AD) cria que a observância do Sábado significou somente o
descanso espiritual do pecador.
- Tertuliano
(200 AD) cria que o homem era livre da lei por causa da liberdade
cristã. Era incoerente o respeito do Sábado.
- Orígenes
(200/240 AD) desenvolveu o método de interpretação alegórico das Escrituras,
espiritualizando também o Sábado e sua observância.
Origenes
chegou ao ponto de diluir completamente a observância do Sábado ao alegar que,
para o cristão perfeito, que sempre está em seus pensamentos palavras e ações
servindo ao seu Senhor natural, Deus o Verbo, todos os seus dias são do
Senhor e ele está sempre guardando o dia do Senhor
Uma vez que a
observância do Domingo ingressou no cristianismo vinda “do paganismo através da
influência do gnosticismo”, ela trazia consigo as influências de um
verdadeiro sincretismo religioso Segundo o historiador Franz Cumont, muitos
cristãos, ainda no século V AD. adoravam o
Sol um símbolo de Jesus, elevando a sua face em direção ao sol e
murmurando-lhes a prece : “Tenha misericórdia de nós”.
Mas o que a
princípio parecia ser apenas um sincretismo religioso, começou a assumir um
caráter institucional. Á 7 de Março de 321 AD. o imperador Constantino,
um devoto adorador de Mitra, que só foi batizado na igreja cristã em no final
de sua vida, promulgou a primeira lei dominical de que se têm notícia,
legalizando o Domingo cristão como um dia santo.
A referida lei
ordenava:
Que todos os juizes, e
todos os habitantes da cidade e todos os mercadores e artífices descansem no
venerável dia do Sol. Não obstante, atendam os lavradores com plena liberdade
ao cultivo dos campos; visto acontecer a miúdo que nenhum outro dia é tão
adequado à semeadura do grão ou ao plantio da vinha; dai o não ser dever deixar
o tempo favorável concedido pelo Céu.
O processo de
institucionalização do Domingo como dia de guarda para os cristãos foi
acelerado por uma série de medidas eclesiásticas para legalizá-lo:
O concílio de
Elvira (305 AD) decidiu:
“Se alguém na cídade
negligenciar vir à igreja por três domingos, deve ser excomungado por um curto período
afim de que possa ser corrigido.” (Cânon 21).
O Sínodo de Laodicéia (c. 365 AD) decidiu:
Os cristãos não judaizarão e nem estarão ociosos no
Sábado, mas deverão trabalhar neste dia; porém
o dia do Senhor eles deverão
honrar especialmente, e, como cristãos
não devem, se possível realizar nenhum trabalho nesse dia. Se,
contudo eles forem encontrados
judaizando, deverão ser interceptados
de Cristo. (Concílio de Laodicéia, Canon 29).
O 3o. Sínodo de Orleans (538 AD) decidiu:
É contra a
lei cavalgar ou guiar no Domingo, ou fazer qualquer coisa para o
adorno da casa
ou da pessoa. Mesmo os trabalhadores do campo são proibidos, a
fim de que o
povo possa estar preparado para vir a igreja e adorar. Se alguém agir
de modo
diferente, deve ser punido. (3o.
Sínodo de Orleans , Canon 28).
Diante disso, somos levados a
crer que a igreja Católica Romana é coerente ao assumir a responsabilidade pela
mudança do Sábado para o Domingo. Euzébio de Cesaréia é claro em afirmar:
“Todas as coisas, tudo quanto
era dever fazer no Sábado, transferimos para o “Dia do Senhor”. E o Catecismo
Romano também é explícito em assegurar: “A igreja de Deus, porém, achou
conveniente transferir para o Domingo a solene celebração do Sábado.”
Conclusão
As considerações anteriores são suficientes
para fornecer uma idéia clara e segura do que a História tem a dizer a respeito
da origem da observância do Domingo, e sua gradativa absorção por parte do
cristianismo dos primeiros séculos da era cristã.
Muito embora o profeta Daniel
tenha antevisto a atuação desse poder que cuidaria em “mudar os tempos e a lei”
(Daniel 7:25), tal mudança não teria a sanção divina, pois o Sábado foi
estabelecido por Deus como um sinal perpétuo do relacionamento existente entre
Ele e Seu povo (Êxo. 31:13 e 16; Ezeq. 20:20), que não foi invalidado pelo Novo
Testamento (Heb.4:4-11; cf Heb. 8:10; 10:16).
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