Cobra-se a si próprio
O sentimento de culpa é uma corrente que prende muitas pessoas aos seus
fracassos
“O Sentimento de culpa é a
cobrança interna por não sermos perfeitos e a punição cometida”
Augusto César Maia é psicólogo
clínico em Campinas, SP.
O sentimento de culpa, responsável por
grande sofrimento psicológico, é uma cobrança mortal que a pessoa faz a si
mesma por ter cometido algum erro que não deveria ter praticado. A culpa
causa o ódio por si mesmo e, com isso, a autopunição e o desequilíbrio emocional.
Achamos que, se nos culparmos o suficiente, poderemos mudar nosso passado e
conseqüentemente o futuro. Na verdade, nenhuma quantidade de culpa tem o poder
de mudar o que já aconteceu.
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A culpa é um
sentimento que não nasce dentro de nós; ela precisa ser colocada por outra
pessoa, para ser internalizada. E semeada no terreno da infância por nossos
pais ou os adultos responsáveis. Ainda hoje é comum os país punirem os erros
dos filhos com ameaças de falta de amor ou proteção. Assim, os filhos começam a
se culpar e manifestam atitudes autopunitivas. Eles se convencem de que, se
estão sofrendo, é porque merecem. Estão pagando por aquilo que fizeram. Depois,
vem a angústia que não lhes deixa fazer mais nada, a não ser ficar remoendo o
passado e alimentando a culpa.
Embora alguns
pais afirmem para os filhos que errar é humano, muitos demonstram no dia-adia,
através do exemplo, que é errado errar. Embora digam que a perfeição não
existe, continuam a ter uma atitude de tortura e de punição para com os filhos
por não corresponderem a um ideal perfeccionista do qual não querem abrir mão.
A culpa é um sentimento
que emerge dessa crença de que é errado errar, que devemos ser castigados
pelas faltas cometidas. E a crença de que a cada erro deve corresponder
necessariamente um castigo, a cobrança interna por não sermos perfeitos e a
punição que damos a nós mesmos pela imperfeição cometida. O ser humano, criado
originariamente perfeito, precisa aceitar a realidade de que, após o pecado,
ele se tornou imperfeito e pode errar. A partir dessa nova realidade,
tornou-se necessário desenvolver o sentimento de culpa toda vez que fizer algo
que a sabe que é errado, para que se preocupe com o outro e aprenda a reparar o
mal causado, tendo assim a percepção do mal como mal.
E preciso ter consciência, porém, de que o sentimento
dc culpa gera conflitos psíquicos, fazendo com que a pessoa atribua a si mesma
o fato de as coisas não darem certo. A culpa alimenta um diálogo contínuo de
autopunição. E como urna corrente de pensamentos que tem no seu centro uma
acusação contínua às próprias fraquezas, incompetências e inadequações. Todo
pensamento sobre uma realização positiva é ignorado, mesmo quando há elogios.
Por ter urna compreensão de si marcada pela culpa e o medo, a pessoa não
consegue se ver verdadeiramente. Tem potencial, talento, enfim, é maravilhosa,
mas não é assim que ela se vê.
A pessoa com senso de culpa não é
autêntica, revelando o que realmente é ou gostaria de ser. Em alguns casos, tenta
mostrar-se segura de si quando na verdade não é. Mascara seus sentimentos verdadeiros
porque se sente insegura e preocupada com a imagem que os outros farão dela.
O sentimento de culpa é ao mesmo tempo necessário
e nocivo. Como então evitar as conseqüências nefastas que ele provoca na
estrutura psíquica? Só existe uma saída para não cortermos o risco da
autodestruiçáo que o sentimento de culpa causa na mente humana. Qual ação tem
o poder de anular a culpa sem perdermos a noção do certo e errado? Somente uma
atitude tem esse poder: o perdão, ou melhor, o autoperdão. O perdão tem o poder
de resgatar a dignidade perdida diante do erro. Ele dignifica porque liberta
da presença doentia da culpa.
Perdoar
significa cessar a tortura psicológica; é o abandono das exigências perfeccionistas
e da autopunição; é o integrar outra vez o que a culpa fragmentou; é recuperar
o respeito perdido, sem que fiquem resíduos de ressentimento; é a
possibilidade de crescer e ter autoconfiança; é a renovação do amor-próprio e
da alegria de viver.
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