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quarta-feira, 8 de junho de 2016

COBRAR-SE A SI PRÓPRIO



Cobra-se a si próprio

O sentimento de culpa é uma corrente que prende muitas pessoas aos seus fracassos

“O Sentimento de culpa é a cobrança interna por não sermos perfeitos e a punição cometida”

Augusto César Maia é psicólogo clínico em Campinas, SP.

sentimento de culpa, responsável por grande sofrimento psicológi­co, é uma cobrança mortal que a pessoa faz a si mesma por ter co­metido algum erro que não deveria ter prati­cado. A culpa causa o ódio por si mesmo e, com isso, a autopunição e o desequilíbrio emocional. Achamos que, se nos culparmos o suficiente, poderemos mudar nosso passado e conseqüentemente o futuro. Na verdade, ne­nhuma quantidade de culpa tem o poder de mudar o que já aconteceu.
A culpa é um sentimento que não nasce dentro de nós; ela precisa ser colocada por ou­tra pessoa, para ser internalizada. E semeada no terreno da infância por nossos pais ou os adultos responsáveis. Ainda hoje é comum os país punirem os erros dos filhos com ameaças de falta de amor ou proteção. Assim, os filhos começam a se culpar e manifestam atitudes au­topunitivas. Eles se convencem de que, se estão sofrendo, é porque merecem. Estão pagando por aquilo que fizeram. Depois, vem a angústia que não lhes deixa fazer mais nada, a não ser fi­car remoendo o passado e alimentando a culpa.
Embora alguns pais afirmem para os filhos que errar é humano, muitos demonstram no dia-a­dia, através do exemplo, que é errado errar. Em­bora digam que a perfeição não existe, continuam a ter uma atitude de tortura e de punição para com os filhos por não corresponderem a um ideal perfeccionista do qual não querem abrir mão.
A culpa é um sentimento que emerge des­sa crença de que é errado errar, que devemos ser castigados pelas faltas cometidas. E a crença de que a cada erro deve corresponder necessariamente um castigo, a cobrança in­terna por não sermos perfeitos e a punição que damos a nós mesmos pela imperfeição cometida. O ser humano, criado ori­ginariamente perfeito, precisa aceitar a realidade de que, após o pecado, ele se tornou imperfeito e pode er­rar. A partir dessa nova realidade, tornou-se necessário desenvolver o sentimento de culpa toda vez que fizer algo que a sabe que é errado, para que se preocupe com o outro e aprenda a reparar o mal causado, tendo assim a percepção do mal como mal.
E preciso ter consciência, porém, de que o sentimento dc culpa gera conflitos psíquicos, fazendo com que a pessoa atribua a si mesma o fato de as coisas não darem certo. A culpa ali­menta um diálogo contínuo de autopunição. E como urna corrente de pensamentos que tem no seu centro uma acusação contínua às pró­prias fraquezas, incompetências e inadequa­ções. Todo pensamento sobre uma realização positiva é ignorado, mesmo quando há elogios. Por ter urna compreensão de si marcada pela culpa e o medo, a pessoa não consegue se ver verdadeiramente. Tem potencial, talento, enfim, é maravilhosa, mas não é assim que ela se vê.
A pessoa com senso de culpa não é autêntica, revelando o que realmente é ou gostaria de ser. Em alguns casos, tenta mostrar-se segura de si quando na verdade não é. Mascara seus sentimentos ver­dadeiros porque se sente insegura e preocupada com a imagem que os outros farão dela.
O sentimento de culpa é ao mesmo tempo necessário e nocivo. Como então evitar as con­seqüências nefastas que ele provoca na estrutu­ra psíquica? Só existe uma saída para não cor­termos o risco da autodestruiçáo que o senti­mento de culpa causa na mente humana. Qual ação tem o poder de anular a culpa sem perder­mos a noção do certo e errado? Somente uma atitude tem esse poder: o perdão, ou melhor, o autoperdão. O perdão tem o poder de resgatar a dignidade perdida diante do erro. Ele dignifi­ca porque liberta da presença doentia da culpa.
Perdoar significa cessar a tortura psicológica; é o abandono das exigências perfec­cionistas e da autopunição; é o in­tegrar outra vez o que a culpa fragmentou; é recuperar o res­peito perdido, sem que fi­quem resíduos de ressenti­mento; é a possibilidade de crescer e ter autocon­fiança; é a renovação do amor-próprio e da ale­gria de viver.


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