Cristo ou Constantino?
O sábado nos livra do sistema dominador do mundo
por Trudy J. Morgan-Cole
Não me recordo
de quando ouvi pela primeira vez o nome do imperador romano Constantino, mas
tenho certeza de que foi na igreja e sem dúvida eu era muito jovem. Como a
maioria dos que são adventistas do sétimo dia desde o berço, aprendi muito
cedo que Constantino foi o “sujeito mau”, na grande mudança do sábado para o
domingo, que proclamou o “Venerável Dia do Sol” como o dia em que todos devem
adorar. Naturalmente, Constantino não inventou a adoração do Sol — ele tornou legal uma prática para a qual
a igreja se desviara durante os dois séculos anteriores ao tentar incorporar os
conversos pagãos e desassociar-se do judaísmo. Até agora, para a maioria dos adventistas,
o nome de Constantino está indissoluvelmente ligado a esse erro fatal.
Não foi senão recentemente que comecei a refletir sobre as outras mudanças
que ocorreram após a conversão de Constantino.
Durante os primeiros 300 anos de sua existência, a igreja primitiva estava
longe de ser perfeita. Lutava contra a heresia e se acomodava aos costumes
pagãos. Na realidade, alguns dizem que o principal objetivo de Constantino, ao
oficializar o cristianismo, era unir as facções cristãs que estavam continuamente
discutindo umas com as outras.
Apesar d~ suas falhas, porém, a fé abastecida pelo sangue dos mártires se
assemelhava bem mais à fé de Jesus do que a que temos visto durante muitos
séculos desde então. Pelo menos três importantes valores da igreja primitiva
começaram a desintegrar-se por volta da mesma época em que o cristianisrno se
tornou a religião do Estado.
Não-violência — Nos três primeiros séculos, os cristãos, como o próprio Jesus, se opunham
firmemente a qualquer tipo de violência. Haviam seguido o exemplo de
não-violência de Jesus, uma desobediência civil do tipo “ofereça-lhe também a
outra [face]” (ver Mat. 5:39; Luc. 6:29)* ao resistir á autoridade “divina” dos
imperadores romanos, e sofreram por isso. Os homens cristãos eram recomendados
a não servir no exército nem usar violência como meio de resolver problemas.
Com a conversão de Constantino, o cristianismo de repente se aliou ao poder
militar romano. Em 303 d.C., era ilegal um soldado do exército romano tornar-se
cristão.’ A “cruz” que o exército de Constantino carregava como estandarte era
uma lança com uma barra transversal.2 Ironicamente, o símbolo da
morte de Jesus como inocente vítima da opressão foi transformado em arma do
opressor. A igreja tomou a espada e com raras exceções a tem empunhado desde
aquela época.
O cristianismo se propagou rapidamente nos anos que transcorreram entre a
morte de Jesus e a conversão de Constantino, mas se expandiu através da pregação
e do exemplo de amor. Somente quando o cristianismo se tornou a igreja romana
do Estado foi que começou a imitação grosseira de conversões forçadas pela
ponta da espada. A liberdade religiosa e o respeito pela liberdade individual
foram vitimas da vitória de Constantino.
Materialismo — Quando Jesus expulsou os cambistas para
fora do templo, seu ato podia ser entendido sob muitos pontos de vista, mas
pelo menos um de seus significados era que o materialismo e o comércio não têm
lugar na casa de Deus. Atualmente, em um mundo onde corporações multinacionais
e a mentalidade voltada ao consumidor têm saturado todos os aspectos de nossa
sociedade, fico imaginando: Que “templos” Jesus purificaria se Ele chegasse ao
local? Certamente, desde o tempo de Constantino, as igrejas cristãs têm
acumulado poder e riqueza até um nível que pareceria muito estranho aos
primeiros seguidores dAquele que não tinha “onde repousar a cabeça”. Mat. 8:20.
Abrangência — O ministério de Jesus era de amor,
aceitação e abrangência extremos, e a igreja primitiva continuou assim. Aos
olhos de Jesus, as diferenças sociais não importavam. Um homem pobre, uma
mulher, criança, ou pessoa fisicamente incapacitada — todos eram tão preciosos para Deus como
um homem saudável, rico ou poderoso. No Novo Testamento temos evidência de que
a igreja primitiva se esforçava arduamente para manter essa igualdade:
“compartilhavam
tudo o que tinham... [de modo que não havia pessoas necessitadas entre eles”]
Atos 4: 32 e 34. Os líderes da igreja lutavam para certificar-se de que isso
continuasse a despeito do desejo natural das pessoas de discriminar e olhar
aos outros com desprezo. (Ver Tiago 2:1-9; 1 Cor. 11:17-22.) E dito que os
pagãos comentavam: “Vejam como esses cristãos amam uns aos outros!” E o
cristianismo era notável no mundo romano por permitir que mulheres e escravos
não só adorassem em igualdade com os homens livres, mas assumissem cargos de
liderança. À medida, porém, que o cristianismo se uniu ao poder do Estado, e a
igreja se tornou cada vez mais
hierárquica, eliminando a lembrança da mensagem radical de amor de Jesus.
Igualdade e aceitação foram vítimas adicionais do regime de Constantino.
Reino de quem? — Jesus veio para proclamar e estabelecer
o reino de Deus, para nos mostrar como é Deus e como é a vida em Seu reino. Não
foi uma missão fácil. Por volta da mesma época em que Jesus nasceu, judeus
revolucionários se rebelaram contra o poder imperial de Roma, clamando:
“Não temos
rei, senão Deus!” Mas o evangelho de João [19:151 registra que os judeus
rejeitaram a reivindicação de Jesus como rei, com as palavras: “Não temos rei,
senão César!”
Esta cena torna dolorosamente evidente que quando nós realmente temos um
vislumbre de como é a autoridade de Deus, conforme
exemplificada na vida de Jesus, muitos de nós corremos dela assustados. Fugimos
da autoridade de Deus para a de soberanos mundanos cujo sistema e regras nós
compreendemos.
Embora a autoridade de Deus jamais seja totalmente compreendida, senão
quando a Terra for renovada, todos nós que aceitamos a Jesus, aceitamos o
convite para viver de acordo com os valores do Seu reino. Isso foi o que a
igreja primitiva procurou fazer, mas a conversão de Constantino foi um imporante
contratempo para o reino de Deus e uma vitória para o sistema dominador.
Quando a igreja aceitou a violência, o controle do Estado sobre a religião e as
estruturas de poder secular, ela se
desviou do exemplo de Jesus tão
certamente como quando ordenou o “Venerável Dia do Sol” em lugar do sábado de
Deus.
Como povo que sempre rejeitou a decisão inovadora de legislar sobre a adoração
no domingo para os seguidores de Deus, creio que os adventistas do sétimo dia
devem também tomar posição contra as demais inovações de Constantino.
Símbolo de Senhorio De fato, os dois conceitos — adoração
sabática e senhorio de Deus — estão
inseparavelmente ligados.
A adoração tem que ver com quem seguimos e de quem são os valores que
aceitamos. Um dia não seria mais intrinsecamente sagrado do que outro, a menos
que Deus assim o designasse. Quando aceitamos Sua soberana escolha de um dia
dentre os sete para adoração, sustentamos um símbolo que diz: “Seguimos a Deus
como nosso rei, não a Constantino ou qualquer outro imperador mundano.” Um
símbolo, porém, aponta para maiores realidades. Como adventistas, temos nós
colocado maior ênfase no símbolo, a adoração no sábado, sem atrair a atenção
para a realidade destacada pelo símbolo — os valores do reino de Deus?
A Igreja Adventista do Sétimo Dia, assim como a igreja cristã primitiva,
adota tradicionalmente uma postura de não-violência e não-combatividade. Em
nossa era afligida pelas guerras, embora a igreja oficialmente defenda essa
posição, individualmente alguns adventistas com freqüência a questionam,
colocando a lealdade nacional acima da fidelidade a Jesus, que nos recomendou a
“amar nossos inimigos”l Temos feito maravilhoso trabalho defendendo a causa da
liberdade religiosa; no entanto, muitos de nós particularmente interpretamos
isso como “liberdade para aqueles que pensam e crêem como eu”, enquanto
demonstramos intolerância para com aqueles que percebemos ser “diferentes”.
Nossa igreja começou como um movimento pobre e igualitário, bem semelhante à
igreja cristã primitiva; mas, à medida que crescemos em tamanho, estrutura e
força, será que temos nos deslocado rumo ao reino de Constantino, rumo ao
sistema dominador de poder e materialismo?
Quando honramos o sábado de Deus, temos uma oportunidade maravilhosa de não
apenas reconhecer a autoridade de Deus, mas comemorar os valores do Seu reino.
O sábado nos liberta dos laços do materialismo. A desaprovação tradicional
adventista de comprar e vender no sábado não é legalismo sem importância, mas
uma chance de declarar nossa liberdade da sociedade consumista. O grupo social
ativista Adbusters promove anualmente um Dia de Nada Comprar. Seu objetivo é
posicionar-se contra o consumismo e o materialismo.3 Quando pela
primeira vez vi a propaganda do “Dia de Nada Comprar’, tive que rir. Eu
comemoro semanalmente um Dia de Nada Comprar, e me alegro pelo fato de que
durante 24 horas não sou um “consumidor”, mas um ser humano filho de Deus.
Da mesma forma, o sábado nos chama para fora do ambiente de trabalho, do
mercado, do sistema dominador do mundo, convidando-nos a depor nossas
estruturas de poder, nossas soluções violentas para os problemas, nossa distinção
de classes e culturas, e juntos nos reunirmos igualmente como pecadores e
investigadores. A tragédia é que muitas vezes saímos do ambiente de trabalho
na sexta-feira à tarde e entramos na igreja no sábado de manhã para encontrar
ali uma outra arena de luta pelo poder, distinção de classes e culturas, e
maneiras irritantes e combativas de lidar com as divergências.
Se esta é nossa experiência no sábado, então nossas igrejas estão vivendo
no reino de Constantino, não no de Jesus — apesar de estarmos adorando no sétimo dia. Para Jesus, o sábado era um dia
para curar, aliviar o sofrimento, estender a mão aos excluídos da sociedade.
(Ver Mat. 12:9-11; Luc. 13:10-16 e 14:15.)
Se realmente queremos declarar nossa lealdade ao reino de Deus, precisamos
depor a espada romana, tomar a cruz de Jesus — Seu símbolo de não-violência, humildade, presteza e pacificidade — e segui-Lo buscando maneiras novas e
criativas de viver Seu amor nesta época materialista, violenta e sedenta de
poder.
Todos os textos biblicos são da Nova Versão Internacional.
Referencias:
1. Emmanuel Charles C. McCarthy,
“Christian Nonviolence: The Great Failure, The OnIy Hope~, citado em Wafter
Wink, Engaging lhe Powers (Minneapolis:
Fortress Press, 1992).
2. James Carroll, Convton6n&s Sword (Boston :
Houghton Mifflin, 2001).
3. http://adbusters.org/campaigns/bnd.
Trudy Morgan-Cole é escritora freelance em St. John’s, Newfoundland,
Canadá.
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