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quinta-feira, 11 de outubro de 2018

LUTERANOS E CATÓLICOS ACORDO DOUTRINÁRIO



                  Cristianismo Global

Católicos e luteranos assinam acordo doutrinário e impulsionam movimento pela união dos cristãos

por Marcos De Benedito
Colaborador


O sonhado e mágico ano 2000 está aí. Com ele, renova-se a esperança de dias melhores nas diferentes arenas em que se joga o destino da humanidade. Uma dessas arenas é a das relações en­tre as igrejas. Mais do que nunca, líde­res cristãos estão unindo esforços pa­ra formar um único bloco religioso.
Um resultado desses esforços foi alcançado no dia 31 de outubro últi­mo, com a assinatura da Declaração Conjunta da Justificação, feita por ca­tólicos e luteranos.
O interesse pela unidade cristã tem até nome próprio: ecumenismo. Atual­mente a palavra define o diálogo e o bom convívio com pessoas de diferen­tes confissões religiosas, ou mesmo a sua total unidade.
O desejo de um cristianismo unido não é novo. Nasceu com o seu pró­prio fundador. Numa intensa oração feita na véspera de ser pregado na cruz, Jesus suplicou que todos os Seus seguidores presentes e futuros fossem “um” e se tornassem “aperfei­çoados na unidade” (João 17:20-23).

Cisões Menina dos olhos de Cristo, a igreja tem origem divina, mas é for­mada por seres humanos. Como era se esperar, disputas e dissensões logo apareceram. O primeiro grande­ cisma aconteceu em 1054, por motivos culturais, políticos e teológicos. A gota d’água foi a inclusão no credo da igreja de uma cláusula sobre a origem do Espírito Santo. As igrejas orientais não aceitaram a interpolação, e o cristianismo partiu-se em dois: a ala oriental (Igrejas Qrtodoxas, com a sede principal em Constantinopla, hoje (Istambul) e a ala ocidental (Igreja Católica, com sede em Roma).
     Outra grande divisão se deu dentro da própria Igreja Católica, no século 16, por razões teológicas, políticas e morais. A liderança da igreja estava corrupta, e o movimento reformista liderado por Martinho Lutero, ­entre outros, procurou pôr ordem na casa. Em 31 de outubro de 1517, Lu­tero afixou suas 95 teses na porta da igreja de Wtt­tenberg, Alemanha. Isso deu origem ao protestan­tismo e abriu espaço para o leque de denominações cristãs hoje existentes.

Unidade sonhada Com o tempo, o anseio por unida­de ressurgiu e ganhou res­sonância. Modernamente, as vozes pioneiras defendendo o ecu­menismo aparece­ram no final do sécu­lo 19. Nas primeiras décadas do século 20, vários teólogos importantes assumi­ram o discurso ecu­mênico. Um deles foi Oscar Cullmann (1902-1999), que, apesar de sua forma­ção luterana, foi re­cebido pelos papas Pio XII, João XXIII e, sobretudo, Paulo VI, sendo pessoalmente convidado a partici­par como observador do Concílio Vaticano II, na década de 1960. Por isso, o teó­logo  suíço Karl Barth costumava brincar que na lápide de seu amigo Cullmann seria escrito: “Aqui jaz o conse­lheiro de três papas.”
 Mas foi a partir de 1948, com a igreja de uma cláusula sobre a origem fundação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), em Amsterdã, que o movimento ecumênico ganhou força. Sediado em Genebra, Suiça, o CMI conta atualmente com 339 igrejas membros, representando mais de 500 milhões de cristãos protestantes, an­glicanos e ortodoxos de mais de 100 países, nos cinco continentes. A Igre­ja Católica não faz parte, mas coopera com o organismo.
     Na década de 1960, o Concílio Vaticano II deu ao ecumenismo uma nova dimensão e importância, ao definir que a Igreja Católica deveria incentivar e promover a unidade cristã. “Este sagrado Conci­lio exorta todos os fiéis católicos a re­conhecer os sinais dos tempos e a participar ativamente no trabalho do ecumenismo”, dizia um dos docu­mentos.
No embalo do Concílio, uma série de diálogos entre católicos e lideres de outras tradições religiosas teve inicio, principalmente nos Estados Unidos. Com isso, o número de encontros, co­missões, documentos e publicações sobre o assunto se multiplicou.
O papa João Paulo II, por sua vez, incorporou o espírito conciliador do Concilio Vaticano II, chegando a afir­mar que a tarefa ecumênica é uma das “prioridades pastorais” de seu ponti­ficado. A encíclica “Que Todos Sejam Um”, divulgada em maio de 1995, é um forte chamado à unidade. Para o papa, o ecumenismo é parte da vida e da missão da igreja.
João Paulo II está convencido de que “a unidade de toda a dividida hu­manidade, é a vontade de Deus.” “Crer em Cristo significa desejar a unidade”, salientou em uma carta que enviou ao secretário-geral do CML, por ocasião do cinqüentenário desse organismo, celebrado em de­zembro de 1998, em Harare, capital do Zimbabwe, África.
Os frutos de toda essa articulação estão aparecendo. Atualmente, católi­cos e ortodoxos reconhecem que ape­nas diferenças superficiais os impedem de manter plena comunhão. Anglica­nos e católicos estão em adiantada fase de entendimento.
Um dos passos mais significativos foi dado no dia 31 de outubro último (1999), quando católicos e luteranos assina­ram a Declaração Conjunta Sobre a Doutrina da Justificação, na cidade de Augsburg, Alemanha.
Para ver a íntegra da Declaração Conjunta da Justificação assinada por católicos e  lutera­nos, ver www.arquidiocese-sp.org.br.    Para mais informações, consulte os seguintes sites e seus links:                  www.wcc-coe.org  e   www.nccbuscc.org.

Em um de seus pontos altos, o do­cumento diz:  “Juntos confessamos: só pela graça e pela fé na ação salvadora de Cristo, e não com base em nossos méritos, somos aceitos por Deus e re­cebemos o Espírito Santo, que renova nossos corações e nos habilita e con­clama a realizar as obras do bem.”

Obstáculos  —  Mas, apesar da euforia em torno dessa e de outras declarações, nem todos partilham do mesmo otimismo. Um documento assinado por 139 teólogos protestantes da Alema­nha, em resposta ao novo manual so­bre indulgências que a Santa Sé divul­gou em setembro, reclama que a Igre­ja Católica na realidade não mudou suas posições. Para o teólogo Joachim Ringleben, a Declaração sobre Justifi­cação é “um absurdo”, já que a Refor­ma começou justamente como critica ao sistema de indulgências.
A sensação, para muitos, é que se está passando por cima de uma série de diferenças reais, em nome de uma união religiosa-política. Por amor á unidade, sacrifica-se a convicção, no melhor dos casos, e a verdade, no pior. Outros criticam a orientação po­lítica do CMI, questionam se a entida­de conseguiu algum resultado concre­to em todos esses anos de militância e até mesmo indagam se o movimento ecumênico ainda está vivo ou é viável.
Na área teológica, há vários obstá­culos a serem transpostos. Os protes­tantes ainda divergem dos católicos especialmente quanto à exclusividade da Bíblia, ao status de Maria, infalibi­lidade papal, salvação, sacramentos e eucaristia.
De todas as diferenças, a autorida­de papal é uma das mais polêmicas. Irão os protestantes aceitar o primado universal do bispo de Roma?
Num encontro ecumênico, em 1997, no Canadá, John A. Baycroft, bispo da Diocese Anglicana de Ottawa, revelou que considera o bispo de Roma “um dom de Deus” para todo o cristianismo. Alegou que uma autoridade uni­versal seria o corolário necessá­rio de uma comunhão universal. Já Lynne E. Lorenzen, teóloga lu­terana, propôs a estrutura da Fe­deração Luterana Mundial (FLM) como modelo de liderança ecumênica. As igrejas luteranas que compõem a FLM subscrevem uma cláusula teológica consensual míni­ma, gozam de comunhão entre si, mas mantêm certa independência ou se­já, como diz o nome, a FLM é uma fe­deração, e não uma igreja.
De sua parte, o teólogo batista Clark Pinock expressou admiração pelo papa João Paulo II, mas deixou claro que, para o pensamento inde­pendente dos batistas e de outros cristãos protestantes, é muito difícil aceitar a centralização da autoridade em uma só pessoa. “Não queremos um papado que acha que pode dar a palavra final e infalível sobre tudo.”
Pamela Dickey Young, teóloga fe­minista da Igreja Unida do Canadá, fez a crítica mais forte ao modelo pa­pal.  Segundo ela, o que garante “apostolicidade” (ligação com os apóstolos) não é uma sucessão inin­terrupta de imposição de mãos, mas a fidelidade à mensagem do evangelho. Só um “papado” “apropriado ao evangelho” seria aceitável. Esse papa­do, é claro, deveria estar aberto às mulheres.
Para um observador neutro, parece que todos os caminhos levam a Ro­ma. Ou seja, se o ecumenismo virar realidade, o papado e a tradição cató­lica certamente farão parte do pacote para o bem ou para o mal.
A conclusão sensata deste rápido panorama ecumênico é que a unidade entre os cristãos é desejável, mas não a qualquer preço. O ecumenismo cristão só será legítimo se: (1) nascer do amor a Deus, ao próximo e à ver­dade; (2) for construído em torno de Cristo, e não em torno de figuras ou programas humanos; (3) constituir uma volta às raízes apostólicas, pau­tando seu ensino e prática pela Bíblia; (4) buscar legitimamente construir o reino de Deus; (5) não formar um monopólio discriminador das mino­rias que pensarem diferente.
Enquanto esse ecumenismo ideal não aparece, os cristãos podem since­ramente orar uns pelos outros e pra­ticar a conhecida máxima: “Nas coi­sas essenciais, unidade; nas coisas se­cundárias, diversidade; e, em todas as coisas, caridade.”


Sinais dos Tempos       Jan.-Fev./2000   

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