Evidências
de que o livro de Daniel foi escrito no 6o. Século antes de Cristo.
por
José Carlos Ramos
Teólogo
O livro de Daniel toma emprestado seu titulo do protagonista principal
da narrativa, o profeta Daniel. O nome significa Deus é meu juiz. e sugere um de seus temas principais.
O título não indica necessariamente a autoria, já que
alguns livros do Velho Testamento foram escritos não pela pessoa cujo nome
serve de título, como é o caso de Rute, Ester e Jó. Quanto a Daniel. porém,
tem sido a posição tradicional tanto de judeus como de cristãos que o livro foi
escrito pela própria pessoa que ostenta esse nome, sendo a época de produção o
6o. século a.C, e o local a Mesopotâmia. Tanto as
experiências históricas de seus personagens quanto as visões atribuídas ao profeta são consideradas genuínas.
Salvo pelas argumentações em
contrario de Porfírio, neoplatonista anticristão do 3o. século dC., e do
judeu Uriel Acosta, no inicio do século 18, essa posição só passou a ser
seriamente questionada com a explosão do racionalismo, isto é, de uns 200 anos
para cá. Hoje o pensamento teológico liberal, com base nos postulados da
alta-crítica, afirma que o livro foi escrito por compatriotas do rei sírio
Antíoco Epifânio em sua tentativa de helenizar a Judéia. Eles teriam optado
pelo nome de Daniel para ser o protagonista de seu livro, com base em Ezequiel
14:14 e 28:3, onde alguém com mais ou menos o mesmo nome é apontado como justo
e sábio.
A exemplo de Porfírio, os teólogos
que sustentam essa opinião negam o elemento preditivo da profecia no livro de
Daniel. Segundo a hipótese liberal, as únicas predições reais do livro
estariam nos capítulos 8:25 e 11:4 em diante, e teriam a ver com o futuro de
Antioco, principalmente o local e a maneira de sua morte, previsões que não se
cumpriram.
Os liberais consideram a
posição tradicional insustentável, quando confrontada com as evidências
internas e externas do livro. Neste artigo, analisaremos dois detalhes
históricos do livro, considerados inexatos por eles: o começo do reinado de Nabucodonosor,
e o sentido restrito do termo caldeu empregado
no livro de Daniel.
O COMEÇO
DO REINADO DE
NABUCODONOSOR
Segundo os críticos do livro em sua abertura o autor diverge de uma informação
prestada por outro escritor sagrado.A discrepância é suposta quando se faz uma
comparação de Daniel 1:1 com Jeremias 25:1 e 42:2. Naturalmente, a crítica
considera o livro de Jeremias muito mais confiável em termos de narrativa
histórica.
Duas dificuldades são
pretendidas com base nesta comparação:
1. Segundo o profeta Jeremias o
1o. ano de Nabucodonosor, rei da Babilônia, corresponde ao 4o.
ano de Jeoaquim, rei dos judeus. Logo, no 3o. ano de Jeoaquim, Nabucodonosor
não poderia ser rei, como o autor de Daniel afirma.
2. A batalha de Carquemis, na
qual Nabucodonosor derrotou Neco II do Egito, ocorreu, segundo Jeremias, no 4o.
ano de Jeoaquim. O texto desse profeta dá a entender que Jerusalém não havia
sido perturbada por Nabucodonosor antes dessa batalha. O autor de Daniel se
equivocou ao afirmar que no 3o. ano de Jeoaquim, Nabucodonosor
invadiu Jerusalém. Esses equívocos não seriam cometidos caso o autor do livro
fosse contemporâneo de Jeremias.
Na realidade, tais enganos não
foram cometidos. As dificuldades acima desaparecem quando se leva em
consideração que dois sistemas de contagem do tempo estão aqui envolvidos: o
sistema babilônico, empregado por Daniel, e o sistema palestino, empregado por
Jeremias. O primeiro identificava como ano de ascensão aquele em que o rei começava a reinar, passando o
seguinte ano a ser considerado o primeiro. O outro
sistema ignorava o ano de ascensão e colocava o rei, já no
inicio do reinado, em seu primeiro ano. Esse fato foi satisfatoriamente comprovado
pelas pesquisas feitas por Edwin R. Thiele, cujos resultados aparecem em seu livro The Misterious Numbers of tbe Hebrew Kings, especialmente
às páginas 163-165.
Uma comparação dos dois
sistemas pode ser assim estabelecida:
Ano Rei Jeoaquim Rei Nabucodonosor
a.C. Sistema Babilônico Sistema Palestino Sistema Babilônico Sistema Palestino
608 Ascensão 1o. Ano --- ---
607 1o. Ano 2o. Ano --- ---
606 2o. Ano 3o. Ano --- ---
605 3o.Ano (Dan.1:1) 4o.Ano (Jer.25:1,42:2) Ascensão 1º. Ano
604 4o. Ano 5o. Ano 1o. Ano 2o. Ano
603 5o. Ano 6o. Ano 2o. Ano
(Dan.2:1) 3o. Ano
Isso explica também porque no 2o. ano de
Nabucodonosor, Daniel e seus companheiros já eram contados entre os sábios de
Babilônia (Daniel 2), quando o escrutínio do rei, para os classificar assim,
ocorreu depois de três anos de preparo (1:5, 18 e 20), cálculo inclusivo. Os
três anos são: 605, 604 e 603.
Em vista disso, não há porque
imaginar que o evento de Daniel 1:1 e 2 tenha ocorrido antes da batalha de
Carquemis. Flávio Josefo cita o historiador e sacerdote habilônico Beroso,
segundo o qual a presença de Nabucodonosor foi sentida na Palestina no começo
do verão de 605 a.C. ao sufocar, no Egito, uma rebelião que envolveu a Fenícia
e a Síria. Beroso fala dos cativos, entre eles judeus que Nabucodonosor deixou
sob os cuidados de seus generais, ao apressar seu retorno a Babilônia para
ocupar o trono de seu recém-falecido pai, o rei Nabopolassar. Levando-se em
conta que Daniel relatou esse fato, com muita probabilidade no primeiro ano
de Ciro (Daniel 1:21), não é de se estranhar que haja antecipado a Nabucodonosor
o titulo de rei no evento do capítulo 1:1.
Portanto, não existem
dificuldades para os que sustentam a posição tradicional quanto à autoria e
época de produção do livro de Daniel, e sim para os que defendem o ponto de
vista liberal. Como é possível que um judeu, vivendo no 2o. século
a.C., na Judéia, ignorou o sistema palestino de contagem do tempo e utilizou o
sistema babilônico, em voga no 6o. século na Mesopotàmia? Essa
dificuldade se volta com maior ímpeto contra os mesmos que a advogam, quando
nos lembramos que os escritos de Daniel estavam familiarizados com o conteúdo
de Jeremias 25, que fala dos 70 anos do cativeiro judeu em Babilônia (ver
Daniel 9:2). Não é muito estranho que ele tenha ignorado a designação do “4o. ano de Jeoaquim” feita por Jeremias?
E muito mais natural, portanto,
supor que, vivendo no 6o. século a.C, na Mesopotâmia, o autor não
ignorou essa designacão, tendo apenas optado pelo sistema vigente naquela
região onde viveu e escreveu seu livro.
O SENTIDO RESTRITO DO TERMO CALDEU
Esse termo é empregado em
Daniel com um sentido mais restrito, isto e, em referência a uma classe
especial de sábios em Babilônia. Supõe-se que esse fato evidencia uma ocasião
posterior para a produção do livro já
que nos textos cuneiformes do 6o. século a.C., a exemplo do restante
do Velho Testamento, o termo não e empregado a não ser com uma conotação étnica
significando a raça oriunda da Caldéia.
Antes de tudo, devemos notar
que Daniel emprega também o termo caldeu
com o sentido étnico nos capítulos 5:30; 9:1 e, possivelmente, 1:4. Com sentido mais restrito, o termo é
empregado nos capítulos 2:2:4; 5; l0; 4:7; 5:7; 11
e. possivelmente, 3:8.
Tudo o que a crítica pode,
nesse caso reivindicar em seu favor, é o testemunho do silêncio, pois é verdade
que as inscrições cuneiformes do período neo-babilônico, até agora
conhecidas, não registram o emprego do termo com o sentido restrito, Mas o
silêncio não é nem tão eloqüente nem tão duradouro. É uma impropriedade cobrar
das inscrições uma catalogação completa dos sábios de Babilônia. Por outro
lado, as informações de Herodoto, historiador grego do 5o. século
a.C. dão conta, em suas Guerras pérsicas,
que os caldeus exerciam uma função sacerdotal desde pelo menos o inicio do
reinado de Ciro. Se isso ocorria quando os persas reinavam, por que não
ocorreria quando os próprios caldeus dominavam?
É bom
lembrar que a Caldéia inicialmente foi um distrito ao sul de Babilônia, mas nos
tempos de Nabucodonosor compreendia toda ela. Considerando que em 625 a.C.
Nabopolassar subiu ao trono de Babilônia e deu início aos 87 anos da dinastia
caldaica, não é difícil supor que um grupo de caldeus passasse a ocupar uma posição
de destaque nos assuntos governamentais. Aliás, eles são referidos com
deferência já nos anais assírios desde os tempos de Assurnasirpal II (9o.seculo
a.C.). Os registros reais de Adabe-Nirari III, cem anos mais tarde, mencionam
pelo nome vários caldeus que eram chefes preeminentes entre seus vassalos.
Portanto, o grupo dominante, era possuidor de uma tradição política e
religiosa. Ao termo caldeu, então,
Daniel aplicou um sentido restrito, voltado às atividades que o grupo
desempenhava.
No próximo número analisaremos
outros detalhes históricos do livro de Daniel que a alta-crítica considera
serem inexatos, para observarmos que, a exemplo desses que acabamos de ver,
são autênticos e, portanto, dignos de crédito.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário