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quinta-feira, 15 de maio de 2014

PRECISÃO HISTÓRICA DE DANIEL PARTE 1

 
Evidências de que o livro de Daniel foi escrito no 6o. Século antes de Cristo.
por José Carlos Ramos
Teólogo
O livro de Daniel toma emprestado seu titulo do protagonista principal da narrativa, o profeta Daniel. O nome signi­fica Deus é meu juiz. e sugere um de seus temas principais.
O título não indica necessariamente a autoria, que alguns livros do Velho Tes­tamento foram escritos não pela pessoa cujo nome serve de título, como é o caso de Rute, Ester e Jó. Quanto a Daniel. po­rém, tem sido a posição tradicional tanto de judeus como de cristãos que o livro foi escrito pela própria pessoa que osten­ta esse nome, sendo a época de produção o 6o. século a.C, e o local a Mesopotâmia. Tanto as experiências históricas de seus personagens quanto as visões atribuídas ao profeta são consideradas genuínas.
Salvo pelas argumentações em contra­rio de Porfírio, neoplatonista anticristão do 3o.  século dC., e do judeu Uriel Acosta, no inicio do século 18, essa posição só passou a ser seriamente questionada com a explosão do racionalismo, isto é, de uns 200 anos para cá. Hoje o pensamento teo­lógico liberal, com base nos postulados da alta-crítica, afirma que o livro foi escrito por compatriotas do rei sírio Antíoco Epi­fânio em sua tentativa de helenizar a Ju­déia. Eles teriam optado pelo nome de Da­niel para ser o protagonista de seu livro, com base em Ezequiel 14:14 e 28:3, onde alguém com mais ou menos o mesmo no­me é apontado como justo e sábio.
A exemplo de Porfírio, os teólogos que sustentam essa opinião negam o ele­mento preditivo da profecia no livro de Daniel. Segundo a hipótese liberal, as úni­cas predições reais do livro estariam nos capítulos 8:25 e 11:4 em diante, e teriam a ver com o futuro de Antioco, principal­mente o local e a maneira de sua morte, previsões que não se cumpriram.
Os liberais consideram a posição tradi­cional insustentável, quando confrontada com as evidências internas e externas do li­vro. Neste artigo, analisaremos dois deta­lhes históricos do livro, considerados ine­xatos por eles: o começo do reinado de Na­bucodonosor, e o sentido restrito do ter­mo caldeu empregado no livro de Daniel.
 
O  COMEÇO  DO  REINADO  DE  NABUCODONOSOR
 
Segundo os críticos do livro em sua abertura o autor diverge de uma informa­ção prestada por outro escritor sagrado.A discrepância é suposta quando se faz uma comparação de Daniel 1:1 com Jeremias 25:1 e 42:2. Naturalmente, a crítica consi­dera o livro de Jeremias muito mais con­fiável em termos de narrativa histórica.
Duas dificuldades são pretendidas com base nesta comparação:
1. Segundo o profeta Jeremias o 1o. ano de Nabucodonosor, rei da Babilônia, cor­responde ao 4o. ano de Jeoaquim, rei dos judeus. Logo, no 3o. ano de Jeoaquim, Na­bucodonosor não poderia ser rei, como o autor de Daniel afirma.
2. A batalha de Carquemis, na qual Na­bucodonosor derrotou Neco II do Egito, ocorreu, segundo Jeremias, no 4o. ano de Jeoaquim. O texto desse profeta dá a enten­der que Jerusalém não havia sido perturba­da por Nabucodonosor antes dessa bata­lha. O autor de Daniel se equivocou ao afir­mar que no 3o. ano de Jeoaquim, Nabucodo­nosor invadiu Jerusalém. Esses equívocos não seriam cometidos caso o autor do livro fosse contemporâneo de Jeremias.
Na realidade, tais enganos não foram co­metidos. As dificuldades acima desaparecem quando se leva em consideração que dois sistemas de contagem do tempo estão aqui envolvidos: o sistema babilônico, empregado por Daniel, e o sistema palestino, empregado por Jeremias. O primeiro identificava como ano de ascensão aquele em que o rei come­çava a reinar, passando o seguinte ano a ser considerado o primeiro. O outro sistema ig­norava o ano de ascensão e colocava o rei, no inicio do reinado, em seu primeiro ano. Esse fato foi satisfatoriamente comprovado pelas pesquisas feitas por Edwin R. Thiele, cujos resultados aparecem em seu livro The Misterious Numbers of tbe Hebrew Kings, especialmente às páginas 163-165.
Uma comparação dos dois sistemas pode ser assim estabelecida:
 
 
 
 

      Ano                                 Rei Jeoaquim                                  Rei Nabucodonosor

        a.C.        Sistema Babilônico   Sistema Palestino      Sistema Babilônico    Sistema Palestino
              608                  Ascensão                    1o. Ano                            ---                             ---
607                   1o. Ano                      2o. Ano                            ---                             ---
606                   2o. Ano                      3o. Ano                            ---                             ---
605           3o.Ano (Dan.1:1)     4o.Ano (Jer.25:1,42:2)        Ascensão                     1º. Ano
604                   4o. Ano                      5o. Ano                        1o. Ano                      2o. Ano
603                   5o. Ano                      6o. Ano                 2o. Ano (Dan.2:1)            3o. Ano
 
 
 

Isso explica também porque no 2o. ano de Nabucodonosor, Daniel e seus companheiros já eram contados entre os sábios de Babilônia (Daniel 2), quando o escrutínio do rei, para os classificar assim, ocorreu depois de três anos de preparo (1:5, 18 e 20), cálculo inclusivo. Os três anos são: 605, 604 e 603.
Em vista disso, não há porque imagi­nar que o evento de Daniel 1:1 e 2 tenha ocorrido antes da batalha de Carquemis. Flávio Josefo cita o historiador e sacerdo­te habilônico Beroso, segundo o qual a presença de Nabucodonosor foi sentida na Palestina no começo do verão de 605 a.C. ao sufocar, no Egito, uma rebelião que envolveu a Fenícia e a Síria. Beroso fala dos cativos, entre eles judeus que Nabu­codonosor deixou sob os cuidados de seus generais, ao apressar seu retorno a Babilônia para ocupar o trono de seu re­cém-falecido pai, o rei Nabopolassar. Le­vando-se em conta que Daniel relatou es­se fato, com muita probabilidade no pri­meiro ano de Ciro (Daniel 1:21), não é de se estranhar que haja antecipado a Nabu­codonosor o titulo de rei no evento do ca­pítulo 1:1.
Portanto, não existem dificuldades pa­ra os que sustentam a posição tradicional quanto à autoria e época de produção do livro de Daniel, e sim para os que defen­dem o ponto de vista liberal. Como é pos­sível que um judeu, vivendo no 2o. século a.C., na Judéia, ignorou o sistema palesti­no de contagem do tempo e utilizou o sis­tema babilônico, em voga no 6o. século na Mesopotàmia? Essa dificuldade se volta com maior ímpeto contra os mesmos que a advogam, quando nos lembramos que os escritos de Daniel estavam familiariza­dos com o conteúdo de Jeremias 25, que fala dos 70 anos do cativeiro judeu em Ba­bilônia (ver Daniel 9:2). Não é muito es­tranho que ele tenha ignorado a designa­ção do “4o. ano de Jeoaquim” feita por Jere­mias?
E muito mais natural, portanto, supor que, vivendo no 6o. século a.C, na Mesopo­tâmia, o autor não ignorou essa designa­cão, tendo apenas optado pelo sistema vi­gente naquela região onde viveu e escre­veu seu livro.
 
O  SENTIDO RESTRITO DO TERMO CALDEU
 
Esse termo é empregado em Daniel com um sentido mais restrito, isto e, em referência a uma classe especial de sábios em Babilônia. Supõe-se que esse fato evi­dencia uma ocasião posterior para a pro­dução do livro que nos textos cuneifor­mes do 6o. século a.C., a exemplo do res­tante do Velho Testamento, o termo não e empregado a não ser com uma conotação étnica significando a raça oriunda da Cal­déia.
Antes de tudo, devemos notar que Da­niel emprega também o termo caldeu com o sentido étnico nos capítulos 5:30; 9:1 e, possivelmente, 1:4.  Com sentido mais restrito, o termo é empregado nos capítulos 2:2:4; 5; l0; 4:7; 5:7; 11 e. possi­velmente, 3:8.
Tudo o que a crítica pode, nesse caso reivindicar em seu favor, é o testemunho do silêncio, pois é verdade que as inscri­ções cuneiformes do período neo-babilô­nico, até agora conhecidas, não registram o emprego do termo com o sentido restri­to, Mas o silêncio não é nem tão eloqüen­te nem tão duradouro. É uma impropriedade cobrar das inscrições uma cataloga­ção completa dos sábios de Babilônia. Por outro lado, as informações de Herodoto, historiador grego do 5o. século a.C. dão conta, em suas Guerras pérsicas, que os caldeus exerciam uma função sacerdotal desde pelo menos o inicio do reinado de Ciro. Se isso ocorria quando os persas rei­navam, por que não ocorreria quando os próprios caldeus dominavam?
É bom lembrar que a Caldéia inicialmente foi um distrito ao sul de Babilônia, mas nos tempos de Nabucodonosor com­preendia toda ela. Considerando que em 625 a.C. Nabopolassar subiu ao trono de Babilônia e deu início aos 87 anos da di­nastia caldaica, não é difícil supor que um grupo de caldeus passasse a ocupar uma posição de destaque nos assuntos gover­namentais. Aliás, eles são referidos com deferência já nos anais assírios desde os tempos de Assurnasirpal II (9o.seculo a.C.). Os registros reais de Adabe-Nirari III, cem anos mais tarde, mencionam pelo nome vários caldeus que eram chefes preeminentes entre seus vassalos. Portan­to, o grupo dominante, era possuidor de uma tradição política e religiosa. Ao ter­mo caldeu, então, Daniel aplicou um sen­tido restrito, voltado às atividades que o grupo desempenhava.
No próximo número analisaremos ou­tros detalhes históricos do livro de Daniel que a alta-crítica considera serem inexa­tos, para observarmos que, a exemplo des­ses que acabamos de ver, são autênticos e, portanto, dignos de crédito.
 

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