“A
romanização do cristianismo abriu caminho
para o estabelecimento do papado
na antiga sede do império”
José Carlos Ramos, D. Min., é
professor de Daniel
e Apocalipse no Seminário Adventista Latino-Americano de
Teologia, em Engenheiro Coelho, SP.
jcramos@iae2.com.br
Poder político-religioso
ditatorial receberá apoio das nações
A profecia
de Daniel 7, como vimos nas edições anteriores de Sinais, supre dez características do anticristo, o poder representado
pelo “chifre pequeno” surgido entre outros dez no quarto dos quatro animais
contemplados em visão pelo profeta: um poder que (1) se levantaria do Império
Romano, (2) na parte ocidental, e (3) após sua queda; (4) seria diferente, (5)
supressivo, (6) insolente, (7) usurpador, e (8) opressor; (9) dominaria por
certo tempo, e (10) seria aparentemente favorável a Deus.
Uma comparação da
primeira dessas características com o que Paulo afirma sobre o anticristo em 2a
Tessalonicenses 2:4 levou-nos à conclusão de que a referência é ao sistema romano
de governo eclesiástico, conhecido como papado. Isso é confirmado pelas outras
nove características proféticas e a forma como elas se ajustam a esse poder.
Características - Confirmam os fatos que essas características
se cumprem com o papado? A segunda e a última são óbvias; o Estado do Vaticano
se localiza na Europa Ocidental e o romanismo comporta um perfil
professadamente cristão. Quanto à terceira, lembramos que, antes da queda do
Império Ocidental em 476, havia cinco reconhecidos bispados, sendo o de Roma
apenas um deles; os demais eram o de Jerusalém, o de Antioquia, o de
Alexandria e o de Constantinopla. A preeminência do bispo de Roma, em prejuízo
dos demais, intensificou-se com a passagem dos anos, até que, em 533,
Justiniano, imperador oriental em Constantinopla, nomeou-o “cabeça de todas
as igrejas cristãs”. Assim, a romanização do cristianismo abriu o caminho para
o estabelecimento do papado na antiga sede do império, Roma.
Como governo civil/eclesiástico, o poder
representado pelo chifre pequeno é “diferente” (Daniel 7:24) dos demais. A
diferença é também sentida no fato de parecer o chifre pequeno “mais robusto”
que os demais (verso 20). De tal forma o papado se impôs que os poderes civis
da Europa medieval se tornaram subservientes a ele. Mesmo depois da Idade
Média, os mandatários romanistas continuaram a se considerar superiores aos
governantes. “Estamos os eclesiásticos tão acima dos governos, imperadores,
reis e príncipes deste mundo”, pregava Kinzelmann, cura de Allgoeu, no século
19, “quanto o céu acima da terra.”
Para que o sistema
romano religioso se estabelecesse plenamente, três dos reinos representados
pelos dez chifres (versos 20 e 24) foram suprimidos: os hérulos em 493, os
vândalos em 534 e os ostrogodos em 538. Eram reinos arianos que de alguma
forma desestabilizavam o predomínio papal. Dois deles, hérulos e ostrogodos,
situaram-se na própria sede papal, Roma; os vândalos, ao norte da África,
estabeleceram-se próximos a Alexandria, antes uma das sedes de bispado.
A insolência do chifre
pequeno (versos 8, 11, 20 e 25) se cumpre no fato de que o romanismo se tem
distinguido, especialmente com o dogma da infalibilidade papal, por
declarações blasfemas. As palavras de Rui Barbosa sobre as implicações desse
dogma, em sua famosa introdução à obra de Janus, O Papa e o Concílio, vol. 1, págs. 112 e 114, são pertinentes:
“Quando se diz que o infalibilismo é a divinização do papa, não há metáfora na
expressão; há apenas o enunciado literal
e estrito da doutrina ortodoxa... Ele é [segundo o dogma]... o próprio
Deus vivo entre os homens.”
Provando que não exagerava, o grande jurista
citou as palavras do monsenhor Ségur, registradas em Le Souverain Pontife, pág. 198: “O papa é Jesus Cristo na terra.” E
também os termos do já referido Kinzelrnann: “Muito abaixo do padre estão os
anjos e arcanjos... Nós somos superiores à mãe de Deus... Sim, os sacerdotes
estão, até, de certo modo, acima de Deus... Deus criou, é certo, o mundo com a
simples palavra ‘seja’; mas nós, padres, criamos o próprio Deus com três
palavrinhas.”’ Com efeito, Leão XIII escreveu em 20 de junho de 1894: “Nós
ocupamos na Terra o lugar do Deus Onipotente.”
O “chifre pequeno”
ostentaria prerrogativas exclusivamente divinas por seu empenho em mudar a lei
de Deus (verso 25). Uma comparação dos dez mandamentos na Bíblia com os mesmos
em qualquer catecismo indica que isso se deu com a exclusão do segundo mandamento,
que proíbe o culto às imagens (o que requereu que o décimo fosse dividido para
que o número de mandamentos fosse preservado), e com a alteração do quarto, que
requer a santificação do sábado. A versão romana deste mandamento (o terceiro
no catecismo, face à eliminação do segundo) torna o domingo o dia de guarda, e
o próprio romanismo afirma ser ele o responsável pela mudança: “A Igreja
Católica, mais de mil anos antes de um único protestante, em virtude de sua divina
missão, mudou o dia de sábado para o domingo” (Catholic Mirror, 23 de setembro de 1893). “Em que parte das
Sagradas Escrituras se diz que é preciso santificar o domingo?”, pergunta Fernando
Carballo, reconhecida autoridade católica. “Em nenhuma”, responde. E
continua: “Ademais, em nenhuma parte do Evangelho se encontra o mandato de
Jesus: ‘Santifica o domingo em lugar do sábado...’ Por isto, o santificar o dia
de domingo é outro costume que aceitaram e mantiveram os protestantes, baseados também só na Tradição [católica,
por suposto]” (Protestantismo e Bíblia, pág.
60; grifos do autor).
A predita opressão do
chifre pequeno é evidenciada pelos milhares de mártires da Idade Média. “Só na
Espanha foram vitimas da Inquisição 31.912 queimados vivos. Por sua vez,
291.450 supostos hereges foram forçados a se penitenciar mediante submissão à
maré, pesos, fogo, rodas e torniquetes... Um milhão pereceu no massacre dos
albigenses” (Key to the Apocalipse, pág.
91). Trinta mil huguenotes foram mortos na França apenas numa noite, a de São
Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572.
Alega-se que ao tribunal
eclesiástico da Inquisição não competia a execução de sentenciados; que isso
era função da autoridade civil, e que a igreja não deveria ser
responsabilizada. Mas o poder civil na época estava a serviço da igreja, e
dela partiam a iniciativa e instância das execuções. Os termos da bula papal Ad Extirpanda de 1252, emitida por Inocêncio
IV, não deixam dúvida a respeito: “Quando os que forem decretados culpados de
heresia tenham sido remetidos ao poder civil pelo bispo ou seu representante,
ou pela Inquisição, o poder ou magistrado principal da cidade tomá-los-á
imediatamente, e dentro de cinco dias, no máximo, executará as leis feitas
contra eles.”
Duração — A profecia, finalmente, previu a duração
do domínio do “chifre pequeno: três tempos e meio (verso 25), ou, à luz de Daniel 11:13, três anos e meio.
Considerando que, na profecia de gênero apocalíptico, um dia profético equivale
a um ano literal (ver Sinais de abril
de 1998, pág. 21), e que, à luz de Apocalipse 11:3, 12:6, 14, e 13:5, o ano
profético contém 360 dias, três anos e meio proféticos correspondem a 1.260
anos literais. Esse período se iniciou em 538, quando os ostrogodos, o último
dos “três chifres” arrancados, foram expulsos de Roma, e terminou em 1798,
quando Pio VI foi aprisionado e exilado a mando de Napoleão Bonaparte. É
verdade que três anos depois um novo papa ocupou o trono da Igreja, mas não
mais com a mesma autoridade de antes.
Não há dúvida de que
aquilo que foi predito em Daniel 7 sobre o anticristo se cumpriu com precisão
na História. Mas não cessam aí as predições. O Apocalipse prevê que esse mesmo
poder receberá o apoio de todas as nações da Terra (Apoc. 13:3, 7 e 8). Isso é
decisivo para os que amam a Deus e desejam a salvação, pois está claramente
afirmado que os que se sujeitarem ao anticristo não terão seus nomes escritos
no livro da vida (verso 8). Ou seja, não serão admitidos no reino de Jesus.
Ele Se manifestará em glória não apenas para punir os poderes iníquos, mas
acima de tudo para coroar Seus seguidores com o dom da vida eterna.
Sinais
dos Tempos
JULHO-AGOSTO/2003
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