Através
de simbolismo, o livro de Daniel aponta o surgimento de um poder dominador
José Carlos Ramos, D., Min., é
Professor de Daniel e Apocalipse
No Seminário Adventista Latino-
Americano de Teologia, em Eng.
Coelho, SP.
Daniel 7 é realmente uma
profecia muito significativa. Quatro grandes animais
sucedem-se uns aos outros diante do profeta tomado em visão:
um leão alado, um urso, um leopardo com
quatro cabeças e quatro asas, e um animal considerado “terrível, espantoso e
sobremodo forte” (v. 7). Esse quarto animal possui dez chifres. Depois, entre
esses chifres, surge outro chifre pequeno de início mas que cresce em força a
ponto de derrubar três dos anteriores.
Esses animais simbolizam uma sucessão de impérios
que dominaram o mundo a partir do tempo do profeta: respectivamente, Babilônia,
Média-Pérsia, Grécia/Macedônia e Roma. Mas qual o significado do “chifre pequeno”, que surgiu
entre os dez, no quarto animal? É preciso antes de mais nada, identificar que tipo de poder
esse chifre representa, para então observar os detalhes proféticos a ele
aplicáveis.
Esses dois
passos são imprescindíveis para identificar, na História, o poder que cumpre a
profecia.
Não
rei, mas reino — Alguns expositores da profecia bíblica
interpretam o chifre pequeno de Daniel 7 como representando o rei selêucida
Antíoco Epifânio, que no 20 século a.C. se levantou contra os judeus numa
tentativa de lhes impor o helenismo e obrigá-los ás práticas pagãs. Essa
interpretação é adotada pelos intérpretes preteristas, que tomam o longínquo
passado, a época em que a profecia foi dada, como a ocasião do seu cumprimento.
Isso, entretanto, não e correto, mesmo porque o
quarto animal, ao qual pertence o chifre, não simboliza o Império Greco-macedônico,
de onde a linhagem selêucida procede, mas o Império Romano, com o qual Antíoco
não manteve qualquer vínculo.
É verdade que o anjo, ao interpretar a visão para
Daniel, afirmou que o chifre representava um rei (v. 24). Deve-se notar, no entanto,
que mesmo numa interpretação profética, uma personalidade real pode ser símbolo
e não uma literalidade. Isso se evidencia no próprio capítulo 7 de Daniel,
quando o intérprete angelical afirma, no verso 17, que os quatro animais
contemplados na visão “representam quatro reis”. Na realidade, os “reis” devem
ser entendidos como “reinos”, á luz do verso 23, onde ele explica o quarto
animal em termos do “quarto reino”, e não do quarto rei. Igualmente, os “dez
chifres” desse animal são interpretados como “dez reis” (v. 24), que, na
realidade, representam os povos bárbaros que invadiram e dissolveram o Império
Romano, e não dez governantes desses povos. O mandatário, aqui, incorpora o
sistema de poder colocado em exercício.
O mesmo
critério interpretativo deve ser adotado quando se considera o “chifre pequeno”,
surgido entre os dez. O anjo afirma que ele significa “outro [rei], o qual será
diferente dos primeiros [dez]” (v. 24). Se o termo •‘rei” aplicado aos animais,
e então aos dez chifres, significa reino e não meramente um governante que
ostente esse título, por que teria ele outro sentido quando aplicado ao “chifre
pequeno”? Um sistema de governo é o
que a profecia tem em vista, algo distinto dos outros dez (pois é dito que
será “diferente”), e não meramente uma figura real individual.
Ser um reino diferente é uma
característica do “chifre pequeno”. Existem outras características que chamam
a atenção, uma de caráter mais amplo e geral, e as demais, um tanto
específicas, na forma de particularidades.
Poder
do Ocidente - A profecia
de Daniel 7 oferece urna perspectiva de crescimento em força, de animal para
animal, o que significa que os impérios sucessivos seriam cada vez mais poderosos. Isso se cumpriu com precisão na História,
pois houve, de fato, um crescendo de domínio territorial de império para
império, começando com Babilônia. Há também uma transição de poder, de
natureza igualmente progressiva, passando do Oriente (os dois primeiros impérios)
para o Ocidente (os dois últimos). O Império Romano, o mais ocidental da
História, foi o que mais avançou nas quatro direções. O foco final da profecia,
portanto, recai no Ocidente, a direção de onde parte o quarto e maior poder:
Roma. E é aí que se deve concentrar a atenção.
A profecia afirma que o poder
que viria depois do quarto império seria “um reino dividido” (Dan 2:41), o que
não significa necessariamente que depois do Império Romano não haveria nenhum
outro. Historicamente, isso não é verdade. Quando, por exemplo, se afirma que
o poder romano chegou ao fim em 476 d.C., com a queda de Roma e a morte de
Rômulo Augústulo, o último imperador, é ao Império Romano Ocidental que se
está fazendo referência, já que o Oriental avançou até 1453, quando
Constantinopla foi tomada pelos otomanos, que já haviam estendido o domínio
por grande parte do Oriente.
Esses e outros lances foram
ignorados pela profecia. O que ela previu é que não haveria mais um poder dominador
no Ocidente, tal como Alexandre, ou mais exatamente os Césares. Um poder
ocidental “diferente” foi previsto. Como isso aconteceu?
Um
império, duas capitais — A História registra que, diante da crescente
ameaça dos bárbaros, o imperador Constantino remodelou a cidade de Bizâncio
(que se tornou Constantinopla em sua honra), no Oriente, e transferiu para lá,
em 330 d.C., sua residência e a sede de governo. Conseqüentemente, o Império, tornava-se
agora mais oriental que ocidental, embora Roma continuasse em mãos romanas e
com muita influência. De fato, após a morte de Constantino, em 337, dois
imperadores passaram a governar simultaneamente, fazendo com que o mundo
conhecesse, principalmente a partir do final do 4º século, dois impérios
romanos : o Ocidental e o Oriental, com duas capitais. Mas isso por pouco
tempo, pois o domínio do último imperador ocidental chegou ao fim em 476.
O feito de Constantino,
em realidade, culminou uma tendência sentida mais acentuadamente a partir do
imperador Diocleciano. Em 286, seu segundo ano de governo, ele dividiu o
domínio com Maximiano, que comandou o Ocidente. Cada qual elegeu um
associado, e com isso a administração do império foi transformada numa dupla
tetrarquia. Essa situação perdurou até 324, justamente quando Constantino
subiu ao poder, restaurou a centralização do governo e se voltou para o
Oriente.
É
verdade que os bárbaros tentaram invadir a parte oriental do império, mas sem
muito sucesso. Já a mudança da capital para Constantinopla tornou a parte
ocidental mais vulnerável aos avanços deles. Duas incursões de Alarico
colocaram os godos diante de Roma, que em 410 foi saqueada. Em 455 foi a vez de
Genserico, comandando os vândalos. Nesse mesmo tempo, os hunos, sob o comando
de Átila, espalhavam o terror ao norte da Itália. A situação se intensificou
até que Odoacro pôs fim ao império.
A
profecia concentra sua atenção justamente nesses povos que invadiram o império
do Ocidente, e entre eles menciona um poder “diferente”, que exerceria o
domínio. Este, representado pelo “chifre pequeno”, é, portanto, um
poder ocidental, já que os demais se estabelecem no Ocidente.
Esse
detalhe profético mais amplo e de caráter geral é acompanhado de outros mais
específicos. Por exemplo, o “chifre
pequeno” não surgiria apenas entre os “dez
chifres”, mas também depois deles , e derrubaria três daqueles chifres (v. 24).
Esse chifre também falaria contra Deus,
perseguiria os Seus fiéis, mudaria a sua lei e dominaria por 1260 dias
(v. 25). Além disso, é dito que esse chifre possuía olhos e boca como os de
homem (v.8 e 20). Como entender esse detalhe, se o elemento humano, o segundo
bloco de símbolos de Daniel 7, aponta para forças aliadas a Deus e a Seu povo ?
Bem, todas essas previsões precisam se encaixar no
poder representado pelo “chifre pequeno” de Daniel 7. Quem é ele afinal ?
Sinais dos Tempos Janeiro/Fevereiro 2003
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