Poderes
em conflito
A Bíblia previu o surgimento de um sistema humano
que tentaria assumir o papel de Cristo
“A verdade não é um mero conceito filosófico, mas sim uma
Pessoa, Jesus”
José Carlos Ramos, D.Min., é professor de Daniel e
Apocalipse no Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, em Engenheiro
Coelho, SP.
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a visão registrada no capítulo
8 de seu livro, o profeta Daniel contem-piou um carneiro e um bode, representativos
de dois poderes que dominaram o mundo entre 539 e 168 a.C.: os impérios da
Média-Pérsia e da Grécia. A atenção do profeta foi então chamada para um novo
chifre, pequeno de início, mas que se tomou muito forte para o sul, para o
oriente e para a terra gloriosa” (verso 9). Esse chifre é símbolo do governo
romano (ver a edição anterior).
A
referência ao “sul”, “oriente” e “terra
gloriosa” e apropriada para caracterizar a expansão do
Império Romano. Os romanos, surgidos do ocidente,
avançaram para o sul, na conquista do Egito; para o oriente, começando com a
conquista da Macedônia (que, em relação a Roma, situa-se naquela direção) e
prosseguindo até a Síria e pontos mais distantes; e finalmente para a “terra gloriosa”,
na conquista da Judéia.
Uma consideração mais atenta às características
e atitudes do chifre pequeno, conforme relacionadas em Daniel 8, leva-nos a
concluir que a profecia, todavia, alude às duas formas do domínio romano,
imperial e eclesiástico. Isso não deve nos surpreender, pois, como visto nas
edições de janeiro a agosto de Sinais, o
capítulo 7 do livro também se vale da figura de um “chifre pequeno”
como símbolo do sistema papal.
Nessa profecia, dois símbolos
distintos foram usados em alusão a duas formas de poder (o quarto animal e o
chifre pequeno nele surgido). A idéia aqui é Roma eclesiástica como segmento ou parte do antigo império.
Mas não podemos esquecer que. como a História constata, ocorre mútua identidade
entre ambas as formas, pois os papas
foram os legítimos herdeiros do trono imperial (ver a edição de maio/junho de Sinais), A idéia agora, no capítulo 8, é
Roma eclesiástica como seguimento ou
seqüência do antigo império. É natural,
portanto, que apenas um símbolo, neste capitulo, englobe as duas formas.
Detalhes
proféticos - Vejamos agora alguns detalhes específicos da profecia
e sua interpretação.
O verso 10 diz: “Cresceu até atingir o
exército dos céus” (representativo do povo de Deus). Em termos de Roma imperial, isso é uma alusão às
perseguições movidas pelos imperadores romanos á igreja cristã, nos três primeiros
séculos da nossa era; em termos de Roma
eclesiástica, é uma alusão ás perseguições movidas pelo romanismo,
principalmente na era medieval, a todos os que não se sujeitavam a seus
ditames, considerados “hereges” e sentenciados pela tribunal da Inquisição
(ver edição de julho/agosto).
Verso 10: “...a alguns do
exército e das estrelas [que representam a liderança do povo de Deus] lançou
por terra e os pisou.” Quanto á Roma
imperial, isso significava o martírio imposto pelos imperadores romanos
aos apóstolos e outros líderes da igreja nos primeiros séculos. Em relação á Roma eclesiástica, significava o
martírio imposto pelo romanismo a líderes de grupos reformadores, como João
Huss e Jerônimo Savonarola, entre outros.
Verso 11: “...engrandeceu-se até
o Príncipe do exército” (conforme Daniel 12:1, o Príncipe é Jesus). Em relação
á Roma imperial, isso se
aplica á morte de Jesus por ordem do tribunal romano sob Pôncio Pilatos, em 31
d.C. Em termos de Roma eclesiástica, há duas aplicações:
(1)
à atitude do romanismo contra dissidentes na Idade
Média, perseguindo-os e matando-os, o que significava um ataque indireto a
Cristo; e
(2)
a partir do titulo de Sumo Pontífice, às
prerrogativas do papado, pelas quais ao chefe máximo do romanismo foi
atribuida paridade com Cristo.
Verso 11: “.., dEle [do
Príncipe = Cristo] tirou o sacrifício costumado e o lugar do
Seu santuário foi deitado abaixo.., deitou a verdade por terra.” Em termos de Roma imperial, os exércitos romanos
destruíram Jerusalém e arrasaram o templo em 70 d.C. Além disso, o paganismo
sempre se opôs à verdade divina, por perseguição e por perversão do que é
correto. Em termos de Roma eclesiástica, o romanismo instituiu e impôs
um sistema de salvação oposto ao evangelho. Tal sistema, de fato, neutralizou
a eficácia expiatória do Calvário e do ministério sumo sacerdotal de Jesus no
santuário celestial, cristalinamente expostos nas páginas do Novo Testamento.
Este pormenor reaparece em Daniel
11:31, onde é dito que o “sacrifício costumado” seria substituído pela
“abominação assoladora”. Com efeito, o romanismo desviou a atenção dos
pecadores do ministério de Jesus em favor deles. Desviou a atenção de Jesus, o
único Sumo Pontífice e intercessor no santuário celestial, para um sistema
salvífico com base em obras meritórias: penitências, pagamento de promessas,
compra de indulgências, peregrinações, mortificações. E, para solidificar todo
esse aparato do mérito humano, o romanismo concorreu com missas, confissão
auricular, pontificado e sacerdócio clerical, queima de incenso, oferecimento
de sacrifício incruento (hóstia) e a garantia ao fiel do Céu após a morte (e
mesmo ao mais ou menos fiel, mediante as penas no purgatório). Na verdade,
um santuário paralelo foi levantado neste mundo para obliterar o celestial e
substituir a obra mediadora de Jesus.
Verso 12: “deitou por terra a
verdade.” Na Roma imperial, como foi
dito, o paganismo, que contou sempre com amplo consenso e apoio do império, se
opôs às instituições divinas por intolerância e por perversão da verdade. Na Roma eclesiástica, a igreja, pura em seu
começo, não perseverou em ser “coluna e baluarte da
verdade” (1a.Tim. 3:15). Aos poucos, cedeu a pressões externas em
matéria de fé e doutrina. Nos anos que antecederam á instituição do papado,
no 60 século, filosofias e práticas pagãs adentraram o cristianismo e
pavimentaram o caminho para a institucionalização do engano. O ensino e a
prática da religião ficaram em total desacordo com os princípios da Bíblia,
antes plenamente incorporados pelos cristãos primitivos.
Que no transcurso da
História uma grande apostasia avançou em solo cristão é evidente pelo fato de
que, em geral, ser cristão hoje não corresponde a ter sido cristão no 1o.
século. Paulo previu que a apostasia, após a era apostólica, iria seduzir a
muitos. “Sei que, depois da minha partida... se levantarão homens falando
coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles” (Atos 20:29 e 30).
Para tanto, em muito
contribuiu, no 40 século, a pretendida conversão de Constantino (que
permaneceu pagão até pouco antes da morte, quando recebeu o batismo). Cedo,
esse imperador compreendeu que lhe seria propício o apoio das comunidades
cristãs do império. Tão logo foi proclamado imperador, em 306, garantiu liberdade
de culto aos cristãos, passando a se reunir com eles. “Mas seu pensamento era
político”, afirma Luís Aznar, em sua introdução á versão
hispânica da Historia
Eclesiástica, de
Eusébio de Cesaréia, contemporâneo de Constantino. “Ele queria organizar as comunidades
episcopais autônomas numa igreja universal, hierarquizada e doutrinariamente
homogênea, que correspondesse ao império como a alma ao corpo.
Com isso, a fusão
paganismo/cristianismo se tornou inevitável. E desse tempo que vêm o culto ás
imagens, que se tornaria mais ostensivo a partir do século 9, e o primeiro
decreto dominical, demandando, com força de lei civil, a guarda do domingo,
identificado pelo próprio imperador como “o venerável dia do Sol”, o deus mais
universal do panteão romano.
Poucos anos mais tarde,
o Concilio de Laodicéia ratificou o decreto de Constantino, acrescentando que
todo aquele que guardasse o sábado seria excomungado. É nesse
contexto que a igreja cristã se tornou hierárquica e universal (ou católica).
Volta à verdade — Segundo a Bíblia,
a verdade não é um mero conceito filosófico. É antes de tudo uma Pessoa, Jesus. “Eu sou o
caminho, e a verdade e a vida” (João 14:6). É também a expressão e
ensinamento desse Deus que veio ao mundo para “dar testemunho da verdade”
(18:37). É por
isso que a mesma Bíblia diz: “a Tua Palavra é a verdade” (17:17) e “a Tua lei é
a própria verdade” (Sal. 119:142). No que diz respeito a Jesus, a verdade foi
jogada por terra quando um sistema espúrio de salvação tomou o lugar do
genuíno evangelho. No que diz respeito à Bíblia, quando a tradição
humana suplantou a Palavra de Deus; e no que diz respeito à lei, quando ela
foi adulterada pela ousadia clerical.
Mas a verdade não
ficaria jogada por terra para sempre. Daniel 8 prediz um tempo em que ela
seria restaurada. E cabe a todo ser humano a responsabilidade de buscar na
Bíblia, e só nela, essa verdade pura.
Sinais dos Tempos Novembro-Dezembro/2003
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