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quarta-feira, 14 de maio de 2014

O ERRO DE SANTO AGOSTINHO - A IGREJA É O REINO DE DEUS NA TERRA



A Igreja não é exatamente o Reino de Deus na Terra,

conforme pensava o famoso teólogo

A profecia do capitulo 2 do livro do profeta Daniel já foi quase toda cumprida na História. Falta apenas o último detalhe a pedra que atin­ge os pés da estátua do sonho de Nabucodo­nosor, rei de Babilônia, e a destrói completa­mente (Dan 2:34 e 35). Esta pedra foi inter­pretada pelo profeta como sendo um símbolo da implantação do Reino de Deus na Terra (versos 44 e 45). Que reino é esse?

As profecias bíblicas sempre chamaram a atenção de estudiosos. Em todos os tempos houve pessoas que se voltaram a elas para compreender o significado dos eventos de seus dias, e acompanhar, mais efetivamente, a maneira como Deus vai conduzindo o cum­primento de Seus propósitos na Terra. Al­guns se precipitaram na interpretação, não resistindo à tendência de ver em acon­tecimentos contemporâneos o cumprimento de certas afir­mações proféticas.

Entre eles, podemos mencionar Agostinho, bispo de Hipona, hoje Anaba, Argélia. Egres­so de uma vida liber­tina, Agostinho tor­nou-se professor em Cartago e Roma, onde foi acolhido pelos ma­niqueus, uma seita he­rética à qual se filiara anteriormente. Com 30 anos, e agora cético, transferiu-se para Mi­lão, tornando-se um assíduo ouvinte de Am­brósio, o bispo local, que o fez pensar no cris­tianismo. Na verdade, seu ceticismo começa­ra a ruir desde que passou a estudar os escri­tos de Platão; mas questionava se devia se tor­nar um cristão. Certo dia, abrindo a epístola de Paulo aos Romanos, deparou com um apelo ao leitor para não viver “em orgias e bebe­dices”, nem buscar os prazeres carnais (Rom. 13:13 e 14).

Conforme ele admitiu, esse texto foi sufi­ciente para banir suas incertezas; converteuse, satisfazendo assim o grande sonho de sua mãe, que continuamente orava por ele. Bati­zado em 387, organizou um mosteiro em sua cidade natal, Tagaste (atual Souk-Ahras na Argélia), e tornou-se bispo em Hipona, aos 42 anos, primeiramente associado, depois titular.

 

Conceito de igreja Escritor prolífico, não se sabe ao certo quantas obras, além de inúmeras cartas e reflexões breves, Agostinho escreveu; os números variam entre 93 e 113, com desta­que para Confissões e A Cidade de Deus. Nesta obra, ele contrasta duas cidades, a de Deus, Jerusalém” (superior, permanen­te), e a da Terra, “Babilônia”(inferior, transitória).

Para escrever A Cicia­de de Deus, o monge. provavelmente, se ins­pirou no platonismo, pelo qual devotava grande apreço. Platão, com sua teoria das idéias, concebeu a existência de dois mundos distintos e pa­ralelos; um material e per­ceptível, o dos sentidos, e outro real e divino, o do pensamento, e, portan­to, superior. A obra de Agostinho refletiria o dualismo platônico, pois as duas cidades idealizadas por ele estão igualmente em antíte­se: uma é divina, a Igreja; a outra é terrena, o Estado. Da mesma forma que, segundo Platão, o mundo dos sentidos deve submis­são ao mundo do pensamento, também a ci­dade terrena deve lealdade e serviço à cida­de divina; aquela deve se submeter à autori­dade e orientação desta.

Com base no dualismo das “duas cidades” e certamente influenciado por aquilo que presenciava em seus dias, Agostinho inter­pretou a profecia de Daniel 2, referente à pe­dra que se transformou numa grande monta­nha e absorveu os reinos da Terra, como sen­do a Igreja. O imperador Teodósio havia morrido em janeiro de 395 e antes que o ano terminasse, os temí­veis godos, conduzidos por Alarico, começaram a avançar em território imperial, atingindo a Trácia, a Mace­dônia e a Grécia. Depois atravessa­ram os Alpes e os Apeninos, e surgi­ram diante de Roma, que não resistiu por muito tempo. Em 409, a cidade foi invadida e pilhada, sem que a Igreja fosse molestada.

Em outras palavras, o monge via o Estado secular se esboroando, en­quanto a Igreja, em trajetória ascen­dente desde o tempo de Constantino, era vista como um reino indestrutível e que não passaria “a outro povo” (v. 44). E como ele adotasse o falso con­ceito de que o milênio do Apocalipse é um período indefinido que trans­corre entre os dois adventos, imagi­nou que Cristo, através da Igreja, já reinava sobre o inundo, O domínio do Reino de Deus se efetivava agora quando o cristianismo se tornara ofi­cial no Império; a evidência era clara:

os bárbaros estavam chegando.

 

O equívoco do monge Agostinho estava equivocado. Sem dúvida, o verdadei­ro cristianismo, aquele fundamenta­do exclusivamente na Palavra de Deus, é invencível, pois seu grande lí­der, Jesus Cristo, jamais perdeu uma batalha; mas não é um mundo mau e pecaminoso que Ele promete a Seus seguidores, e sim uma “nova Terra” onde habita a justiça (II Ped 3:13), e que, finalmente, tomará o lugar desta em que vivemos. Quando isso acon­tecer, Daniel 2:44 e 45 terá seu corre­to cumprimento. A descrição deste maravilhoso mundo, que será a exte­riorização do Reino de Deus, aparece na parte final do Apocalipse.

A partir de Constantino, o cristia­nismo tornou-se uma religião impe­rial, e o seu processo de paganização foi significativamente intensificado. Cresceu no poderio mundano, é ver­dade, mas decaiu vertiginosamente no âmbito espiritual; marchava, no tempo de Agostinho, para a Idade Média, quando o auge da apostasia seria atingido.

Que a interpretação agostiniana da “pedra” de Daniel 2 é insustentável, infere-se dos seguintes pontos:

1. No sonho, a pedra atinge a es­tátua nos pés, ou seja, no fim da His­tória; dai a impropriedade de se apli­car esta profecia ao 4o. ou 5o. século d.C., quando o Império Romano, re­presentado pelas pernas de ferro, ainda dominava.

2.  O Reino de Deus, que suplanta­rá e substituirá os reinos do mundo, é literal, material (ainda que possua uma dimensão espiritual) e visível, e não meramente religioso e figurativo, como a Igreja.

3.  A Igreja começou pequena e cresceu paulatinamente e em convi­vência com as nações. A pedra de Da­niel 2 destrói de vez os reinos terres­tres, e se torna imediatamente um po­der mundial (representado pela “grande montanha que encheu toda a Terra”, verso 35), sem conviver com nenhum outro reino.

4.  O reino da profecia abarca o mundo inteiro, e não apenas uma parte dele; mas até hoje a Igreja não conquistou o mundo. Há mais não-cristãos na Terra do que cristãos.

5. Finalmente, a própria Igreja Ca­tólica, embora não se pronuncie cla­ramente sobre o conceito bíblico do “Reino de Deus”, ensina que este é distinto da Igreja.

Não é por acaso que Agostinho seja considerado na história do ca­tolicismo o mais célebre dos padres latinos e grande teólogo. Seus con­ceitos contribuíram muito para moldar o pensamento católico quanto ao relacionamento igre­ja/Estado, estabelecendo, por um lado, o direito papal ao poder secu­lar, e, por outro, as prerrogativas da Igreja de interferir, junto aos gover­nantes, nas decisões de assuntos exclusivamente civis.

Na Idade Média, de fato, o poder civil se tornou, em vários casos, sub­serviente ao papado, coincidindo com o ideal agostiniano de um Esta­do segundo os critérios da Igreja. A luz do Apocalipse, esta situação esta­rá de volta muito em breve. Mas isto é assunto para edições futuras.

 

Sinais dos Tempos      Novembro-Dezembro/2001

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