A Igreja não é exatamente o Reino de Deus na
Terra,
conforme pensava o famoso teólogo
A profecia do
capitulo 2 do livro do profeta Daniel já foi quase toda cumprida na História.
Falta apenas o último detalhe — a pedra que atinge os pés da estátua do sonho de
Nabucodonosor, rei de Babilônia, e a destrói completamente (Dan 2:34 e 35).
Esta pedra foi interpretada pelo profeta como sendo um símbolo da implantação
do Reino de Deus na Terra (versos 44 e 45). Que reino é esse?
As profecias bíblicas sempre
chamaram a atenção de estudiosos. Em todos os tempos houve pessoas que se
voltaram a elas para compreender o significado dos eventos de seus dias, e
acompanhar, mais efetivamente, a maneira como Deus vai conduzindo o cumprimento
de Seus propósitos na Terra. Alguns se precipitaram na interpretação, não
resistindo à tendência de ver em acontecimentos contemporâneos o cumprimento
de certas afirmações proféticas.
Entre eles, podemos mencionar Agostinho, bispo de
Hipona, hoje Anaba, Argélia. Egresso de uma vida libertina, Agostinho tornou-se
professor em Cartago e Roma, onde foi acolhido pelos maniqueus,
uma seita herética à qual se filiara anteriormente. Com 30 anos, e
agora cético, transferiu-se para Milão, tornando-se um assíduo ouvinte de Ambrósio,
o bispo local, que o fez pensar no cristianismo. Na verdade, seu ceticismo
começara a ruir desde que passou a estudar os escritos de Platão; mas
questionava se devia se tornar um cristão. Certo dia, abrindo a epístola de
Paulo aos Romanos, deparou com um apelo ao leitor para não viver
“em orgias e bebedices”, nem buscar os prazeres carnais (Rom. 13:13 e 14).
Conforme ele admitiu, esse texto foi suficiente
para banir suas incertezas; converteuse, satisfazendo assim o grande sonho de
sua mãe, que continuamente orava por ele. Batizado em 387, organizou um
mosteiro em sua cidade natal, Tagaste (atual Souk-Ahras na
Argélia), e tornou-se bispo em Hipona, aos 42 anos, primeiramente associado,
depois titular.
Conceito
de igreja — Escritor prolífico, não se sabe ao certo quantas
obras, além de inúmeras cartas e reflexões breves, Agostinho escreveu; os
números variam entre 93 e 113, com destaque para Confissões e A Cidade de Deus. Nesta obra, ele contrasta duas
cidades, a de Deus, Jerusalém” (superior, permanente), e a da Terra,
“Babilônia”(inferior, transitória).
Para escrever A Ciciade de Deus, o
monge. provavelmente, se inspirou no platonismo, pelo qual devotava grande
apreço. Platão, com sua teoria das idéias, concebeu a existência de
dois mundos distintos e paralelos; um material e perceptível, o dos sentidos,
e outro real e divino, o do pensamento, e, portanto, superior. A obra de
Agostinho refletiria o dualismo platônico, pois as duas cidades idealizadas por ele
estão igualmente em antítese: uma é divina, a Igreja; a outra é terrena, o
Estado. Da mesma forma que, segundo Platão, o mundo dos sentidos deve submissão
ao mundo do pensamento, também a cidade terrena deve lealdade e serviço à cidade
divina; aquela deve se submeter à autoridade e orientação desta.
Com base no dualismo das “duas
cidades” e certamente influenciado por aquilo que presenciava em seus
dias, Agostinho interpretou a profecia de Daniel 2, referente à pedra que se
transformou numa grande montanha e absorveu os reinos da Terra, como sendo a
Igreja. O imperador Teodósio havia morrido em janeiro de 395 e antes que o ano
terminasse, os temíveis godos, conduzidos por Alarico, começaram a avançar em
território imperial, atingindo a Trácia, a Macedônia e a Grécia. Depois
atravessaram os Alpes e os Apeninos, e surgiram diante de Roma, que não
resistiu por muito tempo. Em 409, a cidade foi invadida e pilhada, sem que a
Igreja fosse molestada.
Em outras palavras, o
monge via o Estado secular se esboroando, enquanto a Igreja, em trajetória
ascendente desde o tempo de Constantino, era vista como um reino indestrutível
e que não passaria “a outro povo” (v. 44). E como ele adotasse o falso conceito
de que o milênio do Apocalipse é um período indefinido que transcorre entre os
dois adventos, imaginou que Cristo, através da Igreja, já reinava sobre o
inundo, O domínio do Reino de Deus se efetivava agora quando o cristianismo se
tornara oficial no Império; a evidência era clara:
os bárbaros estavam chegando.
O equívoco do monge — Agostinho estava equivocado. Sem dúvida, o
verdadeiro cristianismo, aquele fundamentado exclusivamente na Palavra de
Deus, é invencível, pois seu grande líder, Jesus Cristo, jamais perdeu uma
batalha; mas não é um mundo mau e pecaminoso que Ele promete a Seus seguidores,
e sim uma “nova Terra” onde habita a justiça (II Ped
3:13), e que, finalmente, tomará o lugar desta em que vivemos. Quando isso acontecer,
Daniel 2:44 e 45 terá seu correto cumprimento. A descrição deste maravilhoso
mundo, que será a exteriorização do Reino de Deus, aparece na parte final do
Apocalipse.
A partir de Constantino,
o cristianismo tornou-se uma religião imperial, e o seu processo de
paganização foi significativamente intensificado. Cresceu no poderio mundano, é
verdade, mas decaiu vertiginosamente no âmbito espiritual; marchava, no tempo
de Agostinho, para a Idade Média, quando o auge da apostasia seria atingido.
Que a interpretação
agostiniana da “pedra” de Daniel 2 é insustentável, infere-se
dos seguintes pontos:
1. No sonho, a pedra atinge a
estátua nos pés, ou seja, no fim da História; dai a impropriedade de
se aplicar esta profecia ao 4o. ou 5o. século d.C.,
quando o Império Romano, representado pelas pernas de ferro, ainda dominava.
2. O Reino de Deus, que suplantará e substituirá
os reinos do mundo, é literal, material (ainda que possua uma
dimensão espiritual) e visível, e não meramente religioso e
figurativo, como a Igreja.
3. A Igreja começou pequena e cresceu
paulatinamente e em convivência com as nações. A pedra de Daniel 2
destrói de vez os reinos terrestres, e se torna imediatamente um poder
mundial (representado pela “grande montanha que encheu toda a Terra”,
verso 35), sem conviver com nenhum outro reino.
4. O reino da profecia abarca o mundo inteiro, e
não apenas uma parte dele; mas até hoje a Igreja não conquistou
o mundo. Há mais não-cristãos na Terra do que cristãos.
5. Finalmente, a própria Igreja Católica,
embora não se pronuncie claramente sobre o conceito bíblico do “Reino de
Deus”, ensina que este é distinto da Igreja.
Não é por acaso que
Agostinho seja considerado na história do catolicismo o mais
célebre dos padres latinos e grande teólogo. Seus conceitos contribuíram muito
para moldar o pensamento católico quanto ao relacionamento igreja/Estado,
estabelecendo, por um lado, o direito papal ao poder secular, e, por
outro, as prerrogativas da Igreja de interferir, junto aos governantes, nas
decisões de assuntos exclusivamente civis.
Na Idade Média, de fato, o
poder civil se tornou, em vários casos, subserviente ao papado,
coincidindo com o ideal agostiniano de um Estado
segundo os critérios da Igreja. A luz do Apocalipse, esta
situação estará de volta muito em breve. Mas isto é assunto
para edições futuras.
Sinais dos Tempos Novembro-Dezembro/2001
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