Historiadores antigos dizem que Daniel foi
profeta.
por José Carlos Ramos
No
intuito de substanciar sua posição contrária à genuinidade profética do livro
de Daniel, os críticos alegam duas evidências externas como indicativas de que
esse livro é uma produção anônima do 2~ século a.C. A primeira se liga ao
processo de canonização, e a segunda é conhecida como a ausência de Daniel no
“elogio aos pais” feito por Jesus Bem Siraque, autor do Eclesiástico.
A
alta-crítica argumenta que os judeus consideraram o livro de Daniel como de
posterior produção, pois o incluíram na terceira divisão do cânon hebreu, conhecida
como Kethubim (os Escritos), e não na
segunda, conhecida como Nebhiim (os Profetas),
conforme se pode observar no Talmude Babilônico, uma coletânea das tradições
rabínicas datada do 4o. século d.C. Com base nessas conclusões, também
afirmam que Daniel não foi reconhecido como profeta.
JESUS
BEM SIRAQUE
Em Eclesiástico 44-49, obra reconhecida
como do 2o. século a.C., Jesus Bem Siraque, o autor, tece uma série
de elogios a vários dos antepassados da história de Israel. Daniel não é
mencionado, o que tem levado os críticos a reforçar o argumento de uma data
tardia para os seus escritos. Mas isso bem pouco significa, quando se considera
que o referido escritor jamais pretendeu esgotar a lista dos grandes vultos de
Israel.Tanto que ele não menciona, além de Daniel, a Esdras, um dos lideres
exponenciais do retorno dos judeus à Palestina. Ninguém, por isso, invalidaria
a realidade histórica de Esdras, ou o colocaria em tempos posteriores à edição
do Eclesiástico de Jesus Bem Siraque que deixa igualmente de citar a todos os
juizes, exceção feita a Samuel. Também não fazem parte de sua lista reis
piedosos que marcaram época na realeza judaica, como Asa e Josafá. Nem o grande
Mardoqueu, do livro de Ester, foi lembrado.
Para compensar tal omissão da
parte do autor do Eclesiástico existe um significativo número de referências
feitas, direta ou indiretamente, a Daniel na literatura intertestamental.
Vejamos a lista:
Fragmento Zadoquita (1o.ou 2o. Século
a. C). Contém várias citações de Daniel.
III
Sibilinos (145-140 a.C.). Refere-se aos 10 chifres de Daniel 7.
Fragmento
Zadoquita (1o.ou 2o.século a.C.)
Testamento dos 12 Patriarcas (109-107 a.C.).Traz numerosas
citações sobre Daniel.
Livro dos Jubileus (109
a.C.).Toma emprestado de Daniel 9:24 o
esquema das semanas de anos.
Salmos de Salomão (70-30
a.C.). Fala da ressurreição, citando Daniel
12.
Aparte final de I Enoque (64 a.C.). Possui trechos de
Daniel 7.
Livro da Sabedoria (50
a.C.). Cita Daniel 12.
Essas referências indicam a
popularidade de Daniel nos círculos literários da época. Podemos finalmente
mencionar I Macabeus, escrito entre 137 e 105 a.C., que além do registro de
importantes citações de Daniel, perpetuou o testemunho do idoso sumo
sacerdote Matatias pouco antes de morrer em 166 a.C., tecendo um elogio, nos
moldes de Jesus Bem Siraque a vultos preeminentes da história de Israel, entre
eles, Daniel, Ananias, Azarias e Misael. Suas palavras foram:
“Porventura Abraão não foi
achado fiel na tentação, e não lhe foi isto imputado à justiça? José guardou os
mandamentos no tempo da sua angústia, e veio a ser o senhor de todo o Egito.
Finéias, nosso pai, abrasando-se em zelo, pela lei de Deus, recebeu a promessa
dum sacerdócio eterno. Josué, cumprindo a palavra do Senhor, veio a ser chefe
de Israel. Caleb, dando testemunho na assembléia do povo, recebeu uma herança.
Davi, pela sua brandura, conseguiu para sempre o trono do reino. Elias,
ardendo em zelo pela lei, foi arrebatado ao céu. Ananias, Azarias e Misael,
crendo firmemente, foram salvos das chamas. Daniel, na sua simplicidade, foi
livre da boca dos leões:’ (1 Macabeus 2:52-60, versão católica do Pe. Matos Soares).
Poderia um testemunho como
esse, em favor das últimas quatro personalidades mencionadas, ter sentido,
tivesse mesmo o livro de Daniel sido escrito por um judeu anônimo, autor de vários
deslizes históricos, que viveu nos tempos da própria produção de I Macabeus?
OUTRAS
EVIDÊNCIAS
O ponto de vista que não confere autenticidade ao livro de
Daniel deve ser rejeitado pelas seguintes razões:
1- Se o livro de Daniel provém
do 2o. século a.C. por pertencer aos Escritos, esse deveria ser
também o caso de todos os demais livros que compõem essa divisão do canon
hebreu. Porém, mesmo a alta-critica reconhece que vários documentos pertencentes
a ela são bem antigos.
2- A tríplice divisão hebraica
do Antigo Testamento não indica que os judeus reconheciam diferentes níveis
de inspiração. Era apenas uma forma didática de referendar os escritos
sagrados. Assim, a colocação de Daniel na terceira divisão não lhe confere
menor importância. As três divisões não significam nem mesmo que ocorreram
três estágios de canonização.
3- Flávio
Josefo, duzentos anos antes da elaboração do Talmude Babilônico, colocou Daniel
entre os profetas (Contra Apion 1.8),
o que indica que os judeus do primeiro e segundo séculos d.C. assim o
consideravam.
4- O Novo Testamento também o reconhece como profeta. O
discurso escatológico de Jesus (Mat. 24 e 25; Mar. 13; Luc. 21), a referência
do apóstolo Paulo à vinda do “homem do pecado” (II Tess. 2), e várias partes do
Apocalipse estão ligadas à mensagem de Daniel.
5- Os judeus que traduziram as Escrituras Hebraicas para o
grego koínê colocaram Daniel entre
os profetas na Septuaginta, tal como
aparece em nossas Bíblias, após o livro de Ezequiel e antes de Oséias. A
produção da Septuaginta data do segundo ou, mais provavelmente, do terceiro
século a.C.
6- Vários estudiosos reconhecem
que Daniel foi inserido na terceira divisão do cânon porque os judeus não o
consideraram um profeta no sentido técnico do termo. Ele não cumpriu o oficio
de um profeta, como ocorreu com aqueles que assim foram considerados.
Oficialmente, ele foi mais estadista que profeta, e por aquilo que é relatado
acerca dele em seu livro, somado ao testemunho de Ezequiel 28:3, os judeus o
colocaram na galeria dos sábios de Israel. Mas eles viram na mensagem de
Daniel os elementos proféticos necessários para torná-la tão normativa como os
demais escritos proféticos.
7- Esse fato é constatado pelo
valor atribuído a Daniel pelos sectários de Qumran, que achavam que suas
profecias diziam respeito aos seus dias (1o. século d.C.). Ademais,
os vários manuscritos e fragmentos do livro encontrados nas cavernas 1 e 4,
revelam a popularidade da obra. Um florilégio, encontrado na caverna quatro,
registra uma referência a Daniel como “o profeta”.
8- Os escritos de Daniel
possuíam valor profético já no 4o. século a.C. Uma tradição
preservada por Josefo, diz que o sumo sacerdote Jadua interceptou Alexandre o
Grande em sua marcha contra Jerusalém. Isso teria ocorrido entre a conquista
de Tiro e a primeira batalha contra os persas, antes de 334 a.C. Jadua, no
traje sumo-sacerdotal, acompanhado de vários sacerdotes também trajando as
vestes do oficio, impressionou o conquistador ao ponto de Alexandre considerá-lo
como emissário de um Deus que antes lhe aparecera em sonho garantindo-lhe a
conquista do Oriente. Entrando em Jerusalém, foi ao templo para adorar, quando
então Jadua lhe teria mostrado as previsões de Daniel, segundo as quais seria o
conquistador da Pérsia. Muito contente, Alexandre outorgou diversos favores aos
judeus (Antigüidades Judaicas, Xl,
8, 5).
Os críticos consideram o relato
uma simples lenda, mas teriam que explicar por que razão Alexandre jamais
perturbou os judeus. São também inconsistentes, ao aceitar o que Josefo diz
imediatamente antes da fala de Jadua. O historiador afirma em Antigüidades, XI, 7,2 que Jadua procede
dos tempos imediatos a Dario, possivelmente o segundo rei com esse nome
(423-404 a.C.), o que indica que a lista de sumos sacerdotes de Neemias 12:10
e 11, realmente data da época de Neemias e não de uma época posterior como
alguns pensavam.
A alta-crítica não questiona o
relato de Josefo, mas rejeita a historicidade da visita de Alexandre a
Jerusalém. Vale observar que Josefo é confirmado pelos papiros de Elefantina
que mencionam Jônatas, pai de Jadua, como sumo sacerdote em 408 a.C.
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