Ouvido sensível
É importante ouvir a Deus, ao próximo e a si mesmo
“O medo de ficar em silêncio se
deve ao temor de enfrentar os subterrâneos mais profundos de si mesmo”
Augusto César Maia é psicólogo
clinico em Campinas, SP.
A correria do
dia-a-dia é uma característica que define bem a condição do ser humano atual.
Procurar entendê-la é um modo racional de perceber os sinais dos tempos em que
vivemos, a fim de poder descobrir uma forma de ajudar aqueles que vivem
escravizados pelo cotidiano repetitivo que privilegia as exigências externas
que o mundo e a convivência com o outro lhes impõem.
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Na busca da realização de nossas metas, somos constantemente estimulados
ao exercício de atitudes cujos objetivos estão fora de nós, e gradativamente
vamos nos habituando a pensar e agir sem levar em conta o que está se passando
em nosso “mundo interior”.
Talvez o drama do homem moderno consista em não saber que tem uma vida
interior. Quem é? Por que não consegue fazer tal coisa? Qual é a sua função
neste planeta? Por que existe? Neste inicio de século, temos observado que o
homem, esse desconhecido, tem profunda dificuldade de ficar em silêncio para
poder ouvir seu próprio coração.
Aliado a isso existe um desconhecimento profundo do Outro. Somos tão
egocêntricos, tão egoístas, que nos incapacitamos para ouvir os outros. Não
sabemos ouvi-los (ficar em silêncio); conseqüentemente, não queremos e não nos
detemos para ouvi-los. Fazemos isso porque estamos tão fechados em nosso mundo
que não conseguimos perceber que necessitamos do outro. Imagine então nossa
dificuldade de ouvir a Deus, apesar de
orarmos cm nome dEle! Para saber
falar, é importante aprender a ouvir. E para ouvir, é preciso silenciar. Ficar em silêncio é
uma terapêutica que compreende o ouvir. Ouvir a música da criação e dela
captar o testemunho do amor de Deus. Ouvir o coração e a consciência, para melhor
nos conhecer e dirigir nossa própria vida. Ouvir os homens sábios, segundo
Deus, para enriquecer-nos com suas experiências e aprender a amá-los. Ouvir o
Eterno, Sua palavra, Seu Espírito; receber Sua vida.
Ouvir é a arte de silenciar. Por isso, é preciso tomar tempo para ficar em
silêncio. Tempo de purificar o coração como se desintoxica um toxicômano. A
transformação é primeiramente interior, depois exterior. Silenciar é uma
necessidade que surge de dentro para fora. E como o desabrochar de uma flor. E
é Deus quem cria dentro de nós a necessidade de, aos poucos, abrirmos,
desabrocharmos para a nossa verdade e o real valor da vida.
É preciso olhar para si mesmo, ficar quieto, a sós, conhecer-se,
auto-analisar-se. Assim, o ser humano assume sua pobreza e se abre ao amor de
Jesus. O silêncio funciona como um espelho. Promove o encontro com alguém que
você não pode deixar de enfrentar: você mesmo. Ë por isso que há muita gente que entra em
pânico com a simples perspectiva de ficar sozinho num fim de semana. O medo de
ficar em silêncio se deve ao temor de enfrentar os subterrâneos mais profundos
de si mesmo.
Ficar em silêncio é simultaneamente
tempo de provação e privilégio. Provação, porque propicia um encontro consigo
mesmo, que pode ser angustiante, doloroso e conflitante. A provação nos
despoja de nossas máscaras, mentiras, suposta segurança e artificialismo. E
tempo privilegiado, porque não mais podemos dissimular. Somos obrigados a
assumir verdadeiramente nossa pobreza radical e finitude esmagadora, que
obriga um replanejamento e reformulação de nossos conceitos e valores.
Essa experiência, se bem vivida, devolve o gosto
pela vida, fazendo-nos sentir mais próximos de nós mesmos, dos outros e de
Deus — e mais conscientes de nossa verdadeira
fome e sede. Nessa experimentação perdemos as esperanças faceis de mudanças mágicas. E essa desilusão benéfica produz um
futuro não ilusório, quimérico, incerto, mas sim um futuro que nos dá a
certeza de maior convivência conosco, com o próximo e com Deus.
Sinais dos Tempos
Janeiro-Fevereiro/2002
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