Amor próprio
Amar a si mesmo não é sinônimo de egoísmo
“A sensação de ser amado dá à
pessoa a noção de existir, ao mesmo tempo em que agrega um valor positivo à
existência”
Augusto César Maia é psicólogo
clinico em Campinas, SP.
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à pessoas que
vivem se desmerecendo, e são incapazes de tecer um comentário favorável sobre
si mesmas, ou até de receber um simples elogio. sem se sentirem
desconfortáveis e achando que estão cometendo um pecado contra Deus. Alguns dão
a impressão de que quem se arrisca na aventura do amor próprio se encontra,
“obviamente”, numa posição egoísta. É bom deixar claro que ser egoísta não é sinônimo de amar a si mesmo. O egoísmo
é, na verdade, uma incapacidade de amar. E um bloqueio severo na afetividade.
O amor próprio do ser humano se desenvolve desde muito cedo na relação da
criança com o seu meio. Nos primeiros momentos de vida da criança os pais atuam
como espelhos, que devolvem determinadas imagens ao filho. Antes de adquirir
qualquer noção de si mesma, a criança sente a percepção que os outros têm dela.
A primeira experiência que vivencia é a do valor e do “desvalor” que os outros
lhe conferem.
Se os pais estão sempre opinando sobre os filhos a partir de uma
perspectiva negativa, taxando-os de inúteis e incapazes, ou usando de zombarias
e ironias, formarão neles uma imagem negativa de seu valor. O risco que se
corre, ao colocar na mente da criança uma imagem desvalorizada, é o de criar
nela a incapacidade de perceber seu verdadeiro valor e de amar a si
mesma. O ser humano
somente poderá se amar quando se sentir realmente valioso para outra pessoa.
Só amamos o que tem valor. Todo indivíduo precisa de amor (valor) para se
manter vivo. Quando uma pessoa e severamente privada do afeto paterno e/ou
materno, abre-se uma grande ferida em seu interior, provocando pungente dor e
grande vazio.
Como não suporta bem a dor, ela poderá
se isolar e desenvolver uma insensibilidade para com os outros. A negação do
outro alivia a dor.
Essa incapacidade de amar faz com que o indivíduo, em sua busca do último
recurso para se manter vivo diante da grande dor, se feche, se centralize em si
mesmo. Isso significa que ele só consegue ver, agir, pensar, fazer e viver em
função de si mesmo. Tudo gira em torno dele, pois só enxerga a si.
Enfim, o egoísta se coloca no lugar do amor de Deus. Em vez de tudo e todos
girarem em torno do amor de Deus, o egoísta vive como se o mundo devesse girar
em torno dele. Ele é o centro de tudo, ocupando o lugar da cruz. E um usurpador
de glórias. Para ocupar indevidamente o trono, ele raciocina: “Já que não
posso amar e ser amado, eu serei o amor!”
Portanto, para o egoísta é mais importante o que ele pensa. sente e deseja.
Não tem relevância o que o pai, irmãos e amigos pensam. A tristeza ou a alegria que o outro sente não faz a mínima
diferença. É a polêmica do “não-estou-nem-aí”. O outro que se vire.
O sutil perigo de tudo isso é que o mundo considera esse comportamento como
uma atitude de “amar a si mesmo”. Muitos cristãos se deixam seduzir por essa
idéia errônea de amor próprio, conforme os moldes seculares ou mundanos. Para
eles, gostar de si mesmo é fazer tudo aquilo que vem à cabeça, não se importando
com o que isso possa significar para o semelhante. Assim, perde-se a noção do
limite de direitos e do respeito por si e pelo próximo. Porém, quem vive para o
outro não se aliena de si. O ser humano existe na medida em que o amor do outro
lhe valoriza, formando-se um círculo “virtuoso”: porque sou valorizado,
habilito-me a valorizar; valorizando, sinto-me valorizado. Este círculo não só
é legítimo, mas também imprescindível. É a condição indispensável ao desabrochar
do desejo e da necessidade de querer algo melhor para si e para o outro.
É preciso que a
pessoa se abra para receber o amor de Jesus, que resgata nosso valor e nos
torna dignos. Só crescemos à medida em que, sendo amados aprendemos que somos
dignos — e, portanto,
capazes de amar a nos mesmos, ao próximo e a Deus.
Sinais dos Tempos Maio-Junho/2002
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