Algumas
Observações
Sobre
Hebreus 9, em
Vista
da Interpretação
do Dr.
Ford
I - Desejo voltar-me para a preocupação do Dr. Ford com a exegese apropriada. O assunto de adequada e bem findada metodologia permanece supremo. A preocupação do Dr. Ford, neste sentido, é importante e não deve ser menosprezada. Sua ênfase ao ‘próprio texto como o primeiro e o último árbitro” e à interpretação de Hebreus 9 “em seu contexto” é correta. Não estou muito impressionado com “a obra de comentaristas e tradutores” e com a alusão a “comentaristas clássicos” (pág. 135, etc.), nem com a autoridade que lhes é atribuida pelo Dr. Ford. Diversas observações vêm à mente quanto a isso:
a) O leitor bem informado de
comentários dos séculos dezenove e vinte, sobre o livro de Hebreus, percebe
imediatamente que não há o tipo de unanimidade com que o leitor às vezes depara
na apresentação do Dr. Ford. As seleções dos materiais apresentados nos
Apêndices 1 a V foram efetuadas meticulosamente. O famoso comentário de B. F.
Westcott é citado pelo Dr. Ford da maneira que segue: “O ritual do Dia da
Expiação, ‘o Dia’ (Joma), está
presente na mente do autor em toda essa seção da Epístola.” Isto faz parte de
uma série de citações cuja finalidade é provar que Hebreus 9 (e outros trechos)
tratam do Dia da Expiação. O fato é que a frase citada é a primeira da “Nota
Adicional Sobre ix. 7. O Serviço do Dia da Expiação”, e não está bem claro o
que significa “essa seção da Epístola”. Pode significar somente Heb. 9:7, de
acordo com o título da “Nota”, mas dificilmente significará todo o capítulo 9
de Hebreus, pois essa nota é seguida de outra: “Nota Adicional Sobre ix.9. A
Idéia Pré-Cristã do Sacrifício” (Westcott, Hebrews,
reedição de 1974, págs. 281-292), a qual conclui dizendo: “O pesquisador
não deixará de notar a inteireza representativa das alusões aos Sacrifícios
Levíticos na Epístola. São mencionados os Sacrifícios diários (x. 11) e os
sacrifícios anuais (ix.6 em diante; x.1); o Sacrifício do Concerto (ix. 18 em
diante); e os sacrifícios que foram providos para remover as impurezas legais
que prejudicavam a validade do Concerto pelo contato com a morte (ix. 13) ou
na conduta comum da vida, no Dia da Expiação (v. 3; vii, 27 em diante).” — Westcott, Hebrews.
pág. 292. Assim esse comentarista afirma incisivamente que Hebreus 9 tem
uma base muito mais ampla que o Dia da Expiação. Este ponto não é reconhecido
claramente.
b) Como colaborador regular de
artigos (cinco até agora e outros em preparo) para o Theological Dictionary of the Old Testament, editado por O. J. Hotterweck e H. Ringgren, tenho
a responsabilidade de estudar as interpretações de textos do Velho e Novo
Testamentos desde o tempo de sua composição até o presente. Tal estudo traz
constantemente à lembrança as várias escolas de interpretação: judaicas e
cristãs, pré-modernas e modernas, crítico-históricas e não critico-históricas,
com todas as suas variações, etc. Essa espécie de apelação indiscriminada, profusa
e a grosso modo para comentários e
eruditos parece revelar falta de sensibilidade a seus respectivos pontos de
vista e também ao fato de que não existe o tipo de consenso subentendido. Em
outras palavras, podem ser citados comentaristas e eruditos para apoiar pontos
de vista diferentes; muitos se contradizem uns aos outros. Contudo, a verdade
ainda não veio à tona! Destarte, recorrer a comentaristas, por mais divergentes
ou unânimes que possam ser, não
é um sucedâneo de trabalhos exegéticos e teológicos.
O empreendimento exegético entre
outras coisas, envolve esmerados; 1) estudo filológico, 2)análise gramatical e
sintática, 3)
atenção
contextual, 4) estudo de motivos, 5) análise da estrutura literária e 6) a
progressão do pensamento do autor.
Como erudito bíblico, exegeta e teólogo que partilha com o Dr. Ford o
interesse pelo significado do texto bíblico no passado e no presente, muitas
vezes fico impressionado com a sua luta para haver-se com a doutrina ASD do
juízo investigativo. Mas as suas conclusões, a respeito dos textos da Escritura
como tais parecem estar condicionadas a um esquema teológico ao qual os textos
bíblicos são obrigados a adaptarse. Afigura-se que estão envolvidas algumas
suposições subjacentes.
II
Talvez seja conveniente examinar alguns pontos específicos da argumentação
do Dr. Ford a respeito de Hebreus 9. Um ponto significativo nessa argumentação
é o termo grego ta hagia (Ford,
págs. 183-186). Ele sugere que no caso das dez vezes em
que são usadas
as palavras ta hagia, com as possíveis exceções de Heb. 8:2;9:2; e
13:11, elas se referem ao “lugar
Santíssimo.” Assevera também que mesmo quando os tradutores verteram essa
expressão por “santuário”, ela não significa todo o santuário. “Por ‘santuário’
é designado o compartimento interior, e não a estrutura bipartida.” (Pág. 184.)
Algumas observações podem ser apropriadas. A primeira diz respeito ao uso do
plural em Hebreus e ao uso do singular em Levítico 16, na Setuaginta. A forma
grega em Hebreus, sem levar em conta o caso, geralmente é considerada como
estando no plural. O singular é to hagion, mas só é usado em Heb 9:1. O significado
de “Lugar Santíssimo” para o plural ta hagia é preferido pelo Dr. Ford porque, “sem dúvida, isto promana
do uso de ‘lugar santo’, reiteradas vezes, em 1ev. 16, para o compartimento
interior” (Pág. 184.) O fato é, porém, que em
Lev. 16, na Setuaginta, não aparece uma só vez o
plural ta hagia. A versão dos
Setenta emprega coerentemente o singular (Lev. 16:2, 3, 16, 17, 20, 23 e 33). Assim,
a dependência do texto de Lev. 16 na Setuaginta de modo algum é evidente. É causada a impressão de que o
autor do livro de Hebreus emprega o plural ta hagia de maneira
deliberada e pra fazer distinção do uso em Lev. 16, na Setuaginta. Isto é mais
surpreendente ainda quando se considera que das 104 vezes em que a Versão dos
Setenta emprega o plural hagia, 97 se referem a todo o santuário, 6 ao
Lugar Santo só uma ao Santo dos Santos.
O uso do termo
to hagion no texto de Lev. 16 na
Setuaginta não está inteiramente claro. No verso 33 a expressão to hagton teu hagiou é a tradução do hebraico miqdas haqqodes, que significa literalmente “santo santuário”. Os
tradutores da Setuaginta entenderam que a expressão hebraica no verso 33 se
referia ao Lugar Santíssimo. A normal expressão hebraica para o Lugar
Santíssimo é qodes qodasim (Êxo.
26:30), comumente traduzida na Setuaginta por to hagion ton hagion ou ta hagia ton hagion (cp.I
Reis 8:6).
O autor de
Hebreus emprega Hagia Hagion no capítulo 9:3 para designar o Lugar Santíssimo.
O autor de Hebreus emprega Hagia Hagion no Cap. 9:3 para designar o
Lugar Santíssimo, sem o artigo do último exemplo dado na Versão dos Setenta. Só
duas vezes no livro de Hebreus hagia é usado sem o artigo, a
saber no Cap. 9:3 onde hagia se refere ao Lugar Santo, e no Cap.9:3,
onde Hagia Hagion se refere ao Lugar Santíssimo. ( No Cap. 9:24 hagia
se torna definido pelo uso de cheiropoieta, “feito por mãos”, o que
sintaticamente equivale ao uso articular). Em todos os outros casos (com
exceção do Cap. 9:1) aparece o plural ta hagia na forma articular, O uso
característico do plural e da forma articulada ta hagia em Hebreus, em
contraste com o cap. 9:2 e 3, onde o autor quer fazer alusão a compartimentos
específicos do santuário pode realmente denotar que ele desejava que ta hagia
se referisse ao santuário de duas divisões, como um todo. Isto pode ser
realçado pelo fato de que ele não adotou a forma singular to hagion de Lev. 16 na Setuaginta (exceto uma vez, no Cap. 9:1).
As evidências podem ser sintetizadas da maneira que segue:
A Setuaginta, em Lev. 16,
só emprega o singular para fazer alusão ao Lugar Santíssimo (Vs. 2, 3 e 33). Em
Hebreus, o singular só é usado uma vez, e isso para todo o santuário (Cap.
9:1). Quando são mencionados o Lugar Santo ou o Lugar Santíssimo
(Cap. 9:2 e
3), aparece o uso do plural, sem o artigo. Em todas as outras partes aparece o
plural com o artigo, e afigura-se que isto está em contraste com o uso do
plural sem o artigo no Cap. 9:2 e 3, indicando que se tem em vista todo o
santuário de duas divisões. A natureza do uso do plural provido de artigo, em
Hebreus, tem sido objeto de debates.
Tem-se
sugerido que o plural designa dois compartimentos, tanto no santuário terrestre
como no celestial, segundo for o caso. Outros alegam que é um plural
intensivo. O Dr. Ford prefere este último, e contesta o primeiro. O plural
intensivo denota a concentração de coisas santas no santuário. Seja qual for a
preferência individual, o uso do artigo e do plural ainda constitui uma
antítese de Lev. 16 na Setuaginta e da maioria das vezes em que essa expressão
aparece na Versão dos Setenta. A única vez em que o plural se refere ao Lugar
Santíssimo (contra 103 outros casos na Setuaginta) não é um forte argumento
estatístico. Visto que estamos tratando de questões filológicas, devemos estar
inteirados do fato de que o plural ta hagia, como designação de todo o
santuário, não é sem precedente em Hebreus. Além de seu uso pradominante na
Setuaginta (97 casos dentre 104), o plural ta hagia, como designação de
todo o santuário, é atestado no grego helenista (Koine). Tanto Filo (Fuga 93)
como Josefo (Jewisb Wars 2.341) usam
o plural para todo o santuário. O mesmo uso é atestado em Judite 4:12; 16:20 e
I Macabeus 3:43, 59, etc. Nos Oráculos Sibilinos 3:308 notamos que o plural ta
hagia é usado para designar todo o santuário celestial.
Em suma, no âmbito filológico não há razão alguma para sugerir que o
plural articular ta hagia. em Hebreus, significa apenas o Lugar
Santíssimo. As diversas evidências que acabaram de ser consideradas apontam para
outras direções. O contexto na carta aos Hebreus parece confirmar o que foi
declarado.
III
O principal ponto na exposição do Dr. Ford sobre Hebreus 9 é o verso 8
desse capítulo. Ele faz duas afirmações: 1) O termo ta hagia é o Lugar Santissimo e 2) o termo prote skene é o Lugar Santo. Isto
significa que “o que o primeiro compartimento era para o segundo, o tabernáculo
terrestre era para o celestial, e, portanto, o primeiro compartimento
representava o sistema mosaico, e o segundo, a era cristã” (Pág. 144). Essa
tese não é nova, pois o Dr. Ford está seguindo aí uma tradição particular
entre os comentaristas, a qual, no entanto, é vigorosamente contestada por outros
comentaristas igualmente capazes. Citemos apenas um: F. F. Bruce, sob cuja
direção o Dr. Ford obteve o doutorado na Inglaterra: “Além disso, cumpre notar
que, conquanto até agora o nosso autor tenha usado ‘o primeiro tabernáculo’
para designar o compartimento externo do santuário, aqui [no Cap. 9:8] ele o
emprega para designar o santuário do ‘primeiro concerto’ [Cap. 9:1],
abrangendo tanto o lugar santo como o Santo dos Santos.” — F. F.
Bruce, Hebrews [1964], págs. 194 e
195.
Consideremos ligeiramente o termo prote
skene: “primeiro tabernáculo”, em Heb. 9:8. O vocábulo skene aparece pela primeira vez em Heb.
8:2, onde constitui uma alusão ao “tabernáculo” que Deus mesmo erigiu. É o
“verdadeiro” (alethine) e o
“celestial” (Cap. 8:1). O “tabernáculo” terrestre era uma “figura [ou cópia] e
sombra” das coisas celestes (Cap. 8:5). A dupla idéia de “figura [ou cópial” e “sombra” é significativa. Evidentemente, em
Hebreus 8:5 é aplicada a analogia entre o original e a cópia. Isto denota que
o santuário terrestre de duas divisões reflete o original santuário celeste de
duas divisões. A palavra skene se
refere a todo o santuário. Isto está em
harmonia com o uso coerente na Versão dos Setenta.
-
No âmbito filológico não há razão para sugerir que
o plural articular ta
hagia em Hebreus, significa apenas o Lugar Santíssimo.
Em Hebreus
9:1-7 temos um raro uso lingüístico no qual a estrutura do “santuário
terrestre” (to hagion kosmikon) é
descrita como “primeiro tabernáculo [externo]” (prote skene) e o “segundo tabernáculo [interno]” (deuteron skene), respectivamente Lugar
Santo e Santo dos Santos. Essa linguagem é conhecida nos escritos de Josefo (Jewish Wars, vol. 5, págs. 184, 185,
193. 194 e 195), mas não na Setuaginta. A referência a prote e deutera (‘primeiro” e “segundo”) é espacial e não tem uma forma análoga na Setuaginta. -
Em Heb. 9:8 encontramos novamente a expressão prote skene. A mesma expressão apareceu pela última vez no verso
6, onde é contextualmente o Lugar Santo do santuário. Pode parecer, portanto,
que o autor tinha em mente a mesma idéia no verso 8. Mas, talvez o caso não
seja este, pois o contexto (como no Verso 6) deve servir de orientação.
O contexto de Hebreus 9:8 indica que o
autor passa do primeiro concerto,
com seu santuário bipartido e suas limitações, para o novo concerto, com seu ta hagia, “santuário”, ao qual agora há acesso. Em outras palavras,
nos versos 1 a 7 é efetuada uma descrição do santuário terrestre do primeiro
concerto, onde o vocábulo prote (“primeiro”),
no Cap. 9:1, tem um significado temporal
e seqüencial, e não espacial, estabelecendo um contraste
entre o “primeiro concerto e o “novo” concerto. O “primeiro concerto tem um
“primeiro” (prote) tabernáculo (Cap.
9:8). Prote aqui é temporal e
seqüencial, e se refere a todo o tabernáculo com dois compartimentos. A
expressão prote skene, no Cap. 9:8,
é, portanto, uma designação de todo o santuário de duas divisões, do primeiro
concerto. Além disso, a palavra prote, no
Cap. 9:8, não é uma designação espacial, mas temporal e seqüencial. A propósito,
do ponto de vista filológico, um contemporâneo do autor de Hebreus usa prote skene para o “primeiro
tabernáculo, isto é, todo o santuário que precedeu o templo de Salomão (Josefo,
Contra Apion II. 12). Isso também
constitui um uso temporal e seqüencial. O contexto de Hebreus 9:1-7, que fala
do “primeiro” concerto é resumido no Cap. 9:8, com seu “primeiro tabernáculo”,
denominado “santuário terrestre” no Cap. 9:1.
Em suma, o “primeiro tabernáculo”
no Cap. 9:8 é o santuário de duas divisões do “primeiro ou velho concerto.
Por conseguinte, “o maior e mais perfeito tabernáculo” (Cap- 9:11), do novo
concerto é o santuário celestial como um todo. Citamos A. Cody, que sintetizou
a questão deste modo:
“O primeiro tabernáculo [do Cap. 9:8] vem a ser o antigo tabernáculo
terrestre em sua totalidade, abrangendo tanto o Santo como o Santo dos
Santos, e... ‘o maior e mais perfeito tabernáculo’ do verso 11 vem a ser o santuário
celestial.” — The Heavenly Sanctuari and Liturgy is the Epistle
to the Hebrews [St. Meinard, 1962], págs. 147 e 148.
Poderiam ser citadas
conclusões semelhantes de outros eruditos (como F. F. Bruce e outros).
Afinal de contas, porém, o que é mais importante é o contexto, e esse contexto
estabelece um contraste entre o primeiro ou velho concerto e o novo concerto.
Cada um desses concertos tem seu santuário como um todo, seu sacerdócio e seus
serviços para benefício dos crentes. A estrutura de Hebreus 8 e 9 se
apresenta nos seguintes contrastes:
1. Velho Concerto
a. Santuário terrestre
b.
Ministério sacerdotal e sumo-sacerdotal
c.
Acesso limitado
d.
Sangue de bodes e touros
e.
Sacrifícios repetidos
f.
Purificação da carne
2. Novo Concerto
a.
Santuário celestial
b.
Ministério sacerdotal e sumo-sacerdotal no Céu
c. Acesso irrestrito
d.
O sangue de Cristo
e. Sacrifício efetuado uma vez por todas
f.
Purificação da consciência
Estes contrastes só focalizam os pontos principais.
De acordo com o contexto, o termo ta hagia, em Heb. 9:8, se refere ao “maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por
mãos” (V, 11). Escreve o Prof W. Michaelis: “No Cap. 9:11 . . . o santuário
celestial também é dividido em duas partes.” — “Skene”, TDNT, VII:376. Assim como
prote skene, no Cap. 9:8, se refere a
todo o santuário terrestre, ta hagia
também se refere a todo o santuário celestial. As observações na seção que
virá em seguida indicarão as provas contextuais para isso, com base na
argumentação do autor de Hebreus.
IV
Agora temos de dar atenção a outras questões referentes ao contexto.
O Dr. Ford afirma que: 1o.)
O sangue de bodes e de bezerros em Heb. 9:12 constitui uma alusão ao
Dia da Expiação (Pág. 146) e 2o.)
“os versos 13 a 22 de Hebreus 9 não se afastam do Dia da Expiação, como alguns
têm sugerido. Pelo contrário, as referências à purificação realizada pelo
derramamento de sangue expressam a própria essência do ritual do Dia da
Expiação” (Pág. 146). Os argumentos do Dr. Ford sobre Hebreus 9 se baseiam nessas
afirmações. Se elas não puderem ser mantidas, suas conclusões são seriamente
postas em dúvida.
A frase “sangue” de bodes e de bezerros”, de Heb. 9:12, em grego é
haimatos tragon kai moschon, e
a frase “o sangue de bodes e de touros” no verso 13 é to
haima tragon kai tauron. Há uma interessante diferença entre moschon, “bezerros’, no verso 12, e tragon,
“touros”, no verso 13. Essa diferença
pode ser coincidente ou propositada. Ela requer maiores esclarecimentos.
Os comentaristas freqüentemente se apressam em sugerir que ambas as frases
retratam o ritual do Dia da Expiação. A Setuaginta, porém, não emprega a mesma
linguagem para ambos esses sacrifícios em Lev. 16. Em lugar de tragon ela
emprega o vocábulo chimaros (L.ev.
16:15) e nunca emprega a palavra tauron em
Lev. 16. Resumindo, dos três vocábulos só aparece um em Lev. 16, na
Setuaginta: moschos. Isto é um curioso fenômeno filológico. Cumpre
ter cautela com aplicações muito apressadas ao Dia da Expiação
Em Heb. 9:12, a realização de Cristo é relacionada com o sangue de bodes e
de bezerros”. Esta última parte é interpretada pelo Dr.
Ford como uma alusão ao Dia da Expiação. Neste sentido ele está seguindo uma
conhecida corrente de interpretação. Sugerimos, porém, que essa linha de
interpretação não é correta. Podem ser apresentadas as seguintes razões: a) a
distinção lingüística entre “bodes e bezerros” (V. 12) e “bodes e touros” (V.
13). A língua grega indica essa distinção entre moschon e tauron. b) A
distinção na seqüência: bodes e bezerros; mas em Lev. 16, novilho e bode. c)
Heb. 9:12 só contém dois tipos de animais, ao passo que Lev. 16 tem três:
novilho, bodes e carneiro.
Há um caso no VT em que foi usado o “sangue de bodes e de bezerros”. É a inauguração ou o começo do
ministério sumo- sacerdotal de Arão no santuário israelita, a qual também
assinalou o inicio dos serviços do santuário. Em Lev. 9:8, 15 e 22 é mencionado
que o sumo sacerdote sacrificou um bezerro como oferta pelo pecado por si mesmo
um bode como oferta pelo pecado em prol do povo, e se empenhou na manipulação
do sangue. Depois disso e de outras ofertas, o sumo sacerdote entrou no
santuário. Somos levados a pensar, portanto, que Cristo, antitipicamente, como
Sumo Sacerdote celestial, é apresentado como inaugurando o ministério no
santuário celestial.
A conclusão de que Heb. 9:12 toma o assunto da inauguração no tempo do VT e
o aplica ao ministério de Cristo no santuário celestial é bem findada. Em
outras palavras, em vez de dar ênfase ao Dia da Expiação, o qual ocorre no fim
do ano cerimonial, Heb. 9:12 parece referir-se ao assunto da dedicação e
inauguração que ocorre no começo do ministério no santuário celestial. Isto se
harmoniza com o tema do novo concerto em Hebreus 8 e 9. O novo concerto possui um santuário celestial que é dedicado e
cujo ministério é inaugurado “pelo Seu próprio sangue” (Cap. 9:12). Isto é
efetuado por Cristo, “uma vez por todas”. Em contraste com o santuário
terrestre, não há repetição. O sangue de Cristo tem vasta superioridade sobre o
“sangue de bodes e de bezerros” (Cap. 9:12).
Uma breve
resenha do uso de“bodes” e “touros” como sacrifício pode ser útil para indicar
a amplitude dos contextos sacrificais: “Bodes” eram usados: a) nos sacrifícios
diários das ofertas pelo pecado dos indivíduos (Lev. 4:27-35; Núm. 15:27 e 28)
ou na oferta pela culpa por engano (Lev. 5);
b) na oferta mensal da Lua Nova (Núm. 28:15); c) nas festas anuais dos
pães asmos (Núm. 28:17 e 24); das semanas (Pentecostes) (Lev. 23:19; Núm.
28:26-30), dos tabernáculos (Núm. 29:12-34); no Dia da Expiação (Lev. 16; Núm.
29:11) e no Dia do Ano Novo (Núm. 29: 5). “Touros” eram usados: a) nos
sacrifícios pelo pecado da con gregação (1ev. 4:13-21; Núm. 15:22-26) e pelo
pecado dos sacerdotes (Lev. 4:3-12); b) na dedicação dos sacerdotes e do altar
(Exo. 29:14 e 35-37; Lev. 8:2 e14-17) e dos levitas (Núm. 8:5 e
8-12); c) nas ofertas queimadas por ocasião da Lua Nova (Núm. 28:11-14), cada
mês; e d) na festa anual dos pães asmos (Núm. 28: 17-25), na festa das semanas
(Pentecostes) (Lev. 23:15-21; Num. 28:26-31), na festa dos tabernáculos (Núm.
29:12-39) e no Dia da Expiação (Lev. 16; Núm. 29:7-11). Esta resenha e a
comparação com outros sacrifícios de animais indicam que a seleção de “bodes” e
de “bezerros/touros” abrange mais amplamente as ofertas diárias, mensais e
anuais do que qualquer outra lista de animais prescritos.
Estas observações podem servir de cautela contra as aplicações ao Dia da
Expiação. O plural generaliza o pensamento, de modo que “o sangue de bodes e
de bezerros/touros pode ser encarado como designação abrangente para todo o
sistema sacrifical da legislação mosaica, desde a inauguração do ministério do
santuário, até os ciclos dos serviços diários, mensais e anuais, incluindo o
Dia da Expiação, mas não se restringindo unicamente a ele. A superioridade da
realização de Cristo é realçada vigorosamente “em contraste com os
sacerdotes, que entravam continuamente no lugar santo, e com o sumo sacerdote,
que entrava no Santo dos Santos em todo Dia da Expiação”. — G. W. Buchanan, To the Hebrews [AB, 36; Garden City,
Nova Iorque, 1972], pág. 148. A restrição de Heb. 9:12 ao Dia da Expiação não é
necessária nem autorizada. Ela limita indevidamente tanto a realização do
sacrifício de Cristo como sua superioridade.
O significado de Heb. 9:13 dentro de seu contexto no capítulo 9 e das
realizações de Cristo também requer reflexão. O Dr. Ford sugere que “Heb. 9:13
apresenta uma fusão de idéias, pois não é verdade que o sangue de bodes e de
bezerros [sic] era aspergido sobre
pessoas para santificá-las. . . Temos aí
uma vinculação do Dia da Expiação com o ritual da novilha vermelha” (Pág.
148). Isto faz com que o Dr. Ford chegue à conclusão de que o autor de Hebreus
salienta “uma expiação completada no altar do Calvário, a qual dai em diante
provê purificação para todas as pessoas que crêem” (Pág. 148).
O “sangue de bodes e de touros, em Heb. 9:13, é realmente uma referência
ao Dia da Expiacão ? O contexto precisa decidir novamente a questão. Se a palavra
“aspergida” (rantizousa) também deve
referir-se ao sangue (além da cinza da novilha vermelha), o que não é
necessariamente o caso por motivos sintáticos, então não pode ser uma referência
ao Dia da Expiação, pois a aspersão nesse dia era efetuada no santuário e no
altar, mas não sobre as pessoas. No entanto, há somente uma aspersão das pessoas
com sangue no sistema do VI’, a saber: em conexão com a cerimônia em que fui firmado o concerto. Em Êxodo 24:8, lemos
que “Moisés tomou aquele sangue e o aspergiu sobre o povo”. Em vista dessa
conexão e do contexto do concerto em Hebreus 8 e 9, e diante do contraste entre
Hebreus 9:13 e o verso 14 em diante, onde Cristo é “o Mediador da nova
aliança” (V. 15), afigura-se que “o sangue de bodes e de touros” é uma alusão
ao ato de firmar o concerto. Isto é corroborado por Heb. 9:19. Pode-se
admitir, portanto, que aquilo que é declarado a respeito do “sangue de bodes e
de touros ,em Heb. 9:13, não se aplica à cerimônia do Dia da Expiação, e, sim, à cerimônia de
firmar o concerto. Por conseguinte, podemos notar que: 1) a “fusão de idéias”
não é necessária se for considerado o contexto imediato e mais amplo de
Hebreus 9; 2) “o sangue de bodes e de
touros”, no verso 13, pode ser encarado como uma referência ao ato de firmar
o concerto, o que se ajusta ao verso 14 em diante; e 3) a cinza da novilha
vermelha (V. 13) também aponta noutra direção diferente do Dia da Expiação.
Heb. 9:13 pode ser interpretado como se referindo a dois tipos de contaminação:
aquele que foi removido das pessoas que entraram na relação do concerto em que
o sangue esteve envolvido (Êxo. 24:7 e 8), e o outro tinha que ver com as
pessoas que se achavam cerimonialmente contaminadas pelo contato com um
cadáver e eram aspergidas com a mistura contendo a cinza da novilha vermelha.
Tais atos só efetuavam a “purificação da carne.
As provisões dos ritos diários, mensais e anuais cuidavam da contaminação
moral (Heb. 8:12). As cerimônias de Heb. 9:13 parecem referir-se ao estabelecimento
do concerto e aos ritos relacionados com a novilha vermelha. Tudo isso é
contrastado com a superioridade do sacrificio e do sangue de Cristo (Vs. 12 e
14), os quais têm a capacidade de “purificar a nossa consciência de obras
mortas para servirmos ao Deus vivo” (V. 14). A superioridade do sangue de
Cristo é todo-abrangente. O contraste é entre as provisões do velho concerto, em sua totalidade, e as do novo
concerto, de que Cristo é o Mediador (V. 15). A restrição ao Dia da Expiação
das consecuções de Cristo em Heb. 9:8-22 não parece ajustar-se adequadamente à
argumentação referente ao velho e ao novo concerto, do autor de Hebreus. Ele
estabelece um contraste entre as provisões do velho (ou primeiro) concerto
(Heb. 9:1 e 18; cp. 8:1-13) e as do “superior” (Cap. 8:6) e novo concerto
(Cap. 9:15).
A restrição de Heb. 9:12-22 ao Dia da Expiação passa por alto os seguintes
fatos: 1) o cenário do concerto e a comparação do primeiro (ou velho) concerto
com o concerto superior” (ou novo); 2) a referência abrangente ao sistema
levítico de sacrificios diários, mensais e anuais que envolvem sangue, segundo
é expresso na frase: “o sangue de bodes e de bezerros , em Heb. 9:12; 3) a cerimônia de firmar o concerto,
na qual era aplicado sangue às pessoas, segundo é expresso na frase: “o sangue
de bodes e de touros”, em Heb. 9:13; 4) a cerimônia de purificação da
contaminação cerimonial, com a aspersão da mistura da cinza da novilha
vermelha, na segunda parte desse versículo; 5) a alusão a “dons” e
“sacrifícios” em Heb. 9:9. Estes aspectos contidos nos argumentos do velho e
novo concertos indicam que o autor de Hebreus tinha em mente uma comparação
todo-abrangente e abarcante. A superioridade do sangue e do sacrifício de
Cristo é contrastada de modo abrangente e cabal com os sistemas e as provisões
do velho concerto. A eficácia do sacrifício e do sangue de Cristo é aplicada
in totem na ratificação do novo
concerto (Heb. 9:15-22) e no
ministério do santuário do novo concerto no Céu, possibilitando o acesso à
presença de Deus. Substitui e cumpre completa e cabalmente o sistema levítico
que abrangia tanto a contaminação e o pecado moral e interior, como o
cerimonial e exterior.
V
Temos de considerar agora a questão do acesso à presença de Deus, que
envolve o caso do “véu” em Hebreus 6 e 10. O Dr. Ford sugere reiteradas vezes que a expressão “além do véu” [ou “para
dentro do véu”], em Heb. 6:19 e 20, e “pelo véu”, no Cap.
10:19 e 20 se
refere à cortina que separava o Lugar Santo do Lugar Santíssimo. Concordamos
com o Dr. Ford que o ponto em lide, aqui, tem que ver com o acesso. No sistema
do velho concerto havia acesso limitado, o qual é superado pelas realizações de
Cristo na cruz. Assim, “temos confiança para entrar no lugar santo pelo sangue
de Jesus, pelo novo e vivo caminho que Ele inaugurou para nós por meio do véu,
isto é, pela Sua carne” (Heb. 10:19 e 20, NASB).
O vocábulo traduzido por “véu” é katapetasuma,
que também ocorre no NT em S. Mat. 27:51; 5. Mar. 15:38 e S. Luc.23:45. A
opinião dos eruditos está dividida quanto à identidade do “véu” que foi rasgado
na crucifixão de Cristo. Diversos eruditos argumentam que ele era a cortina à
entrada do Lugar Santo, e não o “véu” que separava o Lugar Santo do Santo dos
Santos (Th. Zahn, G. Dalman, A. Schlatter, E. Klostermann, A. H. McNeile, BT.
E. Smith, E. Lohmeyer, etc.), ao passo que muitos outros sugerem que era a
cortina diante do Santo dos Santos (Strack-Eillerbeck, C. Schneider, W.
Bauer, G. W. McRae, O. Hofius, etc.). O debate entre os eruditos ainda não
terminou.
O vocábulo
traduzido por “véu” é katapetasuma. A
opinião dos eruditos está dividida quanto à identidade do “véu” rasgado na
crucifixão.
As evidências filológicas do uso de katapetasma,
“véu” na Setuaginta, são as seguintes: Ele é usado como designação da “cortina”
ou do “véu” diante do Santo dos Santos (chamada parôket em hebraico) em Êxo. 26:31 em diante; 27:21; 30:6; 35:12;
37:3 (MT 36:35); 38:18 (MT
36:34-36); 39:4 (MT 38:27); 40:3, 21, 22 e 26; Lev. 4:6 e 17; 16:2 e 12(P) e 15(P); 24:3;
Núm. 4:5; II Crôn. 3:14. Também é usado para designar a “cortina” ou o “véu”
diante do Lugar Santo, chamada em hebraico masak
(Exo. 26:37; 37:5 [MT 36:37]; 39:19 [MT 39:40]; 40:5; Núm. 3:10) ou parôket
(Lev. 21, 23; Num. 18:7 [KBL, 779]). Em cinco casos ele também
traduz a “cortina” à entrada do pátio do santuário (Êxo. 37:16 [MT 38:18];
39:19 [MT 39:40]; Núm. 3:26; 4:32; 3 Kgs 6:36B. Em suma, a Versão dos Setenta
emprega o vocábulo katapetasma para três “véus” ou “cortinas”, e não
apenas para duas.
Na literatura que não é bíblica, katapetasma
é usado para os três “véus” ou “cortinas” do santuário e do templo, e para
a do pátio. Josefo emprega essa palavra para a “cortina” à frente do pátio em Ant. VIII. 75.90; Bell. 5:212, e para as que ficavam na frente do Lugar Santo e do
Lugar Santíssimo, em Bell. V.219; Ant. VIII. 75:90; XII.250. Filo usa katapetasma para a cortina diante do Lugar Santo (spec. leg. 1. 171, 274) e diante do Lugar
Santíssimo (spec. leg. 1. 231; Vit. Mos.
II. 86). Katapetasma também é
usado para a “cortina” diante do Lugar Santo em Sirach 50:5; 1 Macabeus 4:51;
Carta de Aristeas 86, e para a que ficava diante do Lugar Santíssimo, em 1 Macabeus 1:22; 4:51; Protev. Jas. 10:1.
Com base nestas evidências filológicas, não seria correto afirmar que katapetasma é um termo que só designa o
“véu” diante do Santíssimo. As evidências filológicas da Setuaginta e de outros
autores helenistas não cristãos dão margem a diversas possibilidades; a
própria Versão dos Setenta admite três “cortinas” ou “véus” diferentes.
Em Hebreus 6:19 encontramos a expressão te esoteron teu katapetasmatos. O vocábulo esoteros é uma preposição imprópria usada com o genitivo, significando
neste caso “o que está para dentro (atrás ou além) da cortina”
(Bauer-Arndt-Gingrich, Greek-Engl.
Lexicon, pág. 314). A Setuaginta também usa essa frase em Exo. 26:33; Lev.
16:2, 12 e 15, onde ela parece referir-se à “cortina” diante do Santíssimo. Em
Núm. 18:7, a Setuaginta diz endothen tou katapetasmatos, “dentro do véu”, uma alusão, mui provavelmente,
àcortina na entrada do Lugar Santo. A segunda passagem da Setuaginta que se
refere definida-mente ao “véu” na entrada do Lugar Santo é Núm. 3:10: eso tou katapetasmatos, “dentro do véu” . As evidências filológicas na Setuaginta indicam que
há seis passagens que contêm a expressão “dentro do véu (ou cortina)”, todas
as quais partilham a palavra katapetasma,
mas elas variam por empregarem ou 1) a preposição imprópria esoteron, ao se referirem ao véu diante
do Lugar Santíssimo, ou 2) os advérbios
enclothen e eso ao fazerem alusão ao véu diante do Lugar Santo em Núm. 18:7 e
3:10, respectivamente. Em rigor, perfeita correlação terminológica, no grego,
com Heb. 6:19 só se encontra em Êxo. 26:33 e Lev. 16:2, 12 e 15, ao passo que a
idéia “dentro do véu” do Lugar Santo aparece com advérbios em Núm. 3:10 e 18:7.
Devemos, porém, ser cautelosos em tirar conclusões inflexíveis e apressadas,
pois em Heb. 10:20 temos diatou
katapetasmatos, “pelo véu”, e em Heb. 9:30 autor desse livro alude ao Santo
dos Santos como estando “por trás do segundo véu”: meta te deuteron katapetasma. Destarte, há duas maneiras de expressar
“atrás de”: uma usa esoteron, com o genitivo,
como a Setuaginta, e outra emprega meta, com o acusativo, e não se encontra na
Setuaginta. O autor de Hebreus revela novamente certo grau de independência
em sua linguagem. Pode-se admitir que ele tinha em mente o “segundo” véu do
santuário ao usar as palavras to esoteron
tou katapetasmatos. Se de fato quer dizer isso, não está sendo coerente
com o uso posterior no Cap. 9:3. Visto que ele não está usando a mesma
expressão “por trás do segundo véu”, como no Cap. 9:3, será que não tinha em mente
algo mais amplo do que apenas o “véu” diante do Santo dos Santos?
Deixemos de lado as
considerações filológicas e passemos a tratar das que se relacionam com a
idéia de acesso no sistema levítico e com a presença da divindade, para urna
possível solução. Seria um erro supor que a presença de Deus no santuário da
dispensação do VT se restringia ao Santo dos Santos. Que Deus Se achava
presente ali não precisa ser demonstrado com argumentos. Embora a arca
simbolize o trono de Deus, o VT não “prende” Deus a ela, nem admite uma só vez
que Seu lugar é unicamente ali. Não se pode negar que duas áreas especiais são
formadas dentro do santuário denominadas Santo dos Santos e, a maior, Lugar
Santo. A despeito dessa diferença dentro do santuário, é impossível desprezar
a interconexão entre os dois compartimentos, os quais, na realidade, são partes
inseparáveis de uma só estrutura.
Várias
designações usadas para o tabernáculo no VT são deveras instrutivas quanto à
idéia da presença de Deus no santuário como um todo. A palavra miskan, “habitação”, como um nome para
o tabernáculo indica que ele é o “lugar da Sua habitação” ou a morada de Sua
presença. Constitui a designação para todo o santuário (Lev. 15:31; 17:4; Núm.
16:9; 17:28; 19:13; 31:30 47; II Crôn. 1:5; 29:6). Um nome comum para o
santuário/tabernáculo é “tenda da congregacão”, usado 130
vezes (Exo. 27: 21 a Exo. 40; Lev. 1:1 a 19:21) [39 vezes]; Núm. 1:1 a
31:54 [55 vezes]; Deut. 31:14), que é o
lugar onde Deus Se revelava a Seu povo. A “tenda da congregação” é
completamente identificada com a presença do Senhor
Várias designações usadas para o
tabernáculo no VT são deveras instrutivas quanto à idéia de Deus no santuário
como um todo.
com Seu povo (Lev. 16:16). Essas indicações podem servir como meio de
ilustrar que Deus não deve ser encarado como estando restringido ao Santo dos
Santos, que há uma interconexão entre os dois compartimentos do santuário e
que Deus não estava encerrado num deles, no santuário terrestre.
Transferir a noção da presença de Deus no Santo dos Santos, sobre a Terra,
para o santuário celestial é errôneo em dois sentidos: a) a presença de Deus
sobre a Terra não se restringia ao Santo dos Santos; e b) é impróprio
raciocinar da cópia na Terra para o original no Céu. A visão do trono por Ezequiel favorece a compreensão de que o trono de
Deus e Sua presença não se restringem a um só local. O Prof. Menahen Haran escreve o seguiute sobre I Crôn. 28:18: “O vocábulo
mercabah (“carro”) denota
um trono que pode estar em movimento, pois o trono de Iavé nos Céus (segundo
é descrito na visão de Ezequiel) não
está restrita a um só lugar.” – Temple and Temple-Service in Ancient Israle
[Osford, 1978], pág. 253. O conceito da presença e Deus é essencial para a
devida compreensão do acesso a Deus. A idéia de acesso, que é tão central em
Hebreus, se acha ligada ao caminho (hodos)
que agora está aberto (cp. Heb. 9:8). No sistema terrestre só havia acesso
limitado. Tanto os homens como as mulheres — o povo como um
todo — não tinham um meio de entrar no Lugar Santo, o qual só era franqueado aos sacerdotes. O ‘véu’ à entrada do
Lugar Santo impedia o acesso às pessoas. Os sacerdotes não podiam entrar no
Santo dos Santos, que era protegido por outro véu; só o sumo saccrdote tinha
acesso a esse lugar, e apenas uma vez
por ano.
Em vista dessas limitações de acesso tanto ao Lugar Santo como ao Santo dos Santos, que significa
ter Cristo entrado “além do véu” ? Pode ser sugerido que o autor de Hebreus
empregou o vocábulo “véu” (katapetasmo) em
sentido coletivo. Pode estar conferindo a katapetosma um
significado que abranja coletivamente o “véu” tanto diante do Lugar Santo como
do Santo dos Santos. O uso da Setuaginta e o de escritores helenistas não
cristãos, não se opõe a esta sugestão. A análise das restrições do acesso das
pessoas tanto ao Lugar Santo como ao Santo dos Santos parece requerer a
compreensão de que o “véu” representa coletivamente a ambos.
A entrada de Cristo para “dentro do véu” — coletivamente
os véus que separavam as pessoas do Lugar Santo e do Lugar Santíssimo — não
requer que Ele tenha começado o Seu ministério em ambas essas divisões no
santuário celestial. Ao entrar para “dentro do véu”, Cristo empenhou-Se na
dedicação de todo o santuário celestial (cp. Dan. 9:24). Após a dedicação. Ele
aplica os benefícios de Seu sangue e sacrifício como Sacerdote e Sumo
Sacerdote celestial. Com Ele e por Seu intermédio podemos entrar além do véu e
ter acesso a Deus, que está presente em todo o santuário.
Estas considerações destinam-se a incentivar o estudo de Hebreus 9. O
estímulo para renovado pensamento, reflexão e estudo suscitado pelas sugestões
do Dr. Ford sobre Hebreus 9 certamente
tem sido útil. Seu ponto de vista sobre
esse capítulo precisa ser avaliado diante do próprio texto e contexto imediato e mais amplo. Embora eu não esteja de acordo com a tese
central do Dr. Ford sobre Hebreus 9, espero que estes breves comentários dêem
ensejo a mais reflexão e estudo da parte de todos nós que temos interesse no
significado e na verdade da Palavra de Deus para o nosso tempo.
Revista
“O Ministério Adventista” nº 2 Mar-Jun 1981
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