Autor: Dr. Barbet (médico francês)
Transmissão: Antonio Xisto Arruda
Sou um cirurgião, e dou
aulas há algum tempo.
Por treze anos vivi em
companhia de cadáveres e durante a minha carreira estudei anatomia a fundo.
Posso portanto escrever sem presunção a respeito de morte. Jesus entrou em
agonia no Getsêmani e seu suor tornou-se como gotas de sangue a escorrer pela
terra.
O único evangelista que
relata o fato é um médico, Lucas, e o faz com a decisão de um clínico. O suar
sangue, ou "hematidrose", é um fenômeno raríssimo. É produzido em
condições excepcionais: para provocá-lo é necessário uma fraqueza física,
acompanhada de um abatimento moral violento causado por uma profunda emoção,
por um grande medo. O terror, o susto, a angústia terrível de sentir-se
carregando todos os pecados dos homens devem ter esmagado Jesus. Tal tensão
extrema produziu o rompimento das finíssimas veias capilares que estão sob as
glândulas sudoríparas; o sangue se mistura ao suor e se concentra sobre a pele,
e então escorre por todo o corpo até a terra.
Conhecemos a farsa do
processo preparado pelo Sinédrio hebraico, o envio de Jesus a Pilatos e o
desempate entre o procurador romano e Herodes. Pilatos cede, e então ordena a
flagelação de Jesus. Os soldados despojam Jesus e o prendem pelo pulso a uma
coluna do pátio. A flagelação se efetua com tiras de couro múltiplas sobre as
quais são fixadas bolinhas de chumbo e de pequenos ossos.
Os carrascos devem ter
sido dois, um de cada lado, e de diferente estatura. Golpeiam com chibatadas a
pele, já alterada por milhões de microscópicas hemorragias do suor de sangue. A
pele se dilacera e se rompe; o sangue espirra. A cada golpe Jesus reage em um
sobressalto de dor. As forças se esvaem; um suor frio lhe impregna a fronte, a
cabeça gira em uma vertigem de náusea, calafrios lhe correm ao longo das
costas. Se não estivesse preso no alto pelos pulsos, cairia em uma poça de
sangue.
Depois o escárnio da
coroação. Com longos espinhos, mais duros que os de acácia, os algozes
entrelaçam uma espécie de capacete e o aplicam sobre a cabeça. Os espinhos
penetram no couro cabeludo fazendo-o sangrar (os cirurgiões sabem o quanto
sangra o couro cabeludo). Pilatos, depois de ter mostrado aquele homem
dilacerado à multidão feroz, entrega-O para ser crucificado. Colocam sobre os
ombros de Jesus o grande braço horizontal da Cruz; pesa uns cinqüenta quilos...
A estaca vertical já está plantada sobre o Calvário.
Jesus caminha com os
pés descalços pelas ruas de terreno irregular, cheias de pedregulhos. Os
soldados o puxam com as cordas. O percurso é de cerca de 600 metros; Jesus,
fatigado, arrasta um pé após o outro, freqüentemente cai sobre os joelhos e os
ombros de Jesus estão cobertos de chagas. Quando ele cai por terra, a viga lhe
escapa, escorrega, e lhe esfola o dorso. Sobre o Calvário tem início a
crucificação. Os carrascos despojam o condenado, a sua túnica está colada nas
chagas e tirá-la produz dor atroz. Quem já tirou uma atadura de gaze de uma
grande ferida sabe do que se trata. Cada fio de tecido adere à carne viva: ao
levarem a túnica, se laceram as terminações nervosas postas em descoberto pelas
chagas. Os carrascos dão um puxão violento. Há um risco de toda aquela dor
provocar uma síncope, mas ainda não é o fim.
O sangue começa a
escorrer; Jesus é deitado de costas; as suas chagas se incrustam de pó e
pedregulhos. Depositam-no sobre o braço horizontal da cruz. Os algozes tomam as
medidas. Com uma broca, é feito um furo na madeira para facilitar a penetração
dos pregos. Os carrascos pegam um prego (um longo prego pontudo e quadrado),
apóiam-no sobre o pulso de Jesus, com um golpe certeiro de martelo o plantam e
o rebatem sobre a madeira. Jesus deve ter contraído o rosto assustadoramente. O
nervo mediano foi lesado.
Pode-se imaginar aquilo
que Jesus deve ter provado; uma dor lancinante, agudíssima, que se difundiu
pelos dedos, e espalhou-se pelos ombros, atingindo o cérebro. A dor mais
insuportável que um homem pode provar, ou seja, aquela produzida pela lesão dos
grandes troncos nervosos: provoca uma síncope e faz perder a consciência. Em
Jesus não. O nervo é destruído só em parte: a lesão do tronco nervoso permanece
em contato com o prego; quando o corpo for suspenso na cruz, o nervo se
esticará fortemente como uma corda de violino esticada sobre a cravelha. A cada
solavanco, a cada movimento, vibrará despertando dores dilacerantes. Um
suplício que durará três horas.
O carrasco e seu
ajudante empunham a extremidade da trava; elevam Jesus, colocando-o primeiro
sentado e depois em pé; conseqüentemente fazendo-o tombar para trás, o encostam
na estaca vertical. Depois rapidamente encaixam o braço horizontal da cruz
sobre a estaca vertical. Os ombros da vítima esfregam dolorosamente sobre a
madeira áspera. As pontas cortantes da grande coroa de espinhos penetram o
crânio. A cabeça de Jesus inclina-se para frente, uma vez que o diâmetro da
coroa o impede de apoiar-se na madeira.
Cada vez que o mártir
levanta a cabeça, recomeçam pontadas agudas de dor.
Pregam-lhe os pés. Ao
meio-dia Jesus tem sede. Não bebeu nada desde a tarde anterior. Seu corpo é uma
máscara de sangue. A boca está semi-aberta e o lábio inferior começa a pender.
A garganta, seca, lhe queima, mas ele não pode engolir. Tem sede... Um soldado
lhe estende sobre a ponta de uma vara, uma esponja embebida em bebida ácida, em
uso entre os militares. Tudo aquilo é uma tortura atroz. Um estranho fenômeno
se produz no corpo de Jesus. Os músculos dos braços se enrijecem em uma contração
que vai se acentuando: os deltóides, os bíceps esticados e levantados, os
dedos, se curvam. É como acontece a alguém ferido de tétano. É isto que os
médicos chamam tetania, quando os sintomas se generalizam: os músculos do
abdômen se enrijecem em ondas imóveis, em seguida aqueles entre as costelas, os
do pescoço, e os respiratórios.
A respiração se faz,
pouco a pouco mais curta. O ar entra com um sibilo, mas não consegue mais sair.
Jesus respira com o ápice dos pulmões. Tem sede de ar: como um asmático em
plena crise, seu rosto pálido pouco a pouco se torna vermelho, depois se
transforma num violeta purpúreo e enfim em cianítico. Jesus é envolvido pela
asfixia. Os pulmões cheios de ar não podem mais se esvaziar. A fronte está
impregnada de suor, os olhos saem fora de órbita.
Mas o que acontece?
Lentamente com um esforço sobre-humano, Jesus toma um ponto de apoio sobre o
prego dos pés. Esforça-se a pequenos golpes, se eleva aliviando a tração dos
braços. Os músculos do tórax se distendem. A respiração torna-se mais ampla e
profunda, os pulmões se esvaziam e o rosto recupera a palidez inicial.
Por que este esforço?
Porque Jesus quer falar: "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que
fazem".
Logo em seguida o corpo
começa afrouxar-se de novo, e a asfixia recomeça.
Foram transmitidas sete
frases pronunciadas por ele na cruz: cada vez que quer falar, deverá elevar-se
tendo como apoio o prego dos pés.
Inimaginável!
Atraídas pelo sangue
que ainda escorre e pelo coagulado, enxames de moscas zunem ao redor do seu
corpo, mas ele não pode enxotá-las. Pouco depois o céu escurece, o sol se
esconde: de repente a temperatura diminui.
Logo serão três da
tarde, depois de uma tortura que dura três horas, todas as suas dores, a sede,
as cãibras, a asfixia, o latejar dos nervos medianos lhe arrancam um lamento:
"Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?"
Jesus grita: "Tudo
está consumado!". Em seguida num grande brado diz:
"Pai, nas tuas
mãos entrego o meu espírito"
E morre... Em meu lugar
e no seu.
Sem comentários:
Enviar um comentário