A natureza humana de
Jesus
Dois grupos de passagens bíblicas, aparentemente
contraditórias, descrevem a natureza humana de Jesus
Por
Wilson Endruveit
Revista Adventista, agosto 2004
Enquanto a divindade de Jesus é mais
debatida fora dos círculos de nossa Igreja, Sua humanidade é um dos assuntos
mais debatidos entre os adventistas do sétimo dia.
Até 1957, houve
no adventismo forte consenso de que a humanidade de Jesus era igual à de toda
pessoa após a queda de Adão (posição pós queda). Porém, mesmo durante aquele
período, principalmente em meados dos
anos 1890, havia oposição ao conceito de “pós-queda”, como mostra George
Knight no livro From 1888 to Apostasy,
páginas 132-140.
A causa principal do debate acalorado
sobre a humanidade de Jesus foi a
publicação do livro Seventh-day Adventists Anser Questions on Doctrine, em
1957. A posição “Pré-queda”, desenvolvida no livro Questions
on Douctrine, foi afrontada vigorosamente por M.L. Andreasen, a ponto de
ele perder sua credencial. Após 1957,
Andreasen teve admiradores e oponentes, que alimentaram debates, os quais continuam até hoje. De um lado, há o
grupo “pré-queda” (posição pré-lapsariana) e do outro, o “pós-lapsariana).
O grupo
“pós-queda” sustenta que a natureza de Jesus era como a nossa, e
consequentemente, uma vez que Ele foi vitorioso tendo a nossa natureza, também
podemos alcançar vitória perfeita sobre o pecado. Infuenciados por Andreasen, muitos defendem a
idéia de que a vitória perfeita do remanescente é absolutamente essencial para
a vindicação de Deus e a iminência da segunda vinda de Cristo.
Os mais
importantes defensores do conceito “pos-queda” são: M.L. Andreasen, Herbert
Douglass, Robert Weiland, Thomas Davis, C. Mervyn Maxwell e Ralph Larson. Os
defensores da posição “pré-queda” sustentam que Jesus era verdadeiramente
homem, mas sem pecado. Nele, não havia apenas a ausência de atos pecaminosos,
como também era isento da depravação
inerente ou tendências inatas para o pecado. Os mais importantes
defensores dessa teoria escreveram o livro Questions
on Douctrine, provávelmente R.A. Anderson, Le Roy Froom, W. E. Read, e mais
redcentemente, Edward Heppenstall, Hans K. Larondelle, Raoul Dederen, Norman
Gulley e outros.
Testemunho das Escrituras - Que dizem as
Escrituras a respeito da humanidade de Jesus? Ao analisarmos os fa tos,
precisamos ser honestos. Há dois grupos de passagens biblicas, aparentemente
contraditorias, que descrevem a natureza humana de Jesus.
1. O primeiro
declara que Jesus tinha uma natureza semelhante à nossa, dc acordo com as
seguintes passagcns:
• Romanos 8:3: “Isso fez Deus enviando o Seu
próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa.
• Filipenses
2:7: “Antes, a Si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma de servo,
tornando-Se em semelhança de homens”
• Hebreus 2:14, 16, 17 e 11. Jesus participou igualmente da carne e
do sangue, e convinha que, em todas as coisas, Se tornasse semelhante aos irmãos.
2. O segundo grupo de passagens salienta a
singularidade de Jesus. tazendo-O diferente de nos e igual a Adão, antes da queda.
• II Corintios 1:2 1: “Àquele que não conheceu
pecado.” Como poderia Ele tomar a minha natureza e não conhecer o pecado?
• 1 João 3:3: “E nEle não existe pecado” Parece
que as duas passagens desse grupo vão além da idéia de atos de pecado. Parecem
sugerir que dentro dEle, no intimo do Seu ser (inerente), não havia pecado.
Jesus mesmo sugere esse parecer
nas passagens seguintes:
• João
14:30: O príncipe deste mundo “nada tem
em Mim’l Enquanto Satanás tem algo em nós—pois, por natureza, somos filhos da
ira (Efés. __ — Jesus declara que Satanás não tem nada nEle.
·
João 8:46: “Quem dentre vós Me convence de
pecado?”
Pecado é
transgressão da lei (1 João 3:4). Entretanto, Jesus o descreve como sendo mais
que um ato. De acordo com o Sermão do Monte, quem é adúltero? Aquele que pensa
de maneira impura. Pecado é atitude da mente, experiência interna,
condição da natureza humana. Mais que um ato físico, pecado é uma atitude/condição
da mente.
1 )e acordo com
essas passagens, Jesus Cristo não tinha pecado, nem iimsnio em Sua mente, em
Sua experiencia intima, no Seu coração. Não tinha más inclinações, nem tendências
mas.
lemos, portanto,
dois grupos de passagens. Um declara que Jesus veio cm nossa semelhança carnal,
e outro, que Jesus não conheceu pecado. Não é de admirar que ambas as partes
do debate sobre a natureza humana de Jesus apelem para as Escrituras, em busca
de apoio. Entretanto, a verdade não está em um lado, em detrimento do outro.
Os dois grupos de passagens não são contraditorios. Eles se completam. Assim,
concluimos que Jesus veio com a nossa natureza mas sem as tendências/propensões
más. Para sermos tiéis às Escrituras, precisan~os incorporar dois aspectos em
nossa compreensão da humanidade de Cristo: a semelhança (identifica-cão) e a
singularidade. Ele é semelhante a nós, mas ao mesmo tempo ésingular desde o
nascimento. “Era, como se cuidava, filho de José)’ Luc. 3:23. Jesus não teve pai
humano. Seu nascimento foi sobrenatural; portanto, é impossível colocá-Lo num
padrão humano, em circunstância de nascimento igual à nossa. “Mas o anjo lhe
disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante de l)eus. Eis que
conceberás e darás àluz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus. Este será
grande e será chamado Filho do Altíssimo.
será isto, pois não tenho relação
com homem algum? Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o
poder do Altíssimo te envolverá com a Sua sombra; por isso, também o Ente
santo que há de nascer será chamado Filho de Deus? Luc. 1:30-35.
Comparado com
Adão, Jesus era igual a ele na ausência das inclinações más, e diferente dele
porque apresentava os efeitos do pecado em Sua natureza humana. Cristo não
veio com a estatura de Adão, nem tinha seu vigor mental e moral. Ele tomou
sobre Si as fraquezas da humanidade degenerada. Em estatura, vigor físico e
mental, Ele veio igual ao homem de Seus dias, mas sem as tendências más.
Comparado a nós,
Cristo teve uma natureza igual à nossa porque tomou sobre Si os efeitos do
pecado, exceto o pendor para o mal. Nisso era diferente de nós. E se não foi
exatamente como nós, alguns perguntam:
Como podia Ele ser tentado em tudo,
como nós? Não tinha Ele uma aparente vantagem sobre nós?
Antes de
responder a essas perguntas, vejamos o testemunho de E. 6. White sobre a
humanidade de Jesus.
Testemunho de E. G. White – Como nas
Escrituras, as declarações de E. G. White sobre a natureza humana de Cristo
situam-se em dois grupos:
1. Um afirma que
Jesus não tinha a natureza pecaminosa do homem (visão pré-queda).
“Ele tomou a
forma humana, porém não a natureza pecaminosa. Na plenitude dos tempos deveria
ser revelado na forma humana. ... Deveria tomar a Sua posição à frente da humanidade,
tomando a natureza mas não a pecaminosidade do homem? — E. G.
White, Signs ofthc Times, 20 de maio de 1901.
“Sede cuidadosos
ao vos demorardes em pensar na natureza humana de Cristo. Não O apresenteis
perante o povo como um homem com as mesmas propensões para o pecado. Ele é o
segundo Adão. O primeiro Adão foi criado como um ser puro e isento de pecado.
Sem qualquer mácula de transgressão sobre
deria cair, e caiu mediante a desobediência.
Devido ao pecado, sua posteridade passou a ser gerada com propensoes inerentes
à transgressão. Mas Jesus Cristo foi o Filho unigênito de Deus. Ele tomou
sobre Si a natureza humana, e foi tentado em todos os pontos em que é tentada
a natureza humana. Ele poderia ter pecado, poderia ter caído, mas nem por um
momento houve nEle uma má propensão” — E. G White, Seventhday Adventist Bible
Commentary, vol. 5, pág. 1.121.
Obviamente, Ellen
White afirma que Jesus não tinha propensões pecaminosas em Sua natureza
humana, nem atos pecaminosos em Sua vida.
“Nunca, de
maneira nenhuma, deixai a mais leve impressão sobre as mentes humanas de que
pairasse sobre Ele corrupção, mancha ou inclinação para o pecado, ou que Ele,
em qualquer hipótese, cedeu à corrupção. Ele foi tentado em todos os pontos
como o homem é tentado, porém, é chamado de ‘aquela coisa santa’” — E. G.
White, Seventh-day Adventist Bible Commentary, vol. 5, págs. 1.128 e
1.129.
Cristo era isento
de pecado no sentido de que não tinha “inclinação para a corrupção”. Sua
experiência pessoal também demonstrava que Ele não cedia à corrupção. Não havia
pecado, tanto em Sua natureza como nas ações.
2. O outro grupo
de passagens focaliza Jesus como sendo igual a nós (visão pós-queda).
“Teria sido uma
quase infinita humilhação para o Filho de Deus, revestir-Se da natureza
humana, mesmo quando Adão permanecia em seu estado de inocência, no Éden. Mas
Jesus aceitou a humanidade quando a raça havia sido enfraquecida por quatro mil
anos de pecado. Como qualquer filho de Adão, aceitou os resultados da operação
da lei da hereditariedade.” — O Desejado
de Todas as Nações, pág. 49.
“Cristo... [tomou]
nossa natureza em seu estado deteriorado” — Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág.
253.
“Ele é nosso
exemplo em tudo. É um irmão em nossas fraquezas, mas não em possuir idênticas
paixões. Sendo sem pecado, Sua natureza recuava do mal.” — Testemunhos Para a Igreja, vol. 2,
pág. 202.
Tentado em tudo como nós - Se Jesus não tinha propensões
pecaminosas inatas, como pode Hebreus 4:15 afirmar que Ele foi tentado em tudo
como nós? Foram Suas tentações iguais às nossas? Não tinha Ele uma aparente
vantagem sobre nós?
O Dr. Sakae Kubo, em uma de suas aulas a que
assisti na Andrews University, fez comentários elucidativos sobre Hebreus
4:15, que achei apropriado incluir neste artigo.
“Jesus não
precisava ter as propensões pecaminosas com as quais nascemos. Precisava
apenas vencer onde Adão caíra e nas condições de Adão. Satanás havia afirmado
que Adão e Eva, antes do pecado, não eram capazes de guardar a lei. Cristo
devia mostrar que o homem podia obedecer a Deus nas condições de Adão e Eva.”
(Ler O Desejado de Todas as Nações, págs. 82 e 117.)
Mesmo sem
tendências más inatas, Jesus poderia ter tido tentações iguais às nossas. O
diabo apela às nossas más inclinações, ao passo que, com relação a Jesus,
apelou às Suas boas inclinações. Mencionando coisas nobres, o inimigo tentava
desviar Jesus do plano de Deus.
Á luz do que foi
dito, pode-se sugerir que Hebreus 4:15 quer dizer que, em essência, Jesus
foi tentado em tudo como nós, mas em formas ou maneiras diferentes.
À primeira vista,
a primeira tentação de Jesus consistia em transformar pedras em pães, mas o
princípio básico em questão era se Jesus haveria de agir independentemente
de Deus. Viveria Ele, à semelhança do homem, em completa dependência de
Deus, ou menosprezaria a vontade do Pai, valendo-Se de Sua divindade em tempo
de prova? Era lícito satisfazer Sua fome, mas Ele não podia usar meios
ilícitos, naquela ocasião, porque Deus havia planejado que Ele vivesse como o
homem deve viver e vencer a tentação exatamente onde Adão caíra, e em condição
acessível ao homem.
A mesma tentação
nos sobrevém em formas variadas e diversas. Ela nos assedia quando procuramos
alcançar algum objetivo, quando procuramos satisfazer algum desejo, em contraposição
à vontade de Deus. O homem não deve “viver apenas de pão” - isto é, satisfazer suas necessidades, mas
viver “pela Palavra de Deus”, em harmonia com Sua vontade e Seus mandamentos.
O objetivo primordial do homem não é a satisfação de suas necessidades, mas o
cumprimento da vontade de Deus. A mesma tentacão nos sobrevém quando somos
tentados a negar a Deus a fim de ganhar a subsistência, ou transgredir o
sábado para obtermos salário melhor ou uma educação (titulo), casamento com infiéis,
etc. Jesus enfrentou essa essência da tentação — a independência. A forma ou
maneira dessa essência varia de acordo com tempo, lugar, sexo, etc.
A segunda
tentação, ao contrário, consistiu na super-dependência: esperar que
Deus fizesse o que não prometera. Satanás dirige essa tentaçao especialmente
aos que dependem muito de Deus. Não somos tentados a pular do pináculo de um
templo, mas a mesma tentação nos assedia quando somos tentados a expor-nos
desnecessariamente em situações perigosas, mesmo que seja por uma causa justa,
ou quando nos recusamos a tomar as devidas precauções médicas; ou quando
esperamos que Deus nos abençoe em nossos afazeres, sem que nos esforcemos; ou
quando esperamos que Deus resolva nossos problemas sem que Ele tenha
prometido fazê-lo. “Não tentarás o Senhor teu Deus” por esperares que Ele faça
o que não prometeu realizar.
A terceira
tentação fala bem de perto a todos nós. Mas, novamente, a tentação de Jesus é
muito maior do que a nossa. Satanás não nos oferece todos os remos do mundo,
pois sabe que com bem menos pode satisfazer-nos.
Essa tentação
sobrevém a nós quando somos estimulados a trocar nossa lealdade a Deus por
alguma coisa ou alguém, simplesmente por motivo de prazer, honra, posição
temporal, etc.
Uma vez que Jesus
foi tentado como nós (velhos, jovens, ricos, pobres, homens, mulheres,
solteiros, casados), pode simpatizar conosco em nossas tentações, que não são
diferentes das dEle em essência, embora possam diferir na forma ou
maneira. Além disso, Ele não foi tentado como nós em essência apenas, mas
em duas maneiras Jesus excedeu-nos na batalha contra o mal:
Primeiro, Ele
nunca cedeu diante da tentação. Isto significa que Ele sentiu a força total de
cada tentação de Satanás. Nós, ao contrário, cedemos antes de Satanás nos
tentar com toda a força da tentação. Jesus, portanto sofreu tentações mais fortes
que as nossas.
Segundo, “não vos
sobreveio tentação que não fosse humana: mas Deus é fiel e não permitirá que
sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação,
vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar. 1 Cor. 10:13.
Deus não permite
que selamos tentados além de nossas forças. Coloca limites em torno de nós.
Jesus, porém, foi alvo de tentações que não são comuns ao homem. Enfrentou
tentações adequadas para o segundo Adão. Seu poder divino foi desafiado por várias
vezes, e não Se valeu dele.
Para sentir o
poder da tentação, Jesus não necessitava ter propensões pecaminosas como nós. A
forca de tentações que lhe sohrevieram estava na possibilidade de Ele usar Sua
divindade para resistir aos ardis cio inimigo.
Para Cristo, a
principal tentação foi a mesma de todo ser humano — o
desejo de andar sozinho e depender de si mesmo, em vez de depender do poder
divino.
Morris Venden
ilustra a dinâmica central envolvida na tentação: Pessoas que dirigem
autumóveis sem grande potência, não lutam com o desejo irresistível de dar
grandes arrancadas ou dirigi-los em alta velocidade, pois sabem que sob o capô há
um motor limitado. Porém, as mais tentadas a dirigir em alta velocidade são as
que têm carros com motores de alta potência. Cristo era detentor de poder
infinito, divino. Sua grande tentação consistiu em depender de Si mesmo em vez
de depender do poder comunicado pelo Pai.
Wilson H. Endruveit é reitor do SALT no território da Divisão Sul-Americana.
Revista Adventista, agosto 2004
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