CRISTO E SUA ONIPRESENÇA
Pedro Apolinário -
Sermões Exaltando a Verdade – Casa Publicadora Brasileira, 1a.
Edição
Professor de Grego e Exegese Bíblica do Curso Latino-Americano de Teologia
– Eng. Coelho, SP.
o inimigo da verdade, através dos séculos, procura
incutir na igreja heresias, especialmente quanto à perfeita humanidade e
perfeita divindade de Cristo.
Uma das principais heresias que
atingiu a igreja em seus primórdios foi o gnosticismo, que procurou destruir os
fundamentos do cristianismo. Seu ensino fundamental era este: a matéria é má; o
espírito é bom.
o ataque fundamental do gnosticismo foi contra a
divindade de Cristo. Ensinavam que entre Deus e o mundo havia seres
intermediários ou semideuses. Os semideuses não possuíam todos os atributos
divinos. Para o gnosticismo, Cristo era um semideus.
Esta heresia estava atingindo a
igreja de Colossos, e para combatê-la Paulo escreveu a Carta aos Colossenses.
o verso mais significativo desta epístola quanto à
divindade de Cristo inegavelmente é o nove do capítulo dois: “Porquanto, nEle,
habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade.” Note bem: toda a plenitude
da Divindade e não apenas algumas emanações.
É bom reparar que Paulo aqui usou o
verbo katoikeo — “habitar permanentemente”, no tempo
presente (que é uma ação contínua), e não no aoristo que é uma ação passageira.
Em grego o verbo habitar temporariamente é
paroikeo.
Jesus, sendo Criador, enfeixa em Si,
todos os atributos inerentes a Deus e não apenas alguns deles. É bastante eliminar um dos atributos
de Deus, para que Ele deixe de ser Deus.
Ultimamente recebi cartas para que
esclarecesse se Cristo realmente perdeu a Sua onipresença. As perguntas
surgiram de três circunstâncias:
1a.) A
promessa de Cristo de enviar o Espírito Santo. “E Eu rogarei ao Pai, e Ele vos
dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco” (João 14:16).
2a.) A declaração de Ellen
White: “Limitado pela humanidade, Cristo não poderia estar em toda parte em
pessoa. Era, portanto, do interes se deles que fosse para o Pai, e enviasse o
Espírito como Seu sucessor na Terra.” — O Desejado de Todas as Nações, pág. 669.
3a.) Descuidadas notas de lições da
Escola Sabatina, que serão analisadas nesta matéria.
Atributos Divinos
Para compreender melhor o assunto,
seria bom saber alguma coisa sobre os atributos divinos.
Devemos distinguir entre a natureza
de Deus e Seus atributos. A natureza de Deus constitui o Ser, os atributos
revelam o Ser. Deve-se ainda notar que os atributos não são Deus, mas são os
modos e as qualidades dEle.
Várias classificações têm sido
apresentadas — uns falam em atributos naturais e
morais; um segundo grupo prefere falar em atributos absolutos e relativos. A
mais comum, todavia, é falar em atributos incomunicáveis ou imanentes, e
comunicáveis ou emanantes.
Atributos incomunicáveis são
privativos de Deus, e não podem ser encontrados no ser humano: onipotência~
onipresença, onisciência, imutabilidade. Por outro lado, atributos comunicáveis
são aqueles que a Divindade transfere ao ser humano, tais como: bondade, amor,
justiça, mansidão, paciência, longanimidade, misericórdia, etc.
Conhecendo o Problema
A declaração de O Desejado de Todas as Nações, pág. 669: “Embaraçado (ou limitado)
pela humanidade...” se explica por si mesma. Cristo, ao estar na Terra, era
tanto Deus, como Homem, mas tinha uma missão a cumprir exclusivamente como
Homem, não podendo, portanto, utilizar-Se de Sua divindade para benefício
próprio ou no cumprimento de tal missão. A prova de que a divindade estava NEle
presente é que Sua maior tentação foi usar o poder que possuía (ver Mat. 4:1-1
1).
Limitado pela humanidade, Ele não
poderia estar em toda parte, mas como divino, isso era perfeitamente possível.
Se em Sua humilhação, Cristo não usou
os atributos divinos independentemente do Pai, é evidente que concluída essa
fase na Terra, podia usá-los livremente. Tanto é que Seu primeiro ato após
concluir Sua missão na cruz foi ressuscitar-Se a Si próprio pelo poder divino
que possuía.
Ensinar que Cristo perdeu a onipresença é mais uma das
artimanhas do inimigo, para diminuir o Salvador de Seu todo-suficiente
sacrifício em nosso favor.
Declarar que Ele perdeu a onipresença seria negar Sua
divindade, uma das mais sérias heresias que a igreja cristã enfrentou através
dos séculos, e enfrenta em nossos dias.
Cristo é Deus, pois o Novo Testamento assim o denomina
sete vezes (João 1:1; 20:28; Romanos 9:5; Tiro 2:13; Hebreus 1:8; II Pedro 1:1;
1 João 5:20).
Se é Deus, é perfeito, logo não pode ganhar nem perder
nada. O Pastor Daniel Porto declarou convincentemente: “É bastante eliminar um dos atributos de Deus para que Ele
deixe de ser Deus.” — Revista Adventista, março de 1984, pág. 6.
Ampliando
o Problema
Quanto às notas de lições da Escola Sabatina, três
merecem destaque:
a) Dia 7 de abril de 1977: “Quando Jesus Se
tornou carne, despiu-Se dos poderes da Divindade e Se tornou absolutamente
dependente do Pai e do Espírito Santo.”
Não tive condições de averiguar se o verbo despir-se foi
bem traduzido do inglês, ou se foi uma infelicidade de tradução.
Despir-se é pôr de lado, abandonar, despojar-se. Jesus
não deixou Sua natureza divina ao estar na Terra; Ele possuía as duas
naturezas. Da divindade Ele passou à humanidade, esvaziou-Se, sem deixar de
ser Deus.
A Sra. White contesta a idéia de Cristo despir-Se ou
despojar-Se da natureza divina: “Jesus tomou a humanidade e a acrescentou à
divindade. Ele revestiu Sua divindade com a humanidade.” —
Review and Herald, 05/07/1987.
“A divindade e a humanidade combinaram-Se
misteriosamente, e o homem e Deus Se tornaram um.” — Signs of the Times,
30/06/1896.
“Cristo não podia ter vindo à Terra com a glória que
possuía nas cortes celestiais. Seres humanos pecadores não suportariam vê-Lo.
Ele velou Sua divindade com a roupagem da humanidade, porém, não Se desfez de
Sua divindade.” — Review and Heraid, 15/06/1905.
Não Se desfazer da divindade é a maior prova de que
também não Se desfez da onipresença.
b) Dia 11 de março de 1983: “Jesus como Ser humano, está na
presença de Deus no Céu, comparecendo ali por nós. Visto que Ele sempre
continuará sendo humano, está restringido a um lugar no espaço e no tempo” (Ver
O Desejado de Todas as Nações, ed.
popular, pág. 644).
Como humano, Cristo estaria limitado
pelo espaço, mas como
divino jamais, porque Deus não pode ser limitado nem pelo espaço nem pelo
tempo.
Uma das provas mais conclusivas de
não estar limitado pelo espaço se encontra em Seu aparecimento a dois
discípulos no caminho de Emaús (Lucas 24:13-31) e aos outros em Jerusalém
(Lucas 24:36 e 37).
A publicação adventista Questions on Doctrine (explicação de
nossas crenças fundamentais, à página 77) afirma: “O fato de Cristo ter-Se tornado
homem de modo algum fez com que Sua divindade fosse restringida ou subtraída.”
c) Dia
8 de setembro de 1986: “Visto, porém, que ‘Cristo levou Sua humanidade para a
eternidade’ (Comentário de Ellen G. White, SDABC,
vol. 7, pág. 925) e estar
restringido a um corpo humano e não pode mais estar presente em toda a parte
como sucedia antes da encarnação, Ele habita agora em Seus seguidores por meio
do Espírito Santo. É por meio do
Espírito Santo que Cristo habita em nós.” (Deve notar-se bem que apenas o que
se encontra entre aspas simples pertence a Ellen G. White; o restante é do
autor da lição.)
Infelizmente, esta nota da lição,
que jamais deveria
ter sido publicada, fez com que muitos de nossos irmãos, especialmente pelo
interior de nosso grande país chegassem à conclusão errada de que Cristo perdeu
a onipresença. Num curso ministrado aos alunos do mestrado, no IAE, São Paulo,
perguntaram ao Dr. Dederen: Cristo ao tornar-Se humano perdeu a Sua
onipresença? Com sabedoria e firmeza contestou energicamente a conclusão errada
a que alguns chegaram
por culpa de notas da lição da Escola Sabatina.
Como Igreja é importante que não
permitamos nenhum erro doutrinário entre nós. A afirmação do autor da lição:
“não pode mais estar presente em toda a parte como sucedia antes da
encarnação...” não se harmoniza com os ensinos das Escrituras nem com Ellen G.
White.
A seguinte verdade deve ser
lembrada: cada pessoa da Trindade desempenha específica função em benefício do
ser humano, mas isto não significa que cada uma não possa desempenhar a função
da outra.
Nas 50 proposições do livro Seventh-day Adventists Answer Questions on
Doctrine, pág 45, sobre nossas crenças há esta:
“Cremos que a Divindade, ou
Trindade, consiste do Eterno Pai, Ser pessoal, espiritual, onipotente,
onipresente, onisciente, infinito em sabedoria e amor; do Senhor Jesus Cristo,
Filho do Eterno Pai, através de quem todas as coisas foram criadas e por quem
se realizará a salvação dos remidos; do Espírito Santo, terceira pessoa da
Divindade, o grande regenerador na obra da redenção (Mateus 28:19).
A função de cada membro da Trindade
é a seguinte: “Deus no trono do Universo, Jesus no trono da graça e o Espírito
Santo no trono do coração humano trabalham para a nossa salvação.” — Revista Adventista,
março de 1984, pág.
7.
O Pai provê, o Filho realiza e o Espírito Santo
aplica.
Concluir que Cristo — por conservar Seu corpo humano após a encarnação —
perdeu
a onipresença está errado, porque seria crer que Ele deixou de ser divino.
“Cristo é Deus perfeito, mas nunca
deixou de ser Homem perfeito, desde o momento da encarnação. O Ser que subiu ao
Céu e está assentado à destra de Deus Pai é Homem e também Deus. Cristo é
homem perfeito, mas nunca deixou de ser Deus perfeito.” — J.C. Ryle, Comentário
do Evangelho Segundo S. João, pág. 15.
Referências Bíblicas
Há inúmeras provas bíblicas da
onipresença de Cristo.
Mateus 18:20: “Porque, onde
estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, ali estou no meio deles.”
Hebreus 13:8: “Jesus Cristo, ontem e
hoje, é o mesmo e o será para sempre.” Valiosa prova de que Cristo não poderia
ter perdido nada está em Sua imutabilidade.
Atos 9:5 — A declaração de Lucas do aparecimento de Cristo a
Paulo, cientifica-nos de que Ele pode aparecer em qualquer lugar.
A maior evidência bíblica de que
Cristo, tomando a natureza humana, não perdeu nada da divindade se encontra na
conhecida declaração paulina: “Porquanto nEle, habita, corporalmente, toda a
plenitude da divindade” (Colossenses 2: 9).
O Comentário Adventista traz a seguinte
nota sobre este verso: “Em Cristo habita a soma total da natureza e atributos
de Deus. Todas as funções e poderes da divindade residem continuamente nEle.
Toda a plenitude de Deus é revelada em Cristo.
‘A extensão do termo pleroma, ‘plenitude’- é sem limite no
tempo, no espaço e em poder. Tudo quanto Deus é, cada qualidade da divindade — dignidade, autoridade, excelência, poder para criar
e sustentar o mundo, energia para manter e guiar o Universo, amor que levou a
redimir o ser humano, presciência a fim de suprir todas as coisas necessárias
a cada uma de Suas criaturas repousa em Crísto.” — SDABC, vol. 7, pág. 202.
Sobre Colossenses 1:19, afirma o
mesmo comentário: “Em Cristo se encontra a perfeita expressão da divindade de
maneira completa e eterna.” SDABC, vol.
7, pág.193.
Na carta aos Colossenses, Paulo está
condenando a heresia gnóstica, que não aceitava a plenitude da divindade de
Cristo, apresentando-O como um semideus, destituído de alguns atributos
divinos.
Colossenses 1:19 e 2:9 contestam
hoje, frontalmente, conclusões errôneas a que chegaram membros de nossa igreja,
por interpretarem mal declarações bíblicas e do Espírito de Profecia. Se Paulo
estivesse entre nós hoje, com toda a veemência que o caracterizava, escreveria
uma outra carta aos Colossenses atualizada.
Esses dois versos seriam suficientes
para provar que Cristo não perdeu o atributo da onipresença. Onipresença é
propriedade inerente a Cristo, logo continuará existindo com Ele por toda a
eternidade.
Não perdendo nenhum atributo em Sua
humilhação, é evidente que, terminada essa fase, pode perfeitamente usar todos
os atributos que Lhe são peculiares.
A Cristologia nos ensina que Cristo
é onipresente, mas pode ser que nem sempre faça uso desse atributo. Não usar
alguma coisa, todavia, não significa a sua perda.
No Espírito de Profecia
Além das citações já feitas, as
declarações seguintes quanto à onipresença de Cristo também merecem ser
destacadas:
“O pequeno grupo reunido para adorar
a Deus no Seu santo dia, tem direito a reclamar as bênçãos de Jeová e pode
estar certo de que o Senhor Jesus será honroso visitante em suas reuniões.” — Testemunhos
Seletos, vol. 3, pág. 27.
“Não obstante a aparente vitória de Satanás, Cristo está
levando avante Sua obra no santuário celeste e na Terra.” — Obreiros
Evangélicos, pág.
26.
“A divindade não foi degradada ou mutilada pela
humanidade.” — SDABC, vol. 5, pág. 918.
Essas declarações seriam suficientes para resolver
qualquer dúvida que ainda paire na mente de alguém.
Conclusão
Por mais que alguém pesquise tanto na Bíblia quanto nos
escritos de Ellen White, não encontrará nenhum texto que dê margem à conclusão
de que Cristo perdeu Sua onipresença ao tomar sobre Si a humanidade.
Possuindo as duas naturezas, como humano não pode ser
onipresente, mas
como divino é Senhor de todos os atributos. Demos graças a Deus por termos um
Salvador perfeito, completo, banindo da mente a falsa idéia de um Cristo
mutilado.
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