Jesus
não possuía as paixões de nossa natureza humana caída
por
Derson da Silva topes Junior
Um tema que tem sido objeto de controvérsias há muito
tempo na Igreja é a questão da natureza humana de Jesus Cristo. Alguns
defendem a posição pré-lapsariana, indicando
que Jesus detinha a natureza humana de Adão antes da queda. Outros defendem a
posição pós-lapsariana, crendo que
Cristo veio com a natureza pecaminosa, ou seja, a propensão ao pecado. A
palavra lapsariana vem do latim, lapsus, que
quer dizer queda, lapso. Existem também alguns poucos que abrigam outras
teorias, como a que crê nas duas naturezas unidas, e outras mais, mas devido à
pouca relevância destas outras, nos deteremos apenas ao estudo das duas
posições principais: pré e
pós-lapsariana.
Vamos analisar algumas particularidades
bíblicas e textos de Ellen White que nos levarão a uma definição do assunto.
Não é nosso objetivo esgotá-lo mas apenas elucidar por alto a questão,
motivando os leitores mais curiosos para uma pesquisa aprofundada deste
importante tema.
Nascimento
de Jesus — O primeiro ponto que precisamos
compreender é que Jesus não teve um nascimento comum. Em Lucas 1:26-38
encontramos o relato do anúncio do nascimento de Jesus. Nos versos 34 e 35,
lemos: Disse Maria ao anjo: Como se fará
isto, visto que não tenho relação com homem algum? Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o
poder do Altíssimo te cobrirá como uma sombra.
Por isso o ente santo que de ti
há de nascer, será chamado de Filho de Deus.” (Versão João Ferreira de
Almeida, Edição Contemporânea. Grifos do autor.)
Maria era noiva (verso 27) e ficou
em dúvida quanto à gravidez, visto que era virgem (verso 34). O anjo lhe afirmou
que o Espírito Santo ia descer e com poder através de uma sombra, ela iria
engravidar (verso 35). Isto não se assemelha a nenhum outro nascimento humano.
Todos sabemos que para que ocorra uma fecundação é necessário que haja união
entre um óvulo feminino e um espermatozóíde masculino. Neste caso, isso não
ocorreu. De forma misteriosa e incompreensível para nós, a concepção foi obra
do Espírito Santo. Este fato é confirmado em Mateus 1:16-21. Após determinar,
em cada uma das gerações descritas, antecedentes de Jesus que cada pai gerou a
seu filho, no caso de Jesus o autor bíblico afirma simplesmente: “nasceu” de Maria
(verso 16). Na continuação, é descrito o nascimento de Jesus como obra do
Espírito Santo. Esse fato contraria o primeiro argumento pós-lapsariano que
afirma que Jesus tinha herdado a natureza de sua mãe. Em verdade, Cristo não
era filho biológico de Maria e, por isso, não herdou a natureza pecaminosa de
sua mãe, como acontece com outros seres humanos (Sal. 51:5).
O
pecado — O pecado é algo realmente
devastador. Toda criança, ao nascer, traz consigo a natureza pecaminosa. Antes
mesmo de saber o que é pecado, ela já traz consigo o egoísmo e outras ações
más. O que dizer do bebê Jesus? Teria pecado nosso Salvador?
Primeiro precisamos entender
exatamente o que é pecado. 1 João 3:4 é enfático em dizer: “pecado é a
transgressão da lei”. Ou seja, indisciplina. No Éden, o homem desobedeceu a
Deus, mas o pecado começou antes de Eva comer o fruto, quando ela
deliberadamente duvidou da palavra de Deus “dele não comereis, ... para que não morrais” (Gên. 3:3). O pecado original
foi a quebra do relacionamento com Deus.
Cristo veio para restabelecer o
relacionamento entre Deus e o homem, e na pessoa divino-humana de Jesus estava
expresso Sett nome: Emanuel, Deus conosco. Jesus não rompeu em nenhum momento
sequer Seu relacionamento com o Pai. Ele não pecou. “Ele permaneceu
espiritualmente sem pecado.”’
Na
semelhança do pecado — Quando
lemos o texto de Romanos 8:3, no entanto, podemos ficar em dúvida quanto à
questão da carne pecaminosa. Paulo diz: “Deus enviando o Seu próprio Filho em
semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito,
condenou Deus, na carne, o pecado.”
O que é mal-interpretado por alguns,
na verdade refere-se a uma definição diferente, da natureza física de Jesus. “Ele [Paulo] se concentra em Cristo como tendo vindo na semelhança da carne pecaminosa. A
palavra-chave é ‘semelhança’. Duas palavras gregas são traduzidas por ‘semelhante’
em português: isos, que significa
mesmo’, como acontece em Atos 11:17, onde se diz que ‘Deus lhe deu o mesmo
(isos) dom’. e homoima, usada em Rom.
8:3, significando ‘semelhante’ (porque humana), mas não ‘mesma (porque não
pecaminosa). ... Sugerem estas palavras gregas, e
estes textos, que Jesus foi apenas semelhante
aos outros seres humanos, quanto a ter um corpo humano físico afetado pelo pecado, mas não o mesmo que os demais seres
humanos, pois somente Ele foi sem pecado em Seu relacionamento espiritual com
Deus? Ellen White assim pensava.2 A evidência bíblica permite esta conclusão.”3
Ponto salvifico — Apesar
de todas as discussões sobre a natureza humana de Jesus, poucas pessoas a
analisam sob a ótica da salvação. Embora muitos não pensem assim, uma compreensão
incorreta deste fato despreza o sacrifício expiatório de Jesus.
Todos nós pecamos, por isso estamos
destituídos da glória de Deus (Rom. 3:23), nosso destino por pecar é a morte.
(Ezeq. 18:4 e 20; Rom. 3:23). Para resolver esse problema, em um ato de supremo
amor, Deus enviou Seu Filho para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida
eterna. João 3:16. É aqui que encontramos mais uma incongruência na crença
pós-lapsariana. Se Jesus veio em natureza pecaminosa, era um pecador em seu
nascimento, precisava portanto de um Salvador; mas como, se Ele veio para
salvar? E mais: “se Jesus veio com uma natureza pecadora, mas resistiu, então
talvez alguém mais faça a mesma coisa, e que a pessoa não necessite de Jesus
para salvá-la”.4 “Jesus é nosso exemplo na vida, mas não no
nascimento. Se Ele fosse nosso exemplo no nascimento, talvez outros seres
humanos pudessem conseguir uma vida perfeita e não necessitassem de um
Salvador.”5 Isso nos dá a possibilidade de nos salvarmos por nossos
próprios esforços, lançando por terra o sacrifício de Jesus. É de admirar que
alguns ferrenhos defensores da justificação pela fé acreditem na natureza
pecaminosa de Cristo.
Relação
substituto/exemplo — Outro
argumento apresentado pelos defensores da natureza pecaminosa de Cristo é o
fato de que Ele deveria ser nosso exemplo. Existe algo muito importante a ser
entendido aqui: “Jesus foi nosso substituto como exemplo; e nessa ordem. Existe
uma prioridade do substituto sobre o exemplo, da mesma forma que há de Deus
sobre o homem e do Salvador sobre o salvo.”6 “Se Jesus devesse ser
carne pecadora para entender por experiência nossas lutas, como poderia
simpatizar com a escória da raça? Como poderia Ele salvar a geração que havia
chegado a mais de dois mil anos de decadência e degeneração genética? Se o
tomar nossa natureza pecadora Lhe era pré-requisito para ser tentado como nós,
então Ele deveria ser contemporâneo do último homem nascido.”7 “Temos
que reconhecer que há muito mais na obra de Cristo além de dar-nos o exemplo.
Um homem se afogando precisa mais do que aulas de natação; ele precisa de um
salva-vidas. Perdidos como estamos no pecado, somente um resgate dramático
pode livrar-nos, e somente alguém muito superior a nós pode efetuá-lo.”8
Como podemos ver, a função de Jesus como substituto é
superior à de exemplo. Só alguém sem qualquer mácula do pecado poderia nos
oferecer a salvação.
Ellen White e a natureza de Cristo —Embora alguns lancem dúvidas sobre
sua forma de pensar, diversos textos da mensageira do Senhor comprovam que ela
cria no pré-lapsarianismo, como podemos ver nas citações abaixo:
“Quando inclinou Sua cabeça e
morreu, com Ele foram por terra os pilares do reino de Satanás. Ele derrotou
Satanás na mesma natureza sobre a qual, no Éden, Satanás obteve vitória.”
“Teve que assumir Sua posição como
cabeça da humanidade tomando a natureza, mas não a pecaminosidade do homem.”
“Podia ter pecado, podia ter caído,
mas nem por um momento houve nEle qualquer propensão para o mal.” 11
“Nosso Salvador.., é um irmão em
nossas fraquezas, mas não em possuir idênticas paixões. Sendo sem pecado, Sua
natureza recuava do mal.” 12
“Não havia nEle [Cristo] pecado
sobre o qual Satanás pudesse triunfar, nenhuma fraqueza ou defeito de caráter
de que ele pudesse tirar proveito. Mas nós somos por natureza pecaminosos e
temos uma obra a fazer a fim de purificar o templo da alma de cada impureza.” 13
“Ele [Jesus]... era um poderoso solicitador,
não possuindo as paixões de nossa natureza humana caída, mas rodeado das
mesmas enfermidades, tentado em todos os pontos como nós o somos. Jesus suportou
sofrimentos que requeriam ajuda e sustento de Seu Pai.”14
“Um homem não pode expiar outro
homem. Sua condição pecaminosa e caída faria dele uma oferta imperfeita, um
sacrifício expiador de menor valor do que Adão antes da queda. Deus criou o
homem perfeito e reto, e depois da transgressão não poderia haver sacrifício
aceitável a Deus por ele, a menos que a oferta fosse superior em valor ao homem
como se encontrava em seu estado de perfeição e inocência.”15
“Unicamente Cristo poderia abrir o
caminho, fazendo uma oferta à altura dos requisitos da lei divina. Ele era
perfeito e não contaminado pelo pecado. Não tinha mácula nem ruga.”’6
“Cristo, no deserto da tentação, ficou
no lugar de Adão para suportar a prova a que ele deixou de resistir. Ali Cristo
venceu em lugar do pecador, quatro mil anos depois de Adão volver costas à luz
de seu lar. Separada da presença de Deus, a família humana, a cada geração
sucessiva, estivera se afastando mais e mais, da pureza, sabedoria e
conhecimento originais, que Adão possuía no Éden. Cristo suportou os pecados e
fraquezas da raça humana tais como existiam quando Ele veio à Terra para ajudar
o homem. Em favor da raça, tendo sobre Si as fraquezas do homem caído, devia
Ele resistir às tentações de Satanás em todos os pontos em que o homem seria
tentado.”’7
Existem também alguns textos que
podem trazer alguma indicação ao pós-lapsaríanismo, mas todos eles fazem
referência à natureza física de Jesus, que era como a nossa em todas as
fraquezas e necessidades.
Conclusão
— Certamente nos falta tempo e espaço
para estudarmos outros pontos de suma importância sobre a
natureza de Cristo, tais como: Suas tentações, Sua
singularidade como Ser divino-humano, detalhes da encarnação e outros, mas
exortamos o leitor a buscar, nas Escrituras Sagradas e nos livros confiáveis
que abordam esses assuntos, um aprofundamento sobre a maravilha do amor de
Deus expresso na vida de Seu Filho.
A grande conclusão a que chegamos é
que ninguém pode salvar-se a si mesmo. Todos pecamos e necessitamos de um
Salvador. Nenhum de nós pode viver totalmente longe do pecado enquanto estiver
neste mundo. Por isso precisamos de um Salvador, alguém que por não ter a
mancha do pecado não merecia morrer, mas que morreu em substituição a nós,
ofertando-nos a vida eterna.
Que de tudo o que aqui foi abordado
fique a certeza do amor incompreensível de Jesus, que deixou o Céu para morrer
por nós pecadores. Que possamos aceitar Seu sacrifício e dedicar nosso ser
totalmente a Ele. ~.
Referências:
1. Ministério, maio/junho de 1986, pág. 6.
2 . “Ao tomar sobre Si a natureza do
homem em sua condição calda, Crista não participou de maneira alguma de seu
pecado. Ele estava sujeito às suas enfermidades e fraquezas das quais o homem
está cercado Ele foi atingido pela
sensação de nossas enfermidades, e foi em todos os pontos tentado como nós
somos. E contudo, ‘não conheceu pecado’. Não haveríamos de ter nenhuma dúvida
com relação à perfeita pureza humana de Cnsto
— Sigas ofthe limes, 9 de junho de 1898 [citado em The SDA Bible Commentary, sol. 7, pãg. 9121.
3. Ministério, maio/junho de 1986, pág. 5.
4. lbidem, pág. 6.
5. lbidem, pág.
8.
6. lbidem, pág.
9.
7.lbidem, pág. 11.
8. Dr. Richard Ríce. O Reino de Deus — Atualização
Teológico, pág.
123.
9. SOA
Bible Commentary, vai. 5, pág. 1.108.
10. Signs ofthe limes, 29 de maio de 1901.
11. SDA Bible Commentary, vai. 5. pág. 1.128.
12. Testemunhos Seletas, vai. 1, pág. 220.
13. Review and Herald, 27 de maio de 1884.
14. Testemunhos Para a Igreja, vai. 2, págs. 508 e 509.
15. Review and Herald, 24 de dezembro de 1872.
16. Ibidem, 17 de dezembro de 1672.
17. Mensagens Escolhidas, sol. 1, pãgs. 267 e 268.
Outras
obras consultadas:
• Ministério, janeiro/fevereiro de 2003, págs.
17-20.
• lbidem, maio/junho de 1992, págs. 15-18.
• Compilação de
Algumas Declarações de EIlen G. White para o Curso de Cristologia, por Raoul
Dederen — Andrews Ijniversity.
Derson da Silva
Lopes Junior é supervisor da Filial da CPB em Curitiba e ancião jovem da Igreja
de Juvevê, em Curitiba, PR.
Revista Adventista, abril 2004
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