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quinta-feira, 24 de julho de 2014

ARTIGOS SOBRE A TRINDADE - A REIMAGINAÇÃO DE DEUS



A reimaginação de Deus

Estudiosos tentam entender como Deus Se relaciona com o mundo e o futuro

O
Marcos De Benedicto

S teólogos evangélicos norte-americanos e canadenses pa­recem ter descoberto um novo tópico para estudo, de­bate e especulação. Trata-se do con­ceito da “abertura” de Deus. Ou seja, eles querem descobrir até que grau Deus conhece antecipadamente nos­sas decisões e determina o futuro.
Esse foi um dos temas principais do último encontro anual da Sociedade Teológica Evangélica, realizado em no­vembro, nos Estados Unidos. No total, cerca de 40 apresentações relacionadas com o assunto foram agendadas. Além disso, vários livros defendendo pontos de vista opostos já foram ou serão lan­çados em breve. As teses acadêmicas também estão se multiplicando.
Na verdade, esse debate não é muito novo. Começou na década de 1980, quando o teólogo adventista Ri­chard Ríce publicou um livro intitulado The Openness of God (A abertura de Deus). O livro logo saiu do catálogo da Review and Herald por uma deci­são da liderança adventista (no ano seguinte, foi reimpresso pela Be­thany House), mas antes disso um exemplar chegou às mãos do in­fluente teólogo batista Clark Pin­nock, professor no McMaster Divi­nity College em Hamilton, Canadá. Pinnock escreveu para Rice, iniciando um diálogo, e em 1994 editou um livro com o mesmo titulo, escrito por ele e outros quatro teólogos, incluindo Rice.
Se pensarmos em termos históricos, sempre houve certa tensão em áreas teológicas afins. No 5o. século, os seguidores de Santo Agostinho (354-430) enfatizavam a soberania divina, ao passo que os simpatizantes de Pelágio (c. 354-após 418) ressaltavam o poten­cial humano. No século 16, os seguidores de João Calvino (1509-1564) ensinavam que Deus tem um controle absoluto sobre tudo o que acontece no mundo, enquanto os discípulos de Jacobus Arminius (1560-1609) destacavam o papel do livre-arbítrio, da vontade e da responsabilidade do ser humano.
O que há de novo é o interes­se em torno do assunto. Confirmando essa onda, em sua edição de 21 de maio de 2001, a revista Christianity Today, um dos perió­dicos mais populares no meio evangélico norte-americano, anunciou em matéria de capa: “An Openness Debate”. O debate, entre Christopher A. Hall e John San­ders, no estilo troca educada de e-mails, continuou na edição seguinte e deve virar livro (numa versão ampliada). As perguntas impressas na capa da revista e na introdução da matéria resumem bem a essência da discussão em andamento:
Deus muda a Sua mente?
Ele muda Seus planos em resposta a nossas orações?
Deus conhece nosso próximo movimento?
Se Deus conhece tudo, somos realmente livres?
Deus conhece o futuro com exatidão, ou apenas com alto grau de probabilidade?
Deus estava assumindo um risco ao criar a humanidade?
O que (e quando/quanto) Deus conhece?
Se Ele não conhece o futuro em detalhes, como devemos encarar as profecias bíblicas?





Implicações Essas perguntas têm implicações diretas no dia-a-dia dos crentes, pois o quadro mental que te­mos de Deus afeta nosso relaciona­mento com Ele e o mundo. Em espe­cial, o conceito sobre Deus influi na maneira de percebermos as tragédias que se abatem sobre nós.
Mas em que a teologia da “abertura de Deus” difere da visão tradicional? Em síntese, explica Richard Rice, os de­fensores do modelo aberto acreditam que Deus interage com o mundo. “Eles creem que Deus não somente influência o mundo, mas também é influencia­do pelo mundo.”  Deus é sensível a Suas criaturas. Em Seu amor, Deus criou seres realmente livres, cujas escolhas Ele leva a sério. Por isso, Deus dirige o mundo para um propósito, mas não força ninguém. Ele partilha das alegrias e tristezas de Suas criaturas.
Uma das implicações dessa visão tem a ver com a relação entre Deus e o tempo. E aqui que as divergências realmente começam. Grandes pensadores cris­tãos do passado, como Irineu e Tertu­liano, no 2º século, e C. S. Lewis, no século 20, ensinaram que Deus não está limitado pelo fluxo do tempo. De um relance, Ele tudo;  portanto, conhece detalhadamente todas as coisas. Para Deus, o passado, o presente e o futuro seriam um eterno agora. Mas a nova ge­ração de teólogos da “abertura” desafia esse pressuposto, afirmando que o tempo é real para Deus. Ao invés de ver tudo de uma vez, Deus experimentaria os fatos à medida que eles ocorrem. Deus é eterno, mas não atemporal.
Evidentemente, os defensores do modelo aberto também crêem que Deus tem um conhecimento perfeito.
Mas esse conhecimento, para eles, é, perfeito porque Deus (1) conhe­ce as coisas exatamente como elas são, (2) é o maior espe­cialista no cálculo de probabi­lidade e (3) tem poder para con­cretizar Seus planos. O conheci­mento divino não seria perfeito no sentido de Deus ler antecipadamente os pensamentos das pessoas, ou contemplar “lá de cima” as coisas que
ainda não aconteceram. A decisão de um ser livre,  argumentam, só pode ser conhe­cida quando a decisão é tomada. Antes disso, a decisão não existe e não há nada para saber sobre aquela decisão. Ou seja, a questão não é se Deus conhe­ce perfeitamente a realidade, mas que realidade Ele conhece perfeitamente.
Uma vantagem dessa abordagem, segundo os seus adeptos, é que ela evi­ta o tradicional malabarismo filosófico para conciliar a onisciência divina com o livre-arbítrio humano. Se Deus conhece tudo o que eu vou fazer, onde está a minha liberdade? Em geral, os teólogos respondem que o fato de Deus conhecer algo não significa que Ele determina aquela coisa. Mas essa resposta não convence a todos.
Outra aparente vantagem é que a teoria explica melhor o caráter amoroso de Deus. Se Deus controla tudo, o que dizer das tragédias e catástrofes existen­tes no mundo? O holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial (ou o aten­tado ao World Trade Center, ou mesmo a morte de uma pessoa querida) não combina com um Deus de amor, a menos que esse Deus realmente respeite a liberdade do ser humano. No modelo aberto Deus não determina ou controla todos os detalhes da história. Há coisas que Ele decide sozinho,há outras em que cooperamos com Ele, e há ainda outras coisas que acorrem contra a Sua vontade.
Além disso, o modelo de Rice, Pinnock & Cia. parece explicar melhor várias passagens bíblicas sugerindo que o futuro é parcialmente aberto. A Bíblia indica que (1) Deus muda de idéia quando as circunstâncias mudam, (2) tem expectativas  sobre o comportamento humano que às vezes não são correspondidas, (3) fica  decepcionado e Se arrepende de certas decisões, (4) investiga os fatos antes de enviar juízos, (5) testa a fidelidade das pessoas e (6) interfere no curso das coisas em resposta à oração (veja o quadro “Paradoxo”).
Se Deus determinasse tudo e tivesse um conhecimento antecipado absoluto das decisões humanas, alegam os defen­sores da “nova” teoria, o futuro seria fechado. Nesse caso, por que Ele precisa­ria investigar, mudar de idéia ou testar? Para eles, esse tipo de linguagem não é apenas antropomorfismo (atribuição de formas ou características humanas a Deus), mas a descrição real dos fatos.
De forma bem direta, o modelo aberto afeta a maneira de encarar a oração. Há quem pense que a oração não muda a Deus, mas somente a pessoa que ora, refinando sua visão e acentuando seu compromisso. Mas, do ponto de vista bíblico, a realidade pare­ce não ser bem essa. Se a oração não despertasse uma resposta de Deus, então não teria sentido orar pelos outros. A Bíblia sugere que a oração realmente tem o poder de mudar as coisas.
Finalmente, embora sem esgotar o assunto, o modelo aberto dá um novo sentido para a morte de Cristo. Se Deus pré determinasse tudo, então a vinda de Cris­to seria apenas um jogo de cena. Ou seja, a Sua vitória já estaria garanti­da por antecipação. Porém, as tentações de Cristo e a Sua oração para o Pai livrá-Lo da cruz, se possível, mostram que a Sua mis­são envolvia um risco real. Deus não joga dados, mas, por amor, corre riscos.

Críticas Como era de se prever, o modelo aberto tem despertado pesadas críti­cas, especialmente de teólogos influen­ciados pela filosofia platônica e o calvi­nismo. Uma das críticas é que a visão aberta diminui a soberania e rouba a majestade de Deus. Em uma entrevista à Christianity Today, Royce Gruenler acusa os adeptos do modelo aberto de limitar Deus a uma porcentagem de po­der. Se nós controlamos 70% e Deus só controla 30%, sugere Gruenler, esse Deus não seria digno de adoração. Rice discorda. “O problema não é quanto poder Deus possui”, escreveu recentemente na revista Spec­trum, mas como Deus esco­lhe usar o Seu poder.”
 Outra crítica freqüente é que o modelo aberto nega a onisciên­cia de Deus. Os teólogos tradicionais crêem que o conhecimento de Deus não tem limite, nem qualificação. É absoluto. Um Deus meio “ignorante” não seria sem valor diante de um mundo em ace­lerado ritmo de mudanças? Rice diz que é um erro grosseiro dizer que os defen­sores do modelo aberto negam
a presciência de Deus. Para John Sanders, autor de The God Who Rishs (O Deus que arrisca), Deus conhece totalmente o passado, o presente e aquilo que está definido (ou fechado) do futuro; só não conhece o que está indefinido (ou aberto). Ele sabe tudo o que é possível saber. O futuro não poderia ser totalmente co­nhecido porque ainda não existe.
E o que dizer das profecias? Norman R. Gulley, teólogo adventista, afirma que o conhecimento absoluto prévio de Deus é essencial no contexto profético. Se o futuro é desconhecido, diz ele, en­tão não podemos ter segurança quanto ao programa divino, nem senso de ur­gência. Um dos textos mais utilizados pelos críticos do modelo aberto é Isaías 46:9 e 10, onde Deus  Se apresenta como aquele que anuncia o fim desde o princípio e que revela as coisas ainda por acontecer. Mas, novamente, Rice contra-argumenta, dizendo que os versos seguintes apontam para o poder de Deus. Isso significa que, nesse texto, Deus está falando de Seu plano, anunciando o que pretende fazer, e não de Seu absoluto conhecimento do futuro.
A glória divina não estaria apenas no que Deus conhece, mas no poder que tem para realizar Seus planos.
Há também os que associam o modelo aberto com a chamada teologia do processo, a qual, na prática, torna Deus dependente do mundo e profundamente influenciável pelas experiências dos seres criados. Os defensores do modelo aberto negam essa ligação. “Deus é imu­tável em alguns aspectos e mutável em outros”, comenta Rice. “Deus muda à medida que Se interage com o mundo, mas em Sua existência e caráter é tão absoluto quanto qualquer tradicional gostaria que fosse”.

Consenso? Que o modelo aberto representa uma significativa mudança na maneira tradicional de imaginar Deus, é evidente. Por isso mesmo merece atenção. Mas seria ele bíblico? Na disputa anterior entre calvinistas e arminianos, os últimos parecem ter levado a melhor. A idéia da predestinação perdeu espaço para o conceito do livre-arbítrio. Para muitos, um meio-termo foi satisfatoriamente encontrado: Deus predestina todos para a salvação, mas a salvação só é efetiva se a pessoa disser “sim” à oferta divina. Será que ocorrerá algo parecido no debate atual?
Não dá para prever se algum dia os teólogos evangélicos  chegarão a um consenso sobre o assunto, mesmo porque o modelo aberto pode levar a conclusões um tanto radicais. Mas o dialogo deve prosseguir. A verdade não teme a força dos argumentos. Se o modelo aberto passar no teste da legitimidade bíblica, deve ser aperfeiçoado; se não passar, deve ser descartado.
O mínimo que se espera é que o diálogo continue num clima cordial  e que o que os teólogos não sejam punidos  por suas igrejas por ousar pensar. Em matéria de teologia, como em outras áreas, é preciso manter a mente aberta, um espírito amistoso e o bom senso. Rotular uma teoria de “heresia” só porque ela não corresponde à tradição não leva a nada.
Sempre é possível ampliar o conhecimento bíblico e refinar a teologia. Afinal, ninguém é dono absoluto da verdade. Sem falar que já existe muita coisa em comum entre esses diferentes teólogos, a começar pela crença na Bíblia como a Palavra de Deus e em Jesus Cristo como o Salvador.
Se é hora de questionar o modelo aberto, ainda é cedo para aceitá-lo ou descartá-lo. A única coisa certa, enquanto, é que o Deus infinito pode ser totalmente compreendido pelo ser humano finito.

PARADOXO
A Bíblia tem vários aparentes paradoxos. Com relação à soberania/onisciência divina, isso não é diferente.
Um grupo de passagens sugere que Deus conhece tudo, tem um plano estrito para o cos­mos e não muda. No Salmo 139, Davi diz que Deus conhecia os seus pensamentos de lon­ge e que seus dias foram escritos no livro divino antes dele nascer (versos 2 e 16). A nar­rativa sobre a traição de Jesus por Judas sugere um perfeito conhecimento prévio dos fatos (Mat. 26t23-25; 27:5-l0). O apóstolo Paulo diz que “tudo é feito de acordo com o plano e a decisão de Deus» (Efés. 1:11, BLH). Em certo sentido, Deus não muda (Mal. 3:6; Tiago 1:17). Embora os defensores da “abertura de Deus» tenham explicações para esses textos, eles são fortes evidências contra o seu modelo.
Já outro grupo de passagens sugere que Deus altera os planos, muda de idéia e até mesmo aperfeiçoa Seus conhecimentos. Deus celebrou a criação do mundo, mas, vendo a maldade humana, arrependeu-Se de ter criado a humanidade (Gên. 6:6). Antes de destruir Sodoma e Gomorra Deus checou se a situação era realmente tão grave (Gên. 18:21). Ele tes­tou Abraão e os israelitas para constatar a fidelidade deles (Gên. 22:12; Êxo. 20:20). Certa vez, enviou o profeta Jonas a Nínive, capital da Assíria, com o aviso de que iria destruir a cidade. Mas o povo se arrependeu e Deus mudou de idéia, para a decepção do profeta (Jo­nas 3:1O). Parece que Deus não vê nenhum problema em usar as palavras “pode ser” e “tal­vez” (Exo. 4:8 e 9; Jer. 26:3; Eze. 12:3). O plano de Deus pode ser rejeitado e a apostasia é possível (Luc. 7:30; João 15; Rom. 11:22; Heb. 6:4-6; 10:26-29; Apoc. 3).
Solução do paradoxo? Deus é soberano e perfeito, mas isso não significa que Seus pla­nos sejam Inateráveis, ou seguidos nos mínimos detalhes, pois Ele respeita o nosso livre­ arbítrio. Jeremías explica o princípio da condicionalidade de modo claro: “Deus é tão soberano que tem liberdade para anunciar uma bênção ou um juízo e, dependendo da resposta do povo mudar de idéia” (Jer. 18:7-10).  Naturalmente, há certos planos divinos, como a vol­ta de Cristo, que são incondicionais.

JANEIRO-FEVEREIRO/2002


Sinais dos Tempos

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