Roy O. Naden
Professor emérito de Religião na Andrews University EUA
A
NATUREZA
DE CRISTO
Quatro aspectos dos evangelhos que
trazem luz sobre um mistério
Corno podemos compreender a natureza divina de Jesus e Sua
ligação íntima conosco em Sua natureza humana? A realidade éque não podemos. O
apóstolo apresenta essa questão de forma acurada quando declara que isso éum
mistério (1 Timóteo 3:16). Tradicionalmente, os teólogos buscam compreender a
natureza de Jesus ao pesquisar as Escrituras, encontrar urna frase ou verso
aqui e ali. Isso simplesmente porque a Escntura não apresenta o tema de forma
abrangente em qualquer parte.
Ao examinar as Escrituras, deduzimos
que Jesus tinha todas as características de Deus, pois Ele é Deus (Luc. 1:35; Mar 1:24). Primeiro Seu amor é
infalível (João 3:16), então onipotente (Mat.28:18; João 17:2); onisciente
(Col.2:3), onipresente (Mat.18:20;28:20), e eterno, existindo antes da Criação
(Isa. 9:6; Gol. 1:17). Aprendemos também que Ele édevidamente adorado como Deus
(Heb. 1:6; Filip. 2:10 e 11), pois Ele e Seu Pai são Um (João 14:9), e Ele é o
grande “EU SOU” do Antigo Testamento (João 8:58).
Do outro lado da moeda, sabemos algo
a respeito da natureza humana de Jesus, que foi tomada na Sua encarnação e que
a reterá por toda a eternidade (Luc. 22:18; Atos 11). Mais de 80 vezes no Novo
Testamento lemos o título: Filho do
homem.
E assim como Ele é perfeito em Sua
natureza divina, é perfeito também em Sua natureza humana, podendo ser nosso
Salvador. Ele “não conheceu pecado” (II Cor 5:21), Ele “não cometeu pecado” (1
Ped. 2:22), “nEle não existe pecado” (1 João 3:5). Portanto, não há motivos
para que tenhamos a menor dúvida quanto à “perfeita natureza humana de Cristo
sem pecado”, pois, inquestionavelmente, não tinha a “mancha da corrupção”.E
diferente de nós, em nossa condição pecaminosa, Jesus não tinha a menor
inclinação para o pecado.3 Porém, vicariamente, Ele tomou sobre Si
nossos pecados e fez expiação por esses pecados dos quais não Unha nenhuma
pane, para que pudéssemos usufruir Sua justiça na qual não temos parte.4
Jesus Se tornou humano; o que isso
significa?
Mas o que significa o fato de Jesus
haver-Se tornado humano; plenamente humano como nós, e ainda permanecer
plenamente Deus como antes da encarnação? Novamente, não se trata de um
ministério comum, é um “grande” mistério além de nossa compreensão (1 Tim.
3:16)!
Os discípulos não tinham motivos
para duvidar da humanidade de seu Mestre. Alguns deles conheceram Sua mãe,
Mala, na celebração do casamento em Caná. Portanto conheceram a pessoa que O
trouxe à existência em Sua condição humana na Terra. Não há nada mais
completamente humano do que isso!
Eles observaram-nO durante Seu breve
ministério público quando teve fome, sede e ficou cansado como os demais. ViramnO
chorar de tristeza junto à tumba de Lázaro. Conheciam Sua vida intensa de
oração, revelando Sua completa dependência do Pai. No Jardim do Getsêmani três
deles ouviram-nO suplicar por apoio humano na intensidade do momento em que
começou a levar sobre Si os pecados do mundo. Não muito tempo depois, foi
dolorosamente observado que Ele sangrava quando chicoteado, e cambaleava sob o
peso do madeiro sobre Seu corpo enfraquecido.
Portanto, aqueles que Lhe eram
íntimos sabiam que Ele havia aceito nossa humanidade com as limitações físicas
que milhares de anos de desintegração pecaminosa haviam imposto, mas Ele
assumiu a natureza humana sem herdar, de forma alguma, a pecaminosidade dos
seres humanos.5 Mistério!
As
quatro criaturas profetas e os quatro evangelhos
Mas talvez há outras formas de
“descobrirmos” o Jesus Deus-Homem do que reunir textos isolados da Bíblia —
legítima
quanto a abordagem possa ser. Talvez possamos melhor trazê-Lo à vida em nossos
corações ao considerar quatro retratos complementares de Jesus nos Evangelhos.
Próximo ao fim de Seu ministério
público, Filipe falou pelos discípulos quando pediu para Jesus mostrar-lhes o
Pai. Jesus manifestou Sua angústia diante desse pedido ao exclamar: “Há tanto
tempo estou convosco, e não Me tens conhecido? Quem Me vê a Mim vê o Pai; como
dizes tu: Mostra-nos o Pai?” (João 14:9).
Mas quão reveladora de nossa
humanidade é a pergunta de Filipe! Em nossa humanidade buscamos não tanto uma
resposta cognitiva a nossa pergunta sobre a natureza de nosso Senhor, como
experimental. Essa pergunta é maravilhosamente satisfeita ao explorar as
experiências descritas pelos escritores dos quatro evangelhos que no-Lo
“mostram” na plenitude de Sua divindade e de Sua humanidade.
Jesus, em Mateus, Se assemelha a um leão, o rei do reino animal. Ao lermos o
Evangelho de Mateus, vemos um retrato de Jesus como o Rei prometido pelos
profetas do Velho Testamento. Esse é o primeiro retrato de Jesus no Novo Testamento.
E um papel muito humano, uma metáfora muito humana.
Prontamente, pode-se deduzir o alvo
principal de Mateus ao escrever seu Evangelho. Ele desejava persuadir seus
conterrâneos judeus de que seu Messias havia vindo na pessoa de Jesus.
Portanto, começa seu livro com uma genealogia. Ao ler os nomes, você é poderosamente
lembrado de como essa linhagem é pecaminosa. Mas Mateus mostra Jesus como o descendente
do rei Davi de quem os
No grande poeta-rei vemos a pessoa-chave com um
papel-chave fundamental na linhagem genealógica da humanidade de Jesus.
A história da vida de Davi revela a
amplidão do engano próprio, a pior forma de engano. Mas, sob a liderança do rei
Davi, a nação judaica viu alguns de seus tempos mais memoráveis, anos dos
quais os judeus constantemente parecem nostálgicos. Mateus deseja que saidamos
que, em Jesus, temos nosso Rei - o Filho
do Rei Davi. Sim, Ele herdou nossa natureza humana, mas não sua condição
pecaminosa dessa hereditariedade extremamente corrompida. Mistério!
No relato de Mateus a respeito das
três tentações vemos Jesus depois de Seu batismo por imersão nas águas do
Jordão confrontando Satanás quanto ao “reino” do mundo. Quando Jesus pediu a
João para batizá-Lo, lançou um desafio a Satanás.
Por meio do batismo Ele disse em
verdade: “Satanás, Eu o desafio. Você venceu a batalha no Éden com o primeiro
Adão. Você irá perder a mesma batalha com o Segundo Adão. Estou aqui como o
primeiro Adão, diante de você para ser tentado. Eu também nunca pequei. Possuo
uma natureza sem pecado, assim como o primeiro Adão quando foi criado. Irei
demonstrar o poder de Deus para suster-Me em todas as suas tentações.”
“Onde Adão falhou, irei vencer Em
meu sucesso irei redimir seu fracasso e lançarei a pedra fundamental para
reconstruir um mundo perfeito. Tudo o que foi perdido no Éden será
reconquistado. Isso está tendo início agora!” Imediatamente o Espírito O levou
para o deserto e tiveram início as grandes batalhas.
Na história de Belém, Mateus nos
lembra de que o Rei Jesus nasceu em um lugar predito pelo profeta Miquéias. Ali
Ele foi visitado por príncipes do Oriente com “tesouros” dignos de um Rei. No
final de Seu ministério na Terra, Mateus nos lembra que as pessoas usaram o
coro do hino entoado pelos anjos quando de Seu nascimento e cantaram: “Hosana
ao Filho de Davi’’
De acordo com o relato de Mateus,
Jesus é o Leão “Real” insuperável da tribo de Judá, que nos convida a encontrar
a realização de nossas maiores esperanças e sonhos como príncipes e princesas
do Rei.
Em Marcos, Jesus é um homem, e ele retrata a natureza humana de Jesus ao mostrar Sua
completa compreensão da natureza humana que Ele partilha conosco. Uma das
histórias que mostram de forma convincente esse fato encontra-se no relato da
festa de Simão.
Maria levou suas economias de toda
uma vida para um comerciante de perfumes. Depois de regatear, ela sai com um
vaso de alabastro com nardo puro. Na noite da festa ela se ajoelha diante de
Jesus e derrama a deliciosa fragrância em Seus pés. O perfume espalha-se pelo
chão, então Maria pende a cabeça e com seus longos cabelos começa a secar com eles
os pés do Senhor.
Quando a rara fragrância toma o
aposento, Maria subitamente se torna o foco das atenções. Judas a repreende
dizendo que aquilo foi desperdício. Mas a natureza humana de Jesus compreendeu
totalmente o que estava acontecendo e de pronto falou em sua defesa.
Protegeu-a, honrou-a, aceitou-a e predisse que onde quer que o evangelho fosse
pregado, sua história seria contada.
As Escrituras notam que na
conversação com Simão, Jesus enfatizou que quando de Sua chegada ninguém lhe
lavou os pés, como também não O saudaram, como de costume, com um beijo. Em Sua
humanidade, Jesus sentia falta desse contato humano! Ele foi completamente
humano! Tinha os mesmos sentimentos nossos, compreendia os nossos pensamentos,
tinha empatia e buscava nos fortalecer por meio da situação humana mais
desagradável, porque estava ali.
Em Marcos, Jesus é o bezerro
sacrifical, revelando
Jesus como Aquele que leva os nossos fardos. Lucas ilustra esse aspecto da
natureza de Jesus em várias histórias, incluindo o relato de Seu retorno a
Nazaré.
Em uma
manhã de sábado, a família de José e Maria foram à sinagoga. Durante o serviço
de culto, Jesus Se levantou, foi à frente, tomou um rolo do profeta Isaías e
começou a ler: “O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Ele Me ungiu para
pregar boas novas aos pobres. Ele Me enviou para proclamar liberdade aos
presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e
proclamar o ano da graça do Senhor” (Luc. 4:18 e 19, NVI).
Ao Jesus Se assentar, a congregação
ficou em silêncio, intrigada. Então Ele falou novamente: “Hoje se cumpriu a
Escritura que vocês acabaram de ouvir” (Luc. 4:20, NVI). Ele estava dizendo
àquelas pessoas que não importando quais fossem seus fardos, Ele iria levá-los
no lugar delas.
O fardo de qualquer deficiência
física, como a cegueira, o fardo da pobreza, o fardo do aprisionamento, algumas
vezes do inocente, o fardo da opressão relacional ou emocional, qualquer que
fosse ele, Jesus o levaria em nosso lugar! Tudo o que acabara de ler em Isaías.
Essa é a natureza de Jesus, e o motivo para convidar a todos que estão
sobrecarregados com problemas pessoais e pecados a virem a Ele a fim de que
possa tirar-lhes a carga dos ombros e levá-las nos Seus. Nosso Jesus
verdadeiramente humano leva todos os fardos dos seres humanos.
Em João, Jesus é a águia, Aquele cujos olhos vêem muito longe e que voa pelo céu,
são metáforas de Sua natureza divina. Como observou Agostinho, três evangelhos
enfatizam a natureza humana, e um a divina.
Há algo misterioso e que inspira
reverência quanto às palavras iniciais de João. Ele escreve que
princípio de nosso mundo haa Palavra, Jesus, e que a
Palat estava com o Pai, e a Palavra era Deus. Nada veio à existência sem a
Palavra (ver João 1:1-3). Como uma água voando longe da vista, nas alturas do
céu, Jesus viveu e vive a plena deidade.
João continua no capítulo inicial de
seu Evangelho dizendo que todos os que nEle crêem Ele dá o direito de se
tornarem Seus filhos, parte de Sua família (ver João :12). E depois de Jesus Se
tomar ser humano em carne humana, pudemos ver a glória do Pai nEle, plena de
graça, surpreendente graça que salva cada um de nós (ver João :14). Desde o
início João enfatiza divindade de nosso Senhor
Em uma história registrada apenas no
Evangelho de João6 vemos a sublime
ilustração dEle como nosso divino Salvador que não nos condena, mas que é o
único que pode perdoar nossos pecados!
É bem cedo, na manhã fria e ensolarada. Jesus passou a noite Fora de
Jerusalém, no Monte das Oliveiras, em oração. Outro homem passara a noite
dentro de Jerusalém envolvido em um relacionamento amoroso ilícito. O sol
nascente lança longas sombras no pátio do templo, formando blocos contrastantes
entre escuros e claros. Ainda era muito cedo para a grande multidão que viria
ao longo do dia.
Em meio à essa cena tranqüila aproxima-se um grupo de líderes
religiosos alvoroçados, fariseus e rabinos. Não vêm sozinhos. Eles estão
arrebanhando uma jovem aterrorizada e alvoroçada. Seus cabelos não foram
penteados. Seu manto fora jogado apressadamente sobre seus ombros. Suas
olheiras revelam uma noite sem dorrnir. Eles a atiram em frente a Jesus e
ordenam que permaneça ali.
Em humilhação, ela mantém a cabeça
abaixada em frente dos homens finamente vestidos que regiam a sociedade. O
porta-voz descreve o problema. “Esta mulher foi apanhada em flagrante
adultério. E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; Tu,
pois, que dizes?” (Ver João 8:4 e 5). Ela começa a fazer contagem regressiva de
seus últimos momentos de vida, triste por seus muitos pecados em tão tenra
idade. A próxima coisa que espera é que a primeira pedra a deixe desacordada.
Então, ouve Alguém dizer: “Se algum
de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela.” Depois tudo
o que ela “ouviu” foi o silêncio.
Jesus Se ajoelha sobre a pavimentação
do pátio. Os varredores ainda não haviam iniciado seu trabalho. O pó depositado
durante a noite não fora ainda removido, e Ele começou a escrever sobre o pó.
Pouco depois passa a ecoar o som de sandálias sobre a areia, o som de alguém
desaparecendo da vista. Então outro, e outro.
Passado mais algum tempo, Jesus Se
levanta e olha para a mulher A
Misericórdia olha propositalmente nos olhos da Miséria. “Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?”, Ele
pergunta. Ela olha ao redor e então descobre que nenhum dos homens arrogantes
que a haviam arrastado de
seu leito e empurrado-a para o pátio do templo estava lá. “Ninguém, Senhor”, ela
respondeu surpresa. Então ouviu as palavras inspiradoras da Palavra de Deus:
“Eu também não a condeno. Agora vá e
abandone sua vida de pecado.”
Sua alma sente tal alívio e restauração
que ela não pode pôr em palavras. Seus olhos se enchem de lágrimas ao cair no
chão aos pés de Jesus. Ela confessa seus pecados a Ele, recebe o perdão e nasce
novamente para se tomar uma das mais confiáveis e leais seguidoras de Jesus
pelo resto de sua vida.7 Em João, Jesus a águia, em Sua divindade,
tomou-a uma nova pessoa.
Portanto, qual é a natureza de
Jesus? O retrato pintado nos quatro Evangelhos mostra-O total e
verdadeiramente homem, mas sem pecado, e total e verdadeiramente Deus, que nos
redime e nos dá a vida eterna. Mistério!
É o mistério maravilhoso de Sua dupla natureza,
plenamente Deus e plenamente homem, em quem nossa realização pessoal na Terra e
nossas esperanças do Céu estão firmemente fundamentadas.
Extraído de Ministry, junho de 2003
Notas
1 Seventh-day Adventist Bib/e Comentary, vol. 5, pág. 1.131.
2 Signs of the Time, 9 dc dezembro de 1897.
3 Seventh-day Adventist Bib!e Comentary; vol. 5 págs. 1.128 e 1.129.
4 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Taruí, São Paulo: Casa Publicadora
Brasileira), pág. 25.
5 Signs of the Times, 29 de maio de 1901.
6 É bem conhecido que esta historia aparece apenas em um dos primeiros
manuscritos e que nenhum dos pais da igreja faz comentários sobre ela. Mas há
um elevado nível de afirmação de que, no entanto, é verdadeira.
7 O Desejado de Todas as Nações, pág.
462.
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