O poder imperial romano esforçou-se para reconhecer a especificidade dos
judeus e concedeu-lhes privilégios conformes com suas tradições. Mas eles
recusaram deixar-se assimilar e, depois de várias revoltas políticas,
desapareceram enquanto Estado, mas continuaram a viver, até nossos dias, na
qualidade de povo religioso.
Oposição à civilização greco-romana
No domínio religioso, o judaísmo tardio apresenta-se como baseado no
monoteísmo e na Torá (a Lei). Ao contrário, o mundo greco-romano, pagão e politeísta,
não conhece a noção de verdade exclusiva. As cidades podem ter um deus protetor
— a divindade local — os indivíduos podem ter uma devoção particular, sem com
isso negar a existência de outros deuses, os dos vizinhos, dos estrangeiros ou
dos inimigos. Além disso, o culto que se presta ao imperador é totalmente
chocante para os judeus. Essa devoção, muito impropriamente chamada culto
imperial (seria mais exato falar de cultos ao imperador) tem sua
origem longínqua no culto dos heróis desenvolvido na Grécia e na mística do
chefe que foi moda na época helenística.
No mundo romano, deve-se distinguir entre o culto dirigido ao
imperador vivo e o que se lhe presta após a morte. A partir de 27 a.C. algumas
cidades da Ásia Menor pediram a Augusto a autorização para lhe prestarem honras
divinas, construindo um templo e organizando jogos para festejar seu
aniversário. Em breve foram feitos outros pedidos análogos, encorajados pelo
poder. No Ocidente, as cidades das Gálias se reunirão no dia 1º de agosto de
cada ano, em torno do altar de Roma e de Augusto edificado em Lião:1 um altar análogo vai existir em Narbona e um
outro em Tarragona. A finalidade é dar graças ao imperador, orar pela sua saúde
e pedir aos deuses que guardem o soberano sob sua proteção. Esse culto, ato
cívico e religioso, não é exclusivo de outros cultos. Um fiel de Mitra, por
exemplo, ou um devoto de Ísis não verão contradição
alguma entre sua piedade
pessoal e essa piedade pública.
Além disso, esse culto só envolve as personagens oficiais ou as associações
que desejam honrar o imperador; um simples súdito do império não tem
habitualmente ocasião de manifestar sua aprovação ou sua desaprovação a esse
respeito.2
O culto dos imperadores falecidos não se dirige senão àqueles
dentre eles que foram beneficiados com a apoteose: a decisão é tomada pelo
Senado que faz assim uma espécie de juízo sobre a atuação do soberano defunto;
Augusto e Cláudio foram proclamados divus (deus), mas a memória de
Calígula foi definitivamente condenada (é a damnatio memoriae). No caso
de certos imperadores, não há decisão alguma, nem num sentido nem no outro (é o
caso de Tibério).
A etnarquia dos judeus não está
obrigada a esse culto: o sumo sacerdote é autorizado a orar "pelo
imperador" em vez de invocar diretamente sua pessoa. Calígula quase
provocou uma revolta querendo mandar erigir sua estátua no Templo de Jerusalém;
sua morte permitirá não executar o projeto
Vê-se, por conseguinte, que no nível jurídico, Roma procurou
não melindrar os judeus na sua sensibilidade religiosa.
O antagonismo entre o judaísmo e a civilização greco-romana
faz-se sentir muito mais no nível dos valores culturais e da arte de viver.
Essa civilização cosmopolita supõe, efetivamente, certo número de valores
estranhos ao judaísmo ortodoxo, como por exemplo o desprezo do trabalho
manual, o gosto pelos espetáculos, a assiduidade ao ginásio ou o costume dos
banhos públicos. O teatro perdeu então suas ligações religiosas com o deus
Dionísio, mas passa facilmente, aos olhos dos judeus, como uma manifestação de
deboche, tanto mais que as tragédias colocam em cena as paixões desencadeadas
dos homens e dos deuses; as comédias ou pantomimas, de inspiração popular, tratam
de temas pelo menos licenciosos. Acontece o mesmo com os espetáculos do
anfiteatro que apresentam combates de gladiadores ou de homens com feras. O
ginásio, aparentemente mais inocente, é também objeto de escândalo: a idéia
que têm os gregos da beleza do corpo humano é desconhecida dos judeus, para
quem a nudez não pode ser senão algo infamante. Assim também a arte grega, em
particular a estatuária, não desperta interesse nos judeus. Uma passagem de Flávio
Josefo evoca bem essas repugnâncias: Parecia uma impiedade tremenda
entregar homens às feras para o prazer dos espectadores, e trocar os costumes
estabelecidos por práticas estrangeiras parecia uma impiedade maior ainda. Mais
que todo o resto, porém, eram os troféus que os afligiam, pois, julgando que se
tratava de estátuas recobertas de armas — o que ia contra os costumes
nacionais do culto — eles ficavam grandemente irados . . . Herodes, vendo a que
ponto estavam incomodados, convocou os mais importantes dentre eles e,
conduzindo-os ao teatro, mostrou-lhes os troféus e perguntou-lhes apenas o que
pensavam que fossem aquelas coisas. Quando gritaram: "imagens
humanas", ele ordenou que se retirassem os ornamentos que os cobriam e
mostrou ao povo a madeira nua (Antiguidades Judaicas XV, 274-279).
Essa oposição é tanto mais radical quanto os judeus não estão
perfeitamente unidos a esse respeito: alguns vêem com bastante simpatia o
bem-estar que a civilização romana oferece, ao passo que outros nela só vêem
uma impiedade maior. Mais precisamente, os fariseus e os judeus ortodoxos em
geral consideram que qualquer contato com um estrangeiro provoca uma impureza
ritual da qual é preciso se purificar: Não entraram no pretório — escreve
João a propósito do processo de Jesus — para não se contaminarem e poderem
comer a páscoa (Jo 18,28).
Existe também uma oposição mais diretamente política: há judeus
que anseiam pela independência e querem sacudir o jugo romano. Ligando solução
política e esperança religiosa, vêem a salvação de Israel na criação de um estado
teocrático e são propugnadores duma ação direta contra o ocupante: É
permitido pagar o tributo a César? pergunta-se a Jesus (Mc 12,13-17).
As insurreições esporádicas
Essas reticências e essas oposições explicam por que o mundo
judaico não gozou, na época romana, senão de momentos de paz relativa. Certos
textos nos permitem adivinhar diversas tentativas de insurreição. Vieram
algumas pessoas — escreve Lucas — que lhe contaram (a Jesus) o
que acontecera com os galileus, cujo sangue Pilatos havia misturado com o das
suas vítimas (Lc 13,1) e Flávio Josefo nos informa que Pilatos foi cruel
na repressão das revoltas em Jerusalém e na Samaria (Antiguidades Judaicas XVIII,
62 e 87). Os Atos dos Apóstolos fazem alusão a movimentos messiânicos,
um dirigido por um certo Teudas, um outro por Judas, o Galileu (At 5,36-37);
fala-se também dum egípcio que arrastara quatro mil sicários ao deserto (At
21,37).
Conhece-se melhor, graças aos relatos de Flávio Josefo e de
Fílon, a revolta que agitou Alexandria sob o reinado de Calígula. Dentre os
cinco bairros da cidade, um era reservado aos judeus. O prefeito do Egito,
Flaco, tomou o partido do grupo nacionalista grego, deixou que insultassem, sem
tomar atitude, o rei Agripa I que estava de passagem pela cidade. Seguiu-se um
motim e uma verdadeira perseguição contra os judeus, que tiveram de se
entrincheirar no seu bairro como num verdadeiro gueto. Delegações e mais
delegações são enviadas a Roma pelos dois partidos. Depois de muitas
peripécias, o novo imperador Cláudio consegue acalmar a situação, sem dúvida em
março de 41, por meio de um edito que é confirmado por carta enviada aos alexandrinos
e publicada em novembro do mesmo ano. Essa carta pacificadora recomendava às
duas comunidades que vivessem na concórdia e confirmava os privilégios dos
judeus.
Na mesma época aparece um começo de revolta na Palestina. É
que Calígula decidira mandar erigir, no Templo de Jerusalém, uma estátua de
Zeus representado sob suas próprias feições. Encarregara P. Petrônio, então
legado propretor da Síria, de providenciar a confecção da estátua e sua
colocação no lugar. Compreendendo que se tratava duma decisão inoportuna,
parece que Petrônio quis que as obras demorassem o mais possível: manda que
comecem a estátua em Sidônia, depois convoca a Antioquia os principais líderes
judeus para comunicar-lhes os desejos do imperador e exortá-los a convencer
seus correligionários a aceitá-los calmamente. A recusa previsível dos chefes
é confirmada por manifestação em Ptolemaida e Tiberíades. Ao mesmo tempo,
Petrônio escreve a Calígula que os trabalhos estão atrasados e que os judeus
correm o risco de negligenciar os trabalhos agrícolas no momento da colheita
para manifestarem sua oposição. Calígula não se deixa convencer e responde a
Petrônio que se apresse. Nesse ínterim, Agripa I, de volta a Roma, aconselha a
Calígula seguir a conduta dos seus predecessores, respeitando a especificidade
religiosa do judaísmo. Calígula teria então escrito a Petrônio que suspendesse
as obras, explicando que ele decidira mandar fazer uma estátua em Roma e
levá-la consigo na viagem que pretendia fazer ao Oriente, a fim de instalá-la
ele próprio em Jerusalém sem avisar antes a população. A provocação foi
evitada pelo assassinato de Calígula, no dia 24 de janeiro de 41.
A revolta de 66-70 d.C.
A grande revolta que irrompe no fim do reinado de Nero marca
o declínio do judaísmo palestinense, mas demonstra igualmente as divisões
latentes dos judeus.
Tudo começa por um acontecimento aparentemente sem importância:
o procurador Floro retirou 17 talentos do tesouro do Templo; para zombar dele,
os habitantes de Jerusalém saíram às ruas com cestas, fingindo fazer uma
coleta para atender às necessidades do procurador. Esse, como se pode
imaginar, não gostou deste gênero de humor e, sem levar em conta as tentativas
de mediação dos nobres, nem sequer a petição de Berenice,3 mandou prender e executar alguns responsáveis.
O incidente poderia ter acabado aí, se a escolta do procurador não tivesse
sido atacada no momento em que ela deixava Jerusalém. O motim, como sempre
acontece em tais casos, começara na confusão, sem que se soubesse como fora
desencadeado. Travou-se uma batalha extremamente violenta na rua, e Floro teve
que fugir para Cesaréia. Agripa II voltou às pressas de Alexandria, para
exortar seus compatriotas à moderação. Mas os rebeldes contentaram-se com responder
que queriam permanecer súditos do imperador, mas não de Floro e
entrincheiraram-se na fortaleza de Masada. Eleazar, filho do sumo sacerdote
Ananias, precipitou então os fatos de modo irreversível mandando suspender o
sacrifício quotidiano em honra do imperador, o que constituía um ato de franca
rebelião. Essa iniciativa correspondia às aspirações da massa, pois as
tentativas de apaziguamento feitas pelos sacerdotes e pelos fariseus ficaram
sem efeito.
Josefo, líder guerreiro
A conduta de Josefo foi muito ambígua. Defendeu com valentia
a cidade de Jotapata. Quando Tito tomou a cidade, Josefo conseguiu se
esconder numa gruta onde já se achavam uns quarenta nobres. Tendo descoberto
seu esconderijo, os romanos prometeram-lhe preservar-lhe a vida se ele se
entregasse: ele o teria feito se seus companheiros não tivessem protestado e
proposto um suicídio coletivo: "Já que decidimos morrer, vamos definir
pela sorte a ordem da matança: aquele que tiver tirado o primeiro número caia
sob os golpes daquele que houver tirado o número seguinte". Josefo — é
preciso dizer se foi por acaso ou por providência divina? — ficou por último
com um outro. . . ao qual sem dificuldade convenceu a se entregar! (Guerra
Judaica III, 387-388). Conduzido perante Vespasiano, muito habilmente se
apresentou como profeta e prometeu-lhe que em breve seria proclamado
imperador. Quando isso se realizou, Vespasiano libertou-o, em julho de 69.
Josefo acompanhou Tito no assédio de Jerusalém e serviu-lhe de intérprete, o
que lhe valeu o ódio dos seus correligionários. Viveu depois em Roma, onde
recebeu a cidadania romana com o nome de Flavius, beneficiando-se duma pensão
imperial.
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Daí em diante, a situação evoluiu muito depressa. O partido que buscava a
conciliação, recrutado entre os fariseus e certos sacerdotes, apoiado por
algumas tropas enviadas por Herodes Agripa II, foi logo suplantado e expulso da
cidade, enquanto que os rebeldes incendiavam o palácio de Herodes, a habitação
do sumo sacerdote e ocupavam a fortaleza Antônia. Encurralada, a coorte romana
encontrou refúgio nas três torres herodianas. Ananias, o sumo sacerdote, foi
assassinado. A revolta se estendeu depressa às outras cidades da Palestina e
até mesmo a Alexandria. O legado da Síria, Céstio Galo, interveio então com a
XIIª Legião, um batalhão de dois mil homens recrutado no meio de outras
legiões, além de auxiliares fornecidos pelos reis aliados (entre os quais
Agripa II) e veio acampar no monte Scopus, ao norte do monte das Oliveiras.
Compreendendo bem depressa que não tinha forças suficientes, nem estava
bastante equipado para atacar Jerusalém, tentou uma retirada que, em
consequência duma emboscada, terminou em debandada (outubro de 66).
Desde então, os insurretos, seguidos pela imensa maioria da população, se
organizam: o país é dividido em distritos militares, à frente dos quais uma
assembléia coloca chefes. Dentro desse esquema, Flávio Josefo é encarregado de
organizar a resistência na Galiléia.
Na primavera de 67, Nero confia a direção da guerra a Vespasiano. Este
dispõe de três legiões da Síria e duma quarta recrutada entre as forças
estacionadas no Egito. O novo legado concebe um plano de guerra simples e
eficaz, que consiste em avançar progressivamente a partir da Síria sem deixar
focos de resistência atrás de si. Começa, pois, atacando a Galiléia; as terras
baixas são logo abandonadas e o exército de Flávio Josefo, apavorado com a
perspectiva de uma batalha campal, refugia-se em Jotapata; Vespasiano toma a
cidade após um assédio de dois meses. Depois apodera-se facilmente de
Tiberíades, de Gamala na Gaulanítide e do monte Tabor, e volta para passar o
inverno em Cesaréia.
Durante esse tempo, a
situação em Jerusalém se degradava: os chefes da resistência encontravam uma
viva oposição da parte dos zelotas que os suspeitavam de conluio com os
romanos. Esses extremistas, que Josefo chama de sicários (nome derivado da sua
curta espada: sica) eram dirigidos por João de Giscala. Este, no começo
da guerra, fizera violenta oposição a Josefo que ele julgava, com razão
talvez, demasiado frouxo e tentara mandar assassiná-lo. Tinha conseguido fugir
da cidade de Giscala (no norte da Galiléia) pouco antes da sua queda, e
refugiara-se em Jerusalém. Tendo mandado chamar soldados idumeus para reforçar
suas tropas, João mandara matar alguns chefes da resistência e assim se tornara
todo-poderoso em Jerusalém. Foi neste momento que a comunidade cristã teria
deixado Jerusalém para se refugiar em Pela (a leste do Jordão).
Vespasiano se aproveita
dessa verdadeira guerra civil para submeter os territórios em torno de
Jerusalém. Em março de 68, subjuga toda a Peréia, depois conquista facilmente
Antipátrida, Lida, Jâmnia, Nablus e Jericó. Em junho pode começar os
preparativos para atacar Jerusalém e espera que os judeus se enfraqueçam por si
mesmos em seus combates estéreis.
Nesse meio tempo, chega a notícia da morte de Nero e da proclamação de
Galba. Vespasiano envia seu filho Tito, acompanhado de Herodes Agripa II, para
cumprimentar o novo imperador. Mas, quando chegam a Corinto, ficam sabendo que
Galba acaba de ser assassinado (15 de janeiro de 69) e que a situação é
confusa. Então retornam.
Suicídio coletivo em Masada
Antes de os defensores de Masada se matarem mutuamente,
Eleazar, seu chefe pronunciou um longo discurso referido por Flávio Josefo.
Aqui estão algumas passagens dele:
Nós fomos os primeiros de todos a nos revoltar, somos os
últimos a portar armas contra os romanos. De qualquer forma, creio que foi
Deus quem nos concedeu esse favor, de que esteja em nosso poder morrer
nobremente e livremente, privilégio recusado a todos os que encontraram uma
derrota inesperada. Nossa sorte, ao alvorecer, é uma prisão certa, mas resta
a escolha livre duma morte nobre com aqueles que mais amamos. Talvez teria
sido nosso dever, desde o começo — quando, tendo escolhido afirmar nossa
liberdade, suportamos perpetuamente um tratamento cruel da parte dos outros
e mais cruel ainda da parte dos nossos inimigos — talvez teria sido nosso
dever, dizia eu, ler o desígnio de Deus e reconhecer que a raça judaica,
outrora sua bem-amada, fora julgada para sua perdição . . . Sem sermos reduzidos
à escravidão, morramos como homens livres com nossas mulheres e filhos! Isto
nossas leis no-lo ordenam, nossas mulheres e filhos o imploram de nós...
(Guerra Judaica VII, 325-327; 386-387).
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Enquanto prossegue o assédio de Jerusalém, uma conspiração apoiada por
Tibério Alexandre, prefeito do Egito, tenta levar Vespasiano ao poder. Ele é
proclamado imperador, dia 1º de julho, em Alexandria e dois dias mais tarde na
Palestina e na Síria; beneficia-se logo do acordo dos exércitos do Danúbio.
Vespasiano se dirige então a Alexandria para garantir com mais segurança a
posse de uma das mais ricas províncias do império e deixa a direção da guerra a
seu filho Tito. Esses acontecimentos explicam por que o avanço romano não
continuou durante o ano de 69.
Na primavera de 70, Tito termina a concentração de suas
tropas em torno de Jerusalém. Nesse momento, a cidade está dividida em três
facções: João de Giscala domina o Templo e suas vizinhanças. Simão bar Goria
está na cidade e Eleazar se entrincheirou no pátio do Templo. Por ocasião da
páscoa, Eleazar propõe uma trégua e abre o acesso ao Templo; João aproveita-se
disso para assassiná-lo com seus partidários. Pouco depois, Tito ataca as
muralhas em três pontos diferentes; João e Simão se reconciliam então. Após
duros combates, Tito consegue atravessar os três muros de defesa e, ao mesmo
tempo, constrói um aterro em torno da cidade inteira para impedir a população
de fugir. Os últimos dias do assédio foram particularmente atrozes e os
combatentes, embora reduzidos à penúria, resistiram, bairro por bairro. Quando
do assalto final, o Templo foi incendiado e, segundo Josefo, Tito nada pôde
fazer para apagar o fogo, tal era o furor dos seus soldados, excitados pelas
longas semanas do assédio. João e Simão foram feitos prisioneiros e guardados
para figurar no triunfo de Tito. Esta cerimônia teve lugar em Roma, em 71;
além dos cativos, foram levados no cortejo também o candelabro de sete braços
(a menorá) e a mesa dos pães da proposição.
Três fortalezas resistiam ainda: Maqueronte, Herodium e
Masada. As duas primeiras se renderam com bastante facilidade, mas Masada
ofereceu uma resistência obstinada. Os romanos tiveram de construir um aterro
para tomar de assalto seus muros mas, quando penetraram no interior da
fortaleza, só acharam dois sobreviventes: todos os outros se tinham suicidado.
Esse último bastião da resistência judaica desapareceu, pois, em abril de 72.
Doravante, o Templo quase destruído, estava fechado para os
sacrifícios. O desaparecimento da liturgia sacrificai acarretou o declínio das
famílias sacerdotais e a extinção progressiva do partido saduceu. Por outro
lado, o culto sinagogal adquiria uma importância exclusiva sob a direção dos
doutores da Lei, fariseus, que haviam reconstituído uma escola em Jâmnia, sob a
direção do rabi João ben Zakai.
A Judéia tornou-se desde esse momento, ao que parece, uma província em que
estacionavam duas legiões. A didracma daí por diante entrava para uma caixa
imperial especial, o fiscus judaicus.
A revolta de
Bar-Kosba
Não se conhecem outras revoltas até a época de Trajano.
Sabe-se que houve então combates muito renhidos em Alexandria e em Cirene. Os
motins começaram em 115 e degeneraram numa verdadeira guerra, pois em 116 os
não-judeus tiveram de deixar Alexandria e houve também combates em Hermópolis
e em Mênfis. Em Cirene os judeus, chefiados por um "rei" chamado
Lucuas ou Andreas, incendiaram templos e mataram parte da população; Trajano
viu-se obrigado, em conseqüência, a enviar três mil homens para repovoar a
cidade. Um certo Artemion também sublevou os judeus de Chipre, que devastaram
a cidade de Salamina. Após a conquista de Trajano, os judeus da Mesopotâmia
revoltaram-se por sua vez. Depois da repressão, houve ainda alguns movimentos
na Palestina no começo do reinado de Trajano, mas foram logo acalmados.
A nova revolta que estoura em 132 na Palestina é,
infelizmente pouco conhecida, por falta de documentos realmente explícitos. Os
autores pagãos não fazem senão breves alusões a ela e Eusébio, na sua História
Eclesiástica, quase não fala dela. Contudo, as escavações feitas no
deserto de Judá, principalmente em Qumrã perto do mar Morto, permitiram
descobrir objetos que pertenceram aos insurretos bem como trechos da sua
correspondência.
São obscuras as causas precisas da rebelião. Pode-se supor
que a fermentação das idéias foi exacerbada pela proibição da circuncisão. Com
efeito, Adriano revogara a proibição da castração, à qual teria assemelhado a
circuncisão, impondo a pena de morte aos contraventores. Essa disposição geral
não atingia apenas os judeus, mas também os Samaritanos, os idumeus, os
nabateus e os sacerdotes egípcios. Entretanto, ela parecia particularmente
grave para os judeus ortodoxos, pois equivalia a impedir a sobrevivência do
povo eleito. Além disso, desde 130, Adriano havia talvez concebido o projeto de
fundar uma colônia romana onde se erguia Jerusalém.
Ignora-se quase tudo das operações militares. Sabe-se que o chefe, Simão
Bar-Kosba, dizia-se príncipe de Israel e que fora reconhecido como messias
pelo rabi Aqibá. Rapidamente se estendeu a revolta a todo o país e o novo
príncipe mandara cunhar moedas datadas do ano 1 ou 2 (segundo os objetos
encontrados) da libertação de Israel. Seja como for, os combates foram
particularmente renhidos, pois em 135 a Palestina passava por ter se
transformado em deserto. De Jerusalém só teriam restado algumas casas e a
pequena igreja cristã do monte Sião. Adriano fundou uma colônia romana Aelia
Capitolina e mandou construir, no local onde estava o Templo, um santuário
de Júpiter Capitolino. Doravante, nenhum judeu podia penetrar na cidade sob
pena de morte. Foi somente no tempo de Constantino que foram autorizados a vir
venerar os contrafortes do Templo (o muro das lamentações) uma vez por
ano, no dia do aniversário da destruição de Jerusalém.
Um autógrafo
Este bilhete foi escrito e assinado por Bar-Kosba, chefe da
segunda revolta. É uma ameaça de prisão dirigida ao chefe do acampamento, se
ele continuar a se opor aos galileus, sem dúvida refugiados civis instalados
nas aldeias do sul da Judéia.
Da parte de Simeão, filho de Kosba, a Josué, filho de
Gálgula e ao povo de Ha-Baruc, saudação!
Tomo os céus por testemunha contra mim de que, se algum dos
galileus que estão entre vocês for maltratado, acorrentarei os pés de vocês
como o fiz a Ben Aful.
Simeão, filho de Kosba, por ele mesmo.
Uma outra carta, escrita por um escriba profissional, mostra-nos
que a entrega era bem organizada. É exigida de Josué a entrega de uma
quantidade considerável de trigo. O transporte por uma caravana de uns trinta
jumentos, cuja carga é de 60 quilos, é garantido pelos enviados de Simeão,
que passarão o sábado na casa de Josué.
Da parte de Simeão a Josué, filho de Gálgula, saudação! Saiba
que você deve providenciar o envio de cinco coros de trigo por meio das
pessoas da minha casa. Prepare portanto para cada um deles seu lugar de
hóspede. Que fiquem na sua casa durante o sábado. Esforce-se para que o
coração de cada um esteja satisfeito. Seja corajoso e sustente a coragem das
pessoas do lugar. Esteja em paz. E ordenei a todos quantos lhe derem seu
trigo: (no dia) após o sábado, que eles o transportem.
(Traduzido segundo a versão de J. T. MILIK)
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FONTE: CADERNOS BÍBÇLICOS