A terra pertence a Deus que a dá a seu povo; todos são iguais diante dele
. . . Fora preciso inventar instituições como o ano sabático ou jubilar, para
relembrar esta igualdade social (cf. p. 32) pois necessariamente a cultura, a
riqueza, a profissão criavam diferenças. Por outro lado, para os judeus, a lei
civil não é outra senão a Torá, a Lei religiosa: os que são seus guardiães ou
seus intérpretes, os sacerdotes e também os escribas têm, pois, por força das
circunstâncias, um lugar mais importante. "Entre outros povos — escreve
Josefo — outras considerações permitem determinar a nobreza; entre nós, porém,
é a posse do sacerdócio que é prova duma ilustre origem" (Autobiografia
I,1). Neste apanhado das diferentes categorias sociais, começaremos portanto
pelo clero.
O clero
NO ÁPICE DA HIERARQUIA: O SUMO
SACERDOTE
Desde o retorno do Exílio em 538 a.C, não havendo mais reis,
o sumo sacerdote tornara-se pouco a pouco a chave de abóbada da sociedade
judaica. É ele o responsável pela Lei e pelo Templo e é ele, por ofício, o
presidente do Sinédrio. É o único que pode orar e expiar por todo o povo, o
único que pode entrar, uma vez por ano, no coração do Templo, no Santo dos
santos, para a Expiação (cf. p. 52) e a sua morte era considerada como
expiatória, pois nesta ocasião os assassinos eram agraciados.
Por causa das suas funções, o sumo sacerdote goza de grande
dignidade, o que lhe vale uma situação financeira confortável: cada tarde, é o
primeiro a escolher a sua parte entre as oferendas feitas ao Templo e
destinadas aos sacerdotes. O Templo é também uma fonte de renda para ele; era,
com efeito, um centro de comércio muito importante: por causa das regras de
pureza em vigor quanto aos animais que se devem oferecer em sacrifício, os
peregrinos são praticamente obrigados a comprar essas vítimas no próprio
Templo; além disso, compra-se muita madeira de valor, perfumes e outros objetos
de luxo, únicos dignos do Senhor. Ora, todo esse comércio pertence à família do
sumo sacerdote ou então é confiado a grandes comerciantes que oferecem propinas
para participarem do negócio. Gomo esses meios nem sempre satisfazem os
apetites do sumo sacerdote e os de sua família, às vezes ele se serve de
outros: apropria-se pela força das peles dos animais degolados, que deveriam
pertencer aos outros sacerdotes, vai aos sítios roubar o dízimo que lhes é
igualmente destinado ... Ou usa a intriga, a chantagem, e até o assassinato .
. .
Esse comportamento,
como se pode adivinhar, não favorece em nada a popularidade do sumo sacerdote,
tanto mais porque ele está cada vez mais sujeito ao poder romano. Os Selêucidas
e depois Pompeu se permitiram nomear um sumo sacerdote quando o posto estava
vago, pelo menos o nomeavam por toda a vida. Herodes Magno e depois dele os
procuradores ousam destituí-lo quando lhes apraz: ao passo que em mais de um
século (entre 200 e 36 a.C.) só houve treze sumos sacerdotes, em um século (de
36 a.C. a 67 d.C.) houve vinte e seis! Isto significa que para continuar no
ofício é absolutamente necessário agradar ao príncipe. No entanto, entre esses
vinte e seis sumos sacerdotes temporários, vinte e cinco provêm de quatro
famílias: isto demonstra o poder político e econômico dessas famílias e as
intrigas entre elas! Elas formam a ossatura do partido saduceu (ver p. 76). O sumo
sacerdote é ajudado nas suas funções por certo número de funcionários chamados chefes
dos sacerdotes: o Comandante do Templo, responsável pelo culto e
pelo policiamento no santuário e que substitui o sumo sacerdote em caso de
necessidade, os chefes das vinte e quatro secções semanais, os sete
vigilantes do Templo, responsáveis por toda a' manutenção e os três
tesoureiros. Todos esses cargos são ocupados pelos membros da família ou
pelos amigos do sumo sacerdote.
O Sinédrio
O grande Sinédrio (do grego synédrion, sentar-se juntos) é
a corte suprema de Israel. Suas origens remontam sem dúvida à época persa e
suas primeiras menções ao reinado de Antíoco III (223-187). Foi instituído no
tempo de João Hircano (134-104).
Como nas cidades helenísticas, é um conselho que assiste o sumo
sacerdote, chefe supremo da nação que é seu presidente. Compreende 71
membros: anciãos, os sumos-sacerdotes depostos, sacerdotes Saduceus e
depois, cada vez mais, escribas fariseus.
Herodes Magno limitou seus poderes, mas sob a ocupação
romana estes foram restabelecidos e até mesmo ampliados. Corte de justiça,
julga delitos contra a Lei, fixa a doutrina e finalmente controla toda a
vida religiosa. Tem-se discutido muito, sem chegar a uma certeza, para saber
se ele tinha, na época de Jesus, o poder de executar um condenado. Em todo
caso, para pronunciar uma condenação à morte, eram necessárias duas sessões
com 24 horas de intervalo. Ele tinha uma guarda à sua disposição (cf. Jo
18,3.12).
Após a catástrofe de 70 d.C, ele se reconstituirá em Jâmnia
(ver p. 93) mas será então uma instituição completamente diferente na sua
competência e no seu espírito.
Em toda a Palestina, havia pequenos sinédrios de três
membros, entre os quais o juiz (Mt 5,25).
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OS SACERDOTES
Em número de 7 mil mais ou menos, os sacerdotes são encarregados
de oferecer os sacrifícios no Templo e de conservar a sua parte central. Mas
não há necessidade de tanta gente para atender às necessidades habituais do
culto. Eles são, pois, divididos em 24 classes ou equipes, que ficam de serviço
cada qual uma semana, cada uma na sua vez. Cada manhã desta semana, escolhia-se
pela sorte aqueles que teriam uma função particular no culto (cf. Lc 1,9).
Somente por ocasião das três grandes festas de peregrinação é que todas as
classes estão de serviço ao mesmo tempo: cada sacerdote, portanto, exerce seu
sacerdócio no Templo cinco semanas por ano; o resto do tempo ele não tem nada
que fazer, exceto sentar-se de vez em quando no tribunal de seu domicílio na
qualidade de conselheiro, quando se julga um caso que exige a presença dum
sacerdote (Ver Caderno Bíblico Nº 14 p. 62).
Esse clero é pobre. Suas rendas são constituídas de dois
elementos: a parte retirada dos sacrifícios (cinco semanas por ano) e o
dízimo. Mas desde muito tempo, certo número de judeus esqueciam de pagá-lo e é
difícil imaginar aliás, como os pequenos camponeses, esmagados pelos impostos,
ou os diaristas, conseguiriam pagá-lo. É provável também que os que são
marginalizados por ser desprezado seu ofício (ver p. 60), não tenham vontade de
oferecer 10% de sua renda! Assim, para sobreviverem, os sacerdotes têm de
encontrar um ofício: são carpinteiros, talhadores de pedra (Herodes Magno
mandou que mil sacerdotes recebessem formação profissional acelerada antes de
ampliar o Templo), comerciantes, açougueiros (ofício que todos eles praticam durante
o culto) . . . Alguns se dedicam ao estudo e se tornam escribas.
Bem próximos do povo miúdo, tanto pelo salário quanto pelas
condições de trabalho e de vida, muitas vezes não mais instruídos que ele, os
sacerdotes comungam as idéias do povo. No momento da guerra judaica, muitos,
ao que parece, farão causa comum com os zelotes: esperam que a saída dos
romanos lhes trará melhor situação financeira e uma elevação de nível social.
Esse sacerdócio é hereditário; transmite-se aos filhos sob
duas condições: que a esposa seja uma verdadeira judia e não uma bastarda e que
o filho seja física e mentalmente normal.
OS LEVITAS
Os levitas são os verdadeiros subproletários do Templo. São
aproximadamente 10 mil, divididos eles também em 24 classes, com cinco semanas
anuais de serviço. Mas seu salário, por esse serviço, parece inexistente:
jamais tiveram direito à parte retirada dos sacrifícios e o dízimo que outrora
lhes estava reservado (Nm 18,8-32) foi-lhes confiscado, não se sabe
quando, em benefício dos sacerdotes. Fora de seu tempo de serviço, exercem,
como os sacerdotes, os mais variados ofícios.
No Templo, estão divididos em dois grupos: os levitas
músicos que se instalam entre o pátio dos levitas e o dos sacerdotes e
animam as liturgias com seu canto e seus instrumentos, e os levitas
porteiros que guardam e mantêm limpo o Templo (com exceção do pátio dos sacerdotes),
controlam o acesso aos diferentes círculos de santidade, garantem o
policiamento e a guarda no santuário. Esses dois grupos são rigorosamente
distintos, pois, em princípio, aquele que cumprisse a tarefa destinada ao
outro grupo poderia ser punido com a morte! Na época que nos interessa, cada um
dos grupos se põe a reclamar uma promoção social que acabará acontecendo em 64
d.C: os músicos terão direito à veste distintiva dos sacerdotes, ao passo que
os porteiros poderão aprender os hinos, como os músicos. Esta promoção concedida
por Agripa II, que pretende rebaixar os sacerdotes, é muito mal recebida pelo
povo, hostil a qualquer mudança.
O povo
Sacerdotes e levitas formam uma das doze tribos de Israel,
aquela que é consagrada a Deus. As outras tribos — ou o que delas resta —
formam o conjunto do povo socialmente bem diversificado.
OS ANCIÃOS
Essa palavra ancião engloba situações bem diversas como o termo
nobre na pena dos nossos jornalistas. Quase não existe relacionamento
entre os chefes duma aldeia que vivem exatamente como todo mundo e o pequeno
grupo de anciãos que compõem o Sinédrio de Jerusalém. São esses últimos e seus
pares que nos interessam agora: formam a aristocracia leiga de Israel, uma
aristocracia bem reduzida em número, mas muito rica, graças a grandes
propriedades (que no entanto nada têm a ver com os latifundia romanos)
ou ao comércio; em 66 d.C. três desses anciãos se comprometem a abastecer
sozinhos a cidade de Jerusalém, por 21 anos, de trigo, cevada, vinho, óleo, sal
e madeira.
Esses grandes proprietários e negociantes necessariamente estão ligados
com o principal mercado, quer dizer o Templo e seus dirigentes, os sumos
sacerdotes. Estão associados também com o poder romano que sabe uni-los a si
atribuindo-lhes postos de conselheiros e portanto um certo poder. Para Roma,
esses conselheiros são excelentes arrematantes dos impostos indiretos: sua
própria fortuna é a garantia de que de qualquer forma o imposto entrará para
os cofres do império; por outro lado, bem administrado, o imposto se torna
fonte de renda suplementar para os arrematantes. O nobre que recusasse esse
serviço seria primeiro objeto de pressões amigáveis, depois de chantagem e,
eventualmente, de confisco de sua propriedade! Em caso de oposição ao poder,
corre-se até risco de vida: Herodes matou 45 nobres que tomaram partido contra
ele antes da sua chegada e esta prática não é desconhecida pelos romanos, mas
eles se contentam muitas vezes com exilá-los confiscando seus bens!
Esses anciãos, apesar de terem riquezas e serem "os
primeiros em dignidade", sentem a falta de uma coisa que é o ápice da
glória na Palestina: o acesso ao Templo, reservado aos descendentes de Levi.
Por não poderem comprar o sacerdócio, procuram suas migalhas: as famílias mais
afortunadas e sobretudo as mais antigas conservam ciosamente o privilégio de
oferecer, em certos dias, a lenha necessária para os sacrifícios e sobretudo,
por derrogação especial, os meninos desta aristocracia podem se juntar aos
levitas músicos para acompanhar os ofícios: ficam então entre o pátio dos
levitas e o dos sacerdotes, ao passo que normalmente deveriam ficar no das
mulheres.
Muito ciosa dos seus privilégios, unida aos sumos sacerdotes
como também a Roma, esta oligarquia é, segundo todos os testemunhos, saducéia.
Parece, no entanto, que na Galiléia o partido de Herodes também tenha entrado
nesse círculo.
A CLASSE MÉDIA
Temos poucas informações sobre esta classe social de comerciantes
e de artesãos: Em particular, as raras indicações que se tem sobre sua situação
financeira provêm mais da lenda que da realidade. Globalmente, sua prosperidade
depende do Templo. Os artesãos que trabalham diretamente para ela, — padeiros,
alfaiates, perfumistas . . . — são muito bem remunerados. Alguns se
especializam nos bibelôs para os peregrinos ou nos mais diversos objetos de
luxo, dos quais se faz grande uso por ocasião das festas. Há ainda todos os
ofícios ligados á acolhida e à hospedagem dos peregrinos: hotelaria, abastecimento,
transporte e vendas de mercadorias necessárias.
O consumo deve ser muito elevado em Jerusalém, pois cada judeu
é obrigado pela Lei a gastar aí em regozijo diante de Deus o segundo dízimo
(Dt 12,1 7-18). Mesmo que nem todos os judeus obedeçam a essa norma (ver p.
57), pode-se pensar que os peregrinos que vêm da Palestina ou de fora fazem
questão de cumpri-la. Esta soma deve ser gasta em alimentação, vestes ou
perfumes e objetos de luxo, mas não pode servir para oferecer sacrifícios:
pode-se imaginar o lucro auferido pelos comerciantes da capital, claramente
favorecidos em relação a seus colegas provincianos. Teoricamente, é claro que
se pode levar esse segundo dízimo em gêneros para gastá-lo em Jerusalém, mas é
tão complicado que preferem vender seus produtos na própria aldeia e vir à
Cidade Santa com o dinheiro para comprar — mas com uma notável diferença de
preço — aquilo que se precisa ou que se quer: os preços são muito mais altos na
cidade do que na roça, chegando a ser o triplo no caso dos figos!
O POVO
Quanto mais se desce na hierarquia social, mais são raras as
informações precisas: em todas as literaturas do mundo, fala-se pouco dos
pequenos! Distinguem-se entretanto algumas categorias.
Os pequenos proprietários agrícolas contentam-se, com
freqüência, de consumir seus produtos ou de fazer alguma troca para obter o
que lhes falta: isso evita as taxas nos mercados. Na Judéia e na Samaria,
parece que as lavouras são pequenas, de tipo familiar. Muitas vezes, só o
filho mais velho pode herdar o sítio, e os outros filhos se tornam operários
ou se expatriam. Na Galiléia, as propriedades parecem mais extensas; isso se
deve a razões históricas: por volta de 150 a.C, todos os judeus fugiram dessa
província (1 Mc 5,23.45); os pagãos recuperaram essas terras, aumentando suas
propriedades, mas quando João Hircano reconquistou a Galiléia, esses pagãos
tiveram de se converter ou partir.
Os artesãos ou mais exatamente os que trabalham por
conta própria num trabalho que não é agrícola, nos são muito mal conhecidos. O
que se sabe com mais certeza é que muitos desses ofícios são mal vistos, e até
mesmo desprezados. De acordo com as fontes rabínicas antigas, o curtidor exala
tanto mau cheiro que perde toda dignidade, a tal ponto que sua esposa pode
separar-se dele quando quiser (raro caso em que o marido pode ser obrigado ao
divórcio), o tecelão é tão mentiroso que não é admitido a dar
testemunho, como também não o são a mulher e o escravo; o pastor é
considerado ladrão, ele próprio devido à sua alimentação pessoal, e seu
rebanho, porque entra muitas vezes nas pastagens dos outros; o médico pratica
uma medicina de classe, descuidando os pobres sem dinheiro ... A lista negra
das profissões é tão comprida, que se tem a impressão de que resta pouco espaço
para as profissões honestas.1
Os operários e diaristas: basta sobrevir uma
colheita insuficiente, basta uma administração errada do seu negócio, basta que
algum concorrente tenha mais êxito e a pessoa perde sua independência,
vendo-se obrigada a colocar-se a serviço dum patrão, seja por dia — mas a situação
é então extremamente precária — seja de modo mais estável como braçal numa
lavoura de grande ou médio porte. Pode-se trabalhar também numa empresa de
transporte ou junto a um grande artesão; pode-se conseguir emprego na casa dum
nobre, na corte, ou enfim conseguir admissão num dos grandes canteiros de obras
(ver p. 33).
Todo esse pequeno povo forma a parte importante de Israel,
trabalhadores que ganham salários minguados, que são desprezados pela casta
dos escribas e dos fariseus, e são chamados ham ha'ares, o povo da terra, os
incultos . . . Todavia, bom número de escribas exercem essas humildes
profissões e esse povo é o principal apoio dos fariseus, pois é ele quem mais
sente na carne o peso da ocupação romana: sofre pacientemente, aguardando a
intervenção libertadora de Deus.
OS MISERÁVEIS
Acontece também, infelizmente, que em conseqüência de maus
negócios, de acidente ou de doença, alguém se torna incapaz de trabalhar: mais
ou menos excluído da comunidade torna-se mendigo, ladrão ou escravo.
Os mendigos vivem de preferência em Jerusalém, onde os
peregrinos são mais generosos; com efeito, parte do segundo dízimo pode servir
para a esmola, que é uma obra muito meritória diante do Senhor. Entre eles,
encontram-se muitos "leprosos", isto é, todos aqueles atacados de
doença de pele e são considerados como impuros.
Mas pode-se também tentar a sorte como ladrão, seja em
Jerusalém, seja ao longo das estradas onde se vai roubar os viajantes imprudentes.
Embora o termo bandido abranja os ladrões e os zelotes (ver p. 77),
parece certo que os ladrões formam um grupo que aumenta cada vez mais nos anos
60 d.C, aproveitando-se da instabilidade política. Já por volta de 35 a.C, tais
ladrões importunavam tanto Herodes, que ele desencadeara uma verdadeira guerra
contra eles.
Os escravos judeus. O ladrão que é preso e não consegue ressarcir
os danos que causou, como também o judeu que pediu emprestado e não pode
restituir, corre o risco de perder a liberdade, tornando-se escravo. Só podem
tornar-se escravos o varão israelita adulto e sua filha de menos de doze anos,
mas não o filho nem a esposa. A filha adquire a liberdade aos doze anos, a não
ser que seu senhor a despose, o que suprime imediatamente sua condição de
escrava. O homem fica escravo no máximo seis anos (ver ano sabático, p. 31). O
senhor o compra por uma soma que varia entre uma e dez minas (100 a 1000 dias
de salário). O escravo judeu é juridicamente igual ao filho mais velho do
senhor; quanto à alimentação, à moradia e ao vestuário, deve ser tratado do
mesmo modo que o senhor, o qual é obrigado, além do mais, a manter a família de
seu escravo; os trabalhos por demais humilhantes lhe são vetados, por exemplo:
lavar os pés do senhor, despi-lo antes do banho ou mesmo levar ao banho público
a água de que se serviu. Finalmente, esse escravo judeu tem muita semelhança
com um operário respeitado, que tem garantia de trabalho, e vende sua força
braçal por seis anos. Sem dúvida, ele não é livre, mas pode, no caso de receber
herança ou descobrir um tesouro, resgatar-se quando quiser. Isso só vale,
evidentemente, se o senhor é também judeu; o senhor pagão tem outros
princípios, normalmente mais duros, mas a família de um judeu vendido a um
pagão tem o dever estrito de resgatá-lo.
O escravo pagão pode
também tornar-se propriedade de um judeu, mas sua condição é então
completamente outra: é comprado por toda a vida e o preço segundo suas
qualidades, pode chegar até 100 minas; normalmente vale 20. É totalmente
propriedade do senhor; portanto, nada pode possuir e tudo quanto pudesse
encontrar ou receber como indenização por um ferimento pertence ao senhor:
portanto, está na impossibilidade de economizar para se resgatar, ao passo que
isso é possível entre os romanos. O senhor pode tratar esse escravo como quiser
e mandá-lo fazer o que quiser; as únicas limitações a esse respeito são certas
mutilações infligidas ao escravo, que lhe valem a libertação imediata, e o
assassínio voluntário do escravo, que é considerado crime e punido como tal.
Contudo, por razões de pureza ritual, um pagão não pode morar na mesma casa com
um judeu piedoso, nem sobretudo preparar suas refeições ou servi-lo à mesa: o
senhor tem, pois, um ano de prazo, a partir da compra, para circuncidar seu
escravo (mas ainda é indispensável que o interessado o aceite!) ou revendê-lo a
um pagão. Esta circuncisão não o assemelha ao escravo judeu: suprime a
impureza fundamental e isto é quase tudo. As condições de trabalho e de vida
permanecem, efetivamente, as mesmas, pois o escravo é dispensado de todos os
atos religiosos que têm lugar num momento preciso do dia ou do ano (prece ao
nascer do sol, peregrinações...) e todos os preceitos positivos ("Tu deves
fazer..."), pois todos esses preceitos prejudicariam a possibilidade de
utilizá-lo. Ao contrário, certas regras que não impedem o trabalho, como a
oração depois da refeição, são obrigatórias. A única grande aquisição obtida
pela circuncisão é o direito ao repouso no sábado, que o senhor é obrigado a
concederFONTE: CADERNOS BÍBÇLICOS
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