O matrimônio
IDADE
Até os doze anos, a criança é menor e não pode tomar decisão
alguma que a comprometa de verdade. Quando chega aos doze anos, a situação é
diferente para o menino e a menina.
Após completar doze anos, o menino torna-se maior, é obrigado
a observar a Lei, que ele pode ler na sinagoga (mais tarde, ele ganhará o nome
de bar-miçwah ou filho do mandamento). É convidado a se dedicar
ao trabalho. "Deve em primeiro lugar construir sua casa, depois
plantar uma vinha, depois casar-se". É preciso que ele ajunte o necessário
para abrigar e alimentar corretamente mulher e filhos. A idade considerada boa
para se casar é entre os 16 e 22 anos, o ideal é aos 18 anos. "O Santo
— que ele seja bendito — está atento a que o homem se case ao mais tardar aos
20 anos e o amaldiçoa se não o fez até essa data". Alguns escribas
toleram até 24 anos.
A filha, entre 12 anos e 12 e meio, é uma adolescente que o pai tem o
dever absoluto de entregar a um noivo, pois após essa data ela se torna
plenamente maior e pode portanto livremente aceitar ou não os projetos do pai.
Durante esse período da adolescência, é o pai que decide e, pelo direito, pode
fazê-lo contra o parecer da filha. Contudo, aconselha-se fortemente a ele que
procure ouvir a opinião dela e não contrarie sua vontade expressa. Se o pai lhe
deu um noivo ou um marido antes dos seus doze anos, ela pode dizer, no dia em
que atinge essa idade: "Considero-me como vendida em escravidão e
portanto me liberto hoje". E ela se torna efetivamente livre.
É no meio dos parentes que normalmente o pai procura um noivo
para a filha: isso evita a dispersão dos bens da família e tem também a
vantagem de os futuros parceiros já se conhecerem, sendo portanto maiores as
chances de se entenderem. Com efeito é proibido, segundo uma lei dos escribas,
fazer dois jovens se casar sem que nunca se tivessem encontrado antes, porque
no dia do casamento, um deles poderia dizer: "Não tenho realmente o
que eu esperava e portanto não quero".
O NOIVADO
Juridicamente, o noivado é o ato essencial que liga efetivamente
os futuros esposos e suas famílias, graças ao contrato de matrimônio; é coisa
bem diferente, portanto dos nossos noivados ocidentais.
Esse contrato é um ato oficial que estipula: como serão
divididas as despesas da festa do matrimônio; o que o noivo vai pagar ao pai da
moça (como "preço" da noiva); o que eventualmente a moça possui como
bens próprios, bens que podem provir de herança ou de indenização por algum
acidente que lhe teria acontecido após os doze anos; o dote que o pai paga por
sua filha (os bens próprios e o dote são, de fato, administrados pelo marido
que tem a posse total das rendas que eles podem dar, mas em caso de separação
dos esposos ou de morte do marido, a esposa recupera esses bens ou seu
equivalente); o penhor de casamento, enfim, indicado antes sob a forma de bens
do que de dinheiro, bens reservados para a esposa: se ela fica viúva, esses
bens lhe são atribuídos e a partilha entre os filhos só tem lugar depois; se
ela é repudiada, o esposo deve dar-lhe esse penhor, exceto em alguns casos em
que fosse notória a má conduta da esposa.
Vamos explicar alguns pontos referentes a este contrato.
O dote ou provisão do pai para sua filha é algo muito
importante: isso representa, de fato, sua herança paterna. Em estrita justiça,
só os filhos herdam, recebendo o mais velho uma dupla parte, mas as filhas
devem receber um dote. Os textos especificam que, se o pai morre na indigência,
os irmãos que entretanto não herdam nada, devem trabalhar para constituir um
dote para suas irmãs.
O valor dos diversos elementos depende da fortuna das
famílias e das exigências recíprocas. O pai que ama sua filha deve
interessar-se especialmente pelo valor do penhor do matrimônio e assegurar-se
de que o noivo certamente o possui.
Como os esposos de Jerusalém unanimemente adquiriram o costume
de deixar sua casa para sua eventual viúva, uma lei estipula, no séc. I, que,
de qualquer forma, a viúva conserva por toda a vida o usufruto da casa de seu
marido.
Escrever um "bilhete de repúdio" é, portanto, como
se vê, muito constrangedor para o marido, pois equivale a renunciar ao usufruto
dos bens da esposa e abandonar parte dos seus próprios bens (o penhor); se
alguns felizardos podem se permitir esse sacrifício "por qualquer
motivo" (Mt 19,3), a imensa maioria dos judeus hesita muito mais.
Esse noivado não altera nada na vida concreta dos dois: cada
um continua a viver na sua própria família como antes e as relações sexuais
são malvistas. Cada um sabe, porém, que está totalmente ligado ao outro e que a
separação não se poderá realizar senão por um bilhete de repúdio com todas as
suas conseqüências. O noivo, que já recebeu o dote, pode começar a fazê-lo
render, ao passo que a noiva não precisa senão esperar em sua casa, mantendo
boa conduta para assim dar prova de sua fidelidade. O tempo do noivado dura
mais ou menos um ano e, segundo as discussões dos rabinos, ele se apresenta
claramente como o tempo necessário para que a moça se torne fisiologicamente
uma mulher e portanto uma possível mãe: insistem para que se espere as
primeiras ou até as quartas regras.
O MATRIMÔNIO
Chega afinal o momento do verdadeiro encontro e da vida em
comum. Sabe-se pouca coisa sobre o matrimônio mesmo no séc. I. E ocasião de uma
grande festa para as famílias e para os vizinhos. Eles dançam, cantam,
organizam farândolas inclusive noturnas. O esposo vai buscar a noiva para
conduzi-la à casa dele, isto é, as mais das vezes, à casa dos seus pais: esta
chegada à família dos sogros não deve ter sido sempre fácil para a noiva. Pois
é esse o último dia da sua vida em que ela tem o direito de não usar véu na
cabeça. Parece não haver cerimônia religiosa especial, a não ser uma bênção
pronunciada pelo pai da noiva. A verdadeira bênção virá com os filhos que
nascerão desta união. Não quer dizer que não se faça referência a Deus:
pensa-se, ao contrário, que é ele quem decide todos os matrimônios. Mas já que
toda a vida do judeu está voltada para Deus, esse ato eminentemente humano é
sagrado em si mesmo, sem que haja necessidade de mais outra coisa. Durante a
noite de núpcias, a noiva sobretudo não deve esquecer a prescrição de Dt
22,13-21 que continua sempre em vigor. Pelo matrimônio, a esposa passa duma
submissão total ao pai para uma submissão quase total ao marido:
criança esposa
nada pode possuir possui,
mas sem nenhum direito
deve respeito ao pai e aos irmãos deve
respeito ao marido
o que ela encontra
pertence ao pai o que ela encontra pertence ao marido
pode-se fazer dela uma escrava se se tornar escrava, o marido deve
resgatá-la
nada pode
decidir sozinha (votos) nada pode decidir sozinha e o marido
pode lhe impor votos
representada na
justiça pelo pai representada pelo
marido, a não ser quando ela apresenta queixa contra ele
mutilada ou deflorada:
a indenização mutilada: a
indenização fica muito provavelmente com
vai certamente para o pai o marido
vai certamente para o pai o marido
É necessária a viuvez ou o divórcio para que a mulher
encontre enfim sua autonomia e goze da liberdade e da possibilidade de administrar
seus negócios. Mas ainda é preciso que suas rendas lhe permitam viver! Se não,
ela pode escolher entre o segundo casamento e a miséria ... a não ser que,
abandonando o véu, ela se entregue á prostituição.
Esta situação global explica bem a pequena importância das mulheres
e ao mesmo tempo a insistência sobre as viúvas que se pode encontrar no Novo
Testamento.
O DIVÓRCIO
O marido pode repudiar a mulher. Discutia-se muito, na época rabínica,
sobre o motivo alegado em Dt 24,1: "se ele encontrou nela algo de
inconveniente". A escola de Shamai não admitia como motivo senão a má
conduta ou o adultério da mulher, mas a de Hilel admitia razões mais fúteis:
bastava que a mulher tivesse preparado mal uma refeição ou mesmo que ela
tivesse cessado de agradar ao marido. As mulheres, ao contrário, não podem
pedir o divórcio: a hipótese de Mc 10,12 (que não consta em Mt-Lc) é sem
dúvida influenciada pelos costumes pagãos.
FONTE: CADERNOS BÍBÇLICOS
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