Após a queda de Jerusalém em 70 da nossa era, o judaísmo sobrevive graças
aos fariseus, e são suas tradições que vão estruturar a lei judaica até nossos
dias. Por isso tem-se às vezes a tendência de projetar esse estado de coisas
sobre o período anterior a 70, pensando que na época de Cristo acontecia o
mesmo. Os evangelhos parecem reforçar essa impressão; sem dúvida, falam
bastante dos Saduceus, dos herodianos, dos Samaritanos e
informam que um discípulo, Simão, é apelidado o zelote; mas os únicos
adversários sérios, no plano doutrinai, permanecem os fariseus. Tal
simplificação não retrata a efervescência das idéias que diversificava então o
judaísmo. Josefo nos fala de três "seitas" (ou correntes de idéias)
para depois apresentar efetivamente quatro: fariseus, Saduceus, essênios e
zelotes.
De fato, é muito difícil definir esses grupos. Por um lado, realmente o
judaísmo admitia com bastante facilidade divergências consideráveis entre seus
membros, contanto que mantivessem algumas verdades essenciais e aceitassem
certas práticas. Assim, por exemplo, em Jerusalém, parece que os discípulos de
Jesus foram considerados, por longo tempo, como fazendo parte do povo judeu:
conservam a fé no Deus único, apóiam-se nas Escrituras, continuam rezando no
Templo (At 3,1); formam, pois, no seio do judaísmo, uma espécie de tendência
nova que se designa uma vez como a seita dos nazoreus (At 24,5). Por outro
lado, a doutrina desses grupos é-nos mal conhecida: a dos fariseus é
transmitida em textos que só mais tarde foram postos por escrito; o pensamento
dos Saduceus não chegou até nós senão através das críticas de seus adversários;
os movimentos batistas se desenvolveram em camadas populares que geralmente não
deixam literatura; só os essênios, depois da descoberta de certos manuscritos
seus a partir de 1947, nos oferecem documentos, mas que são muitas vezes de
difícil acesso.
Aqui vamos falar sobretudo das quatro seitas apresentadas por
Josefo, antes de dizer uma palavra sobre os Samaritanos e os batistas
UM POUCO DE HISTÓRIA
A origem dos quatro primeiros grupos prende-se, mais ou menos,
à epopéia dos Macabeus. Já apresentamos essa história (ver p. 16). É necessário
relembrar aqui alguns detalhes.
De 333 a 198, os judeus vivem em paz sob o domínio dos Lágidas do Egito.
Em 198, o rei selêucida de Antioquia, Antíoco III faz Israel entrar para seu
império e tenta helenizá-lo. Esse universo grego é visto por certos judeus como
uma iluminação: é um convite para sair do gueto no qual estavam confinados (1
Mc 1,11), para viver de outro modo, para fazer comércio com esse império grego
. . . Mas o povo, receando que a fé desaparecesse junto com seus costumes, não
acompanha esses novos profetas. O autoritarismo de Antíoco IV, que quer impor
a religião grega proibindo a circuncisão e as práticas judaicas, provoca a
revolta de Matatias em 167. Em 166, um dos seus filhos, Judas apelidado Macabeu
(o Martelo?) lhe sucede, reconquista o Templo que é purificado em
164 (festa da Dedicação). Mas a guerra, militar e diplomática, vai durar por
muito tempo ainda. Em 160 Jônatas sucede a seu irmão Judas e, em 143, um outro
irmão, Simão, substitui Jônatas. Em 142, Simão consegue a independência de
Israel. Assassinado em 134, quem toma o poder é seu filho João Hircano e é
fundada a dinastia dos Asmoneus. Em 104 seu filho Aristóbulo lhe sucede por um
ano, seguido por outro de seus filhos, Alexandre Janeu (103-76), que toma o
título de rei. Sua esposa Alexandra reina (76-67) enquanto seu filho
Aristóbulo II (67-63) não se torna maior. A disputa entre Aristóbulo e seu
irmão Hircano II será a causa da intromissão dos romanos na Palestina (ver p.
14).
Mas precisamos voltar atrás e mencionar um fato de grandes
conseqüências. Em 1 52 já fazia sete anos que não havia sumo sacerdote. Desde
a época de Davi-Salomão, o sumo sacerdote era escolhido na descendência de
Sadoc (2Sm 8,17; 1 Rs 2,35). A legitimidade estava ligada à pertença a esta
dinastia sadoquita. Ora, em 175, o sumo sacerdote Onias III fora afastado por
Antíoco IV e morria assassinado no exílio. Seu irmão, Jasão, obteve o cargo
mediante dinheiro e logo foi suplantado por Menelau, um sacerdote obscuro;
Alcimo, descendente de Aarão, foi eleito depois. Ao morrer, em 1 59, não foi
substituído. Foi então que Jônatas, que já era chefe da resistência armada,
conseguiu, em 152, fazer-se nomear sumo sacerdote por Alexandre Balas,
pretendente ao trono de Antioquia. Jônatas era da classe sacerdotal, mas não
sadoquita, e seu sacerdócio foi considerado como ilegítimo pelos fiéis da
tradição. Foi sem dúvida nesta ocasião que certos judeus piedosos começaram a
se separar dos Macabeus (ver adiante: fariseus e Saduceus). Depois de Jônatas,
seus sucessores continuarão a acumular os dois poderes, o civil e o religioso.
É, portanto, num ambiente conturbado que vão nascer as quatro
grandes seitas. De início, todos os judeus piedosos estão unidos em torno da família
dos Macabeus por um motivo religioso: rejeitam com vigor a apostasia que
Antíoco IV lhes quer impor e que alguns aceitam, a ponto de abandonarem todos
os costumes judaicos: alguns chegam ao ponto de recorrer à cirurgia para fazer
desaparecer o sinal da pertença a Israel, a circuncisão (1 Mc 1,13-1 5). Para
o fiel, tal abandono da Aliança e do seu sinal tangível só podia acarretar a
rejeição do povo por Deus, quer dizer, toda uma escalada de desgraças, indo até
à perda da terra santa, como o haviam anunciado os profetas e como o Exílio
havia fornecido a prova. Como o exprime bem 2Mc 6,12-17, enviando as
perseguições desde as primeiras faltas, Deus evitou que todo o povo apostatasse
e que a Aliança fosse mais uma vez calcada aos pés. Mas o que é claro ao nível
dos princípios para aqueles que, com Matatias, "têm o zelo pela Lei e
sustentam a Aliança" (1Mc 2,27), é menos claro na prática: a fidelidade à
Lei exige o fixismo absoluto? E se se admite uma evolução possível, até onde
se pode chegar? Aí é que os grupos vão divergir.
FONTE: CADERNOS BÍBÇLICOS
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