A Palestina, na época de Cristo, faz parte do império romano. Vamos ver
como os romanos conseguiram se implantar lá, por que meios Herodes chegou a
tornar-se rei e qual era a situação política no momento em que pregava Jesus.
Origem dos interesses romanos
na Palestina
na Palestina
A SITUAÇÃO GEOPOLÍTICA
Os primeiros contatos entre Roma e os judeus ocorrem não
antes da metade do séc. II a.C. São conseqüência dum jogo político complexo no
qual a República romana se imiscuiu progressivamente (a partir de 200 a.C. mais
ou menos).
Nesta época, o Mediterrâneo oriental está dividido entre as
diferentes monarquias originadas da conquista de Alexandre: os Lágidas reinam
no Egito; os Selêucidas dominam um império que se estende teoricamente
da Ásia Menor até o Indo, mas que, com o passar do tempo se encolhe como um
couro curtido: é amputado a oeste pelas usurpações, a leste pela independência
de fato dos soberanos e pela expansão dos partas. A Macedônia é dirigida pelos Antigônidas
que, com desigual sucesso, tentam dominar as cidades da Grécia e as ilhas
do Egeu. O pequeno reino de Pérgamo, no extremo oeste da Ásia Menor, é
governado pelos Atálidas.
Todos esses reinos formam um mundo dinâmico que espalha por
todo o Oriente os valores culturais gregos, dando assim origem à chamada civilização
helenística. Se a unidade artística e lingüística é real, embora muitas
vezes superficial, esse universo permanece, por outro lado, um conjunto
politicamente instável, dilacerado pelas guerras e as disputas dinásticas,
onde a imagem do soberano é inseparável da do chefe guerreiro, com tudo o que
isto supõe de coragem física, de aptidão para comandar e, portanto, de gosto
pela guerra. Estes reis tiveram o cuidado de aperfeiçoar seu exército, a tal
ponto que se pôde falar duma verdadeira corrida armamentista: a infantaria
pesada (a falange) é apoiada por uma cavalaria pesada (os catafratários) e por
uma cavalaria ligeira, e há também os elefantes. Assim os Antigônidas possuíam
uma coudelaria com 300 reprodutores e 30.000 éguas e os Selêucidas tinham uma
criação de 500 elefantes.
Nesse contexto agitado, a Palestina tem um lugar privilegiado. Constituindo
uma parte daquela que então se chamava a Celessíria (quer dizer a Síria
profunda em oposição aos planaltos do norte e às cadeias do Líbano e do
Antilíbano), é objeto de permanentes cobiças e motivo de conflitos que opõem
Lágidas e Selêucidas. Outrora parte integrante da 5ª satrapia persa (a
Transeufratena), caiu em poder dos Lágidas após a conquista de Alexandre. Os
judeus parece que se acomodaram bem com esta hegemonia afinal pouco importuna.
Mas em 200 (ou 1 98) a.C. Ptolomeu V é vencido por Antíoco III na batalha de
Panion: a Palestina passa então para o domínio soberano selêucida.O novo senhor
dos judeus usa de diplomacia para com eles; Antíoco III aliás tem outras
preocupações: está em guerra com Roma. Derrotado em 189, deve, conforme os
termos do tratado de Apaméia, pagar uma indenização muito pesada que vai
sobrecarregar por muito tempo as finanças do reino. Seu sucessor, Antíoco IV
Epífanes, desejoso de lutar contra as forças centrífugas que minam seu império
e de reatar os laços com as tradições dos fundadores da dinastia, inicia uma
política de helenização autoritária, à qual a Palestina não escapa. Esta
tentativa age como um revelador, cindindo os judeus em duas tendências: os
filo-helenos (ou pró-gregos) e os ortodoxos; daí nasce a revolta dos Macabeus.
Por esta época, Roma acaba de conquistar a Macedônia (1 67) e
põe em ação uma diplomacia que consiste em sustentar os estados mais fracos
(por seu tamanho, como Rodes ou Pérgamo, ou pela mediocridade dos seus
soberanos, como o Egito) contra as tentativas imperialistas dos Selêucidas. Com
esse objetivo, ela impede Antíoco IV de prosseguir seus avanços no Egito. Por
volta de 160, Roma teria até mesmo recebido favoravelmente uma delegação
judaica enviada por Judas Macabeu (1 Mc 8). A autenticidade do relato tem sido
contestada; no entanto, se os senadores receberam tal delegação, eles não
chegaram a prometer-lhe qualquer ajuda material, mas contentaram-se com vagas
palavras, próprias para entreter as cizânias que os favoreciam.
Roma não recomeça a intervenção direta no Oriente senão no
séc. I a.C. Serviu de pretexto a política expansionista de Mitrídates Eupator,
rei do Ponto (na costa norte da Ásia Menor) que se arvora em campeão da
liberdade das cidades gregas contra a expansão romana. A primeira e segunda
guerras contra Mitrídates terminam com tratados de paz. Em 66, Pompeu é
investido dum comando extraordinário para combater esse soberano e seu aliado
Tigrano da Armênia. Entretanto, não contente de seguir as diretrizes do
Senado, Pompeu aproveita-se do estado de composição em que caíra o que restava
do reino selêucida (Antíoco XIII, o último soberano, acabava de ser assassinado)
para anexar seu território e criar assim a província da Síria.
As dissensões surgidas entre os príncipes da dinastia
asmonéia (os descendentes dos Macabeus) fornecem-lhe um pretexto para intervir
na Palestina. Em 64, enquanto ele submete a Síria, Hircano II e seu irmão
Aristóbulo II, filhos de Alexandre Janeu, disputam entre si o poder. Pompeu
envia um dos seus legados para colher informações no local e, na primavera de
63, recebe três delegações: uma de Aristóbulo, outra de Hircano e a terceira do
povo judeu. Avança então sobre Jerusalém, que Aristóbulo prometera
entregar-lhe; um partido de resistência se entrincheira no Templo. Após três
meses de assédio, Pompeu se apodera da cidade: os responsáveis são decapitados;
um tributo é imposto a Jerusalém e a seus arredores; a faixa costeira e certas
cidades são colocadas sob a autoridade do governador da Síria. Hircano não
conserva senão Jerusalém e a Judéia; Aristóbulo e os seus dois filhos,
Alexandre e Antígono, são levados cativos para Roma.
A estratégia é simples: para proteger suas possessões da Ásia
Menor e da Síria contra os partas, Roma submete à vassalagem mais ou menos
diretamente as regiões periféricas, a saber a Armênia, o reino judeu e os
pequenos principados árabes, como a Ituréia. Esse projeto explica igualmente
que Roma tenha dado decretos em favor dos judeus; para garantir a fidelidade de
seus novos súditos teve que aceitar reconhecer seus particularismos.
OS DECRETOS EM FAVOR DOS JUDEUS
Nas suas Antiguidades judaicas, o historiador judeu
Flávio Josefo interrompe de repente sua narrativa para nos oferecer o texto das
disposições tomadas no mundo antigo em favor dos judeus. Trata-se de uns vinte
decretos ou parágrafos de decretos promulgados no decurso das guerras civis e
mais tarde por Augusto ou seus lugares-tenentes.
De acordo com os costumes legislativos do tempo, tais
decretos são circunstanciais e refletem os problemas que se apresentaram, em
determinado momento, nesta ou naquela cidade. Esse aspecto particular, porém,
não nos deve enganar: esses decretos constituíram as bases do estatuto especial
de que se beneficiaram os judeus a partir da sua integração no mundo romano.
De início, César recompensa Hircano II pela ajuda que lhe
prestou, reconhecendo-o como etnarca e sumo sacerdote dos judeus a título
hereditário. Essa decisão constitucional é seguida duma disposição particular:
os judeus não serão obrigados a alojar tropas romanas durante o inverno e não
estarão sujeitos a taxas por essa isenção. Quase ao mesmo tempo, César dá
disposições de ordem fiscal que regulam a coleta de imposto na Palestina; é
uma determinação que ratifica o dom feito a Hircano do norte do país; além
disso, legisla sobre a cessação da coleta das taxas durante o ano sabático e
sobre sua diminuição no ano seguinte (cf. p. 31).
Decretos em favor dos judeus
Durante a pritania de Artemon, no primeiro dia do mês de Leneon,
Dolabela, Imperador,1 aos magistrados, ao conselho e ao povo de
Éfeso, saudação.
Alexandre, filho de
Teodósio, embaixador de Hircano, filho de Alexandre, sumo sacerdote e etnarca
dos judeus, explicou-me que seus correligionários não podem prestar serviço
militar porque não podem carregar armas nem caminhar em dia de sábado e não
podem conseguir os alimentos tradicionais que costumam usar. Portanto, eu,
como meus predecessores, concedo-lhes isenção do serviço militar e lhes
permito seguir os costumes dos seus pais e se reunir para os ritos santos e
sagrados segundo as suas leis e fazer suas oferendas para os sacrifícios. . .
(Flávio Josefo, Antiguidades judaicas, XIV, 225-227).
César Augusto, pontífice máximo, revestido do poder tribunício, decreta
. . . foi decidido por mim e meu conselho, sob juramento, com a aprovação do
povo romano, que os judeus poderão seguir seus próprios costumes segundo a
lei dos seus pais, como o faziam na época de Hircano, sumo sacerdote do Deus
altíssimo, e que suas oferendas sagradas serão invioláveis e poderão ser
enviadas a Jerusalém e entregues aos tesoureiros de Jerusalém . . . Se alguém
é surpreendido roubando seus livros sagrados ou suas oferendas sagradas duma
sinagoga . . . será considerado como sacrílego e a sua propriedade será
confiscada em proveito do povo romano. (Flávio Josefo, Antiguidades judaicas,
XVI, 162-165).
1 P. Cornélio Dolabela, procônsul da Síria em 43. Esse
texto pode ser datado de 24 de janeiro de 43.
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Aparecem a seguir novas disposições que se explicam no contexto das
guerras civis: os judeus serão isentos do serviço militar por causa de seus
escrúpulos religiosos, já que esse serviço tornava impossível a observância do
sábado e dos interditos alimentares. Parece que isso diz respeito aos judeus
cidadãos romanos e portanto suscetíveis de serem alistados nas legiões; tal
problema não se punha evidentemente no caso de um corpo de auxiliares composto
unicamente de judeus.
É interessante notar que a maioria dos decretos imperiais
referidos por Flávio Josefo são dirigidos a cidades da Ásia Menor: após a
morte de César, os republicanos espoliaram de todas as maneiras possíveis essas
cidades e os judeus tinham de se queixar das exações que os afligiam como aos
gregos. Isto explica que os decretos favoráveis tenham sido dados por
magistrados partidários dos Triúnviros (magistratura de exceção, de caráter
constituinte, confiada em 43 pelo Senado a Otávio, Marco Antônio e Lépido) e
correspondam à restauração tentada por esses últimos após a derrota dos
republicanos em Filipos em 42 a.C.
No início do império, um novo problema se coloca a propósito do pagamento
da Didracma. Com efeito, os judeus da Diáspora (quer dizer os que mofavam fora
da Palestina) pagavam um imposto anual de duas dracmas — a didracma — para a
reconstrução e a manutenção do Templo; ora, parece que certas comunidades da
Ásia Menor e a de Cirene foram impedidas de encaminhar para Jerusalém as somas
recolhidas. Os textos transmitidos por Flávio Josefo mostram que o imperador
ou seus lugares-tenentes confirmam aos judeus esse privilégio fiscal. Parece
também que algumas cidades da Ásia Menor adotaram por esta época uma
regulamentação autorizando os judeus a observarem o sábado, a construírem
sinagogas onde desejassem e impondo aos mercados que colocassem à venda
produtos alimentares,"kasher".
Essa legislação poderia parecer anedótica se não fosse rica
de conseqüências: a aceitação dos particularismos conformes com as tradições e
com as leis ancestrais dos judeus significava o reconhecimento de fato de um
direito peregrino especial e fundava o estatuto de religio licita que é
o do judaísmo; os cristãos dele se beneficiarão enquanto não se separarem dos
judeus: depois disso serão considerados como adeptos duma superstitio. Além
disso, ela ratifica um outro paradoxo. Para vincular a si a Palestina
propriamente dita, os romanos foram obrigados a reconhecer a autoridade do
sumo sacerdote sobre os judeus da Diáspora. Pode-se, pois, encontrar no império
judeus que, embora sujeitos ao direito romano, dependem ao mesmo tempo da jurisdição
do sumo sacerdote ou do Sinédrio. Isso explica certos aspectos do processo de
Paulo que é passível de um julgamento pelo Sinédrio, porque considerado judeu,
mas que, ao mesmo tempo, argumenta da sua qualidade de cidadão romano para
apelar ao tribunal do imperador (At 22,25). A última conseqüência é o
reconhecimento de um privilégio fiscal surpreendente: o sumo sacerdote tem a
faculdade de cobrar a didracma em todas as comunidades judaicas do mundo romano
e de fazê-las conduzir livremente para Jerusalém.
O regime herodiano
As guerras civis, sobretudo entre César e Pompeu, vão acarretar novas
mudanças na Palestina, favorecendo o desaparecimento da monarquia asmonéia
(descendentes dos Macabeus) e a ascensão política de Herodes.
A ASCENSÃO POLÍTICA DE HERODES
Em 49 a.C, César pensava em servir-se de um dos descendentes
dos Macabeus, Aristóbulo II, confiando-lhe duas legiões para combater os
partidários de Pompeu (os pompeianos) no Oriente. Mas esse projeto fica
frustrado, pois Aristóbulo é envenenado e Alexandre, seu filho, decapitado
pelos pompeianos em Antioquia. Após a vitória de César em Farsala em 48,
Hircano II e seu ministro Antípater se apressam a entrar para o partido do
novo senhor de Roma. Para provar sua fidelidade, Antípater oferece três mil
homens a César, então em dificuldade em Alexandria e Hircano insiste com os
judeus do Egito para se unirem ao ditador. Em 47, os decretos em favor de
Hircano vêm testemunhar o reconhecimento de César.
Mas Hircano, embora sumo sacerdote e etnarca dos judeus, não
têm senão uma autoridade teórica, pois Antípater, que César nomeou epitropos
(procurador) governa de fato; ele lança, aliás, as bases da sua sucessão
nomeando seus dois filhos, Fasael e Herodes, o primeiro estratego de Jerusalém,
o outro, estratego da Galiléia. Em 43 Antípater procura entrar para o círculo
dos amigos de Cássio, um dos assassinos de César, então procônsul da Síria;
este último, obrigado a sustentar um exército importante, ordena na Palestina a
cobrança de um imposto de 700 talentos. Herodes é nomeado estratego da
Celessíria, mas seu pai é envenenado por esta ocasião.
Após a derrota dos Republicanos em Filipos em 42, Marco Antônio
vem à Ásia Menor para tentar normalizar a situação do Oriente; recebe
sucessivamente uma delegação dos judeus, depois uma de Hircano e enfim Herodes
que vem pessoalmente. Fasael e Herodes são nomeados tetrarcas do território
judeu.
Em 40, Antígono, filho de Aristóbulo, tenta retomar o poder,
buscando o auxílio dos partas. Fasael e Hircano são presos, ao passo que Herodes
consegue refugiar-se junto aos nabateus. Ao saber disto — nos diz Flávio Josefo
— Fasael, certo de que seria vingado pelo irmão, não hesita em suicidar-se para
escapar às sevícias dos partas. Antígono manda cortar as orelhas de Hircano
para torná-lo inapto para o sacerdócio. Contudo, a vitória do príncipe asmoneu
devia ser de curta duração: é que, sem temer as tempestades do outono, Herodes
embarcara para defender sua causa em Roma diante de Antônio e de Otávio, com
sucesso, aliás, pois os Triúnviros lhe reconhecem o título de rei. Voltando em
39, organiza um exército e se lança à conquista do seu reino. Em 38 toda a
Palestina, exceto Jerusalém, está nas suas mãos. Com o auxílio dos romanos toma
a cidade em 37. Antígono, que se comporta com pouca honradez, é decapitado
pelos romanos.
Herodes, porém, ainda não conquistou sua tranqüilidade, pois em 37, Marco
Antônio, voltando ao Oriente, dá a Cleópatra, rainha do Egito, a costa
siropalestina, a Celessíria, a Cilícia e Chipre (o que corresponde ao
território pertencente aos Lágidas na época da grande expansão do Egito).
Herodes é então obrigado a colaborar com a política de Antônio e de Cleópatra,
fornecendo-lhes dinheiro e víveres. No ano seguinte, a rainha do Egito recebe
além do mais o produto dos balsameiros de Jericó e uma parte do território
nabateu.
No momento da derrota de Antônio em Actium, em 31, Herodes
não hesita em ir ao encontro de Otávio para lhe exprimir sua submissão, dum
modo muito hábil, se dermos crédito a Flávio Josefo: dá a entender que foi fiel
a Antônio até o último momento e agora que o Triúnviro perdeu seus poderes,
ele, Herodes, não hesita em passar para o lado do vencedor, não para mudar de
partido, mas para respeitar o ideal de suas ligações com Roma.
A POLÍTICA DE HERODES
Príncipe de tipo helenístico, mas de origem árabe, sem
parentesco com a família dos Asmoneus, Herodes jamais conseguiu conquistar a
simpatia dos judeus piedosos. Era filho dum idumeu, Antípater, e duma nabatéia;
ora, os idumeus (no sul da JUDÉIA) vencidos em 126 por João Hircano, tinham
sido obrigados a se judaizar e portanto não eram considerados como fiéis de boa
cepa; é por isso que Herodes não exercerá o ofício de sumo sacerdote, e o confiará
a homens sem valor. Por outro lado, para legitimar seu poder, procura ligar-se
aos Asmoneus desposando em 37 Mariana, neta de Aristóbulo II pelo lado do pai e
de Hircano II pelo da mãe. Este cálculo político, aliás, não o impediu de amar
apaixonadamente sua esposa, que ele mandará executar por ciúme em 29. Além
disso, seu amor pela civilização grega se percebe no gosto que tem pelas
grandes obras, pelos jogos e pelos espetáculos. Extraordinária figura de
aventureiro, deve seu êxito ao seu senso do possível: sabendo que não era
bastante poderoso para sacudir o jugo romano e, ao mesmo tempo, que não era
bastante popular para dispensar seu apoio, sempre quis, prioritariamente,
agradar a Roma. Isto é suficiente para tornar compreensível todo o seu governo.
Antes de tudo, é um soberano construtor: faz numerosas construções em
honra de Augusto; assim reedifica Samaria, à qual deu o nome de Sebaste
(equivalente grego de Augusto); funda uma nova cidade, na costa, no local
denominado "a Torre de Estraton" e dá a este porto o nome de Cesaréia
(a nossa Cesaréia marítima); funda também Antipátrida, em homenagem a seu pai e
edifica uma cidade de tipo helenístico perto de Jericó, a qual denominou
Fasaelis em recordação do seu irmão. Restaura diversas fortalezas, nas quais
constrói palácios para si: Herodium, Maqueronte, Masada. Um hipódromo é
inaugurado perto de Jerusalém.
Ele não hesita tampouco em instituir jogos quadrienais em honra de
Augusto, em Cesaréia e até mesmo em Jerusalém. Rodeia-se de eruditos formados
nas letras gregas, como por exemplo, Nicolau de Damasco (cuja história
infelizmente perdida teria permitido confrontar e criticar as afirmações de
Josefo).
Para satisfazer aos judeus, incrementa a reconstrução do
Templo e o faz embelezar; por esta ocasião, teve de mandar ensinar o ofício de
pedreiro a mil levitas, para evitar que simples operários profanassem os locais
reservados aos sacerdotes.
No tocante aos fariseus, sua política é geralmente dura.
Aliás, ele trata mal também aos Saduceus, por causa da ligação deles com os
Asmoneus. Em 25 uma primeira conspiração de fariseus é cruelmente reprimida. E,
embora nem sempre se deva tomar Josefo ao pé da letra, parece que, com o passar
dos anos, seu poder se tornou cada vez mais despótico.
Do ponto de vista econômico, seu reinado foi até benéfico. A
criação de Cesaréia garante a possibilidade de comércio externo pelo
Mediterrâneo.O restabelecimento da calma interior, a repressão do banditismo
garantem a segurança do mercado interno. No momento da fome de 25, ele manda
fundir sua baixela de prata para custear as compras de gêneros alimentícios; em
20 reduz de um terço os impostos e de um quarto em 14 a.C.
Em geral, gozou da confiança de Augusto e jamais deixou
passar uma oportunidade de lhe agradar e lhe testemunhar sua solicitude e sua
fidelidade.
O fim da sua vida foi obscurecido pelas disputas dinásticas.
A oposição vem dos dois filhos nascidos da sua união com Mariana: Alexandre e
Aristóbulo. Esse conflito quase lhe faz perder a confiança de Augusto. No entanto,
tendo o imperador ordenado a constituição, em Beirute, de um tribunal composto
de romanos e de judeus, os dois jovens foram condenados e executados, junto
com 300 cúmplices, no ano 7 a.C. Depois foi Antípater, filho de Mariana II,
que, nomeado herdeiro do pai, trama contra ele. Antípater é enviado preso para
Roma. Doente e próximo do fim, Herodes ainda manda para a fogueira dois
fariseus que haviam conspirado contra ele. Morre em Jericó em 4 a.C, não sem
ter tido tempo de mandar matar, com a permissão imperial, seu filho Antípater.
Flávio Josefo acrescenta que ele havia ordenado a execução de nobres judeus,
encerrados no hipódromo, dizendo que assim haveria choro no momento da sua
morte . . .
A SUCESSÃO DE HERODES
Pouco antes da morte, Herodes determinara como seria sua sucessão:
Arquelau, filho de Maltace, uma samaritana, herdaria o título de rei; Herodes
Antipas se tornaria tetrarca da Galiléia e da Peréia; Herodes Filipe, filho de
Cleópatra, seria o tetrarca da Gaulanítide, da Traconítide, da Batanéia e de
Pânias.
Desde o início do seu reinado, Arquelau teve que reprimir uma
revolta fomentada pelos fariseus; ao mesmo tempo, seu título lhe era contestado
por Herodes Antipas, que antes havia sido designado por Herodes para lhe
suceder. Diversas delegações chegam a Roma para apresentar suas reivindicações;
mas, após refletir, Augusto confirma quase exatamente os termos do testamento
de Herodes: Arquelau conservava a Judéia, a Iduméia e a Samaria, mas deveria
contentar-se com o título de etnarca; Antipas era tetrarca da Batanéia, da
Auranítide e da Traconítide. No entanto, esta disposição não foi duradoura. Arquelau
causou escândalo ao desposar uma princesa da Capadócia, casada anteriormente
com Alexandre (filho de Mariana I) e com Juba da Mauritânia. Além disso,
considerado cruel e brutal, foi acusado perante Augusto por uma delegação de
judeus e de Samaritanos. No ano 6 d.C, o imperador depôs Arquelau e o exilou
para a Gália; daí em diante, a etnarquia da Judéia, Iduméia, Samaria, será
confiada a um procurador.
O regime dos procuradores
No ano décimo quinto do império de Tibério César, quando
Pôncio Pilatos era governador da Judéia, Herodes, tetrarca da Galiléia, seu
irmão Filipe, tetrarca da Ituréia e da Traconítide, Lisânias, tetrarca de Abilene,
sendo sumo sacerdote Anás, e Caifás, a palavra de Deus foi dirigida a João ... É assim que Lucas introduz a pregação de João Batista (Lc
3,1-2). Aí ele nos fornece uma data precisa, à maneira do seu tempo. Começa
pelo ano do reinado do imperador (o décimo quinto ano de Tibério, quer
dizer, para nós, o ano 27/28 d.C): é uma indicação precisa, válida para todo o
império; os nomes do sumo sacerdote e do seu sogro dão uma informação para
Jerusalém e para o mundo judaico; os nomes dos governadores e dos tetrarcas
indicam a mesma época, mas no quadro da Palestina.
Portanto Augusto, após a deposição de Arquelau, não modificou
a geografia política da Palestina. Nisto, conforma-se com a tradição romana que
procura sempre utilizar ao máximo as estruturas em vigor. Confiou a parte
central do país, com a capital, a um funcionário imperial, ao passo que as
regiões periféricas (Galiléia e Transjordânia) ficavam nas mãos dos príncipes
herodianos ou de soberanos locais, como este Lisânias. Este regime permanecerá
quase sem alteração até a grande revolta de 66 d.C.
O procurador é um funcionário, que depende diretamente
do imperador, é recrutado entre os membros da ordem eqüestre e portanto
remunerado. Esse título de procurador designa, aliás, funcionários que têm
atribuições variadas. Pode tratar-se de gerentes dos bens patrimoniais do
imperador e dos membros de sua família, de chefes da chancelaria ou dos
arquivos. Na época de Augusto, esse tipo de carreira está ainda no estado
embrionário; vai desenvolvendo-se progressivamente à medida das necessidades
do poder central e atingirá sua organização completa na época de Adriano.
Parece que no tempo das dinastias dos Júlio-Cláudios, esses funcionários
encarregados de administrar um pequeno território eram chamados prefeitos (sendo
eparchos o equivalente grego, ao passo que o de procurador é epitropos;
notemos, a este respeito, que as fontes literárias, bíblicas e
extrabíblicas, são um tanto descuidadas na utilização desses termos).
O procurador (vamos chamá-lo assim daqui em diante para simplificar)
depende do governador da província da Síria, que dispõe de três legiões (nesta
época, a III Gallica, a VI Ferrata e a X Fretensis), aquarteladas no nordeste
do país, atrás do Eufrates; essas legiões são reforçadas por tropas auxiliares,
de sorte que o total dos efetivos atinge cerca de 36 mil homens. Uma frota está
ancorada em Selêucia de Piéria, porto de Antioquia. O procurador só dispõe de
tropas auxiliares, que de certa forma são forças policiais. Pode sempre pedir
ajuda ao legado da Síria e este último tem a faculdade de intervir quando
julgar oportuno.
O procurador, como todo governador provincial é um representante
direto do imperador e reúne portanto em suas mãos os poderes civis, militares e
judiciários. A esse respeito, muito se tem discutido para saber se só o
procurador tinha o direito de condenar à morte, ou se os judeus também tinham
essa possibilidade: vê-se, com efeito, que os judeus pedem a Pilatos a
condenação de Jesus, argumentando sobre a interdição que lhes é feita de
pronunciar sentença de morte; mas em 36 apedrejam Estevão sem recorrer à
autorização do ocupante. Há dois modos de explicar esses testemunhos
aparentemente contraditórios: ou em 36 os poderes do procurador tinham sido
momentaneamente reduzidos, ou — o que é mais verossímil — trata-se aí de um
acerto de contas sem verdadeiro processo, ao qual as autoridades romanas não
quiseram ou não puderam se opor.
Habitualmente, o governador reside em Cesaréia marítima, mas,
no momento das grandes festas, vem para Jerusalém, pois estas concentrações
imensas de fiéis são facilmente ocasião de movimentos que podiam degenerar em
motins. Mora então seja na fortaleza Antônia (no ângulo norte do Templo), seja
no antigo palácio dos Asmoneus.
Do ponto de vista do fisco, Roma exige diversas
espécies de impostos dos territórios que dependem da sua administração direta:
o tributum soli, que obriga todas as propriedades provinciais (salvo se
elas se beneficiam de ius italicum que as equipara às propriedades
italianas) e o tributum capitis, que é cobrado sobre todas as rendas
mobiliárias. Além disso, um imposto direto pesa sobre os indivíduos: o tributo,
se se trata de peregrinos ("É permitido pagar o tributo a César?"
Mt 22,1 7) e o vigésimo sobre as heranças, se se trata de cidadãos romanos.
Os impostos indiretos são pouco conhecidos em detalhes; sabe-se que existiam taxas
sobre as vendas, sobre as alforrias e igualmente direitos de alfândegas,
os portoria (o mais bem atestado desses direitos de alfândega é o que
se cobrava nas fronteiras das Gálias e era chamado o "quadragésimo das
Gálias").
Despesas de transporte
"Ao longo da estrada inteira, os transportadores de incenso não
cessam de pagar, aqui pela água, ali pela forragem ou pela hospedagem durante
as paradas e pelas diversas taxas. Assim é que as despesas se elevam a 688
denários por camelo, até que se atinja a costa mediterrânea" (Plínio,
Hist. Nat. XII, 32,6).
O incenso de primeira qualidade valia então 6 denários a libra de 327 g,
ou seja mais ou menos 18 denários o quilo. Um camelo conseguindo levar cerca
de 300 quilos, 688 denários representam 13% de despesas de transporte.
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Nas províncias imperiais, é o imperador que se beneficia com
o recebimento dos impostos e faz supervisar pelos procuradores as operações.
Com o correr do tempo, o imperador acabou controlando diretamente todo o
fisco. Na época que nos interessa, parte dos impostos diretos é ainda recolhida
por intermédio de publicanos: trata-se de financistas que se agrupam em
associação, para assumir a cobrança de taxas ou a distribuição de trabalhos.
Esses financistas, geralmente oriundos da ordem eqüestre, têm coletorias que
contratam empregados no local. Lucas nos conta assim a vocação de Levi-Mateus:
Jesus saiu, viu um publicano chamado Levi, sentado na coletoria de impostos
(Lc 5,27). Compreende-se o escândalo que causa Jesus, ao chamar tal homem
para o seguir: não apenas tratava-se de um empregado da alfândega, mas ainda um
judeu que consentia em trabalhar com os romanos, que estava portanto
constantemente em contato com pagãos e por conseguinte em perpétuo estado de
impureza. Isto explica por que os publicanos estão associados aos pecadores nas
acusações dos fariseus, referidas pelos evangelhos.
O resto da Palestina está, até 66, sob a autoridade de
príncipes herodianos; seu poder é, aliás estreitamente sujeito ao beneplácito
da autoridade romana e sofre, às vezes, eclipses como vamos ver. Primeiramente,
com efeito, Herodes Filipe II governa, até morrer em 34, a tetrarquia da Transjordânia
(exceto a Peréia); ao mesmo tempo, Herodes Antipas comanda a Galiléia e a
Peréia, mas, vítima das intrigas de Agripa I, é exilado em 39 para Lião por
Calígula. Será Herodes Agripa I, filho de Aristóbulo, quem vai herdar as
possessões de seus tios: beneficia-se em primeiro lugar da tetrarquia de
Filipe II à qual se soma a Abilene quando desaparece Lisânias (do qual quase
nada se sabe); em 39 Calígula lhe confia a Galiléia e a Peréia e mais tarde, em
41, a etnarquia da Judéia-Samaria com o título de rei. Até sua morte em 44,
Herodes Agripa reúne, pois, o antigo reino de seu avô Herodes. Após sua morte,
é mais verossímil que Roma tenha assumido a administração direta da maior
parte da Palestina. Contudo, por volta do ano 50 Herodes Agripa II, que até então
vivera em Roma, recebe o principado de Cálcis; desde 49 ele é igualmente
governador do Templo, com o direito de supervisar a nomeação dos sumos
sacerdotes. Cerca de 53, em troca de Cálcis, recebe a Abilene e a antiga
tetrarquia da Transjordânia. Nero lhe dará ainda algumas partes importantes da
Galiléia e da Peréia e certas cidades. Após a grande revolta de 66-70, esses
principados desaparecem com a mesma facilidade com que se extinguiu a família
Herodiana.
FONTE: CADERNOS BÍBÇLICOS
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