O filho e a educação
Tanto o Antigo Testamento quanto a literatura judaica antiga
nos mostram que o filho é absolutamente essencial para o judeu: é ele a
garantia de que o povo eleito continuará a existir, o sinal da perenidade da
Aliança e portanto a prova da bênção divina: não ter filho é uma verdadeira
maldição (pela qual unicamente a mulher é responsável!). Trata-se, portanto, de
ter o maior número de filhos possível e são muito elogiadas as famílias
numerosas.
O NASCIMENTO E SEUS RITOS
O nascimento acontecia
em casa,4 com a ajuda duma parteira. O recém-nascido era
lavado, esfregado com sal e envolto em faixas. Depois a mãe ou o pai lhe dava o
nome; o uso de esperar o oitavo dia não é atestado antes do NT(Lc 1,59; 2,21).
A mãe amamentava o filho durante longos meses, às vezes por dois ou três anos.
Oito dias após o nascimento, o menino era circuncidado. Os
antigos hebreus certamente tomaram esse rito de iniciação ao matrimônio dos
semitas, quando se instalaram em Canaã. Mas foi durante o Exílio em Babilônia,
num momento em que quase já não tinham mais meios de afirmar seu caráter
próprio, que a circuncisão adquiriu toda a sua importância e se tornou o sinal
da pertença a Deus e a seu povo. Era praticada pelo pai ou por um especialista,
em casa.
Todo menino primogênito pertence ao Senhor (Ex 13,2). Assim,
devia ser "resgatado" (Ex 13,13). Nenhum lugar era prescrito para fazer
esse resgate; era feito durante o mês que se seguia ao nascimento, mediante
pagamento de cinco siclos de prata (Nm 18,15-16).
Ao cabo de 40 dias, se ela dera à luz um menino, e de 80
dias, se fosse uma menina, a mãe devia purificar-se (Lv 12,2-7). Esta purificação
nada tem a ver com impureza moral (no sentido atual do termo) que a mãe
tivesse contraído. A noção de "impureza" no Levítico é semelhante à
de "tabu" e esta "purificação" se parece com uma espécie de
"dessacralização".
A EDUCAÇÃO
A criança é amada por sua família, mas isso não quer dizer
que seja adulada. Todos os textos preconizam, ao contrário, uma educação de
tipo enérgico, para endireitar um rebelde, incapaz de sabedoria e de respeito
pela Lei: há a convicção de que esta sabedoria penetra melhor usando a vara!
Durante os primeiros anos, a mãe é a única a cuidar da
criança. Mas aos quatro anos, a situação muda conforme o sexo: a menina
continua com a mãe e o menino passa para os cuidados do pai. Tanto para um como
para o outro, começa então o aprendizado da profissão: o de cozinheira-dona-de-casa-futura-esposa
para a filha e geralmente a profissão do pai para o filho. Pode acontecer que o
filho seja mandado para a casa de um outro para aí aprender o ofício, ou que a
filha seja vendida como escrava, mas, para isso, deve-se esperar até os seis anos.
Após esta idade, o pai não é mais obrigado, juridicamente, a sustentar os
filhos: eles têm de aprender a se arranjar.5
A educação não visa somente ao aprendizado de um ofício: consiste
sobretudo em ensinar a Torá aos filhos. E aqui também, esta função compete aos
pais. Mas há uma grande diferença neste ponto entre as meninas e os meninos. A
menina, evidentemente, deve conhecer todos os preceitos negativos: "Tu não
farás ., ." e os que se referem à sua condição; mas fora disso, quanto menos
se lhe ensina, melhor é. O menino, ao contrário, deve saber o mais possível da
Lei, a fim de melhor conhecê-la e honrar o Senhor. Deve saber ler o texto
sagrado e ser capaz de interpretá-lo. Mas como muitos pais não podem fazê-lo
por si mesmos, inventa-se a escola, destinada só aos meninos; as meninas
conseguem, no entanto, adquirir certa formação, graças sobretudo aos
comentários do ofício sinagogal. De acordo com uma tradição judaica, só por
volta de 63 d.C. é que o sumo sacerdote decidiu criar em cada aldeia uma escola
gratuita para todos os meninos a partir de 6 ou 7 anos; mas alguns fazem a
instituição do ensino público remontar a 130 a.C, embora sua finalidade não
fosse outra senão preparar leitores para a sinagoga.6
Nestas escolas, são as Escrituras que formam a base do
ensino: O mestre e os alunos as repetem, o mestre as comenta, para que os
alunos acabem decorando-as. Utilizam-se os processos mnemotécnicos da época,
dos quais os evangelhos nos oferecem muitos exemplos: paralelismo, antítese,
assonância. É lendo o texto bíblico que se aprende tudo: o cálculo é ensinado
quando se fala da duração da vida dos patriarcas; a geografia, a propósito das
guerras de Israel, as ciências a partir deste milagre ou daquele fenômeno. A
Bíblia é o livro completo que permite integrar tudo e é inútil ir procurar algo
fora dela, dizem os rabinos do séc. II da nossa era.
O ENSINO SUPERIOR
Como em todos os países do mundo, é o ensino superior que primeiro
se organiza. Bem antes da época de Cristo, cada sábio (ou rabino) preocupava-se
com formar discípulos e futuros escribas que pudessem exercer seu ofício nos
tribunais e nas sinagogas. Hilel tinha cerca de 80. Dentro do movimento dos
escribas de afinidade farisaica, havia duas correntes: uma mais rigorista, a
outra mais laxista em matéria de pureza ritual; na escola de Shamai, exigia-se
um ano de estágio para conhecer essas prescrições rituais, ao passo que na de
Hilel contentava-se com 30 dias.
Não temos informações sobre a escolarização antes da ruína do
segundo Templo (70 d.C). Todavia, a preparação de pessoas capazes de fazerem a
leitura e a homilia na sinagoga era certamente uma preocupação. Após o séc. II
da nossa era, as informações existem.
Seriam antigas algumas
delas? Demos alguns exemplos. Certas famílias se organizam em grupos de cinco
ou seis e contratam um professor para seus filhos. Cria-se no lugar principal
da região uma espécie de escola secundária, que são obrigados moralmente a
freqüentar todos os jovens de 16 a 18 anos. Mas isso cria problemas, pois o
horário escolar vai do nascer ao pôr-do-sol: é preciso fazer a caminhada todo
dia ou pagar pensão. Por outro lado, esses jovens de 16 a 18 anos nem sempre
são muito dóceis: o Talmud nos diz que "quando o mestre tinha de se
queixar de um dos seus alunos, este ficava revoltado e abandonava a
escola". Essa iniciativa esquecia sobretudo que os jovens desta idade
estão normalmente inseridos totalmente no mundo do trabalho e que, a não ser
que tivessem uma fé profunda ou fortuna familiar que permitisse sustentá-los,
tinham que pensar primeiro na sua alimentação. Praticamente, portanto, só os
filhos de famílias abastadas é que podiam receber tal ensino, embora os líderes
de Israel tenham tido sempre o cuidado de oferecer a mais ampla educação a
todos, inclusive ao pobre e ao órfão. Foi isso que levou à criação de escolas
gratuitas para todas as crianças a partir de seis anos, em todas as aldeias.
O ensino superior tem como centro a discussão e a argumentação entre
estudantes a propósito desta ou daquela interpretação de um texto bíblico. O
estudo do grego, a língua internacional da época, é aceito até o séc. II da
nossa era (as traduções gregas das Escrituras, denominadas de Áquila e de
Teodocião foram feitas em ambiente judeu, após o ano 70). Depois, será
malvisto; segundo os escribas, já não tem mais sentido ensinar a filosofia
grega, que perverte os homens; quanto à língua grega, dizem eles: "Podes
estudá-la, se encontrares um tempo que não seja nem o dia nem a noite". No
que diz respeito ao mestre, quase sempre um escriba, já que ele difunde a
Palavra de Deus, deve ser honrado pelos alunos à imagem de Deus, primeiro
doador da Lei; os pais passam para o segundo lugar depois dele.
FONTE: CADERNOS BÍBÇLICOS
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