OS ESCRIBAS
Pouco numerosos, mas tendo um peso social considerável, os
escribas poderiam ser colocados após os anciãos. Mas dado que eles se recrutam
tanto entre os anciãos ou sacerdotes, quanto entre os diaristas, escapam a uma
classificação social precisa. Na maioria são leigos.
Esses escribas são essencialmente os especialistas da Lei. Enquanto
se pede sobretudo do sacerdote que ofereça os sacrifícios ao Senhor
(poder-se-ia dizer, que seja um bom açougueiro no Templo), do escriba se exige
que explique e atualize a Lei em função dos tempos novos e dos problemas
concretos que se põem; dele se espera também que seja um guia espiritual, para
interiorizar cada vez mais a fé em Deus ou para tentar viver sempre melhor segundo
sua vontade. O escriba é reconhecido como um filho espiritual ao mesmo tempo
que um sucessor dos antigos profetas que Deus já não envia: existe a convicção
de que o tempo dos profetas terminou, até que venha o Profeta messiânico dos
últimos tempos. (O título de profeta atribuído a João Batista ou a Jesus
significa, pois, para os judeus do séc. I, que se entrou na era messiânica).
O conhecimento das Escrituras e a competência jurídica fazem
dos escribas personagens indispensáveis nos diferentes conselhos e tribunais:
sem eles seria impossível resolver com eqüidade os casos difíceis. É aliás por
causa desta competência e também das circunstâncias políticas (ver p. 79) que
eles são numerosos no Sinédrio, no séc. I. Suas pesquisas, apoiadas numa fé
profunda animando toda uma vida moral, colocam-nos antes do lado dos fariseus,
que se sentem felizes por encontrar neles pessoas seguras sob o ponto de vista
da doutrina. Há, portanto, relações estreitas entre esses dois grupos, mas não
se deve identificá-los: há escribas Saduceus e outros, independentes. Depois
de entrarem para o Sinédrio, é do alto deste lugar que vão pouco a pouco impor
suas concepções, inclusive no plano litúrgico, a todo Israel, e até mesmo aos
Saduceus.
Nesta sociedade judaica, em que todo o edifício social parece
estático, determinado pelo nascimento (sacerdote ou não, judeu puro ou
bastardo, família rica ou pobre), os escribas são a prova de que uma promoção
social é possível: Hilel começara como mendigo, antes de se tornar um dos personagens
mais célebres de Israel; outros são de raça mestiça: isso não os impede de
seguir uma carreira prestigiosa e de se impor até mesmo aos reis. Doravante, as
qualidades pessoais valem tanto quanto a herança e às vezes mais que ela.
Os escribas fariseus irão ainda mais longe: esforçando-se por
estender a todo o povo as regras de pureza que eram primitivamente reservadas
aos sacerdotes em exercício, suscitam uma grande esperança nas massas: também
elas podem estar próximas de Deus e portanto ter o poder ou parte dele.3 Insistindo na relação interior com Deus e numa
vida em conformidade com a fé, mais que no culto propriamente dito, os escribas
preparam Israel sobretudo para o desaparecimento do Templo e do sacerdócio.
Após a catástrofe de 70 d.C, eles se tornam muito naturalmente os chefes do
povo eleito e o sacerdócio cede o lugar ao rabinismo. Todo esse movimento
começa a acontecer e sua fecundidade se exerce desde a época evangélica.
Mas para ser escriba não basta querer: são necessários longos
estudos, um conhecimento perfeito da Lei e de todas as tradições orais, algumas
das quais são esotéricas, reservadas a alguns estudantes seguros; é preciso
também um juízo reto, reconhecido pelos outros escribas. Talvez já seja
necessária uma "ordenação"? Ela é obrigatória no séc. II e é conferida
aos 40 anos. Quando alguém se torna oficialmente escriba ou doutor
da Lei, passa a ter direito de usar uma veste especial, sinal da dignidade
adquirida; goza da presidência em quase todas as assembléias e das saudações
respeitosas de todos: quando um escriba passa na rua, é normal que as pessoas
parem de trabalhar e se voltem para cumprimentá-lo!
Assim o escriba é honrado tanto quanto o sumo sacerdote, quando
não mais que ele . . . mas seus honorários não são os mesmos! Pois, assim como
Deus concedeu sua Lei gratuitamente aos filhos de Israel, assim também o
escriba deve oferecer gratuitamente seu ensino e seus conselhos. No entanto,
ele precisa viver: é-lhe dada, portanto uma retribuição igual à que teria ganho
exercendo sua profissão habitual, durante aquele período de tempo em que se
utilizou dos seus serviços. Como em geral sua profissão é humilde, os
honorários também o são, mas isso não exclui os pequenos presentes que acabam
obtendo para os escribas famosos ou idosos um certo status.
FONTE: CADERNOS BÍBÇLICOS
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