Após um reforçado desjejum, que inclui ovos, pão, leite,
frutas e até pepinos crus, todos ajudam
a colocar o equipamento nas vans (conhecidas em árabe como cheruts) que os levarão ao campo de trabalho. Há muito para ser
carregado e nada pode ficar para trás. Trenas, lápis, sacos plásticos, picaretas,
pás e etiquetas são alguns dos muitos instrumentos utilizados. Tudo é
rapidamente colocado nos veículos, que logo saem levando o grupo para as
atividades no sítio arqueológico. E assim que começa um típico dia de escavações
no Oriente Médio.
O trabalho em si é
bastante árduo e não se assemelha em nada àquelas versões cinematográficas
como a Múmia ou o clássico Indiana Jones.
São horas a fio debaixo de uma lona que, além dos bonés e chapéus, é a
única proteção para um sol de 40” C em média nessa época do ano. Mas o que leva
jovens e professores universitários a trocarem uma bela praia no verão pelo
calor desértico do Oriente Médio? A pura (porém, forte) paixão pela história da
civilização.
Para esses descobridores, a aventura arqueológica não
está em achar tesouros perdidos ou lutar contra uma máfia para resgatar o mapa
das minas do rei Salomão. O fascínio do arqueólogo está muitas vezes na
descoberta de um pequeno tablete de argila cujas poucas inscrições podem conter
a chave para o entendimento de algum ponto misterioso do passado. Até mesmo
uns poucos cacos de cerâmica espalhados pela terra podem revelar muitas
verdades acerca da história da humanidade.
DESCOBERTAS
— Para um especialista em ciências bíblicas ou um leigo que se devota a estudar
e amar as Escrituras Sagradas, o fascínio pela arqueologia do antigo Oriente
Médio é justificado pelo fato de que foi nessa parte do mundo que ocorreu a
maioria dos eventos narrados desde o Gênesis até o Apocalipse. Esse limite
geográfico contempla países como Egito, Líbano, Síria, Jordânia, Turquia,
Iraque e Israel, entre outros.
Esses territórios, como se sabe, são um verdadeiro barril de pólvora
envolto em conflitos armados e intervenção internacional. A recente guerra no
Iraque destruiu, talvez para sempre, relíquias que jamais serão repostas. Nem o
Museu Nacional de
Bagdá
escapou da destruição causada pelos saques. Evidentemente, tal situação
dificulta bastante o trabalho e até impede o avanço de algumas pesquisas de
campo. Porém, mesmo enfrentando barreiras, a arqueologia tem se desenvolvido
tremendamente nos últimos 200 anos. As últimas descobertas vieram como um
prêmio aos que, a despeito das dificuldades, insistem em desenterrar a
história contada na Bíblia. Confira algumas delas:
• Os ossuárjos
de Caifás e Tiago. Segundo o costume dos dias de Cristo, após a morte de
um individuo, seu corpo era enfaixado e posto numa gruta, onde permanecia por
vários anos em putrefação. Depois desse período, as leis de purificação
judaicas exigiam que os ossos fossem retirados e, somente então, “sepultados”
em caixas de pedra (ossuários), que eram devidamente depositados em vãos
dispostos nas paredes dos túmulos familiares. Por mais estranho que pareça, o
indivíduo só era sepultado anos depois de sua morte. Cada caixa poderia conter
uma ou mais ossadas. No seu exterior escrevia-se o nome de quem estava
depositado ali. Vários desses ossuários já foram encontrados. Porem, dois
deles merecem destaque por sua relação direta com o Novo Testamento.
O primeiro foi
descoberto em novembro de 1990 e trazia os ossos de um homem de aproximadamente
60 anos, cujo apelido e nome completo estavam escritos por fora em aramaico.
Seu apelido era “Qafa” e seu nome completo era “Yosef bar Qayafas”, ou, em
português, “Caifás” e “José filho de Caifás”. Trata-se de uma referência clara
ao sumo sacerdote que participou no julgamento de Jesus. A Bíblia não fala
que ele se chamava José, mas Flávio Josefo, historiador judeu do 1o.
século d.C., confirma que esse era seu primeiro nome. Caifás era o sobrenome de
família.
O segundo ossuário,
de acordo com as indicações de Hershel Sahnks, editor da Biblical Arqueological Review, foi adquirido por volta de 1980 num
mercado de antiguidades de Israel. Todavia, somente agora foi trazido a
público, graças à perita observação de André Lamaire, um especialista em
inscrições antigas. Sua atenção foi chamada para o fato de que o nome do
indivíduo sepultado (cujos ossos não se encontram mais na caixa) trazia urna
inovação em relação aos exemplares até então encontrados.
E
que todos os anteriores geralmente continham o nome do morto e, nalguns casos,
sua filiação paterna ou sobrenome, como no caso de “José filho de Caifás”.
Esse ossuário acrescentava algo ao nome do falecido, que era Tiago. O texto
escrito em araniaico do 1o. século diz:
“Tiago, filho de José, irmão de Jesus”. Muitos especialistas
se mostram reticentes em considerar esse Tiago e esse Jesus os mesmos personagens
citados na Bíblia (o que faria do achado a mais antiga referência extrabíblica
ao Salvador), O próprio Lamaire estima que haveria pelo menos 20 Tiagos filhos
de José dentre a população de 80 mil pessoas que havia em Jerusalém. Em toda a
Palestina, esse número seria ainda maior, pois ambos os nomes eram muito comuns
naquele tempo. Contudo, ele mesmo admite que a referência “irmão de Jesus” é,
no mínimo, intrigante. As coincidências começam a se afunilar demais quando se
trata de um Tiago, filho de José e irmão de Jesus. Quais as possibilidades
matemáticas de encontrar duas pessoas com essas mesmas características numa
pequena aldeia de Israel? Além disso, é historicamente insustentável que o
nome de um irmão configure num ossuário ao lado do nome do pai, a menos que o
irmão seja muito famoso ao ponto de inovar a tradição corrente.
“O ossuário é original; e a primeira parte da inscrição,
‘Tiago, filho de José’, é autêntica; mas a segunda metade da inscrição, ‘irmão
de Jesus’, é uma imitação pobremente executada”, avalia Rochelle Altman,
especialista em escritas antigas baseadas na fonética. Robert Eisenman, autor
de um livro sobre Tiago e professor de arqueologia e religiões do Oriente
Médio, acha que a caixa é perfeita demais para ser original.
Seja como for, esse achado, infelizmente danificado
durante uma viagem para a América do Norte, ainda promete muita discussão nos
círculos acadêmicos. Pelo menos dois livros dicutindo as implicações da
descoberta já foram lançados nos Estados Unidos.
• A inscrição de Joás. Escrita em paleohebraico, essa
placa de pedra retangular apresenta uma referência de 10 a 15 linhas aos
reparos do Templo de Salomão. Se a peça, que ainda está sendo estudada pelos arqueólogos,
se mostrar autêntica, ela será a mais forte evidência extrabíblica a confirmar
algumas porções do Antigo Testamento, especialmente do livro de 2o.
Reis.
Segundo o rabino Yaakov Meidan, especialista do Gush Etzion
Institute, o texto hebraico da pedra possui uma forma fenícia de escrita que
apontaria sua data de produção para algo em torno do 9o. século
a.C. Detalhes da inscrição parecem referir-se aos reparos do templo feitos
durante o reinado de Joás, que governou a Judéia de 836 a 798 a.C. Um fato que
chamou a atenção nos exames preliminares foi a presença de salpicos de ouro
fundido na superfície de pedra, os quais
poderiam ter sido causados por um incêndio como o que destruiu o templo em 586
a.C.
Não se tem ao certo o histórico de onde essa pedra foi
escavada, o que aumenta a suspeita de fraude. Por outro lado, há sérias
evidências de sua autenticidade, e
muitos especialistas acreditam poder se tratar de um grandioso achado da
arqueologia. O grande problema, no caso
específico dessa inscrição, é que ela esbarra num problema político do Oriente
Médio. Há séculos judeus e palestinos disputam o território de Jerusaçém e
especificamente o chamado “Monte do Templo”, que, desdeo ano 691, abriga (no
lugar do antigo templo judeu) o segundo maior edifício de oração islâmico do
mundo, a Mesquita Al-Aksa. Nas proximidades, fica o Muro Ocidental ou das
Lamentações, o locar mais sagrado do judaísmo, pois pois é único remanescente
do segundo templo ou Templo de Zorobabel, que foi destruído pelos romanos no
ano 70 dc.
Os palestinos (apoiados por todos os grupos árabes do
Oriente) negam que aquele tenha sido o lugar autêntico do antigo Templo de
Salomão, por isso faria deles os invasores de um local sagrado mais antigo que
sua mesquita. Assim, as implicações políticas dessa evidência seriam bastante
complexas, especialmente no tenso cenário que envolve Israel e o mundo árabe.
• O tijolo de Babilônia. Bem longe do conflito e
das tensões do Oriente Médio, um importante achado teve sua história
localizada aqui mesmo no Brasil. Trata-se de um tijolo babilônico com
inscrições cuneiformes que confirmam a existência de Nabucodonosor, rei de
Babilônia, o qual é diversas vezes cidado na Bíblia, especialmente no livro de
Daniel.
Até meados de 1890, Nabucodonosor e até a própria cidade
de Babilônia tinham sua existência negada por uma série de especialistas
céticos. O livro de Daniel, nesse contexto, seria apenas uma novela judaica
produzida no 2o. século a.C. Nada de seu enredo seria de fato uma
história real. Essa conclusão, no entanto, tornou-se sem sentido quando
Babilônia foi finalmente desenterrada pela pá dos arqueólogos. Os alicerces e
artefatos que surgiam testemunhavam claramente da suntuosidade do que havia
sido aquele vasto reino. Em centenas de tijolos com escrita cuneiforme, o nome
do principal rei e edificador da grande cidade aparecia com tremendo destaque,
dizendo: “Eu sou Nabucodonosor, rei de Babilônia; eu ergui este edifício”.
Tijolos contendo essa sentença e outras similares, podem
ser vistos nos principais museus de arqueologia do mundo e um desses tijolos
está hoje no Brasil em permanente exposição no Museu Paulo Bork de arqueologia
que pertence ao Centro Universitário Adventista (Unasp), em Engenheiro Coelho,
interior de São Paulo.
A aquisição do artefato foi, no mínimo, curiosa. Um
brasileiro que trabalhou no Iraque por muitos anos trouxe a pedra das ruínas
como lembrança dada por um soldado iraquiano. Depois de algum tempo, supôs que
a mesma estaria melhor nas mãos de seu amigo Paulo Barbosa, que ex-professor do
ensino médio numa rede particular de Vitória, ES. A partir de então, Barbosa
passou a utilizar o objeto como ilustração em aulas de religião e história.
O tijolo possuia
símbolos antigos dispostos em três linhas paralelas muito bem desenhadas que
continham uma inscrição do 6o. século a.C. Porém, não se sabia o
significado do conteúdo, situação que perdurou por quase vinte anos, até à
aposentadoria de Barbosa.
Mudando-se para a vizinhança do Unasp, Barbosa teve a oportunidade de
apresentar o objeto a um dos curadores do museu arqueológico, que, utilizando
dicionários e léxicos especializados, traduziu o texto e encontrou claramente a
expressão “Eu sou Nabucodonosor, rei de Babilônia”. Confirmada a autenticidade
do artefato, Barbosa resolveu doá-lo ao museu, onde pode ser visto ao lado de
vários outros objetos que fazem parte da única coleção pública de arqueologia
bíblica da América do Sul.
Apesar de todas as dificuldades, o trabalho dos
arqueólogos não pode parar. E a cada ano, especialmente no verão, as equipes
partem para novas expedições, na esperança de que da terra saia outra novidade
acerca de um passado que diz muito sobre quem somos e para onde caminha a
humanidade.
Sinais
dos Tempos Julho-Agosto de 2003
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