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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A RESISTÊNCIA JUDAICA NO PRIMEIRO SÉCULO





O poder imperial romano esforçou-se para reconhecer a especificidade dos judeus e concedeu-lhes privilégios conformes com suas tra­dições. Mas eles recusaram deixar-se assimilar e, depois de várias re­voltas políticas, desapareceram enquanto Estado, mas continuaram a viver, até nossos dias, na qualidade de povo religioso.
Oposição à civilização greco-romana
No domínio religioso, o judaísmo tardio apresenta-se como ba­seado no monoteísmo e na Torá (a Lei). Ao contrário, o mundo greco-romano, pagão e politeísta, não conhece a noção de verdade exclusiva. As cidades podem ter um deus protetor — a divindade local — os indiví­duos podem ter uma devoção particular, sem com isso negar a exis­tência de outros deuses, os dos vizinhos, dos estrangeiros ou dos ini­migos. Além disso, o culto que se presta ao imperador é totalmente chocante para os judeus. Essa devoção, muito impropriamente chama­da culto imperial (seria mais exato falar de cultos ao imperador) tem sua origem longínqua no culto dos heróis desenvolvido na Grécia e na mística do chefe que foi moda na época helenística.
No mundo romano, deve-se distinguir entre o culto dirigido ao imperador vivo e o que se lhe presta após a morte. A partir de 27 a.C. algumas cidades da Ásia Menor pediram a Augusto a autorização para lhe prestarem honras divinas, construindo um templo e organizando jogos para festejar seu aniversário. Em breve foram feitos outros pedi­dos análogos, encorajados pelo poder. No Ocidente, as cidades das Gálias se reunirão no dia 1º de agosto de cada ano, em torno do altar de Roma e de Augusto edificado em Lião:1 um altar análogo vai existir em Narbona e um outro em Tarragona. A finalidade é dar graças ao imperador, orar pela sua saúde e pedir aos deuses que guardem o so­berano sob sua proteção. Esse culto, ato cívico e religioso, não é exclusivo de outros cultos. Um fiel de Mitra, por exemplo, ou um devoto de Ísis não verão  contradição alguma  entre sua  piedade  pessoal  e essa piedade pública. Além disso, esse culto só envolve as persona­gens oficiais ou as associações que desejam honrar o imperador; um simples súdito do império não tem habitualmente ocasião de manifes­tar sua aprovação ou sua desaprovação a esse respeito.2
O culto dos imperadores falecidos não se dirige senão àqueles dentre eles que foram beneficiados com a apoteose: a decisão é toma­da pelo Senado que faz assim uma espécie de juízo sobre a atuação do soberano defunto; Augusto e Cláudio foram proclamados divus (deus), mas a memória de Calígula foi definitivamente condenada (é a damnatio memoriae). No caso de certos imperadores, não há decisão alguma, nem num sentido nem no outro (é o caso de Tibério).
A etnarquia dos judeus não está obrigada a esse culto: o sumo sacerdote é autorizado a orar "pelo imperador" em vez de invocar dire­tamente sua pessoa. Calígula quase provocou uma revolta querendo mandar erigir sua estátua no Templo de Jerusalém; sua morte permiti­rá não executar o projeto

Vê-se, por conseguinte, que no nível jurídico, Roma procurou não melindrar os judeus na sua sensibilidade religiosa.
O antagonismo entre o judaísmo e a civilização greco-romana faz-se sentir muito mais no nível dos valores culturais e da arte de vi­ver. Essa civilização cosmopolita supõe, efetivamente, certo número de valores estranhos ao judaísmo ortodoxo, como por exemplo o des­prezo do trabalho manual, o gosto pelos espetáculos, a assiduidade ao ginásio ou o costume dos banhos públicos. O teatro perdeu então suas ligações religiosas com o deus Dionísio, mas passa facilmente, aos olhos dos judeus, como uma manifestação de deboche, tanto mais que as tragédias colocam em cena as paixões desencadeadas dos homens e dos deuses; as comédias ou pantomimas, de inspiração popular, tra­tam de temas pelo menos licenciosos. Acontece o mesmo com os es­petáculos do anfiteatro que apresentam combates de gladiadores ou de homens com feras. O ginásio, aparentemente mais inocente, é tam­bém objeto de escândalo: a idéia que têm os gregos da beleza do cor­po humano é desconhecida dos judeus, para quem a nudez não pode ser senão algo infamante. Assim também a arte grega, em particular a estatuária, não desperta interesse nos judeus. Uma passagem de Flávio Josefo evoca bem essas repugnâncias: Parecia uma impiedade tre­menda entregar homens às feras para o prazer dos espectadores, e trocar os costumes estabelecidos por práticas estrangeiras parecia uma impiedade maior ainda. Mais que todo o resto, porém, eram os troféus que os afligiam, pois, julgando que se tratava de estátuas reco­bertas de armas — o que ia contra os costumes nacionais do culto — eles ficavam grandemente irados . . . Herodes, vendo a que ponto es­tavam incomodados, convocou os mais importantes dentre eles e, conduzindo-os ao teatro, mostrou-lhes os troféus e perguntou-lhes apenas o que pensavam que fossem aquelas coisas. Quando gritaram: "imagens humanas", ele ordenou que se retirassem os ornamentos que os cobriam e mostrou ao povo a madeira nua (Antiguidades Judai­cas XV, 274-279).
Essa oposição é tanto mais radical quanto os judeus não estão perfeitamente unidos a esse respeito: alguns vêem com bastante sim­patia o bem-estar que a civilização romana oferece, ao passo que ou­tros nela só vêem uma impiedade maior. Mais precisamente, os fari­seus e os judeus ortodoxos em geral consideram que qualquer contato com um estrangeiro provoca uma impureza ritual da qual é preciso se purificar: Não entraram no pretório — escreve João a propósito do pro­cesso de Jesus — para não se contaminarem e poderem comer a pás­coa (Jo 18,28).
Existe também uma oposição mais diretamente política: há ju­deus que anseiam pela independência e querem sacudir o jugo roma­no. Ligando solução política e esperança religiosa, vêem a salvação de Israel na criação de um estado teocrático e são propugnadores duma ação direta contra o ocupante: É permitido pagar o tributo a César? pergunta-se a Jesus (Mc 12,13-17).

As insurreições esporádicas
Essas reticências e essas oposições explicam por que o mundo judaico não gozou, na época romana, senão de momentos de paz rela­tiva. Certos textos nos permitem adivinhar diversas tentativas de insur­reição. Vieram algumas pessoas — escreve Lucas — que lhe contaram (a Jesus) o que acontecera com os galileus, cujo sangue Pilatos havia misturado com o das suas vítimas (Lc 13,1) e Flávio Josefo nos infor­ma que Pilatos foi cruel na repressão das revoltas em Jerusalém e na Samaria (Antiguidades Judaicas XVIII, 62 e 87). Os Atos dos Apósto­los fazem alusão a movimentos messiânicos, um dirigido por um certo Teudas, um outro por Judas, o Galileu (At 5,36-37); fala-se também dum egípcio que arrastara quatro mil sicários ao deserto (At 21,37).
Conhece-se melhor, graças aos relatos de Flávio Josefo e de Fílon, a revolta que agitou Alexandria sob o reinado de Calígula. Dentre os cinco bairros da cidade, um era reservado aos judeus. O prefeito do Egito, Flaco, tomou o partido do grupo nacionalista grego, deixou que insultassem, sem tomar atitude, o rei Agripa I que estava de passagem pela cidade. Seguiu-se um motim e uma verdadeira perseguição con­tra os judeus, que tiveram de se entrincheirar no seu bairro como num verdadeiro gueto. Delegações e mais delegações são enviadas a Roma pelos dois partidos. Depois de muitas peripécias, o novo imperador Cláudio consegue acalmar a situação, sem dúvida em março de 41, por meio de um edito que é confirmado por carta enviada aos alexan­drinos e publicada em novembro do mesmo ano. Essa carta pacificadora recomendava às duas comunidades que vivessem na concórdia e confirmava os privilégios dos judeus.
Na mesma época aparece um começo de revolta na Palestina. É que Calígula decidira mandar erigir, no Templo de Jerusalém, uma es­tátua de Zeus representado sob suas próprias feições. Encarregara P. Petrônio, então legado propretor da Síria, de providenciar a confecção da estátua e sua colocação no lugar. Compreendendo que se tratava duma decisão inoportuna, parece que Petrônio quis que as obras de­morassem o mais possível: manda que comecem a estátua em Sidônia, depois convoca a Antioquia os principais líderes judeus para co­municar-lhes os desejos do imperador e exortá-los a convencer seus correligionários a aceitá-los calmamente. A recusa previsível dos che­fes é confirmada por manifestação em Ptolemaida e Tiberíades. Ao mesmo tempo, Petrônio escreve a Calígula que os trabalhos estão atrasados e que os judeus correm o risco de negligenciar os trabalhos agrícolas no momento da colheita para manifestarem sua oposição. Calígula não se deixa convencer e responde a Petrônio que se apresse. Nesse ínterim, Agripa I, de volta a Roma, aconselha a Calígula seguir a conduta dos seus predecessores, respeitando a especificidade religio­sa do judaísmo. Calígula teria então escrito a Petrônio que suspendes­se as obras, explicando que ele decidira mandar fazer uma estátua em Roma e levá-la consigo na viagem que pretendia fazer ao Oriente, a fim de instalá-la ele próprio em Jerusalém sem avisar antes a popula­ção. A provocação foi evitada pelo assassinato de Calígula, no dia 24 de janeiro de 41.

A revolta de 66-70 d.C.
A grande revolta que irrompe no fim do reinado de Nero marca o declínio do judaísmo palestinense, mas demonstra igualmente as divi­sões latentes dos judeus.
Tudo começa por um acontecimento aparentemente sem impor­tância: o procurador Floro retirou 17 talentos do tesouro do Templo; para zombar dele, os habitantes de Jerusalém saíram às ruas com ces­tas, fingindo fazer uma coleta para atender às necessidades do procu­rador. Esse, como se pode imaginar, não gostou deste gênero de hu­mor e, sem levar em conta as tentativas de mediação dos nobres, nem sequer a petição de Berenice,3 mandou prender e executar alguns res­ponsáveis. O incidente poderia ter acabado aí, se a escolta do procura­dor não tivesse sido atacada no momento em que ela deixava Jerusa­lém. O motim, como sempre acontece em tais casos, começara na confusão, sem que se soubesse como fora desencadeado. Travou-se uma batalha extremamente violenta na rua, e Floro teve que fugir para Cesaréia. Agripa II voltou às pressas de Alexandria, para exortar seus compatriotas à moderação. Mas os rebeldes contentaram-se com res­ponder que queriam permanecer súditos do imperador, mas não de Floro e entrincheiraram-se na fortaleza de Masada. Eleazar, filho do sumo sacerdote Ananias, precipitou então os fatos de modo irreversí­vel mandando suspender o sacrifício quotidiano em honra do impera­dor, o que constituía um ato de franca rebelião. Essa iniciativa corres­pondia às aspirações da massa, pois as tentativas de apaziguamento feitas pelos sacerdotes e pelos fariseus ficaram sem efeito.



Josefo, líder guerreiro

A conduta de Josefo foi muito ambígua. Defendeu com va­lentia a cidade de Jotapata. Quando Tito tomou a cidade, Josefo conseguiu se esconder numa gruta onde já se achavam uns qua­renta nobres. Tendo descoberto seu esconderijo, os romanos pro­meteram-lhe preservar-lhe a vida se ele se entregasse: ele o teria feito se seus companheiros não tivessem protestado e proposto um suicídio coletivo: "Já que decidimos morrer, vamos definir pela sorte a ordem da matança: aquele que tiver tirado o primeiro número caia sob os golpes daquele que houver tirado o número seguinte". Josefo — é preciso dizer se foi por acaso ou por provi­dência divina? — ficou por último com um outro. . . ao qual sem dificuldade convenceu a se entregar! (Guerra Judaica III, 387-388). Conduzido perante Vespasiano, muito habilmente se apresentou como profeta e prometeu-lhe que em breve seria pro­clamado imperador. Quando isso se realizou, Vespasiano liber­tou-o, em julho de 69. Josefo acompanhou Tito no assédio de Je­rusalém e serviu-lhe de intérprete, o que lhe valeu o ódio dos seus correligionários. Viveu depois em Roma, onde recebeu a cidada­nia romana com o nome de Flavius, beneficiando-se duma pen­são imperial.


Daí em diante, a situação evoluiu muito depressa. O partido que buscava a conciliação, recrutado entre os fariseus e certos sacerdotes, apoiado por algumas tropas enviadas por Herodes Agripa II, foi logo suplantado e expulso da cidade, enquanto que os rebeldes incendia­vam o palácio de Herodes, a habitação do sumo sacerdote e ocupa­vam a fortaleza Antônia. Encurralada, a coorte romana encontrou refú­gio nas três torres herodianas. Ananias, o sumo sacerdote, foi assassi­nado. A revolta se estendeu depressa às outras cidades da Palestina e até mesmo a Alexandria. O legado da Síria, Céstio Galo, interveio então com a XIIª Legião, um batalhão de dois mil homens recrutado no meio de outras legiões, além de auxiliares fornecidos pelos reis aliados (en­tre os quais Agripa II) e veio acampar no monte Scopus, ao norte do monte das Oliveiras. Compreendendo bem depressa que não tinha for­ças suficientes, nem estava bastante equipado para atacar Jerusalém, tentou uma retirada que, em consequência duma emboscada, termi­nou em debandada (outubro de 66).
Desde então, os insurretos, seguidos pela imensa maioria da po­pulação, se organizam: o país é dividido em distritos militares, à frente dos quais uma assembléia coloca chefes. Dentro desse esquema, Flávio Josefo é encarregado de organizar a resistência na Galiléia.
Na primavera de 67, Nero confia a direção da guerra a Vespasia­no. Este dispõe de três legiões da Síria e duma quarta recrutada entre as forças estacionadas no Egito. O novo legado concebe um plano de guerra simples e eficaz, que consiste em avançar progressivamente a partir da Síria sem deixar focos de resistência atrás de si. Começa, pois, atacando a Galiléia; as terras baixas são logo abandonadas e o exército de Flávio Josefo, apavorado com a perspectiva de uma bata­lha campal, refugia-se em Jotapata; Vespasiano toma a cidade após um assédio de dois meses. Depois apodera-se facilmente de Tiberíades, de Gamala na Gaulanítide e do monte Tabor, e volta para passar o inverno em Cesaréia.
Durante esse tempo, a situação em Jerusalém se degradava: os chefes da resistência encontravam uma viva oposição da parte dos zelotas que os suspeitavam de conluio com os romanos. Esses extremis­tas, que Josefo chama de sicários (nome derivado da sua curta espa­da: sica) eram dirigidos por João de Giscala. Este, no começo da guer­ra, fizera violenta oposição a Josefo que ele julgava, com razão talvez, demasiado frouxo e tentara mandar assassiná-lo. Tinha conseguido fugir da cidade de Giscala (no norte da Galiléia) pouco antes da sua que­da, e refugiara-se em Jerusalém. Tendo mandado chamar soldados idumeus para reforçar suas tropas, João mandara matar alguns chefes da resistência e assim se tornara todo-poderoso em Jerusalém. Foi neste momento que a comunidade cristã teria deixado Jerusalém para se refugiar em Pela (a leste do Jordão).
Vespasiano se aproveita dessa verdadeira guerra civil para subme­ter os territórios em torno de Jerusalém. Em março de 68, subjuga toda a Peréia, depois conquista facilmente Antipátrida, Lida, Jâmnia, Nablus e Jericó. Em junho pode começar os preparativos para atacar Jerusalém e espera que os judeus se enfraqueçam por si mesmos em seus combates estéreis.
Nesse meio tempo, chega a notícia da morte de Nero e da pro­clamação de Galba. Vespasiano envia seu filho Tito, acompanhado de Herodes Agripa II, para cumprimentar o novo imperador. Mas, quando chegam a Corinto, ficam sabendo que Galba acaba de ser assassinado (15 de janeiro de 69) e que a situação é confusa. Então retornam.


Suicídio coletivo em Masada

Antes de os defensores de Masada se matarem mutuamen­te, Eleazar, seu chefe pronunciou um longo discurso referido por Flávio Josefo. Aqui estão algumas passagens dele:
Nós fomos os primeiros de todos a nos revoltar, somos os últimos a portar armas contra os romanos. De qualquer for­ma, creio que foi Deus quem nos concedeu esse favor, de que esteja em nosso poder morrer nobremente e livremente, privilégio recusado a todos os que encontraram uma derrota inesperada. Nossa sorte, ao alvorecer, é uma prisão certa, mas resta a escolha livre duma morte nobre com aqueles que mais amamos. Talvez teria sido nosso dever, desde o começo — quando, tendo escolhi­do afirmar nossa liberdade, suportamos perpetuamente um trata­mento cruel da parte dos outros e mais cruel ainda da parte dos nossos inimigos — talvez teria sido nosso dever, dizia eu, ler o desígnio de Deus e reconhecer que a raça judaica, outrora sua bem-amada, fora julgada para sua perdição . . . Sem sermos re­duzidos à escravidão, morramos como homens livres com nossas mulheres e filhos! Isto nossas leis no-lo ordenam, nossas mulhe­res e filhos o imploram de nós... (Guerra Judaica VII, 325-327; 386-387).

Enquanto prossegue o assédio de Jerusalém, uma conspiração apoiada por Tibério Alexandre, prefeito do Egito, tenta levar Vespasia­no ao poder. Ele é proclamado imperador, dia 1º de julho, em Alexan­dria e dois dias mais tarde na Palestina e na Síria; beneficia-se logo do acordo dos exércitos do Danúbio. Vespasiano se dirige então a Alexan­dria para garantir com mais segurança a posse de uma das mais ricas províncias do império e deixa a direção da guerra a seu filho Tito. Esses acontecimentos explicam por que o avanço romano não continuou du­rante o ano de 69.
Na primavera de 70, Tito termina a concentração de suas tropas em torno de Jerusalém. Nesse momento, a cidade está dividida em três facções: João de Giscala domina o Templo e suas vizinhanças. Si­mão bar Goria está na cidade e Eleazar se entrincheirou no pátio do Templo. Por ocasião da páscoa, Eleazar propõe uma trégua e abre o acesso ao Templo; João aproveita-se disso para assassiná-lo com seus partidários. Pouco depois, Tito ataca as muralhas em três pontos dife­rentes; João e Simão se reconciliam então. Após duros combates, Tito consegue atravessar os três muros de defesa e, ao mesmo tempo, constrói um aterro em torno da cidade inteira para impedir a popula­ção de fugir. Os últimos dias do assédio foram particularmente atrozes e os combatentes, embora reduzidos à penúria, resistiram, bairro por bairro. Quando do assalto final, o Templo foi incendiado e, segundo Josefo, Tito nada pôde fazer para apagar o fogo, tal era o furor dos seus soldados, excitados pelas longas semanas do assédio. João e Si­mão foram feitos prisioneiros e guardados para figurar no triunfo de Ti­to. Esta cerimônia teve lugar em Roma, em 71; além dos cativos, fo­ram levados no cortejo também o candelabro de sete braços (a menorá) e a mesa dos pães da proposição.
Três fortalezas resistiam ainda: Maqueronte, Herodium e Masada. As duas primeiras se renderam com bastante facilidade, mas Masada ofereceu uma resistência obstinada. Os romanos tiveram de construir um aterro para tomar de assalto seus muros mas, quando pe­netraram no interior da fortaleza, só acharam dois sobreviventes: todos os outros se tinham suicidado. Esse último bastião da resistência ju­daica desapareceu, pois, em abril de 72.
Doravante, o Templo quase destruído, estava fechado para os sa­crifícios. O desaparecimento da liturgia sacrificai acarretou o declínio das famílias sacerdotais e a extinção progressiva do partido saduceu. Por outro lado, o culto sinagogal adquiria uma importância exclusiva sob a direção dos doutores da Lei, fariseus, que haviam reconstituído uma escola em Jâmnia, sob a direção do rabi João ben Zakai.
A Judéia tornou-se desde esse momento, ao que parece, uma província em que estacionavam duas legiões. A didracma daí por dian­te entrava para uma caixa imperial especial, o fiscus judaicus.

A revolta de Bar-Kosba
Não se conhecem outras revoltas até a época de Trajano. Sabe-se que houve então combates muito renhidos em Alexandria e em Cirene. Os motins começaram em 115 e degeneraram numa verdadeira guerra, pois em 116 os não-judeus tiveram de deixar Alexandria e hou­ve também combates em Hermópolis e em Mênfis. Em Cirene os ju­deus, chefiados por um "rei" chamado Lucuas ou Andreas, incendia­ram templos e mataram parte da população; Trajano viu-se obrigado, em conseqüência, a enviar três mil homens para repovoar a cidade. Um certo Artemion também sublevou os judeus de Chipre, que devas­taram a cidade de Salamina. Após a conquista de Trajano, os judeus da Mesopotâmia revoltaram-se por sua vez. Depois da repressão, hou­ve ainda alguns movimentos na Palestina no começo do reinado de Trajano, mas foram logo acalmados.
A nova revolta que estoura em 132 na Palestina é, infelizmente pouco conhecida, por falta de documentos realmente explícitos. Os au­tores pagãos não fazem senão breves alusões a ela e Eusébio, na sua História Eclesiástica, quase não fala dela. Contudo, as escavações fei­tas no deserto de Judá, principalmente em Qumrã perto do mar Mor­to, permitiram descobrir objetos que pertenceram aos insurretos bem como trechos da sua correspondência.
São obscuras as causas precisas da rebelião. Pode-se supor que a fermentação das idéias foi exacerbada pela proibição da circuncisão. Com efeito, Adriano revogara a proibição da castração, à qual teria as­semelhado a circuncisão, impondo a pena de morte aos contraventores. Essa disposição geral não atingia apenas os judeus, mas também os Samaritanos, os idumeus, os nabateus e os sacerdotes egípcios. En­tretanto, ela parecia particularmente grave para os judeus ortodoxos, pois equivalia a impedir a sobrevivência do povo eleito. Além disso, desde 130, Adriano havia talvez concebido o projeto de fundar uma colônia romana onde se erguia Jerusalém.
Ignora-se quase tudo das operações militares. Sabe-se que o chefe, Simão Bar-Kosba, dizia-se príncipe de Israel e que fora reconhe­cido como messias pelo rabi Aqibá. Rapidamente se estendeu a revol­ta a todo o país e o novo príncipe mandara cunhar moedas datadas do ano 1 ou 2 (segundo os objetos encontrados) da libertação de Israel. Seja como for, os combates foram particularmente renhidos, pois em 135 a Palestina passava por ter se transformado em deserto. De Jeru­salém só teriam restado algumas casas e a pequena igreja cristã do monte Sião. Adriano fundou uma colônia romana Aelia Capitolina e mandou construir, no local onde estava o Templo, um santuário de Jú­piter Capitolino. Doravante, nenhum judeu podia penetrar na cidade sob pena de morte. Foi somente no tempo de Constantino que foram autorizados a vir venerar os contrafortes do Templo (o muro das la­mentações) uma vez por ano, no dia do aniversário da destruição de Jerusalém.


Um autógrafo

Este bilhete foi escrito e assinado por Bar-Kosba, chefe da segunda revolta. É uma ameaça de prisão dirigida ao chefe do acampamento, se ele continuar a se opor aos galileus, sem dúvi­da refugiados civis instalados nas aldeias do sul da Judéia.
Da parte de Simeão, filho de Kosba, a Josué, filho de Gálgula e ao povo de Ha-Baruc, saudação!
Tomo os céus por testemunha contra mim de que, se algum dos galileus que estão entre vocês for maltratado, acorrentarei os pés de vocês como o fiz a Ben Aful.
Simeão, filho de Kosba, por ele mesmo.
Uma outra carta, escrita por um escriba profissional, mos­tra-nos que a entrega era bem organizada. É exigida de Josué a entrega de uma quantidade considerável de trigo. O transporte por uma caravana de uns trinta jumentos, cuja carga é de 60 qui­los, é garantido pelos enviados de Simeão, que passarão o sába­do na casa de Josué.
Da parte de Simeão a Josué, filho de Gálgula, saudação! Saiba que você deve providenciar o envio de cinco coros de trigo por meio das pessoas da minha casa. Prepare portanto para cada um deles seu lugar de hóspede. Que fiquem na sua casa durante o sábado. Esforce-se para que o coração de cada um esteja satis­feito. Seja corajoso e sustente a coragem das pessoas do lugar. Esteja em paz. E ordenei a todos quantos lhe derem seu trigo: (no dia) após o sábado, que eles o transportem.

(Traduzido segundo a versão de J. T. MILIK)






 FONTE: CADERNOS BÍBÇLICOS 

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