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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A PALESTINA NO IMPÉRIO ROMANO





A Palestina, na época de Cristo, faz parte do império romano. Va­mos ver como os romanos conseguiram se implantar lá, por que meios Herodes chegou a tornar-se rei e qual era a situação política no mo­mento em que pregava Jesus.

Origem dos interesses romanos
na Palestina
A SITUAÇÃO GEOPOLÍTICA
Os primeiros contatos entre Roma e os judeus ocorrem não antes da metade do séc. II a.C. São conseqüência dum jogo político comple­xo no qual a República romana se imiscuiu progressivamente (a partir de 200 a.C. mais ou menos).
Nesta época, o Mediterrâneo oriental está dividido entre as dife­rentes monarquias originadas da conquista de Alexandre: os Lágidas reinam no Egito; os Selêucidas dominam um império que se estende teoricamente da Ásia Menor até o Indo, mas que, com o passar do tempo se encolhe como um couro curtido: é amputado a oeste pelas usurpações, a leste pela independência de fato dos soberanos e pela expansão dos partas. A Macedônia é dirigida pelos Antigônidas que, com desigual sucesso, tentam dominar as cidades da Grécia e as ilhas do Egeu. O pequeno reino de Pérgamo, no extremo oeste da Ásia Menor, é governado pelos Atálidas.
Todos esses reinos formam um mundo dinâmico que espalha por todo o Oriente os valores culturais gregos, dando assim ori­gem à chamada civilização helenística. Se a unidade artística e lin­güística é real, embora muitas vezes superficial, esse universo perma­nece, por outro lado, um conjunto politicamente instável, dilacerado pe­las guerras e as disputas dinásticas, onde a imagem do soberano é in­separável da do chefe guerreiro, com tudo o que isto supõe de coragem física, de aptidão para comandar e, portanto, de gosto pela guerra. Estes reis tiveram o cuidado de aperfeiçoar seu exército, a tal ponto que se pôde falar duma verdadeira corrida armamentista: a infantaria pesada (a falange) é apoiada por uma cavalaria pesada (os catafratários) e por uma cavalaria ligeira, e há também os elefantes. Assim os Antigônidas possuíam uma coudelaria com 300 reprodutores e 30.000 éguas e os Selêucidas tinham uma criação de 500 elefantes.
Nesse contexto agitado, a Palestina tem um lugar privilegiado. Constituindo uma parte daquela que então se chamava a Celessíria (quer dizer a Síria profunda em oposição aos planaltos do norte e às cadeias do Líbano e do Antilíbano), é objeto de permanentes cobiças e motivo de conflitos que opõem Lágidas e Selêucidas. Outrora parte integrante da 5ª satrapia persa (a Transeufratena), caiu em poder dos Lágidas após a conquista de Alexandre. Os judeus parece que se aco­modaram bem com esta hegemonia afinal pouco importuna. Mas em 200 (ou 1 98) a.C. Ptolomeu V é vencido por Antíoco III na batalha de Panion: a Palestina passa então para o domínio soberano selêucida.O novo senhor dos judeus usa de diplomacia para com eles; Antíoco III aliás tem outras preocupações: está em guerra com Roma. Derrotado em 189, deve, conforme os termos do tratado de Apaméia, pagar uma indenização muito pesada que vai sobrecarregar por muito tempo as finanças do reino. Seu sucessor, Antíoco IV Epífanes, desejoso de lutar contra as forças centrífugas que minam seu império e de reatar os la­ços com as tradições dos fundadores da dinastia, inicia uma política de helenização autoritária, à qual a Palestina não escapa. Esta tentativa age como um revelador, cindindo os judeus em duas tendências: os filo-helenos (ou pró-gregos) e os ortodoxos; daí nasce a revolta dos Macabeus.
Por esta época, Roma acaba de conquistar a Macedônia (1 67) e põe em ação uma diplomacia que consiste em sustentar os estados mais fracos (por seu tamanho, como Rodes ou Pérgamo, ou pela me­diocridade dos seus soberanos, como o Egito) contra as tentativas imperialistas dos Selêucidas. Com esse objetivo, ela impede Antíoco IV de prosseguir seus avanços no Egito. Por volta de 160, Roma teria até mesmo recebido favoravelmente uma delegação judaica enviada por Judas Macabeu (1 Mc 8). A autenticidade do relato tem sido contesta­da; no entanto, se os senadores receberam tal delegação, eles não chegaram a prometer-lhe qualquer ajuda material, mas contentaram-se com vagas palavras, próprias para entreter as cizânias que os favo­reciam.
Roma não recomeça a intervenção direta no Oriente senão no séc. I a.C. Serviu de pretexto a política expansionista de Mitrídates Eupator, rei do Ponto (na costa norte da Ásia Menor) que se arvora em campeão da liberdade das cidades gregas contra a expansão romana. A primeira e segunda guerras contra Mitrídates terminam com trata­dos de paz. Em 66, Pompeu é investido dum comando extraordinário para combater esse soberano e seu aliado Tigrano da Armênia. Entre­tanto, não contente de seguir as diretrizes do Senado, Pompeu apro­veita-se do estado de composição em que caíra o que restava do reino selêucida (Antíoco XIII, o último soberano, acabava de ser assassina­do) para anexar seu território e criar assim a província da Síria.
As dissensões surgidas entre os príncipes da dinastia asmonéia (os descendentes dos Macabeus) fornecem-lhe um pretexto para inter­vir na Palestina. Em 64, enquanto ele submete a Síria, Hircano II e seu irmão Aristóbulo II, filhos de Alexandre Janeu, disputam entre si o po­der. Pompeu envia um dos seus legados para colher informações no local e, na primavera de 63, recebe três delegações: uma de Aristóbulo, outra de Hircano e a terceira do povo judeu. Avança então sobre Jeru­salém, que Aristóbulo prometera entregar-lhe; um partido de resistên­cia se entrincheira no Templo. Após três meses de assédio, Pompeu se apodera da cidade: os responsáveis são decapitados; um tributo é im­posto a Jerusalém e a seus arredores; a faixa costeira e certas cidades são colocadas sob a autoridade do governador da Síria. Hircano não conserva senão Jerusalém e a Judéia; Aristóbulo e os seus dois filhos, Alexandre e Antígono, são levados cativos para Roma.
A estratégia é simples: para proteger suas possessões da Ásia Menor e da Síria contra os partas, Roma submete à vassalagem mais ou menos diretamente as regiões periféricas, a saber a Armênia, o rei­no judeu e os pequenos principados árabes, como a Ituréia. Esse pro­jeto explica igualmente que Roma tenha dado decretos em favor dos judeus; para garantir a fidelidade de seus novos súditos teve que acei­tar reconhecer seus particularismos.

OS DECRETOS EM FAVOR DOS JUDEUS
Nas suas Antiguidades judaicas, o historiador judeu Flávio Josefo interrompe de repente sua narrativa para nos oferecer o texto das dis­posições tomadas no mundo antigo em favor dos judeus. Trata-se de uns vinte decretos ou parágrafos de decretos promulgados no decurso das guerras civis e mais tarde por Augusto ou seus lugares-tenentes.
De acordo com os costumes legislativos do tempo, tais decretos são circunstanciais e refletem os problemas que se apresentaram, em determinado momento, nesta ou naquela cidade. Esse aspecto particular, porém, não nos deve enganar: esses decretos constituíram as bases do estatuto especial de que se beneficiaram os judeus a partir da sua integração no mundo romano.
De início, César recompensa Hircano II pela ajuda que lhe pres­tou, reconhecendo-o como etnarca e sumo sacerdote dos judeus a título hereditário. Essa decisão constitucional é seguida duma disposi­ção particular: os judeus não serão obrigados a alojar tropas romanas durante o inverno e não estarão sujeitos a taxas por essa isenção. Qua­se ao mesmo tempo, César dá disposições de ordem fiscal que regu­lam a coleta de imposto na Palestina; é uma determinação que ratifica o dom feito a Hircano do norte do país; além disso, legisla sobre a ces­sação da coleta das taxas durante o ano sabático e sobre sua diminui­ção no ano seguinte (cf. p. 31).

Decretos em favor dos judeus

Durante a pritania de Artemon, no primeiro dia do mês de Leneon, Dolabela, Imperador,1 aos magistrados, ao conselho e ao povo de Éfeso, saudação.
Alexandre, filho de Teodósio, embaixador de Hircano, filho de Alexandre, sumo sacerdote e etnarca dos judeus, explicou-me que seus correligionários não podem prestar serviço militar por­que não podem carregar armas nem caminhar em dia de sábado e não podem conseguir os alimentos tradicionais que costumam usar. Portanto, eu, como meus predecessores, concedo-lhes isen­ção do serviço militar e lhes permito seguir os costumes dos seus pais e se reunir para os ritos santos e sagrados segundo as suas leis e fazer suas oferendas para os sacrifícios. . . (Flávio Josefo, Antiguidades judaicas, XIV, 225-227).
César Augusto, pontífice máximo, revestido do poder tribunício, decreta . . . foi decidido por mim e meu conselho, sob ju­ramento, com a aprovação do povo romano, que os judeus pode­rão seguir seus próprios costumes segundo a lei dos seus pais, como o faziam na época de Hircano, sumo sacerdote do Deus altíssimo, e que suas oferendas sagradas serão invioláveis e po­derão ser enviadas a Jerusalém e entregues aos tesoureiros de Jerusalém . . . Se alguém é surpreendido roubando seus livros sa­grados ou suas oferendas sagradas duma sinagoga . . . será con­siderado como sacrílego e a sua propriedade será confiscada em proveito do povo romano. (Flávio Josefo, Antiguidades judaicas, XVI, 162-165).

1 P. Cornélio Dolabela, procônsul da Síria em 43. Esse texto pode ser datado de 24 de janei­ro de 43.


Aparecem a seguir novas disposições que se explicam no contex­to das guerras civis: os judeus serão isentos do serviço militar por cau­sa de seus escrúpulos religiosos, já que esse serviço tornava impossível a observância do sábado e dos interditos alimentares. Parece que isso diz respeito aos judeus cidadãos romanos e portanto suscetíveis de se­rem alistados nas legiões; tal problema não se punha evidentemente no caso de um corpo de auxiliares composto unicamente de judeus.
É interessante notar que a maioria dos decretos imperiais referi­dos por Flávio Josefo são dirigidos a cidades da Ásia Menor: após a morte de César, os republicanos espoliaram de todas as maneiras possíveis essas cidades e os judeus tinham de se queixar das exações que os afligiam como aos gregos. Isto explica que os decretos favorá­veis tenham sido dados por magistrados partidários dos Triúnviros (magistratura de exceção, de caráter constituinte, confiada em 43 pelo Senado a Otávio, Marco Antônio e Lépido) e correspondam à restaura­ção tentada por esses últimos após a derrota dos republicanos em Filipos em 42 a.C.
No início do império, um novo problema se coloca a propósito do pagamento da Didracma. Com efeito, os judeus da Diáspora (quer di­zer os que mofavam fora da Palestina) pagavam um imposto anual de duas dracmas — a didracma — para a reconstrução e a manutenção do Templo; ora, parece que certas comunidades da Ásia Menor e a de Cirene foram impedidas de encaminhar para Jerusalém as somas reco­lhidas. Os textos transmitidos por Flávio Josefo mostram que o impe­rador ou seus lugares-tenentes confirmam aos judeus esse privilégio fiscal. Parece também que algumas cidades da Ásia Menor adotaram por esta época uma regulamentação autorizando os judeus a observa­rem o sábado, a construírem sinagogas onde desejassem e impondo aos mercados que colocassem à venda produtos alimentares,"kasher".
Essa legislação poderia parecer anedótica se não fosse rica de conseqüências: a aceitação dos particularismos conformes com as tra­dições e com as leis ancestrais dos judeus significava o reconhecimen­to de fato de um direito peregrino especial e fundava o estatuto de religio licita que é o do judaísmo; os cristãos dele se beneficiarão enquan­to não se separarem dos judeus: depois disso serão considerados como adeptos duma superstitio. Além disso, ela ratifica um outro para­doxo. Para vincular a si a Palestina propriamente dita, os romanos fo­ram obrigados a reconhecer a autoridade do sumo sacerdote sobre os judeus da Diáspora. Pode-se, pois, encontrar no império judeus que, embora sujeitos ao direito romano, dependem ao mesmo tempo da ju­risdição do sumo sacerdote ou do Sinédrio. Isso explica certos aspec­tos do processo de Paulo que é passível de um julgamento pelo Siné­drio, porque considerado judeu, mas que, ao mesmo tempo, argumenta da sua qualidade de cidadão romano para apelar ao tribunal do im­perador (At 22,25). A última conseqüência é o reconhecimento de um privilégio fiscal surpreendente: o sumo sacerdote tem a faculdade de cobrar a didracma em todas as comunidades judaicas do mundo roma­no e de fazê-las conduzir livremente para Jerusalém.

O regime herodiano

As guerras civis, sobretudo entre César e Pompeu, vão acarretar novas mudanças na Palestina, favorecendo o desaparecimento da mo­narquia asmonéia (descendentes dos Macabeus) e a ascensão política de Herodes.
A ASCENSÃO POLÍTICA DE HERODES
Em 49 a.C, César pensava em servir-se de um dos descendentes dos Macabeus, Aristóbulo II, confiando-lhe duas legiões para comba­ter os partidários de Pompeu (os pompeianos) no Oriente. Mas esse projeto fica frustrado, pois Aristóbulo é envenenado e Alexandre, seu filho, decapitado pelos pompeianos em Antioquia. Após a vitória de César em Farsala em 48, Hircano II e seu ministro Antípater se apres­sam a entrar para o partido do novo senhor de Roma. Para provar sua fidelidade, Antípater oferece três mil homens a César, então em dificul­dade em Alexandria e Hircano insiste com os judeus do Egito para se unirem ao ditador. Em 47, os decretos em favor de Hircano vêm teste­munhar o reconhecimento de César.
Mas Hircano, embora sumo sacerdote e etnarca dos judeus, não têm senão uma autoridade teórica, pois Antípater, que César nomeou epitropos (procurador) governa de fato; ele lança, aliás, as bases da sua sucessão nomeando seus dois filhos, Fasael e Herodes, o primeiro estratego de Jerusalém, o outro, estratego da Galiléia. Em 43 Antípater procura entrar para o círculo dos amigos de Cássio, um dos assassinos de César, então procônsul da Síria; este último, obrigado a sustentar um exército importante, ordena na Palestina a cobrança de um impos­to de 700 talentos. Herodes é nomeado estratego da Celessíria, mas seu pai é envenenado por esta ocasião.
Após a derrota dos Republicanos em Filipos em 42, Marco Antô­nio vem à Ásia Menor para tentar normalizar a situação do Oriente; re­cebe sucessivamente uma delegação dos judeus, depois uma de Hir­cano e enfim Herodes que vem pessoalmente. Fasael e Herodes são nomeados tetrarcas do território judeu.
Em 40, Antígono, filho de Aristóbulo, tenta retomar o poder, bus­cando o auxílio dos partas. Fasael e Hircano são presos, ao passo que Herodes consegue refugiar-se junto aos nabateus. Ao saber disto — nos diz Flávio Josefo — Fasael, certo de que seria vingado pelo irmão, não hesita em suicidar-se para escapar às sevícias dos partas. Antígono manda cortar as orelhas de Hircano para torná-lo inapto para o sa­cerdócio. Contudo, a vitória do príncipe asmoneu devia ser de curta duração: é que, sem temer as tempestades do outono, Herodes em­barcara para defender sua causa em Roma diante de Antônio e de Otá­vio, com sucesso, aliás, pois os Triúnviros lhe reconhecem o título de rei. Voltando em 39, organiza um exército e se lança à conquista do seu reino. Em 38 toda a Palestina, exceto Jerusalém, está nas suas mãos. Com o auxílio dos romanos toma a cidade em 37. Antígono, que se comporta com pouca honradez, é decapitado pelos romanos.
Herodes, porém, ainda não conquistou sua tranqüilidade, pois em 37, Marco Antônio, voltando ao Oriente, dá a Cleópatra, rainha do Egi­to, a costa siropalestina, a Celessíria, a Cilícia e Chipre (o que corres­ponde ao território pertencente aos Lágidas na época da grande ex­pansão do Egito). Herodes é então obrigado a colaborar com a política de Antônio e de Cleópatra, fornecendo-lhes dinheiro e víveres. No ano seguinte, a rainha do Egito recebe além do mais o produto dos balsameiros de Jericó e uma parte do território nabateu.
No momento da derrota de Antônio em Actium, em 31, Herodes não hesita em ir ao encontro de Otávio para lhe exprimir sua submis­são, dum modo muito hábil, se dermos crédito a Flávio Josefo: dá a entender que foi fiel a Antônio até o último momento e agora que o Triúnviro perdeu seus poderes, ele, Herodes, não hesita em passar para o lado do vencedor, não para mudar de partido, mas para respei­tar o ideal de suas ligações com Roma.

A POLÍTICA DE HERODES
Príncipe de tipo helenístico, mas de origem árabe, sem parentes­co com a família dos Asmoneus, Herodes jamais conseguiu conquistar a simpatia dos judeus piedosos. Era filho dum idumeu, Antípater, e duma nabatéia; ora, os idumeus (no sul da JUDÉIA) vencidos em 126 por João Hircano, tinham sido obrigados a se judaizar e portanto não eram considerados como fiéis de boa cepa; é por isso que Herodes não exercerá o ofício de sumo sacerdote, e o confiará a homens sem valor. Por outro lado, para legitimar seu poder, procura ligar-se aos Asmoneus desposando em 37 Mariana, neta de Aristóbulo II pelo lado do pai e de Hircano II pelo da mãe. Este cálculo político, aliás, não o impediu de amar apaixonadamente sua esposa, que ele mandará executar por ciú­me em 29. Além disso, seu amor pela civilização grega se percebe no gosto que tem pelas grandes obras, pelos jogos e pelos espetáculos. Extraordinária figura de aventureiro, deve seu êxito ao seu senso do possível: sabendo que não era bastante poderoso para sacudir o jugo romano e, ao mesmo tempo, que não era bastante popular para dis­pensar seu apoio, sempre quis, prioritariamente, agradar a Roma. Isto é suficiente para tornar compreensível todo o seu governo.
Antes de tudo, é um soberano construtor: faz numerosas cons­truções em honra de Augusto; assim reedifica Samaria, à qual deu o nome de Sebaste (equivalente grego de Augusto); funda uma nova ci­dade, na costa, no local denominado "a Torre de Estraton" e dá a este porto o nome de Cesaréia (a nossa Cesaréia marítima); funda também Antipátrida, em homenagem a seu pai e edifica uma cidade de tipo helenístico perto de Jericó, a qual denominou Fasaelis em recordação do seu irmão. Restaura diversas fortalezas, nas quais constrói palácios para si: Herodium, Maqueronte, Masada. Um hipódromo é inaugurado perto de Jerusalém.
Ele não hesita tampouco em instituir jogos quadrienais em honra de Augusto, em Cesaréia e até mesmo em Jerusalém. Rodeia-se de eruditos formados nas letras gregas, como por exemplo, Nicolau de Damasco (cuja história infelizmente perdida teria permitido confrontar e criticar as afirmações de Josefo).
Para satisfazer aos judeus, incrementa a reconstrução do Templo e o faz embelezar; por esta ocasião, teve de mandar ensinar o ofício de pedreiro a mil levitas, para evitar que simples operários profanassem os locais reservados aos sacerdotes.
No tocante aos fariseus, sua política é geralmente dura. Aliás, ele trata mal também aos Saduceus, por causa da ligação deles com os Asmoneus. Em 25 uma primeira conspiração de fariseus é cruelmente reprimida. E, embora nem sempre se deva tomar Josefo ao pé da letra, parece que, com o passar dos anos, seu poder se tornou cada vez mais despótico.
Do ponto de vista econômico, seu reinado foi até benéfico. A criação de Cesaréia garante a possibilidade de comércio externo pelo Mediterrâneo.O restabelecimento da calma interior, a repressão do banditismo garantem a segurança do mercado interno. No momento da fome de 25, ele manda fundir sua baixela de prata para custear as compras de gêneros alimentícios; em 20 reduz de um terço os impos­tos e de um quarto em 14 a.C.
Em geral, gozou da confiança de Augusto e jamais deixou passar uma oportunidade de lhe agradar e lhe testemunhar sua solicitude e sua fidelidade.
O fim da sua vida foi obscurecido pelas disputas dinásticas. A oposição vem dos dois filhos nascidos da sua união com Mariana: Ale­xandre e Aristóbulo. Esse conflito quase lhe faz perder a confiança de Augusto. No entanto, tendo o imperador ordenado a constituição, em Beirute, de um tribunal composto de romanos e de judeus, os dois jo­vens foram condenados e executados, junto com 300 cúmplices, no ano 7 a.C. Depois foi Antípater, filho de Mariana II, que, nomeado her­deiro do pai, trama contra ele. Antípater é enviado preso para Roma. Doente e próximo do fim, Herodes ainda manda para a fogueira dois fariseus que haviam conspirado contra ele. Morre em Jericó em 4 a.C, não sem ter tido tempo de mandar matar, com a permissão impe­rial, seu filho Antípater. Flávio Josefo acrescenta que ele havia ordena­do a execução de nobres judeus, encerrados no hipódromo, dizendo que assim haveria choro no momento da sua morte . . .

A SUCESSÃO DE HERODES
Pouco antes da morte, Herodes determinara como seria sua su­cessão: Arquelau, filho de Maltace, uma samaritana, herdaria o título de rei; Herodes Antipas se tornaria tetrarca da Galiléia e da Peréia; He­rodes Filipe, filho de Cleópatra, seria o tetrarca da Gaulanítide, da Traconítide, da Batanéia e de Pânias.
Desde o início do seu reinado, Arquelau teve que reprimir uma revolta fomentada pelos fariseus; ao mesmo tempo, seu título lhe era contestado por Herodes Antipas, que antes havia sido designado por Herodes para lhe suceder. Diversas delegações chegam a Roma para apresentar suas reivindicações; mas, após refletir, Augusto confirma quase exatamente os termos do testamento de Herodes: Arquelau conservava a Judéia, a Iduméia e a Samaria, mas deveria contentar-se com o título de etnarca; Antipas era tetrarca da Batanéia, da Auranítide e da Traconítide. No entanto, esta disposição não foi duradoura. Ar­quelau causou escândalo ao desposar uma princesa da Capadócia, ca­sada anteriormente com Alexandre (filho de Mariana I) e com Juba da Mauritânia. Além disso, considerado cruel e brutal, foi acusado perante Augusto por uma delegação de judeus e de Samaritanos. No ano 6 d.C, o imperador depôs Arquelau e o exilou para a Gália; daí em dian­te, a etnarquia da Judéia, Iduméia, Samaria, será confiada a um procu­rador.

O regime dos procuradores
No ano décimo quinto do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia, Herodes, tetrarca da Galiléia, seu irmão Filipe, tetrarca da Ituréia e da Traconítide, Lisânias, tetrarca de Abilene, sendo sumo sacerdote Anás, e Caifás, a palavra de Deus foi dirigida a João ... É assim que Lucas introduz a pregação de João Batista (Lc 3,1-2). Aí ele nos fornece uma data precisa, à maneira do seu tempo. Começa pelo ano do reinado do imperador (o décimo quin­to ano de Tibério, quer dizer, para nós, o ano 27/28 d.C): é uma indi­cação precisa, válida para todo o império; os nomes do sumo sacerdote e do seu sogro dão uma informação para Jerusalém e para o mundo judaico; os nomes dos governadores e dos tetrarcas indicam a mesma época, mas no quadro da Palestina.
Portanto Augusto, após a deposição de Arquelau, não modificou a geografia política da Palestina. Nisto, conforma-se com a tradição romana que procura sempre utilizar ao máximo as estruturas em vigor. Confiou a parte central do país, com a capital, a um funcionário impe­rial, ao passo que as regiões periféricas (Galiléia e Transjordânia) fica­vam nas mãos dos príncipes herodianos ou de soberanos locais, como este Lisânias. Este regime permanecerá quase sem alteração até a grande revolta de 66 d.C.
O procurador é um funcionário, que depende diretamente do im­perador, é recrutado entre os membros da ordem eqüestre e portanto remunerado. Esse título de procurador designa, aliás, funcionários que têm atribuições variadas. Pode tratar-se de gerentes dos bens patrimo­niais do imperador e dos membros de sua família, de chefes da chan­celaria ou dos arquivos. Na época de Augusto, esse tipo de carreira es­tá ainda no estado embrionário; vai desenvolvendo-se progressiva­mente à medida das necessidades do poder central e atingirá sua or­ganização completa na época de Adriano. Parece que no tempo das di­nastias dos Júlio-Cláudios, esses funcionários encarregados de admi­nistrar um pequeno território eram chamados prefeitos (sendo eparchos o equivalente grego, ao passo que o de procurador é epitropos; notemos, a este respeito, que as fontes literárias, bíblicas e extrabíblicas, são um tanto descuidadas na utilização desses termos).
O procurador (vamos chamá-lo assim daqui em diante para sim­plificar) depende do governador da província da Síria, que dispõe de três legiões (nesta época, a III Gallica, a VI Ferrata e a X Fretensis), aquarteladas no nordeste do país, atrás do Eufrates; essas legiões são reforçadas por tropas auxiliares, de sorte que o total dos efetivos atinge cerca de 36 mil homens. Uma frota está ancorada em Selêucia de Piéria, porto de Antioquia. O procurador só dispõe de tropas auxiliares, que de certa forma são forças policiais. Pode sempre pedir ajuda ao le­gado da Síria e este último tem a faculdade de intervir quando julgar oportuno.
O procurador, como todo governador provincial é um represen­tante direto do imperador e reúne portanto em suas mãos os poderes civis, militares e judiciários. A esse respeito, muito se tem discutido para saber se só o procurador tinha o direito de condenar à morte, ou se os judeus também tinham essa possibilidade: vê-se, com efeito, que os judeus pedem a Pilatos a condenação de Jesus, argumentando sobre a interdição que lhes é feita de pronunciar sentença de morte; mas em 36 apedrejam Estevão sem recorrer à autorização do ocupan­te. Há dois modos de explicar esses testemunhos aparentemente con­traditórios: ou em 36 os poderes do procurador tinham sido momenta­neamente reduzidos, ou — o que é mais verossímil — trata-se aí de um acerto de contas sem verdadeiro processo, ao qual as autoridades ro­manas não quiseram ou não puderam se opor.
Habitualmente, o governador reside em Cesaréia marítima, mas, no momento das grandes festas, vem para Jerusalém, pois estas con­centrações imensas de fiéis são facilmente ocasião de movimentos que podiam degenerar em motins. Mora então seja na fortaleza Antônia (no ângulo norte do Templo), seja no antigo palácio dos Asmoneus.
Do ponto de vista do fisco, Roma exige diversas espécies de im­postos dos territórios que dependem da sua administração direta: o tributum soli, que obriga todas as propriedades provinciais (salvo se elas se beneficiam de ius italicum que as equipara às propriedades italia­nas) e o tributum capitis, que é cobrado sobre todas as rendas mobiliá­rias. Além disso, um imposto direto pesa sobre os indivíduos: o tributo, se se trata de peregrinos ("É permitido pagar o tributo a César?" Mt 22,1 7) e o vigésimo sobre as heranças, se se trata de cidadãos roma­nos. Os impostos indiretos são pouco conhecidos em detalhes; sabe-se que existiam taxas sobre as vendas, sobre as alforrias e igualmente direitos de alfândegas, os portoria (o mais bem atestado desses direi­tos de alfândega é o que se cobrava nas fronteiras das Gálias e era chamado o "quadragésimo das Gálias").


Despesas de transporte

"Ao longo da estrada inteira, os transportadores de incenso não cessam de pagar, aqui pela água, ali pela forragem ou pela hospedagem durante as paradas e pelas diversas taxas. Assim é que as despesas se elevam a 688 denários por camelo, até que se atinja a costa mediterrânea" (Plínio, Hist. Nat. XII, 32,6).
O incenso de primeira qualidade valia então 6 denários a libra de 327 g, ou seja mais ou menos 18 denários o quilo. Um camelo conseguindo levar cerca de 300 quilos, 688 denários re­presentam 13% de despesas de transporte.


Nas províncias imperiais, é o imperador que se beneficia com o recebimento dos impostos e faz supervisar pelos procuradores as ope­rações. Com o correr do tempo, o imperador acabou controlando dire­tamente todo o fisco. Na época que nos interessa, parte dos impostos diretos é ainda recolhida por intermédio de publicanos: trata-se de fi­nancistas que se agrupam em associação, para assumir a cobrança de taxas ou a distribuição de trabalhos. Esses financistas, geralmente oriundos da ordem eqüestre, têm coletorias que contratam emprega­dos no local. Lucas nos conta assim a vocação de Levi-Mateus: Jesus saiu, viu um publicano chamado Levi, sentado na coletoria de impos­tos (Lc 5,27). Compreende-se o escândalo que causa Jesus, ao cha­mar tal homem para o seguir: não apenas tratava-se de um empregado da alfândega, mas ainda um judeu que consentia em trabalhar com os romanos, que estava portanto constantemente em contato com pagãos e por conseguinte em perpétuo estado de impureza. Isto explica por que os publicanos estão associados aos pecadores nas acusações dos fariseus, referidas pelos evangelhos.
O resto da Palestina está, até 66, sob a autoridade de príncipes herodianos; seu poder é, aliás estreitamente sujeito ao beneplácito da autoridade romana e sofre, às vezes, eclipses como vamos ver. Primei­ramente, com efeito, Herodes Filipe II governa, até morrer em 34, a tetrarquia da Transjordânia (exceto a Peréia); ao mesmo tempo, Herodes Antipas comanda a Galiléia e a Peréia, mas, vítima das intrigas de Agripa I, é exilado em 39 para Lião por Calígula. Será Herodes Agripa I, filho de Aristóbulo, quem vai herdar as possessões de seus tios: be­neficia-se em primeiro lugar da tetrarquia de Filipe II à qual se soma a Abilene quando desaparece Lisânias (do qual quase nada se sabe); em 39 Calígula lhe confia a Galiléia e a Peréia e mais tarde, em 41, a etnarquia da Judéia-Samaria com o título de rei. Até sua morte em 44, Herodes Agripa reúne, pois, o antigo reino de seu avô Herodes. Após sua morte, é mais verossímil que Roma tenha assumido a administra­ção direta da maior parte da Palestina. Contudo, por volta do ano 50 Herodes Agripa II, que até então vivera em Roma, recebe o principado de Cálcis; desde 49 ele é igualmente governador do Templo, com o di­reito de supervisar a nomeação dos sumos sacerdotes. Cerca de 53, em troca de Cálcis, recebe a Abilene e a antiga tetrarquia da Transjor­dânia. Nero lhe dará ainda algumas partes importantes da Galiléia e da Peréia e certas cidades. Após a grande revolta de 66-70, esses principados desaparecem com a mesma facilidade com que se extinguiu a família Herodiana.





FONTE: CADERNOS BÍBÇLICOS

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