A IDENTIDADE DO BODE PARA
AZAZEL EM LEVÍTICO 16
Resumo: A
discussão a respeito da identidade do bode para Azazel, mencionado no capítulo
16 de Levítico, tem dividido opiniões entre os estudiosos. As diferentes
interpretações quanto a esse bode variam em vê -lo como um símbolo do demônio,
ou como um símbolo de Crist o. Alguns entendem a palavra “Azazel” como um t
ermo t écnico, outros como uma designação geográfica. A presente monografia
pretende analisar a função do bode para Azazel no contexto do Dia da Expiação
e, com base neste ponto avaliar criticamente cada interpretação sugerida sobre
o bode para Azazel.
INTRODUÇÃO
O Antigo Testamento apresenta uma figura
enigmática nas páginas do livro de Levítico. Trata-se do bode para Azazel que
ao final do ritual do Dia da Expiação é enviado ao deserto. A opinião de
estudiosos tem sido dividida quanto ao significado deste bode. Seria ele um
símbolo de Cristo? Estaria ele ligado com a figura de um demônio? Ou seria apenas
um termo técnico sem necessariamente representar uma personalidade? Estas são algumas
das questões que o presente trabalho pretende responder.
O trabalho se limitará a discutir o significado
do bode para Azazel em Levítico 16.
No primeiro capítulo, veremos as diferentes
opiniões defendidas acerca do bode para Azazel e os argumentos usados na defesa
de cada opinião. No segundo capítulo buscaremos entender qual era a função do
bode para Azazel no contexto do Dia da Expiação, visto que entender sua função
naquele dia servirá de auxílio para compreendermos sua identidade.
Tendo como base as conclusões do segundo
capítulo, o terceiro capítulo criticará as opiniões levantadas no capítulo um,
e procurará trazer uma conclusão bíblica acerca da identidade do bode para
Azazel.
CAPITULO I
PRINCIPAIS TEORIAS SOBRE O BODE PARA AZAZEL
O presente estudo busca entender a identidade do
bode para Azazel, em Levítico 16.
Admitimos que a tarefa não parece fácil, haja vista
a quantidade de opiniões divergentes no meio acadêmico sobre o assunto. Entre
as principais idéias conhecidas temos: 1) Azazel é um nome próprio, ou
epíteto de um demônio; 2) Azazel faz referência à ação do bode de “ir”, ’ez+’azel
“bode que vai”, as traduções da LXX e Vg para a palavra “Azazel” que são, respectivamente,
“s”e “caper emissarius”, transmitem essa
idéia, daí surgiu a terminologia “bode emissário”; 3) Está ligado a uma
designação geográfica, um local para onde o bode é enviado; 4) É um termo
técnico que significa “extirpação”, “inteira eliminação”1.
Embora muitos comentaristas sejam cuidadosos em
tomar posições quanto à interpretação correta do termo, buscaremos agrupar as
idéias e argumentos daqueles que tomam um parecer.
O Bode para Azazel como o Epíteto de um Demônio
A primeira teoria acerca do bode para Azazel, é
que o nome “Azazel” representa um demônio. Wright2 apresenta quatro argumentos,
defendido por ele e por outros autores, que devem ser considerados:
1. Existe um paralelismo entre o bode “para
YHWH” e o bode “para Azazel”, assim como o primeiro (YHWH) era um ser
sobrenatural, o segundo (Azazel) também deveria ser, mas está em oposição a
YHWH. Esse flagrante contraste é também destacado por W.Volck3. De modo mais
incisivo, o comentário de Keil sobre o texto “requer incondicionalmente que Azazel
deve ser tomado como um ser pessoal em oposição a YHWH”4. Segundo R. Vaux,
quando fazemos uma conexão entre os dois bodes devemos considerar a ambos como
representando uma personalidade. Tentar relacionar um paralelo entre o bode
para YHWH, com o bode para Azazel, e interpretar o último com qualquer outro
significado que não evoque personalidade torna “o paralelismo incompleto”5. Um ponto
que deve ser destacado é que em parte alguma os defensores dessa hipótese criam
que o bode sobre o qual caiu a sorte “para Azazel” seja uma oferta a esse ser
maligno, tampouco desempenhe ele alguma parte ativa na purificação do pecado,
ele “simplesmente, recebe submisso sua provisão”6. Admitindo a possibilidade de
que Azazel era um demônio, escreve Hartley explicando a função do bode no
ritual: “Se Azazel era um demônio, este ritual significa que os pecados
carregados pelo bode estavam retornando para este demônio, com o propósito de
remover o pecado da comunidade e deixá-lo na sua fonte afim de que seu poder ou
efeito na comunidade fosse completamente quebrado.”7 Azazel está em oposição a
YHWH. Assim sendo o bode para Azazel não morre pelos pecados do povo (o bode
para YHWH já fez isso), ele apenas os leva de volta ao seu originador.
2. Outro argumento levantado por Wright é que o
deserto na Bíblia é usualmente sinônimo de morada de demônios. E algumas
passagens fazem alusão a isso (Is 13:21-22, 34:11-15; talvez Lv 17:7; cf. Tb
8:3; Mt 12:43; Ap 18:2). Segundo Keil, “o deserto é
representado com uma imagem de morte e desolação
correspondente à natureza dos espíritos maus, que caíram da fonte primaria da
vida, e em sua hostilidade a Deus devastam o mundo que foi criado bom, e levam
morte e destruição em seus ensinos”8. Ainda em apoio a esse argumento, vale
lembrar que existem de forma análoga nos cultos das antigas religiões
orientais, animais sendo enviados para limpar a impureza dentre o povo a
lugares desabitados a divindades ou demônios que residiam ali9. Existem traços
de semelhança (como o envio a um lugar desabitado), embora na maioria dos
pontos o ritual hebreu difere dos rituais do antigo Oriente Médio10.
3. A evidência externa também traz sua
contribuição sobre o assunto. Embora tardia em relação à data da tradicional
composição de Levítico, a literatura pseudo-epígrafa apresenta Azazel ou Azael
como um ser demoníaco. Ele ensina aos homens a confecção de armas militares e
as mulheres a usarem vaidosos adornos (I Enoque 8:1, 2); ele ensinou toda
espécie de transgressões (9:4); contra ele é prometido juízo da parte de Deus,
a ele é atribuído os pecados da terra (10:3, 4; 13:1-3 e 54:2-4). Os Capítulos
1-36 de I Enoque11 são datados da primeira metade do segundo século antes de
Cristo pela descoberta de fragmentos de cinco diferentes manuscritos desta
seção entre os rolos dos manuscritos do Mar Morto12. Outro pseudo-epígrafo que
apresenta a figura de Azazel é o Apocalipse de Abraão (c. II séc. d.C.) aqui,
novamente, ele é o que ensina a maldade ao homem (13:7-11); há juízo contra ele
(14:1, 5 e 22:5-7); ele foi quem tentou Adão e Eva (23:8-9). Para os que advogam
Azazel como sinônimo de Satanás, as evidências extra bíblicas dessas passagens são
valiosas. Entretanto, por ser muito posterior a composição do livro de
Levítico, essa literatura não deve definir a compreensão de Azazel.
4. “Todo o nome poderia ser interpretado como o
epíteto de um ser sobrenatural mantendo a ordem das consoantes no texto
massorético (‘z’zl), a etimologia de nome tem sido explanada como uma
forma metastizada de ‘zz-’l ”13. Na opinião de Janowsky “o resultado
da metástase consonantal, parece ser a mais provável explanação”, a tradução seria
algo como “deus irado” “deus feroz”14.
O Bode Azazel como um Símbolo de Cristo
A segunda idéia quanto à interpretação do bode
para Azazel entende que a palavra “Azazel” descreve a ação realizada pelo bode.
Como já dito antes, as antigas traduções como LXX (s, Vulgata (caper
emissarius), além de Símaco e Teodócio entenderam que a palavra indica “o
bode que se vai”15, daí vem à idéia de “bode emissário”, o que serviu de
fundamento para Lutero, Calvino e outros a interpretarem “Azazel” como a ação
realizada pelo bode. Logo, ambos os bodes estariam prestando o mesmo serviço de
purificação do templo, mas em fases distintas. “Os dois bodes juntos formavam
um sacrifício, um deles sendo morto e o outro ‘indo’ ”16, conforme seu nome indicava.
Basicamente essa posição torna-se antagônica à primeira. A natural implicação
de considerar o bode para Azazel como participante do sacrifício do Dia da
Expiação é tornálo (pelo menos no pensamento cristão), como um tipo de Cristo.
A principal analogia feita pelos autores que
defendem essa perspectiva vem de Levítico 14:1-9. Ali na cerimônia de purificação
de um leproso, duas pombas são escolhidas, enquanto uma é sacrificada outra é
solta levando a impureza embora. O mesmo ritual seria assim aplicado no Dia da
Expiação como mesmo simbolismo. Sob essa argumentação, os interpretes sentem-se
livres para dizer que “ambos, esse e o outro bode tipificam Cristo, sua morte e
paixão por nós e sua ressurreição”17. Esses autores tendem a relacionar os dois
bodes do Dia da Expiação e seus respectivos papéis, com a morte e ressurreição
de Cristo18, “o bode morto para sacrifício do povo ilustra a cobertura do pecado
pelo sangue de Cristo para expiação do pecado, então o enviar para longe desse animal
ilustra o levar embora do pecado pela morte e ressurreição de Cristo”19. Nas palavras
de Calvino, ele foi ambos “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e aquele
que carregou o pecado sobre si”20. Essa interpretação teológica vê em Cristo o antítipo
do bode para Azazel. Assim como Cristo, no Novo Testamento, carregou “ele mesmo
em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (1 Pe 2:24), e “sofreu fora
da porta”, (Hb 13:11, 12), semelhantemente no Antigo Testamento, o bode para
Azazel, seu tipo recebe os pecados do povo e é enviado para fora, para o
deserto.
Os autores que defendem esse ponto de vista
acrescentam que é perigoso entendermos “Azazel” como um nome próprio, fazendo
referencia a um demônio, pois estaria associando Israel com a demonologia
presente nas culturas vizinhas. “A idéia de apaziguar a Azazel é indicada
quando se considera um nome próprio”22. Os defensores dessa opinião consideram
o bode para Azazel como ligado à expiação, por isso é incompatível relacioná-lo
com Satanás. Portanto, os defensores dessa idéia consideram abominável identificar
o bode para Azazel como um símbolo do demônio, pois segundo eles, o bode para
Azazel é um perfeito símbolo de Cristo.
“Para Azazel” como uma Designação Geográfica
A terceira maior corrente da interpretação de
“Azazel”, o vê como um local geográfico, para onde o bode seria levado. Azazel
significaria “lugar do precipício” ou “precipício acidentado”. A Mishná comenta
que o bode era atirado nesse local escabroso23.
É certo que o bode emissário era levado para o
deserto, mas essa hipótese apresenta um local específico no deserto. Talvez um
precipício escabroso. Seja como for não poderia ser um local fixo, ao menos
durante a peregrinação no deserto quando o ritual foi instituído. Embora vários
autores a comentem, poucos são os que a defendem. Entre os que defendem essa
idéia está Rashi que viveu durante a idade média de 1040 a 1105, e atualmente
G. R. Driver.
“Azazel” como
um Termo Técnico
A última hipótese também apresenta poucos
defensores. Essa idéia encara “Azazel” como um termo técnico que descreve
“inteira eliminação”, ou “inteira remoção”, ou ainda “extirpação”, da culpa
comunitária. Seus defensores, adeptos da hipótese documentária, crêem que a
identificação do bode para Azazel como representante de um ser surgiu com o passar
do tempo nos escritos judaicos. Logo, mitos e lendas foram desenvolvidos em
torno dessa figura folclórica25. Hoffmann é um dos principais defensores dessa
idéia. Para ele não importa se os mitos incorporados ao termo técnico “Azazel”
estavam ligados a uma montanha onde o bode é destruído, ou o pecado que é dado
para destruição, ou ainda um demônio que recebia a oferta. Tudo isto são
figuras folclóricas, e secundárias. O ponto principal para Hoffmann está na
exterminação do pecado de Israel, esse era o significado da cerimônia do bode
para AzazeL .
Considerando as correntes de idéias a respeito
do bode para Azazel, e do termo “Azazel”, procuraremos no capítulo seguinte
entender onde esse bode se encaixa no ritual do Dia da Expiação, e qual dessas
teorias melhor se coaduna com a teologia do texto bíblico que descreve esse
dia.
CAPITULO II
FUNÇÃO DO BODE PARA AZAZEL NO DIA DA EXPIAÇÃO
O Dia da Expiação era a quinta festa religiosa
do calendário hebraico. Mais precisamente ao décimo dia do mês de Tishri, o
sétimo mês, ela era realizada. Essa festa marcava o término bem como o
início do ano litúrgico em Israel. Era um dia de “santa convocação”, onde “todo
homem” de Israel deveria aparecer “diante do SENHOR” (Êx 23:17). É unicamente
no contexto desta festa que a figura enigmática do bode para Azazel aparece,
aparentemente ele está relacionado com a expiação dos pecados de Israel. Se entendermos
qual era a função desse bode dentro da expiação e purificação que ocorriam nesse
dia, também compreenderemos a quem ou o que o bode para Azazel representava.
O Dia da Expiação e seu ritual são especialmente
tratados do capítulo 16 de Levítico, é unicamente nesse capítulo também que o
“bode para Azazel” é descrito.
O Ritual do Dia da Expiação
Alberto R. Treiyer faz o seguinte esboço do
capítulo 16:
I. Preliminares para a celebração: vss. 1-10
1. Introdução: razão histórica e religiosa do
ritual: vss. 1-2
2. Animais do sumo sacerdote e do povo, e as
vestes distintivas para a purificação: vss. 3-5
3. Esboço essencial do rito principal: vss. 6-10
II. Descrição dos ritos principais do dia: vss.
11-28
4. Descrição detalhadas das cerimônias a
cumprir-se: vss. 11-28
a) Ritual do incenso e do sangue: vss. 11-19
b) Ritual do Bode vivo: vss. 20-22
c) Purificação do corpo dos participantes: vss.
23-28
III. Sistematização sumária final: vss. 29-34
5. Deveres do povo e encerramento: vss. 29-3427
De modo mais detalhado, o Dia da Expiação pode
ser narrado da seguinte forma: o sumo sacerdote fazia uma série de preparativo
para entrar no lugar santíssimo do santuário que ficava além do véu. Era
unicamente nessa ocasião que se podia entrar ali, e somente o sumo sacerdote é
que tinha esse direito.
Num primeiro momento o sumo sacerdote separava
os sacrifícios que seriam feitos nesse dia. Para si separava “um novilho, para
oferta para o pecado, e um carneiro, para holocausto” (v.3). Do povo o sumo
sacerdote recebia os dois bodes, que serão discutidos a seguir, e um carneiro
para holocausto (v.5). O sumo sacerdote também deveria providenciar
vestes de linho para esse dia, “túnica de linho,
sagrada, terá as calças de linho sobre a pele, cingir-se-á com cinto de linho e
se cobrirá com a mitra de linho” (v.4). Durante o ano inteiro o sumo sacerdote
usava sua roupa peculiar, um belo traje e o éfode com pedras preciosas e o
peitoral. Nesse dia, porém, essas vestes eram tiradas antes do sumo sacerdote entrar
no lugar santíssimo e ele colocava então as roupas brancas dos sacerdotes, com o
cinto branco, e a mitra de linho de sumo sacerdote, em vez da tiara de
sacerdote (Êx. 28:39, 40; 39:28). Antes de iniciar todo o serviço, o sumo
sacerdote banhava-se e então vestia a roupa sagrada. Outro fato que parece
acontecer previamente era o lançar da sorte sobre os dois bodes, e ficava então
determinado qual bode seria “para o SENHOR”, como oferta para o pecado, e qual
“para Azazel” para enviá-lo ao deserto.
O primeiro serviço do sumo sacerdote era
sacrificar o novilho no pátio, sobre o altar de bronze, e oferecê-lo por si e
por sua casa e em seguida ministrar esse sangue diante do propiciatório, peça
que ficava dentro do lugar santíssimo. Todo o ambiente era preenchido por uma
nuvem de incenso, para que a presença de Deus fosse parcialmente velada e dessa
forma o sumo sacerdote não morresse por estar na presença direta de Deus (Lv.
16:12,13).
Após o lugar santíssimo ser coberto pela nuvem
de incenso, o sumo sacerdote aspergia com seu dedo o sangue do novilho morto,
sete vezes sobre a frente do propiciatório, e diante do propiciatório (v.14).
Em seguida, o bode sobre o qual caira a sorte
para ser oferta pelo pecado, ou seja, “para o SENHOR”, era imolado e oferecido
no altar de bronze e seu sangue era igualmente aspergido no propiciatório e
diante dele (v. 15). Em seguida o sumo sacerdote saia até o altar de ouro, no
lugar santo, onde colocava o sangue do bode e do novilho nos chifres do altar e
aspergia com seu dedo sete vezes sobre o altar (v. 18, 19). Feito isso a
expiação estava acabada.
O bode para Azazel é introduzido então, somente
após a expiação já estar terminada. “Havendo, pois, acabado de fazer expiação
pelo santuário, pela tenda da congregação e pelo altar, então fará chegar o
bode vivo” (v. 20). Todos os pecados perdoados eram transferidos sobre o bode
vivo e este era enviado ao deserto, pela mão de um homem à disposição para isso
(v. 21, 22).
O sumo sacerdote voltava à tenda da congregação,
no lugar santo e deixava suas roupas de linho, banhava-se novamente, e vestia
as vestes completas de sumo sacerdote. Na seqüência saia e oferecia sobre o
altar os carneiros para holocausto por si e pelo povo, e queimava a gordura do
bode sacrificado (v. 23, 24, 25). Aqui terminava o trabalho do sumo sacerdote.
Na conclusão das cerimônias, o responsável por
levar “bode para Azazel” ao deserto lavava suas vestes e banhava seu corpo em
água antes de entrar no arraial (v. 26). O novilho e o bode morto eram levados
para fora do arraial, suas peles, sua carne e seus excrementos eram queimados
(v. 27). O que as queimava lavava suas vestes, banhava seu corpo e entrava
novamente no arraial (v. 28). Essa é a cerimônia do Dia da Expiação, segundo
descrito em Levítico capítulo 16.
O Conceito de Purificação
O verbo Kipper, de onde vem o nome do Dia
da Expiação (Yom haKippurîm), trás em seu significado tanto a idéia de
“expiar”, como um pagamento, para perdoar o pecado, como também à idéia de
“purificar”, limpar, o pecado já perdoado. O purificar aqui não tem a ver com
higiene antes, é um conceito religioso de que os pecados perdoados eram transferidos
para o santuário e o contaminavam. Tanto a “expiação” quanto a “purificação” são
mais bem entendidas levando em conta o modo concreto de pensar dos Hebreus. O pecado
era considerado um elemento concreto que precisava ser transferido do pecador penitente28.
Os sacrifícios oferecidos durante o ano tinham a função de expiar o pecado do pecador
arrependido, e dessa forma seus pecados eram simbolicamente transferidos para o
santuário, onde ficavam até o Dia da
Expiação, quando finalmente esses pecados seriam purificados. Individualmente,
para os pecadores, a expiação feita pelo sacrifício diário trazia a
purificação, mas para que o pecador fosse considerado “puro”, sua impureza era transferida
ao santuário até o momento de sua eliminação definitiva no “Dia da Expiação”29,
nesse dia, a eliminação completa do pecado, como um elemento concreto era feita
através do bode para Azazel. Em nenhum outro momento se fala de uma “expiação” ou
“purificação” do santuário se não no “Dia da Expiação”.
O Relacionamento de Azazel com a
Expiação/Purificação
Se considerarmos que o bode para Azazel
participa da expiação/purificação dos pecados ativamente, como o primeiro bode
escolhido, conforme vimos na descrição do ritual do Dia da Expiação, ele
poderia ser na opinião de alguns teólogos cristãos, um perfeito símbolo de
Cristo. Alguns entendem justamente isso, que na Cruz, os papéis desempenhados
por ambos os bodes foram cumpridos em Cristo30. Num primeiro momento, Cristo
morreu por nós (função do primeiro bode); logo em seguida Ele carregou
para longe nossas iniqüidades (função do segundo
bode). Dessa forma o antitípico Dia da Expiação ocorreu na cruz31. Essa posição
quanto à função do bode para Azazel no Dia da
Expiação, favorece a interpretação do segundo
bode como um símbolo de Cristo, ao carregar os pecados do povo. Ao analisarmos
se o bode para Azazel estava ou não envolvido com a
expiação/purificação dos pecados que
contaminavam o santuário, no Dia da Expiação, dois versos especialmente chamam
nossa atenção: os versos 5 e 10. No versículo 5, Azazel está implicitamente
relacionado e é dito que os dois bodes são “para a oferta pelo pecado”. A questão
aqui seria a impossibilidade de se considerar uma oferta para o pecado como
sendo um símbolo do demônio. O texto é um tanto obscuro. Baruch A. Levine, no
entanto, nos dá um interessante comentário:
Não está inteiramente claro porque ambos os
bodes, o bode emissário e o designado ‘para o SENHOR’, eram submetidos como
para oferta pelo pecado. Talvez porque neste ponto a sorte ainda não tinha sido
lançada para determinar qual bode deveria ser feito ‘para o SENHOR’ e qual
‘para Azazel’. Possivelmente, então, ambos eram oferta para o pecado.
Os versos 9-10 explanam que somente o bode feito
‘para o SENHOR’ servia como uma verdadeira oferta pelo pecado.32
Num primeiro momento, quando a função dos bodes
ainda não tinha sido definida, ambos poderiam ser potencialmente “oferta pelo
pecado”. Essa parece ser a razão do bode para Azazel ser contado juntamente com
o primeiro bode. Na verdade, nesse primeiro momento não se sabia qual seria o
bode para a Azazel, e qual para o Senhor, esse sim era considerado como oferta.
O versículo 10 também representa um desafio para
a compreensão da função do segundo bode envolvido no Dia da Expiação. Ali nos é
dito: “mas o bode sobre que cair a sorte para Azazel será apresentado vivo
perante o SENHOR, para fazer expiação por meio dele e enviá-lo ao deserto para
Azazel” (Lv. 16:10). As palavras le khapper ‘alav, traduzidas aqui como
“para fazer expiação por meio dele”, requerem na expiação o uso de sangue
sacrifical. A definição dada de “expiação” envolve expiar mediante o
oferecimento de um substituto. “Requeria-se a vida do animal sacrificado,
simbolizada especificamente pelo seu sangue, em troca da vida do adorador”33. O
intrigante, no texto, é que em momento algum o bode para Azazel era
sacrificado, ele não era morto, e dessa forma não poderia fazer parte da
expiação, que exigia morte substitutiva. Os comentaristas bíblicos expressam diversas
visões quanto a essas palavras, alguns deles as reconhecem como representando uso
excepcional do significado da expiação. “O targum Jonathan traduz: ‘para expiar
o pecado do povo, a casa de Israel’ nesse caso a preposição ‘alav ‘sobre
ele’ refere ao povo, e não ao bode. Rashi observa que o verbo Kipper invoca
confissão, não somente expiação, mas que esse verso poderia referir à confissão
pronunciada ‘sobre’ o bode emissário, como prescrito no verso 21”34. Essa pode
ser uma possível solução para a expiação “por Azazel”.
Ele era simplesmente um conduto no ritual da
expiação, e não fazia ativamente expiação. A tradução adotada pela ARA, não
seria, portanto, a mais correta. A preposição ‘al, jamais tem um uso
instrumental35. Igualmente errôneo seria traduzir a palavra como “por ele”, indicando
que a expiação era feita em favor do bode. A tradução “sobre ele” se encaixaria
melhor no texto considerando que, como já vimos, o bode para Azazel não
participava da expiação, pois o ritual, sem exceções, exigia sangue. O Dia da
Expiação era a purificação dos pecados já perdoados durante o ano que
precisavam agora ser removidos do santuário.
Sendo assim, o primeiro bode não perdoava
pecados, mas os purificava (vs. 19), limpava do santuário. E o segundo, que não
era sacrificado, levava embora esses pecados que já tinham sido perdoados (vs.
22).
A Necessidade do Sangue na Expiação/Purificação
O fato do sangue do segundo bode não ser
derramado talvez seja o maior argumento a favor da compreensão de que o bode
para Azazel não participava na expiação ativa. Todos os ritos do Dia da
Expiação atribuíam um acentuado valor ao sangue, visto ser ele o elemento
básico, o suporte da vida. A vida da carne está no sangue (ver Gn 9:4, 5). Essa
idéia era a base para o sacrifício, uma vida substituindo outra vida: “este
sangue eu tenho dado a vós para fazer sobre o altar o rito de expiação por
vossas vidas, pois é o sangue que faz expiação por uma vida” ou “que expia pela
vida que está nele” (Lv 17:11). No Novo Testamento a idéia permanece. Se não houvesse
derramamento de sangue, isto é, sacrifício, não poderia haver expiação de
pecados: “... sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9:22). O
derramamento de sangue, bem como sua ministração por parte do sacerdote, era
indispensável para o conceito de expiação e purificação. Em outras palavras, o
bode para Azazel não poderia estar relacionado diretamente com a expiação e
purificação. De Vaux declara que o motivo pelo qual o bode não poderia ser
sacrificado era porque ele tinha se tornado impuro, aos pecados e impurezas do
povo serem colocados sobre ele. Dessa forma, o ritual de Levítico 16 seria uma
espécie de exorcismo36. Esse argumento não parece ser convincente já que se
subentende que o sacrifício expiatório exigia a confissão sobre a vítima que
seria morta no lugar do ofensor. Havia uma transferência de culpa em todos os
sacrifícios. Na verdade, a culpa não tornava o animal impuro, “existem
passagens que claramente indicam que a ‘carne’ da oferta pelo pecado (hatta’t)
é ‘mais santa’ (Lv 6:29; 10:17), ainda que a carne seja do que carregou pecado”.
O contexto de Levítico 16 mostra que a expiação
já havia sido realizada quando, finalmente, o bode para Azazel desempenha sua
parte. “Havendo, pois, acabado de fazer expiação pelo santuário, pela tenda da
congregação, e pelo altar, então, fará chegar o bode
vivo” (v. 20). Nesse momento, o sangue do bode
“para o Senhor”, já fora derramado como sacrifício expiatório pelos pecados do
povo vs. 15 e pela contaminação do santuário, que era purificada. Nada mais
precisa ser expiado nem purificado. O problema agora, pensando de modo concreto
sobre o pecado, era: o que fazer com o pecado que foi removido do
santuário? Nesse momento, o segundo bode entra
em cena e desse ponto em diante a Bíblia não mais fala de expiação a ser feita,
essa não é a função do segundo bode. Tanto o perdão dos pecados quanto a
purificação do santuário já foram feitas pelo sangue do primeiro bode. Sendo
assim, a função do bode para Azazel é simplesmente “levar” os pecados já perdoados
e removidos do santuário. “Ele é meramente um veículo para carregar impurezas para
longe do templo e da habitação do povo”38. Ele claramente não purifica, mas
apenas carrega a impureza retirada do santuário para o deserto. Os versos 21 em
diante deixam claro que o ritual da expiação era executado sem o bode para
Azazel e colocado posteriormente sobre ele a expiação feita com o primeiro
bode. Era assim um rito de eliminação do
pecado e purificação. Além disso, o dia do juízo não apenas identificava a parte
inocente, mas também a culpada. Nesse caso, o bode para Azazel simbolicamente
era identificado com o culpado dos pecados, enquanto o povo após a expiação era
considerado inocente. Em outras palavras, a culpa dos pecados era devolvida ao
originador do pecado, que era tipificado pelo bode para Azazel e ele era
expulso da congregação, enviado ao deserto, e assim era eliminando do arraial o
culpado pelo pecado (Lv 23:29).
Em suma, o bode para Azazel fazia parte do
processo de eliminação do pecado, e não da expiação ou purificação, pois isso
era feito pelo primeiro bode. O sangue do bode para Azazel não era derramando,
tornando-o impróprio para expiar ou purificar qualquer pessoa ou lugar. Todos
os pecados acumulados no santuário durante o ano eram, no Dia da Expiação,
transferidos para o bode vivo e esse os levava ao deserto.
O Dia da Expiação era considerado como um dia de
purificação dos pecados que foram confessados durante o ano, e para que essa
purificação fosse ativamente feita era necessário o derramamento e ministração
de sangue de animais. Um segundo momento no Dia da Expiação era a eliminação do
pecado que tinha sido purificado. O pecado era retirado do meio do arraial
israelita como se fosse algo concreto. A participação do “bode para Azazel”, no
Dia da Expiação, se limitava a este processo de eliminação do pecado. Somente
após a expiação ter sido terminada é que o bode para Azazel era introduzido,
para desempenhar sua função de eliminar o pecado. O segundo bode era
desqualificado para fazer qualquer expiação/purificação, pois seu sangue não
era derramado. Outro ponto é que ao confessar os pecados sobre o bode e
eliminá-lo do arraial, ele estava sendo identificado como o verdadeiro culpado
por todos os pecados. Em outras palavras o pecado estava sendo devolvido ao seu
originador, ou seja, o demônio. No que diz respeito à função de Azazel, vimos
neste capítulo que não há nenhum paralelismo com a obra de Cristo. No próximo
capítulo, analisaremos criticamente as idéias propostas no primeiro capítulo à
luz das conclusões resultantes da análise textual efetivada neste capítulo.
CAPITULO III
CRÍTICAS ÀS TEORIAS SOBRE O BODE PARA AZAZEL
Este capítulo fará uma análise crítica das
principais teorias acerca da identidade do bode para Azazel. Indicaremos a
hipótese que oferece maior sustentabilidade, e buscaremos chegar a uma conclusão.
Crítica a Palavra “Azazel” como um Termo Técnico
Essa idéia parece ser a menos defendida pelos
autores modernos. Ela entende a palavra “Azazel” apenas como um termo técnico,
que traria a idéia de “inteira eliminação”, ou “inteira remoção”, ou ainda
“extirpação”. No entanto, tomar a palavra “Azazel” apenas como um “termo”,
destituído de personalidade, quebra o evidente paralelismo entre “YHWH” e
“Azazel”. Em outras palavras, se “YHWH” é um ser pessoal e se “Azazel” está em
paralelo com ele, o segundo também deveria ser um ser pessoal, interpretá-lo simplesmente
como um “termo” não cabe dentro do paralelismo. Embora a função do bode para
Azazel no Dia da Expiação era a de eliminar o pecado, sua função não deve ser confundida
com a personalidade a quem representava.
Crítica a Palavra “Azazel” como uma designação
geográfica
Embora a tradição judaica seja forte na defesa
da palavra “Azazel” como um local geográfico, essa interpretação apresenta
alguns problemas. A tradição mishnáica, de onde vem à principal fonte da
palavra “Azazel” como um “local”, é tardia. Ela não pode expressar, com
certeza, o entendimento desta palavra na época da composição de Levítico.
Talvez a tradição judaica adotou essa
interpretação com o propósito de refutar a crença de que os judeus ofereceram
sacrifício a demônios (Lv. 17:27).
O próprio contexto onde Levítico foi escrito
torna estranha a idéia de “Azazel” como um local geográfico. O santuário móvel
do deserto não poderia ter um local fixo onde o bode fosse jogado, visto que o
povo estava em constante mudança. Na
defesa dessa hipótese é apresentado um argumento filológico, onde se relaciona a
palavra “Azazel” com a palavra árabe “’azâzu”, que significa terra
escarpada. As duas palavras teriam um grau de parentesco e assim a palavra
“Azazel” teria um significado semelhante à palavra árabe. Segundo Tawil, o
argumento apresenta dificuldades filológicas40. A relação não oferece
consistência. Outro argumento contra a interpretação que vê a palavra “Azazel”
como um local geográfico, é o paralelismo existente entre as expressões “para
YHWH” e “para Azazel”. Se “YHWH” indica um ser pessoal “Azazel” também deve
indicar, se considerarmos a segunda expressão como qualquer coisa que não
indique personalidade, inclusive um local geográfico, o paralelismo é quebrado.
Nas palavras de Keil “o texto requer incondicionalmente”41 esse paralelismo
pessoal. Considerando, portanto, os argumentos acima essa hipótese torna-se
frágil.
Crítica a Interpretação do Bode Azazel como um
Símbolo de Cristo
Essa é a interpretação mais aceita entre os
cristãos. E como vimos no primeiro capítulo, ela se baseia na tradução adotada
pela LXX, Vulgata e outras traduções antigas que interpretam a palavra “Azazel”
como a ação realizada pelo bode (o bode que se vai). Dessa forma os dois bodes
simbolizariam duas fases distintas da obra de Cristo. A primeira de expiar o
pecado e a segunda de carregá-lo sobre si. Partindo desse pressuposto, os defensores
dessa idéia vêem no segundo bode um tipo de Cristo.
Basicamente, o primeiro ponto que milita contra
essa hipótese é o paralelismo incompleto que se forma quando não tomamos Azazel
como um ser pessoal que está em oposição a YHWH. Nesse caso “Azazel” seria uma
ação e não um ser pessoal. A leitura natural do texto torna clara a dificuldade
de entendermos a palavra “Azazel” como qualquer coisa que não seja um ser
pessoal. Segundo essa interpretação um bode teria que ser “para YHWH” e o outro
“para o bode que vai”. Fica clara a estranheza em separar um “bode”, “para o
bode que vai”. Essa interpretação foge a leitura natural do texto bíblico. A
interpretação que vê o bode para Azazel como um símbolo de Cristo esbarra em outro
problema, a função de ambos é diferente. Faltam elementos para ver no bode para
Azazel um tipo de Cristo. O principal ponto que podemos destacar é o fato de
que toda a obra de Cristo em perdoar os pecados, e ministrar no santuário
celestial, é baseada no derramamento de seu sangue. Se seu sangue não fosse
derramado, Cristo não poderia desempenhar nenhuma de suas funções como agente
da expiação. A função de Cristo como salvador, exige necessariamente seu
sacrifício (Hb 9:22). Porém, como já vimos anteriormente, o bode para Azazel
não era sacrificado e, por isso, sua função tipológica não estava ligada a
expiação, e sim a eliminação final dos pecados. O antítipo dessa função de eliminação
não é encontrado em Cristo. O bode para Azazel era também considerado como um
símbolo do responsável pelo pecado, e através dele o pecado era simbolicamente devolvido
ao seu originador. Cristo não é o culpado ou responsável pelos pecados. Ao assumir
sobre si nossos pecados, Cristo não estava recebendo de volta os pecados que originou,
conforme indicava o simbolismo do bode para Azazel. Apenas o primeiro bode, o bode
“para YHWH”, representava a obra de Cristo, não há nenhum indicativo de que o segundo
também o representava. Não existe nenhuma evidência bíblica que indique ambos os
bodes do Dia da Expiação como representantes da mesma obra, mas em etapas diferentes.
Se assim fosse não haveria necessidade de distingui-los, em um “para YHWH” e outro
“para Azazel”. Ademais, o sacrifício diário, que também era feito como um
símbolo do sacrifício de Cristo, não necessitava ser dividido em duas etapas. A
base do argumento que aponta o bode para Azazel, como um símbolo de Cristo,
parece ser muito mais homilética do que exegética. As pressuposições teológicas
e as traduções tendenciosas do texto massorético contribuíram para essa
interpretação duvidosa.
A Interpretação do Bode para Azazel como o
Epíteto de um Demônio
Essa hipótese se apresenta como a mais bem
fundamentada. A literatura judaica antiga traz Azazel como um ser demoníaco ou
um anjo caído. Ela não é totalmente conclusiva, mas traz um forte apoio a
interpretação que vê o bode para Azazel como um símbolo do demônio. A evidência
externa aponta ainda para um conceito comum nas religiões do antigo oriente
médio, a crença de que o deserto era um lugar de morada dos demônios. Essas
evidências coadunam com o contexto bíblico. O presente estudo não pretende ser
conclusivo, mas em vista as evidências que foram levantadas essa parece ser a hipótese
mais plausível.
As críticas contra essa interpretação argumentam
que se considerarmos o bode para Azazel como um símbolo do demônio, então o
demônio teria participação na salvação. Em resposta a essa afirmativa, conforme
já discutido no capitulo 2, o bode para Azazel não participava da expiação, mas
sua função estava ligada a eliminação dos pecados. A pergunta que surge então é
a seguinte: Onde e quando a figura antitípica do bode para Azazel e do ritual
da eliminação é encontrada?
O contexto de Levítico 16 é o Dia da Expiação
que é também o dia do juízo para o povo de Israel. Os pecados previamente
confessados e perdoados eram expiados e purificados pelos animais sacrificados.
Após o término de todo sacrifício, o bode para Azazel era introduzido e
eliminava esses pecados. Ele era um símbolo do verdadeiro culpado pelos pecados
que devia recebê-los de volta. Na base do texto bíblico, a Igreja Adventista do
Sétimo Dia vê no bode para Azazel um símbolo de Satanás. A escatologia
adventista interpreta o momento em que o bode para
Azazel é enviado ao deserto como um tipo que
encontrará seu antítipo por ocasião do milênio de Apocalipse, onde Satanás é
banido para a terra desolada (Ap. 20:1-3), e finalmente destruído após o
milênio42. Como o pecador arrependido foi liberto da condenação final do
pecado, através da morte e ministério de Cristo, toda consequência desses
pecados será levada de volta para seu originador (Satanás).
Dessa forma, o bode para Azazel é visto como uma
representação do ato escatológico de Deus em levar os pecados perdoados de
volta para seu originador, para que esse sofra por eles, e seja finalmente destruído.
CONCLUSÃO
O trabalho pretendeu fazer uma análise das principais
interpretações acerca da identidade do bode para Azazel. As teorias que
entendem a palavra “Azazel” como um termo técnico que poderia significar um
local, ou uma ação, recebeu menos atenção pela fraqueza de seus argumentos e o
número menor de seus defensores. Especial atenção foi dada às hipóteses que
vêem o bode para Azazel como um símbolo de Cristo e um símbolo
do demônio, justamente por serem tão
antagônicas. A última hipótese demonstrou-se mais consistente, principalmente
quando
analisamos qual era a função do bode no ritual
da expiação, e percebemos como ela difere da função tipológica de Cristo,
especialmente por dois motivos: 1) O bode não participa da expiação, pois seu
sangue não é derramado, ele é apenas um instrumento para eliminar o pecado do
santuário carregando-o ao deserto; 2) O ato de confessar o pecado sobre o bode
e enviá-lo ao deserto, simboliza a devolução do pecado ao seu verdadeiro
culpado, e parece ser um símbolo do ato final de Deus em devolver o pecado a
Satanás. Portanto, acreditamos que esta seja a hipótese mais razoável do
sentido da figura do bode para Azazel.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFICAS
Allis,
O. T. O novo comentário da Bíblia. São Paulo: Sociedade Religiosa
Edições Vida
Nova, 1954. 1:171.
Badina, J. “The Millennium”. em F. B.
Holbrook ed. Symposium on Revelation- Book II,
Daniel & Revelation Committee Series.
v.7. Silver Spring: Biblical Research
Institute, 1992. 237.
Blaser,
P. “Azazel”. em Enciclopedia de la Biblia. Ed. A. Díez-Macho. Barcelona:
Ediciones
Garriga, 1963. 1:958-961
Brown, F. ed., A Hebrew and English
Lexicon of the Old Testament. Oxford: Clarendon
Press, 1992. 752.
Calvin, J. Calvin’s Commentaries. Grand
Rapids, MI: Associated Publishers and Authors
Inc.,
[19--?]. 791.
Champlin,
R. N. Antigo Testamento interpretado. São Paulo: Editora Hagnos, 2001.
1:
4143,
4144.
De
Vaux, R. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Editora
Teológica,
2003.
545.
Eichrodt,
W. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2004. 681.
Harris, R. L. “Leviticus”. em The
Expositors Bible Commentary. v.2. Ed. Gaebelein, F. E.
Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing
House, 1990. 590, 591.
________
“Kapar”. Em Dicionário internacional de teologia do Antigo
Testamento. Ed.
R.
Lair Harris. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 2005. 744
Harrison,
Roland K. Levítico: Introdução e Comentário. São Paulo:
Associação Religiosa
Editora
Cristã e Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1989. 157.
Hartley, J. E. Leviticus. Word
Biblical Commentary. Dallas: Word Books, 1992. 238.
Hasel, G. F. “The Day of Atonoment”. Ed.
A. V. Wallenkampf. The Sanctuary and the
Atonement: Biblical, Historical and
Theological Studies. Washington
DC.: The
Review and Herald Publishing Association,
1981. 91-96.
Hastings, J. The Great Texts of the
Bible. Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1976.
1:356.
Janowsky, B. “Azazel”. Em Dictionary of
Deities, and Demons in the Bible. Ed. Karel Van
Der Toorn. Grand Rapids, MI: Willian B.
Eerdmans, 1999. 129-130.
27
Keil, C. F. Old Testament Commentaries:
Genesis to Judges. Chicago: Associated
Publishers and Authors Inc., [19--?].
1:683.
Levine, B. A. Em Leviticus: The JPS
Torah Commentary.v.3. Ed. N. M. Sarna. New York:
The Jewish Publication Society, 1989.
101-103.
Martínez, F. G. The Dead Sea Scrolls
Translated. Grand Rapids, MI: Willian B. Eerdmans,
1996. 212, 248-252.
Neusner, J. The Mishná - a New
Translation. New Haven, CT: Yale University Press,
1988. 275.
Peisker, A. D. The Wesleyam Bible
Commentary. Grand Rapids, MI: Willian B. Eerdmans
Publishing Company, 1967. 338.
Poole, M. A Commentary on the Holy
Bible. S.l.: The Banner of Truth Trust, 1962. 1:231.
Rodrigues, A. M. “Transfer of Sin in
Leviticus”. Em Frank B. Holbrook ed. 70 Weeks,
Leviticus, Nature of Prophecy. Daniel & Revelation Committee Series.
v.3.
Washington, DC: Biblical Research
Institute, 1986.172-180.
Schultz,
C. “Azazel, bode emissário”. Em Dicionário Internacional de Teologia do
Antigo
Testamento. Ed. R. Lair Harris. São Paulo: Sociedade
Religiosa Edições Vida Nova,
2005. 1099.
Shea, W. H. “Azazel na Literatura
pseudo-epígrafa” Journal of the Adventist Theological
Society, 13/01(spring 2002):1-9.
Sparks, H. F. D., ed. The Apocryphal
Old Testament. Oxford: Clarendon, 1984. 1:174
Stott,
J. R. W. A Cruz de Cristo. São Paulo: Editora Vida, 1986. 130- 131.
Treyer,
A. R. El Día de la Expiación y la Purificación del Santuario. Buenos Aires:
Asociación Casa Editora Sudamericana,
1988. 32.
Volck, W., “Azazel”. Em The New
Schaff-Hezog Encyclopedia of Religious Knowledge.
Ed. Samuel Macauley Jackson. Grand Rapids,
MI: Baker Book House, 1966. 1:389.
Wenham, Gordon J. The Book of
Leviticus. Em The New Internacional Commentary on the Old
Testament, v. 3, ed. R. K. Harrison. Grand
Rapids, MI: Willian B. Eerdmans, 1979.
233-234.
Wright, P. D., “Atonement, Day of”. Em The
Anchor Bible Dictionary. 6 vols. Ed. David
Noel Freedman. New York: Doubleday, 1992. 1: 536-537.
FONTE:
Sidnei da Rosa
FIM
Sem comentários:
Enviar um comentário