A DOXOLOGIA DO
PAI NOSSO
Denomina-se Doxologia do Pai Nosso a parte final da Oração do Senhor, ou
sejam as palavras: “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém.”
Esta doxologia tem sido questionada pelos eruditos da Crítica Textual, mas
como estamos acostumados a usá-la e diante da sua beleza e solenidade, parece ser quase temeridade
ventilar este problema. Mas sendo ele real, precisamos tratar dele
realisticamente. O Pastor Cristianini a ele se referiu, em artigo no Ministério
Adventista, Maio-Junho de 1972, páginas 16 e 17;
posteriormente, pela mesma revista, Janeiro-Fevereiro de 75, o Professor Aécio
Cairus do nosso colégio irmão da Argentina, tocou na mesma tecla, reconhecendo
que ela não foi ensinada por Cristo, mas talvez por predileção pessoal, insiste
que estas palavras não devem ser retiradas.
Apresentarei o problema, porque todas as pessoas esclarecidas devem
conhecê-lo evidentemente, deixando a cada um o direito de seguir a orientação
que melhor lhe convier.
Sempre me lembro
do incidente passado na sala onde Cristo foi julgado, com um grupo de turistas
e a freira que nos orientava.
Depois de interessante e útil palestra relembrando episódios do julgamento
de Cristo, ela pediu que todos juntos cantássemos um hino católico, que nós
desconhecíamos. Pastor Vyhmeister, líder do grupo, atalhou incontinenti,
sugerindo que todos recitássemos a Oração do Senhor, o que foi feito sob a
liderança da freira. Chegando á expressão — livra-nos do mal, ela silenciou, enquanto todos prosseguimos na doxologia.
Sem dúvida ela estava mais certa do que nós.
Para melhor compreensão deste estudo, são necessárias algumas rápidas
noções de Crítica Textual, como classificação dos manuscritos, seu agrupamento
em famílias e o que é uma variante.
1. Classificação
de Manuscritos.
À medida que novos manuscritos iam sendo descobertos, os estudiosos
sentiram a necessidade de classificá-los, visando facilitar seu estudo e
referências posteriores.
A primeira classificação foi feita por Johann Jacob Wettestem, na
introdução de uma edição critica do Novo Testamento Grego, publicado em
1751-1752. Ele classificou os manuscritos unciais conhecidos, pelas letras do
alfabeto latino e os minúsculos pelos números arábicos — 1, 2, 3, 4, 5 etc. Os papiros ainda não
eram conhecidos no seu tempo. Posteriormente, Tischendorf e Von Soden,
prosseguiram neste processo classificatório, mas estes estudos foram colocados
de lado, especialmente o de Von Soden devido à complexidade do seu processo. A
classificação aceita hoje, mundialmente, é a de Gaspar René Gregory, que nada
mais é do que a ampliação do processo começado por Wettestein.
Tischendort introduzira as letras do alfabeto grego para os unciais, desde
que as letras do alfabeto latino já não eram suficientes para os manuscritos
conhecidos no seu tempo.
Em 1900, em virtude do número de manuscritos unciais, haver superado as
letras dos alfabetos grego e latino, Gregory sugeriu que os unciais fossem
designados por números arábicos, precedidos de um zero, para não haver confusão com os
minúsculos.
O único manuscrito classificado com letra do alfabeto hebraico foi o
sínaítico, que recebeu a letra alef, isto para destacá-lo dos demais, a pedido
de Tischendorf.
Os papiros foram classificados com
a letra P seguida de um número P1, P2,
P3, P4, P5, P6.
Dos manuscritos unciais os mais conhecidos são estes:
A - alef ou 01
A — alexandrino ou 02
B — vaticano ou 03
C — efraímita ou 04
A — alexandrino ou 02
B — vaticano ou 03
C — efraímita ou 04
O número aproxiamado dos manuscritos existentes é mais ou menos o seguinte:
Unciais 250, minúsculos 2.700, papiros 80, lecionários 2.000.
II. Famílias
de Manuscritos
Os manuscritos são classificados em famílias, levando-se em consideração as semelhanças ou
diferenças que apresentam. A finalidade desta classificação foi descobrir os
manuscritos
mais antigos, porque mais se
deveriam assemelhar aos originais. S5o quatro as principais famílias de
manuscritos:
a) Bizantina com sede em Antioquia;
b) Ocidental
com sede em
Roma;
c) Alexandrina
com sede em Alexandria;
d) Cesareense
com sede em
Cesaréia.
III. Variante.
É a maneira diferente da mesma
passagem se apresentar nos manuscritos. Expressando-nos de outra maneira.
Quando os manuscritos que contém a Bíblia em seu idioma original diferem entre
si em algum pormenor, o modo diferente de cada manuscrito chama-se “variante”.
A finalidade principal da Critica Textual é concluir qual seja a melhor
variante, indubitavelmente a que tem mais probabilidade de ser a original e
autêntica.
O Novo Testamento Grego, normalmente, traz uma folha com o Aparato
Crítico, conjunto de sinais indicando as mudanças que copistas, algumas vezes
intencionalmente, porém, muitas outras despercebidamente introduziram no texto
que estavam copiando. É papel
primordial da crítica textual detectar estas variantes, escoimando o texto das
omiss5es, mudanças ou acréscimos que por acaso tenham aparecido.
Após esta digressão pelo reino da Crítica Textual, façamos alguns
comentários sobre o término do Pai Nosso.
Quase todas as Bíblias evangélicas registram estas palavras finais,
enquanto as Bíblias católicas jamais perfilharam este caminho. Modernamente há
a tendência de eliminá-la nas Sociedades Bíblicas, como podemos notar na American
Standard Version (1901), na The New English Bible (1970), e em O Novo Testamento Vivo. A Almeida Revista e Atualizada no Brasil e o Novo Testamento na Linguagem de Hoje
a colocam entre colchetes, como indicação de que
esta parte não se encontra no texto grego que serviu de base para a tradução.
A Crítica Textual, depois de um estudo minudente e consciencioso, concluiu
que ela apenas se encontra nos seis seguintes manuscritos unciais: K, L, W,
deita, teta, e Pi. Os peritos nesta matéria estão bem cientes de que estes
manuscritos, dos 252 existentes, não estão entre os mais significativos. Dos
2.700 manuscritos cursivos, apenas 19 apresentam a doxologia. Poucas das
inúmeras vers5es antigas, como a siríaca, copta, latinas, etíope, armênia, egípcia, gótica a
consignam. Diante desta realidade os entendidos da Crítica Textual da Bíblia
aconselham os tradutores a suprimirem difinitivamente a doxologia.
O Comentário Adventista segue orientação idêntica ao
declarar:
“Esta cláusula apresenta a doxologia do Pai Nosso. Importante evidência
textual pode ser citada em favor da sua omissão. Não consta da versão de S. Lucas
desta oração (S. Luc. 11: 4). Contudo, o sentimento que ela expressa é
escriturístico, em estilo paralelo com I Crôn. 29:11-13.”
Como Surgiu a Doxologia?
Algum copista, conhecedores de outras orações que continham esta
terminação, e crendo que o Pai Nosso estava incompleto, achou por bem
acrescentá-la, na página que estava copiando. Outros copistas, observando que
a doxologia dava realce e beleza à oração, seguiram a mesma trilha, fazendo assim
com que ela fosse proliferando em vários textos gregos, até chegar ao Novo
Testamento Grego de Erasmo e ao famoso Textus
Receptus. Os manuscritos usados por Erasmo,
segundo os estudiosos foram 13, pertencentes à família bizantina, que continha
a doxologia. Os manuscritos cesareenses também a trazem, mas ela não se
encontra nas outras duas famílias.
Os comentaristas têm chegado à conclusão de que a Oração de Davi de I
Crôn. 29: 10-19, onde há uma doxologia deve ter influenciado algum copista a
colocar uma idêntica na oração de Cristo. Note bem as palavras dos versos 11 a
13.
“Tua, Senhor, é a grandeza, o poder, a honra, a vitória e a majestade;
porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu, Senhor, é o reino, e tu
te exaltaste por chefe sobre todos.
“Riquezas e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo, na tua mão há força e
poder; contigo está o engrandecer e a tudo dar força.
Agora, pois, á nosso Deus, graças te damos, e louvamos o teu glorioso
nome.”
Uma outra semelhante doxologia, apenas mais reduzida, é encontrada em II
Tim. 4:18, rezando assim:
“A ele glória pelos séculos dos séculos. Amém.”
Para concluir este comentário, quero acrescentar as palavras do Professor
Aécio Cairus:
“Toda evidência textual a
favor da doxologia pode, pois, reduzir-se a estas duas famílias: cesareense e
antioquiense. Por exemplo, a mui autorizada versão Peshitto (siríaca) é tomada
também de manuscritos antioquienses. O interessante é que estas duas famílias
‘mancam da mesma perna’: suas variantes têm a tendência de serem expressões
mais polidas e literalmente mais elegantes que as de outros manuscritos. Como a
doxologia é um agregado que dá mais polimento
e elegância ao Pai Nosso, o testemunho antioquiense e cesareense é suspeito.
Por outro lado, os manuscritos ocidentais têm a tendência para variantes
longas e intercalações, pelo que o seu silêncio aqui resulta em testemunho
contra, bastante forte.
“Outra evidência externa confirma as primeiras impressões: a Didaquê,
espécie de manual eclesiástico do segundo século prescreve belas liturgias para
todas as ocasiões, com doxologia muito semelhante a de que nos ocupamos.
Quando cita o Pai Nosso, fá-lo com esta doxologia, e a área de influência da
Didaquê foi justamente a costa oriental do Mediterrâneo (incluindo-se Cesaréia
e Antioquia). Daria a impressão de que as palavras com que finaliza o Pai Nosso
em nossa Bíblia se originaram com esta liturgia e foram incluídas involuntariamente (pela força do constante
ouvir) pelos copistas cesareenses e antioquienses nas Escrituras.
“Conquanto as evidências aqui apresentadas não sejam a rigor definitivas,
ilustram muito bem princípios que convêm conhecer. De qualquer modo, não há
porque interromper o costume de usar estas formosas palavras quando oramos. O
comentário ou utilização que delas faz a Sra. White, só garantem a sanidade e
veracidade declarativas não a origem ou canonicidade, a menos que queiramos
canonizar também os escritos pagãos que Paulo cita, para exemplo. Mas nos dão
razões de sobra para utilizar a formosa doxologia sem a qual, para os que
estamos habituados a ouvi-la, o Pai Nosso perderia algo de sua sonoridade.” O
Ministério, Janeiro—Fevereiro de 1975, páginas 13e
16.
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